27º Domingo do Tempo Comum - Ano B

27º Domingo do Tempo Comum - Ano B




Roteiro Homilético cnbbleste2.org.br
1ª LEITURA - Gn 2,18-24
Parece que o texto de hoje começa formulando o grande projeto de Deus sobre o homem. Esse projeto é uma comunhão profunda de vida. Não nascemos para a solidão. A solidão é má, enquanto tudo o que Deus fez é bom e belo. Então, o texto de hoje mostra o processo da passagem solidão-maldição para a comunhão-bênção. Temos duas tentativas.

A primeira tentativa é quando Deus plasma da terra os animais e as aves e os leva ao homem. É o homem que dá nome aos animais. Esse modo de falar é para mostrar o domínio do homem sobre tudo o que foi criado; ele participa assim da obra criadora de Deus. O homem tem assim poder e domínio. Mas isso não realiza o projeto da comunhão-bênção. O homem poderoso vive na solidão de seu poder. Ele não é para ninguém, ele não vive para ninguém. Ele só vive para si mesmo, e tudo e todos contribuem para o seu egocentrismo.

A segunda tentativa é quando o texto, lembrando que nada era semelhante ao homem e ele não tinha nenhuma auxiliar, nenhuma companheira, mostra Deus modelando a mulher a partir de uma costela do homem. Esta primeira declaração de amor na Bíblia mostra todo o processo do projeto comunhão-bênção. “Desta vez sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne”. O homem foi feito para a mulher e a mulher feita para o homem, para viverem numa comunhão profunda de amor, de doação, de entrega. No amor o egoísmo é morte, é destruição, é aniquilamento. Homem e mulher foram criados para serem uma só carne, para viverem a unidade, a comunhão. O texto mostra ainda muita coisa bonita. A criação da mulher como segredo de Deus (o homem dormia), como dom gratuito de Deus (o homem não participa). O texto salienta muito a igualdade, pois foi tirada do meio do homem (é uma crítica severa ao domínio do machismo). Como vai o projeto de Deus hoje?



2ª  LEITURA - Hb 2,9-11
O autor da carta aos hebreus está procurando solucionar algumas dificuldades dos seus destinatários: eles não conseguem aceitar as humilhações inerentes à encarnação do Filho de Deus. O sofrimento do homem é inaceitável para eles, o de Jesus, então, é um escândalo. Eles gostariam que a salvação acontecesse logo, eliminando, uma vez por todas, a dor e a morte. O autor, então, mostra que Jesus, nascendo entre nós, se torna irmão nosso, solidário conosco em tudo (menos no pecado). Jesus conquistou a perfeição através do sofrimento solidário. Se os homens fossem bons, Jesus não precisaria ter sofrido. Mas os homens rejeitaram sua mensagem, o perseguiram e o condenaram à morte. Tudo foi aceito para a nossa salvação, para a glória de todos nós. O texto diz que Jesus provou a morte pela graça de Deus em nosso favor. Ele com seu sacrifício substitui todos os sacrifícios do Primeiro Testamento. Ele é nosso único mediador e salvador. O primeiro versículo do texto de hoje é uma referência ao Sl 8: através de sua encarnação, Jesus como homem, foi feito pouco menos que os anjos. Mas, para solucionar as dificuldades dos destinatários, nosso texto salienta a solidariedade de Jesus com os homens para refazer o projeto original de comunhão, que o homem destruiu com o pecado. Diante da nossa situação de pecado, violência e morte o único jeito que Deus encontrou para refazer o projeto original de comunhão foi a solidariedade do seu Filho através da encarnação, sofrimento e morte. É assim que Jesus chega à perfeição como homem e é coroado de glória e de honra. Jesus refez assim o projeto de comunhão dos homens entre si e do homem com Deus. Como vemos o sofrimento e a morte?



EVANGELHO - Mc 10,2-16
Nosso texto aborda dois temas: o matrimônio cristão, restituído ao projeto original, acompanhado da proibição do divórcio e o tema da criança-servo como modelo do reino.

Sobre o matrimônio
O matrimônio é indissolúvel. Moisés só permitiu o divórcio por causa da dureza do coração dos judeus, mas, no princípio, não era assim (cf. primeira leitura). Algumas considerações:

1) O divórcio permitido por Moisés era para proteger a mulher, pois, por causa do machismo, ela era despedida por qualquer razão, até mesmo as mais banais.

2) Com o documento de divórcio a mulher ficava livre para qualquer casamento sem ser acusada de adultério. Mas não levaram essa lei a sério, apenas a manipulavam de modo arbitrário e machista.

3) A resposta de Jesus condena a prática farisaica como impiedosa e idolátrica, pois a expressão “dureza de coração” significa desobediência ao projeto de Deus, que é um projeto de unidade, de comunhão. O divórcio, portanto, é proibido.

4) Depois, mais diretamente, Jesus coloca o matrimônio na perspectiva do projeto original de Deus, uma vez que os laços matrimoniais, mais fortes que os laços de parentesco ou sangue, formam uma unidade corpórea indissolúvel (Gn 1,27 e 2,24).

5) Em casa, Jesus explica aos discípulos que homem ou mulher divorciados, se casarem de novo, viverão em adultério. Homem e mulher são colocados por Jesus em igualdade de condição e com igual responsabilidade.

Sobre as crianças
Jesus se aborreceu com os discípulos, porque eles estavam proibindo as pessoas de trazerem crianças para Jesus as tocar e abençoar. Jesus se aborreceu por quê? Jesus quer impor as mãos sobre as crianças e abençoá-las, pois o Reino de Deus pertence a elas e elas são o modelo do Reino. De fato as crianças representavam os mais pobres e marginalizados, por serem indefesas, sem poder de decisão, sem vez e sem voz. Jesus se aborrece, porque percebeu que os discípulos não tinham entendido nada de sua mensagem e predileção pelos perseguidos e marginalizados. As crianças, na verdade, são desapegadas, receptivas e acolhedoras. A sua opinião sobre o divórcio e sobre os pobres e marginalizados é cristã?


Roteiro Homilético 1 - Liturgia: Mensagem franciscanos.org

“O que Deus uniu, o homem não deve separar”
1ª Leitura: Gn 2,18-24
Salmo: 127
2ª Leitura: Hb 2,9-11
Evangelho: Mc 10,2-16
2 Alguns fariseus se aproximaram deJesus. Queriam tentá-lo e lhe perguntaram se a Lei permitia um homem se divorciar da sua mulher. 3 Jesus perguntou: «O que é que Moisés mandou vocês fazer?» 4 Os fariseus responderam: «Moisés permitiu escrever uma certidão de divórcio e depois mandar a mulher embora.» 5 Jesus então disse: «Foi por causa da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse mandamento. 6 Mas, desde o início da criação, Deus os fez homem e mulher. 7 Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe, 8 e os dois serão uma só carne. Portanto, eles já não são dois, mas uma só carne. 9 Portanto, o que Deus uniu, o homem não deve separar.»
10 Quando chegaram em casa, os discípulos fizeram de novo perguntas sobre o mesmo assunto. 11 Jesus respondeu: «O homem que se divorciar de sua mulher e se casar com outra, cometerá adultério contra a primeira mulher. 12 E se a mulher se divorciar do seu marido e se casar com outro homem, ela cometerá adultério.»
O Reino pertence aos pobres -* 13 Depois disso, alguns levaram crianças para que Jesus tocasse nelas. Mas os discípulos os repreendiam. 14 Vendo isso, Jesus ficou zangado e disse: «Deixem as crianças vir a mim. Não lhes proíbam, porque o Reino de Deus pertence a elas. 15 Eu garanto a vocês: quem não receber como criança o Reino de Deus, nunca entrará nele.» 16 Então Jesus abraçou as crianças e abençoou-as, pondo a mão sobre elas.
* 10,1-12: Jesus recusa ver o matrimônio a partir de permissões ou restrições legalistas. Ele reconduz o matrimônio ao seu sentido fundamental: aliança de amor e, como tal, abençoada por Deus e com vocação de eternidade. Diante desse princípio fundamental, marido e mulher são igualmente responsáveis por uma união que deve crescer sempre, e os dois se equiparam quanto aos direitos e deveres.
* 13-16: Aqui a criança serve de exemplo não pela inocência ou pela perfeição moral. Ela é o símbolo do ser fraco, sem pretensões sociais: é simples, não tem poder nem ambições. Principalmente na sociedade do tempo de Jesus, a criança não era valorizada, não tinha nenhuma significação social. A criança é, portanto, o símbolo do pobre marginalizado, que está vazio de si mesmo, pronto para receber o Reino.


Ser discípulo: o matrimônio segundo o Projeto de Deus
O tema de hoje é o matrimônio, porém, não sob o ângulo da casuística, mas sob o ângulo da vontade de Deus. Pois Jesus veio trazer presente o Reino de Deus, também quanto ao matrimônio: é preciso que seja restaurado no sentido que Deus mesmo lhe deu, desde o início. Este sentido se encontra descrito em Gn 2 (1ª leitura): preocupado com a felicidade de Adão, “o Homem”, Deus lhe procura uma companhia, mas como entre os outros seres vivos não a encontra, faz a mulher, da “metade” do homem. Esta narração significa a complementaridade de homem e mulher, que se transforma numa unidade de vida (“uma só carne”), quando o homem opta por uma mulher e, por causa desta opção, deixa sua família de origem e a segurança que lhe oferecia. Pois casar é um risco e um compromisso.
Na história da humanidade e de Israel, a vontade inicial de Deus nem sempre se realizou, e tal deficiência não é curada pelo progresso ou pela evolução. Estamos hoje tão longe do ideal de Deus quanto as civilizações antigas. O problema é que o plano de Deus só se realiza no amor, e este ficará sempre igualmente difícil para a humanidade. Sempre houve muito desamor. Chefes de família patriarcal que achavam que precisavam de outra esposa. Casamentos interesseiros, que não deram certo. E muitas outras razões pelas quais os homens achavam legítimo despedir suas mulheres. Para pelo menos lhes dar uma proteção legal, a legislação deuteronomística previu que as mulheres repudiadas recebessem um certificado (Dt 24, 1). Os escribas, sabendo que Jesus não gostava da prática do divórcio (como antes dele Ml 2,14-16), quiseram experimentar se ele também rejeitava a Lei a respeito do certificado de divórcio (evangelho). A resposta de Jesus é astuta e adequada ao mesmo tempo. A legislação do divórcio é legislação feita para enfrentar a maldade humana (como a grande maioria das leis). Mas o plano de Deus a respeito do matrimônio se situa num outro nível, o da vontade de Deus, que é amor. Jesus não veio fazer casuística, ensinar qual é o mal menor. Ele veio trazer presente o Reino de Deus, o fim do mal. Para praticar o divórcio, a humanidade não precisa de uma palavra de Jesus, de uma mensagem de Deus. Já o faz por conta própria. Mas para voltar ao sonho de Deus referente ao amor humano, sim, precisa do evangelho.
(Na leitura completa do evangelho, segue agora um trecho sobre ser como crian­ças para receber o Reino de Deus. A mensagem reforça a anterior: para aceitar a vonta­de originária do Pai, é preciso ser simples e humilde.)
Começa hoje, na 2a leitura, uma seqüência da Carta aos Hebreus. A mensagem é um tanto difícil. Exige uma explicação especial, para colocar os ouvintes a par dos princípios da “cristologia sacerdotal” que marca esta carta. Para o autor de Hb, Jesus é sacerdote, “santificador”, por excelência, por serem sua humanidade e despojamento os instrumentos pelos quais ele santifica toda a condição humana. Santificou-nos por sua fraternidade conosco.
Chamam nossa atenção as belas orações. Enquanto a oração do dia testemunha uma ilimitada confiança filial, a oração final condensa toda uma teologia eucarística: o sinal produz o que ele significa, a transformação do homem naquilo que ele recebe no sacramento: em Cristo mesmo.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes


O matrimônio segundo Jesus
Os evangelhos deste período litúrgico constituem uma sequência que podemos resumir no termo “discipulado”. O evangelista Marcos mostra Jesus a caminho, subindo a Jerusalém (Mc 8,31-10,45). Caminhando, Jesus ensina o caminho do Filho do Homem: sofrimento, cruz e ressurreição. Este ensinamento itinerante de Jesus é balizado pelos três anúncios da paixão (8,31-32; 9,30-32; 10, 32-34). Esses anúncios são entremeados por ensinamentos que explicam em que consiste ser discípulo e seguir Jesus. Ora, também um casamento fiel faz parte do seguimento de Jesus, do discipulado. Esse é o evangelho de hoje.
A legislação matrimonial do Antigo Testamento era um pouco mais frouxa que a moral católica hoje. Não proibia o homem de ter diversas mulheres, apenas aconselhava que não fossem muitas. Permitia ao homem despedir uma mulher quando notava algo desagradável (o quê, isso era objeto de discussão entre os doutores). Moisés até ordenou que, no caso de a mulher ser despedida, ela recebesse um atestado dizendo que estava livre (Dt 24,1); uma carta de demissão para que procurasse outro emprego… Por isso, Jesus é radical: quem despede sua mulher para casar com outra comete adultério contra ela, é infiel a seu amor. E para arrimar sua opinião, Jesus invoca a primeira página da Bíblia, bem anterior à “jurisprudência” de Moisés: Deus os criou homem e mulher, o homem deixará pai e mãe, os dois serão uma só carne – uma só realidade humana – e o que Deus uniu o homem não separe (1ª leitura). Assim é que Deus quis as coisas desde a criação. Ora, Jesus é o Messias que vem restaurar as coisas conforme o plano de Deus. Tinha de falar assim mesmo. (Outra coisa é quando um governo civil admite o divórcio: o governo não é o Messias… Tem de fazer como Moisés: dar uma legislação para a fraqueza, para a “dureza de coração”, para limitar o estrago…)
O projeto de fidelidade absoluta no amor faz do matrimônio fiel um sinal eficaz do amor de Deus para seu povo: um sacramento. Em Ef, 5,22-33, Paulo relaciona o amor de esposo e esposa com o amor que Cristo tem para a Igreja e chama isso de grande mistério ou sacramento. Ora, neste mistério de amor está presente o caminho de Cristo: assumir a cruz nos passos de Jesus.
Essa sublime vocação do matrimônio indissolúvel é hoje fonte de violentas críticas à Igreja. Que fazer com os que fracassam? Objetivamente falando, sem inculpar ninguém – pois desculpa só Deus entende, e perdoa – devemos constatar que há fracassos, e que fica muito difícil celebrar um “sinal eficaz do amor inquebrantável de Jesus” na presença de um matrimônio desfeito… Por isso, a Igreja não reconhece como sacramento o casamento de divorciados. Teoricamente, se poderia discutir se o segundo casamento não pode ser aceito como união não-sacramental (como se faz na Igreja Ortodoxa). E observe-se que muitos casamentos em nosso meio são, propriamente falando, inválidos, porque contraídos sem suficiente consciência ou intenção; poderiam, portanto, ser anulados (como se nunca tivessem existido).
Em todo caso, o matrimônio cristão, quando bem conduzido em amor inquebrantável, é uma forma de seguir Jesus no caminho do dom total.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes


Roteiro Homilético 2 - Liturgia: Dehonianos de Portugal

Tema do 27º Domingo do Tempo Comum

As leituras do 27º Domingo do Tempo Comum apresentam, como tema principal, o projecto ideal de Deus para o homem e para a mulher: formar uma comunidade de amor, estável e indissolúvel, que os ajude mutuamente a realizarem-se e a serem felizes. Esse amor, feito doação e entrega, será para o mundo um reflexo do amor de Deus.
A primeira leitura diz-nos que Deus criou o homem e a mulher para se completarem, para se ajudarem, para se amarem. Unidos pelo amor, o homem e a mulher formarão “uma só carne”. Ser “uma só carne” implica viverem em comunhão total um com o outro, dando-se um ao outro, partilhando a vida um com o outro, unidos por um amor que é mais forte do que qualquer outro vínculo.
No Evangelho, Jesus, confrontado com a Lei judaica do divórcio, reafirma o projecto ideal de Deus para o homem e para a mulher: eles foram chamados a formar uma comunidade estável e indissolúvel de amor, de partilha e de doação. A separação não está prevista no projecto ideal de Deus, pois Deus não considera um amor que não seja total e duradouro. Só o amor eterno, expresso num compromisso indissolúvel, respeita o projecto primordial de Deus para o homem e para a mulher.
A segunda leitura lembra-nos a “qualidade” do amor de Deus pelos homens… Deus amou de tal forma os homens que enviou ao mundo o seu Filho único “em proveito de todos”. Jesus, o Filho, solidarizou-Se com os homens, partilhou a debilidade dos homens e, cumprindo o projecto do Pai, aceitou morrer na cruz para dizer aos homens que a vida verdadeira está no amor que se dá até às últimas consequências. Ligando o texto da Carta aos Hebreus com o tema principal da liturgia deste domingo, podemos dizer que o casal cristão deve testemunhar, com a sua doação sem limites e com a sua entrega total, o amor de Deus pela humanidade.


LEITURA I – Gn 2,18-24

Leitura do Livro do Génesis

Disse o Senhor Deus:
«Não é bom que o homem esteja só:
vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele».
Então o Senhor Deus, depois de ter formado da terra
todos os animais do campo e todas as aves do céu,
conduziu-os até junto do homem,
para ver como ele os chamaria,
a fim de que todos os seres vivos fossem conhecidos
pelo nome que o homem lhes desse.
O homem chamou pelos seus nomes
todos os animais domésticos, todas as aves do céu
e todos os animais do campo.
Mas não encontrou uma auxiliar semelhante a ele.
Então o Senhor Deus fez descer sobre o homem
um sono profundo
e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma costela,
fazendo crescer a carne em seu lugar.
Da costela do homem o Senhor Deus formou a mulher
e apresentou-a ao homem.
Ao vê-la, o homem exclamou:
«Esta é realmente osso dos meus ossos e a minha carne.
Chamar-se-á mulher, porque foi tirada do homem».
Por isso, o homem deixará pai e mãe,
para se unir à sua esposa,
e os dois serão uma só carne.

AMBIENTE

O texto de Gn 2,4b-3,24 – conhecido como relato jahwista da criação – é, de acordo com a maioria dos comentadores, um texto do séc. X a.C., que deve ter aparecido em Judá na época do rei Salomão. Apresenta-se num estilo exuberante, colorido, pitoresco. Parece ser obra de um catequista popular, que ensina recorrendo a imagens sugestivas, coloridas e fortes. Não podemos, de forma nenhuma, ver neste texto uma reportagem jornalística de acontecimentos passados na aurora da humanidade. A finalidade do autor não é científica ou histórica, mas teológica: mais do que ensinar como o mundo e o homem apareceram, ele quer dizer-nos que na origem da vida e do homem está Jahwéh. Trata-se, portanto, de uma página de catequese e não de um tratado destinado a explicar cientificamente as origens do mundo e da vida.
Para apresentar essa catequese aos homens do séc. X a.C., os teólogos jahwistas utilizaram elementos simbólicos e literários das cosmogonias mesopotâmicas (por exemplo, a formação do homem “do pó da terra” é um elemento que aparece sempre nos mitos de origem mesopotâmicos); no entanto, transformaram e adaptaram os símbolos retirados das narrações lendárias de outros povos, dando-lhes um novo enquadramento, uma nova interpretação e pondo-os ao serviço da catequese e da fé de Israel. Ou seja: a linguagem e a apresentação literária das narrações bíblicas da criação apresentam paralelos significativos com os mitos de origem dos povos da zona do Crescente Fértil; mas as conclusões teológicas – sobretudo o ensinamento sobre Deus e sobre o lugar que o homem ocupa no projecto de Deus – são muito diferentes.
O texto que nos é hoje proposto como primeira leitura situa-nos no “jardim do Éden”, um espaço ideal onde Deus colocou o homem que criou, um ambiente de felicidade material onde todas as exigências da vida humana estavam satisfeitas. É um lugar de água abundante e com muitas árvores (para quem sentia pesar sobre si a ameaça do deserto árido, o ideia de felicidade seria um lugar com muita água, um clima de frescura, um ambiente de árvores e de verdura abundante). O homem tinha, então, tudo para ser feliz? Ainda não. Na perspectiva do catequista jahwista, o homem não estava plenamente realizado, pois faltava-lhe alguém com quem compartilhar a vida e a felicidade. O homem não foi criado para viver sozinho, mas para viver em relação. É esse problema que Deus, com solicitude e amor, vai resolver…

MENSAGEM

Depois de criar o homem e de o colocar no “jardim” da felicidade, Deus constatou a solidão do homem e quis dar-lhe solução. Como?
Num primeiro momento, Deus fez desfilar diante do homem “todos os animais do campo e todas as aves do céu”, a fim de que o homem os chamasse “pelos seus nomes” (vers. 19). Segundo as ideias vigentes no Médio Oriente antigo, o facto de “dar um nome” era, antes de mais, um acto de domínio e de posse. Por outro lado, o facto de Deus ter trazido os animais para que o homem lhes desse um nome era, na perspectiva do catequista jahwista, o reconhecimento por parte de Deus da autonomia do homem e a associação do homem à obra criadora e ordenadora de Deus. A autoridade sobre os outros seres criados e a associação do homem à obra criadora de Deus responderá ao desejo de felicidade completa que o homem sente e resolverá o problema da sua solidão? Não. O homem não encontrou, nesse mundo animal que Deus lhe confiou, “uma auxiliar semelhante a ele” (vers. 20). Por muito rico e desafiador que fosse esse mundo novo que lhe foi apresentado, o homem não encontrou aí a ajuda e o complemento que esperava. Para que o homem se realize completamente, Deus vai intervir de novo.
A nova acção de Deus começa com um “sono profundo” do homem. Depois, Deus, actuando como um hábil cirurgião, tirou parte do corpo do homem (o texto fala da “zela'“, que se tem traduzido como “costela”; contudo, a palavra pode significar “lado” ou “costado”) e com ela fez a mulher (vers. 21-22). Porquê o “sono profundo” do homem”? Porque, de acordo com a concepção do autor jahwista, criar era segredo de Deus e o homem não podia testemunhar esse momento solene e misterioso; restava-lhe admirar a criação de Deus e adorá-l’O pelas suas obras admiráveis… Depois de ter “construído” a mulher, Jahwéh acompanha-a à presença do homem. A mulher é aqui apresentada como uma noiva conduzida à presença do noivo e Deus como o “padrinho” desse noivado. O homem, desperto do “sono profundo”, acolhe a mulher com um grito de alegria e reconhece-a como a companhia que lhe fazia falta, o seu complemento, o seu outro eu: “Esta é realmente osso dos meus ossos e carne da minha carne” (vers. 23a). O homem (vers. 23b) dá à sua companheira o nome de “mulher” (em hebraico: 'ishah) porque foi tirada do homem (em hebraico: 'ish). A proximidade das duas palavras sugere a proximidade entre o homem e a mulher, a sua igualdade fundamental em dignidade, a sua complementaridade, o seu parentesco.
O nosso texto termina com um comentário que não é de Deus, nem do homem, nem da mulher, mas do catequista jahwista: “por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne” (vers. 24). Este comentário pretende ser a resposta a uma questão bem concreta: de onde vem essa força poderosa que é o amor e que é mais forte do que o vínculo que nos liga aos próprios pais? Para o catequista jahwista, o amor vem de Deus, que fez o homem e a mulher de uma só carne; por isso, homem e mulher buscam essa unidade e estão destinados, fatalmente, a viver em comunhão um com o outro.

ACTUALIZAÇÃO

• “Não é bom que o homem esteja só”. Estas palavras, postas pelo autor jahwista na boca de Deus, sugerem que a realização plena do homem acontece na relação e não na solidão. O homem que vive fechado em si próprio, que escolhe percorrer caminhos de egoísmo e de auto-suficiência, que recusa o diálogo e a comunhão com aqueles que caminham a seu lado, que tem o coração fechado ao amor e à partilha, é um homem profundamente infeliz, que nunca conhecerá a felicidade plena. Por vezes a preocupação com o dinheiro, com a realização profissional, com o estatuto social, com o êxito levam os homens a prescindir do amor, a renunciar à família, a não ter tempo para os amigos… E um dia, depois de terem acumulado muito dinheiro ou de terem chegado à presidência da empresa, constatam que estão sozinhos e que a sua vida é estéril e vazia. A Palavra de Deus que nos é hoje proposta deixa um aviso claro: a vocação do homem é o amor; a solidão, mesmo quando compensada pela abundância de bens materiais, é um caminho de infelicidade.

• Por vezes, certos círculos religiosos mais fechados desvalorizam o amor humano, consideram o casamento como um estado inferior de realização da vocação cristã e vêem na sexualidade algo de pecaminoso. Não é esta a perspectiva que a Palavra de Deus nos apresenta… No nosso texto, o amor aparece como algo que está, desde sempre, inscrito no projecto de Deus e que é querido por Deus. Deus criou o homem e a mulher para se ajudarem mutuamente e para partilharem, no amor, as suas vidas. É no amor e não na solidão que o homem encontra a sua realização plena e o sentido para a sua existência.

• Homem e mulher são, de acordo com o nosso texto, iguais em dignidade. Eles são “da mesma carne”, em igualdade de ser, partícipes do mesmo destino; completam-se um ao outro e ajudam-se mutuamente a atingir a realização. São, portanto, iguais em dignidade. Esta realidade exige que homem e mulher se respeitem absolutamente um ao outro; e exclui, naturalmente, qualquer atitude que signifique dominação, escravidão, prepotência, uso egoísta do outro.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 127 (128)

Refrão: O Senhor nos abençoe em toda a nossa vida.

Feliz de ti que temes o Senhor
e andas nos seus caminhos.
Comerás do trabalho das tuas mãos,
serás feliz e tudo te correrá bem.

Tua esposa será como videira fecunda
no íntimo do teu lar;
teus filhos como ramos de oliveira,
ao redor da tua mesa.

Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.
De Sião o Senhor te abençoe:
vejas a prosperidade de Jerusalém todos os dias da tua vida;
e possas ver os filhos dos teus filhos. Paz a Israel.


LEITURA II – Heb 2,9-11

Leitura da Epístola aos hebreus

Irmãos:
Jesus, que, por um pouco, foi inferior aos Anjos,
vemo-l’O agora coroado de glória e de honra
por causa da morte que sofreu,
pois era necessário que, pela graça de Deus,
experimentasse a morte em proveito de todos.
Convinha, na verdade, que Deus,
origem e fim de todas as coisas,
querendo conduzir muitos filhos para a sua glória,
levasse à glória perfeita, pelo sofrimento,
o Autor da salvação.
Pois Aquele que santifica e os que são santificados
procedam todos de um só.
Por isso não Se envergonha de lhes chamar irmãos.

AMBIENTE

A Carta aos Hebreus é um sermão de um autor cristão anónimo, provavelmente elaborado nos anos que antecederam a destruição do Templo de Jerusalém (ano 70). Destina-se a comunidades cristãs não identificadas (o título “aos hebreus” foi-lhe colado posteriormente e provém das múltiplas referências ao Antigo Testamento e ao ritual dos “sacrifícios” que a obra apresenta). Trata-se, em qualquer caso, de comunidades cristãs em situação difícil, expostas a perseguições e que vivem num ambiente hostil à fé… Os membros dessas comunidades perderam já o fervor inicial pelo Evangelho, deixaram-se contaminar pelo desânimo e começam a ceder à sedução de certas doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos apóstolos… O objectivo do autor deste “discurso” é estimular a vivência do compromisso cristão e levar os crentes a crescer na fé.
A Carta aos Hebreus apresenta – recorrendo à linguagem da teologia judaica – o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência – através de quem os homens têm acesso livre a Deus e são inseridos na comunhão real e definitiva com Deus. O autor aproveita, na sequência, para reflectir nas implicações desse facto: postos em relação com o Pai por Cristo/sacerdote, os crentes são inseridos nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã e devem fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar a sua experiência de fé, enfraquecida pela acomodação e pela perseguição.
O texto que nos é proposto está incluído na primeira parte da Carta (cf. Heb 1,5-2,18). Aí, o autor recolhe e repete aquilo que a catequese primitiva afirmava sobre o mistério de Cristo: a sua incarnação, a sua paixão e morte, a sua glorificação pela ressurreição. Ao longo destes dois capítulos, o autor vai afirmando a superioridade de Jesus em relação a todas as criaturas, nomeadamente em relação aos anjos.

MENSAGEM

Jesus aceitou despojar-se das suas prerrogativas divinas e fazer-se “por um pouco, inferior aos anjos” a fim de que, pelo dom da sua vida até à morte, se cumprisse o projecto salvador do Pai para os homens (vers. 9).
Depois desta afirmação de princípio, o autor da Carta aos Hebreus vai aprofundar a sua reflexão e explicar porque é que Jesus teve que passar pela humilhação da cruz (a explicação é bem mais longa do que a leitura que nos é proposta e vai do versículo 10 ao versículo 18).
A questão da paixão e morte de Cristo era uma “conveniência” do projecto de salvação que Deus tinha para o homem (“convinha” – vers. 10). O que é que isso significa? O objectivo de Deus é que o homem cresça até chegar à vida plena. Ora, para fazer com que a humanidade atinja esse fim, Deus deu-lhe um guia – Jesus Cristo. Ele devia mostrar, com a sua vida e o seu exemplo, que se chega à plenitude da vida cumprindo integralmente a vontade do Pai e fazendo da existência um dom de amor aos irmãos. A cruz foi a expressão máxima e total dessa vida de entrega aos desígnios de Deus e de doação aos irmãos. Morrendo por amor, Jesus ensinou aos homens como é que eles devem viver, qual o caminho que eles devem percorrer, a fim de chegarem à plenitude da vida, à felicidade sem fim; morrendo por amor e ressuscitando logo a seguir para a vida plena, Jesus libertou os homens do medo paralisante da morte e mostrou-lhes que a morte não é o fim da linha para quem vive na entrega a Deus e na doação aos irmãos.
Ao assumir a natureza humana, ao fazer-Se solidário com os homens, ao fazer-Se irmão dos homens, Cristo (Aquele que santifica) inseriu os homens (os que são santificados) na órbita de Deus e mostrou-lhes o caminho a seguir para integrar a família de Deus (vers. 11).

ACTUALIZAÇÃO

• A incarnação, paixão e morte de Jesus atestam, antes de mais, o incrível amor de Deus pelos homens. É o amor de alguém que enviou o próprio Filho para fazer da sua vida um dom, até à morte na cruz, a fim de mostrar aos homens o caminho da vida plena e definitiva. Trata-se de uma realidade que a Palavra de Deus nos recorda cada domingo; e trata-se de uma realidade que não deve cessar de nos espantar e de nos levar à gratidão e ao amor.

• A atitude de aceitação incondicional do projecto do Pai assumida por Cristo contrasta com o egoísmo e a auto-suficiência de Adão face às propostas de Deus. A obediência de Cristo trouxe vida plena ao homem; a desobediência de Adão trouxe sofrimento e morte à humanidade. O exemplo de Cristo convida-nos a viver na escuta atenta e na obediência radical às propostas de Deus: esse caminho é gerador de vida verdadeira. Quando o homem prescinde de Deus e das suas propostas e decide que é ele quem define o caminho a seguir, fatalmente resvala para projectos de ambição, de orgulho, de injustiça, de morte; quando o homem escuta e acolhe os desafios de Deus, aprende a amar, a partilhar, a servir, a perdoar e torna-se uma fonte de bênção para todos aqueles que caminham ao seu lado.

• Jesus fez-Se homem, enfrentou a condição de debilidade dos homens e morreu na cruz. No entanto, a sua glorificação mostrou que a morte não é o final do caminho para quem faz da vida uma escuta atenta dos planos de Deus e uma doação de amor aos irmãos. Dessa forma, Ele libertou os homens do medo da morte. Agora, podemos enfrentar a injustiça, a opressão, as forças do mal que oprimem os homens, sem medo de morrer: sabemos que quem vive como Jesus não fica prisioneiro da morte, mas está destinado à vida verdadeira e eterna.


ALELUIA – 1 Jo 4,12

Aleluia. Aleluia.

Se nos amamos uns aos outros, Deus permanece em nós
e o seu amor em nós é perfeito.


EVANGELHO – Mc 10,2-16

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Naquele tempo,
Aproximaram-se de Jesus uns fariseus para O porem à prova
e perguntaram-Lhe:
«Pode um homem repudiar a sua mulher?»
Jesus disse-lhes:
«Que vos ordenou Moisés?»
Eles responderam:
«Moisés permitiu que se passasse um certificado de divórcio,
para se repudiar a mulher».
Jesus disse-lhes:
«Foi por causa da dureza do vosso coração
que ele vos deixou essa lei.
Mas, no princípio da criação, ‘Deus fê-los homem e mulher.
Por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa,
e os dois serão uma só carne’.
Deste modo, já não são dois, mas uma só carne.
Portanto, não separe o homem o que Deus uniu».
Em casa, os discípulos interrogaram-n’O de novo
sobre este assunto.
Jesus disse-lhes então:
«Quem repudiar a sua mulher e casar com outra,
comete adultério contra a primeira.
E se a mulher repudiar o seu marido e casar com outro,
comete adultério».

Apresentaram a Jesus umas crianças
para que Ele lhes tocasse,
mas os discípulos afastavam-nas.
Jesus, ao ver isto, indignou-Se e disse-lhes:
«Deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis:
dos que são como elas é o reino de Deus.
Em verdade vos digo:
Quem não acolher o reino de Deus como uma criança,
não entrará nele».
E, abraçando-as, começou a abençoá-las,
impondo a mão sobre elas.

AMBIENTE

Despedindo-se definitivamente da Galileia, Jesus continua o seu caminho para Jerusalém, ao encontro do seu destino final. O episódio de hoje situa-nos “na região da Judeia, para além do Jordão” (vers. 1) – isto é, no território transjordânico da Pereia, território governado por Herodes Antipas, o mesmo que havia assassinado João Baptista quando este o criticou por haver abandonado a sua esposa legítima. Aí, Jesus volta a confrontar-Se com as multidões e a dirigir-lhes os seus ensinamentos. Os discípulos, contudo, continuam a rodear Jesus e a beneficiar de uma instrução especial.
Entram de novo em cena os fariseus, não para escutar as suas propostas, mas para O experimentar e para Lhe apanhar uma declaração comprometedora. São esses fanáticos da Lei que vão proporcionar a Jesus a oportunidade de Se pronunciar sobre uma questão delicada e comprometedora: o matrimónio e o divórcio.
Tratava-se, na realidade, de uma questão “quente” e não totalmente consensual nas discussões dos “mestres” de Israel. A Lei de Israel permitia o divórcio (“quando um homem tomar uma mulher e a desposar, se depois ela deixar de lhe agradar, por ter descoberto nela algo de inconveniente, escrever-lhe-á um documento de divórcio, entregar-lho-á em mão e despedi-la-á de sua casa” – Dt 24,1); mas não era totalmente clara acerca das razões que poderiam fundamentar a rejeição da mulher pelo marido. Na época de Jesus, as duas grandes escolas teológicas do tempo divergiam na interpretação da Lei do divórcio. A escola de Hillel ensinava que qualquer motivo, mesmo o mais fútil (porque a esposa cozinhava mal ou porque o marido gostava mais de outra), servia para o homem despedir a mulher; a escola de Shammai, mais rigorosa, defendia que só uma razão muito grave (o adultério ou a má conduta da mulher) dava ao marido o direito de repudiar a sua esposa. A mulher, por sua vez, era autorizada a obter o divórcio em tribunal somente no caso de o marido estar afectado pela lepra ou exercer um ofício repugnante.
É nesta discussão de contornos pouco claros que os fariseus procuram envolver Jesus. Uma resposta negativa por parte de Jesus seria, certamente, interpretada como uma condenação do matrimónio de Herodes Antipas com Herodíades, a sua cunhada. A pergunta dos fariseus insere-se, provavelmente, na tentativa de encontrar razões para eliminar Jesus.

MENSAGEM

Diante da questão posta pelos fariseus (“pode um homem repudiar a sua mulher?” – vers. 2), Jesus começa por recordar-lhes o estado da questão na perspectiva da Lei (“que vos ordenou Moisés?” – vers. 3). Tal não significa, contudo, que Jesus Se identifique com o posicionamento da Lei a propósito da questão do divórcio.
Efectivamente, a Lei permite o divórcio (“Moisés permitiu que se passasse um certificado de divórcio para se repudiar a mulher” – vers. 4); contudo, essa condescendência da Lei não resulta do projecto de Deus para o homem e para a mulher, mas é o resultado da “dureza do coração” dos homens. As prescrições de Moisés não definem o quadro ideal do amor do homem e da mulher, mas apenas regulam o compromisso matrimonial, tendo em conta a mediocridade humana.
Em contraste com a permissividade da Lei, Jesus vai apresentar o projecto primordial de Deus para o amor do homem e da mulher. Citando livremente Gn 1,27 e Gn 2,24, Jesus explica que, no projecto original de Deus, o homem e a mulher foram criados um para o outro, para se completarem, para se ajudarem, para se amarem. Unidos pelo amor, o homem e a mulher formarão “uma só carne”. Ser “uma só carne” implica viverem em comunhão total um com o outro, dando-se um ao outro, partilhando a vida um com o outro, unidos por um amor que é mais forte do que qualquer outro vínculo. A separação será sempre o fracasso do amor; não está prevista no projecto ideal de Deus, pois Deus não considera um amor que não seja total e duradouro. Só o amor eterno, expresso num compromisso indissolúvel, respeita o projecto primordial de Deus para o homem e para a mulher.
A perspectiva de Jesus acerca da questão é a seguinte: nessa nova realidade que Deus quer propor ao homem (o Reino de Deus), chegou o momento de abandonar a facilidade, a mesquinhez, as meias-tintas e de apontar para um patamar mais alto. Ora, no que diz respeito ao matrimónio, o patamar mais alto é o projecto inicial de Deus para o homem e para a mulher, que previa um compromisso de amor estável, duradouro, indissolúvel.
Para os discípulos (que anteriormente, em diversas situações, tiveram dificuldade em passar da lógica do mundo para a lógica de Deus), contudo, o discurso de Jesus é difícil de entender; por isso, quando chegam a casa, pedem a Jesus explicações suplementares (vers. 10). Jesus reitera que a relação entre o homem e a mulher se deve enquadrar no projecto inicial de Deus e não nas facilidades concedidas pela Lei de Moisés. A perspectiva de Deus é que marido e mulher, unidos pelo amor, formem uma comunidade de vida estável e indissolúvel. O divórcio não entra nesse projecto. Marido e esposa, em igualdade de circunstâncias, são responsáveis pela edificação da comunidade familiar e por evitar o fracasso do amor (vers. 11-12).
O texto que nos é proposto termina com uma cena em que Jesus acolhe as crianças, defende-as e abençoa-as (vers. 13-16). As crianças são, aqui, uma espécie de contraponto ao orgulho e arrogância com que os fariseus se apresentam a Jesus, bem como à dificuldade que os discípulos revelaram, nas cenas precedentes, para acolher a lógica do Reino… As crianças são simples, transparentes, sem calculismos; não têm prestígio ou privilégios a defender; entregam-se confiadamente nos braços do pai e dele esperam tudo, com amor. Por isso, as crianças são o modelo do discípulo. O Reino de Deus é daqueles que, como as crianças, vivem com sinceridade e verdade, sem se preocuparem com a defesa dos seus interesses egoístas ou dos seus privilégios, acolhendo as propostas de Deus com simplicidade e amor. Quem não é “criança”, isto é, quem percorre caminhos tortuosos e calculistas, quem não renuncia ao orgulho e auto-suficiência, quem despreza a lógica de Deus e só conta com a lógica do mundo (também na questão do casamento e do divórcio), quem conduz a própria vida ao sabor de interesses e valores efémeros, quem não aceita questionar os próprios raciocínios e preconceitos, não pode integrar a comunidade do Reino.

ACTUALIZAÇÃO

• O Evangelho deste domingo apresenta-nos o projecto ideal de Deus para o homem e para a mulher que se amam: eles são convidados a viverem em comunhão total um com o outro, dando-se um ao outro, partilhando a vida um com o outro, unidos por um amor que é mais forte do que qualquer outro vínculo. O fracasso dessa relação não está previsto nesse projecto ideal de Deus. O amor de um homem e de uma mulher que se comprometem diante de Deus e da sociedade deve ser um amor eterno e indestrutível, que é reflexo desse amor que Deus tem pelos homens. Este projecto de Deus não é uma realidade inatingível e impossível: há muitos casais que, dia a dia, no meio das dificuldades, lutam pelo seu amor e dão testemunho de um amor eterno e que nada consegue abalar.

• As telenovelas, os valores da moda, a opinião pública, têm-se esforçado por apresentar o fracasso do amor como uma realidade normal, banal, que pode acontecer a qualquer instante e que resolve facilmente as dificuldades que duas pessoas têm em partilhar o seu projecto de amor. Para os casais cristãos, o fracasso do amor não é uma normalidade, mas uma situação extrema, uma realidade excepcional. Para os casais cristãos, o divórcio não deve ser um remédio simples e sempre à mão para resolver as pequenas dificuldades que a vida todos os dias apresenta. À partida, o compromisso de amor não deve ser uma realidade efémera, sujeito a projectos egoístas e a planos superficiais, que terminam quando surgem dificuldades ou quando um dos dois é confrontado com outras propostas. Para o casal que quer viver na dinâmica do Reino, a separação não deve ser uma proposta sempre em cima da mesa. Marido e esposa têm que esforçar-se por realizar a sua vocação de amor, apesar das dificuldades, das crises, das divergências e dos problemas que, dia a dia, a vida lhes vai colocando. A Igreja é chamada a ser no mundo, mesmo contra a corrente, testemunha do projecto ideal de Deus.

• Apesar de tudo, a vida dos homens e das mulheres é marcada pela debilidade própria da condição humana. Nem sempre as pessoas, apesar do seu esforço e da sua boa vontade, conseguem ser fiéis aos ideais que Deus propõe. A vida de todos nós está cheia de fracassos, de infidelidades, de falhas. Nessas circunstâncias, a comunidade cristã deve usar de muita compreensão para aqueles que falharam (muitas vezes sem culpa) na vivência do seu projecto de amor. Em nenhuma circunstância as pessoas divorciadas devem ser marginalizadas ou afastadas da vida da comunidade cristã. A comunidade deve, em todos os instantes, acolher, integrar, compreender, ajudar aqueles a quem as circunstâncias da vida impediram de viver o tal projecto ideal de Deus. Não se trata de renunciar ao “ideal” que Deus propõe; trata-se de testemunhar a bondade e a misericórdia de Deus para com todos aqueles a quem a partilha de um projecto comum fez sofrer e que, por diversas razões, não puderam realizar esse ideal que um dia, diante de Deus e da comunidade, se comprometeram a viver.

• As crianças que Jesus nos apresenta no Evangelho deste domingo como modelos do discípulo convidam-nos à simplicidade, à humildade, à sinceridade, ao acolhimento humilde dos dons de Deus. De acordo com as palavras de Jesus, não pode integrar o Reino quem se coloca numa atitude de orgulho, de auto-suficiência, de autoritarismo, de superioridade sobre os irmãos. A dinâmica do Reino exige pessoas dispostas a acolher e a escutar as propostas de Deus e dispostas a servir os irmãos com humildade e simplicidade.


ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 27º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 27º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. BILHETE DE EVANGELHO.
Quando Jesus pressente que Lhe querem estender uma armadilha, Ele refere-se à vontade de seu Pai. Ora, Deus tem um projecto que submete ao homem, e este, porque foi criado livre, realiza este projecto ou recusa-o. O mais belo projecto de Deus é o homem, a sua criatura. Como Ele o criou à sua imagem, fê-lo como ser de relação. É por isso que Ele cria a humanidade, homem e mulher, e a sua comunhão significa algo de Deus que em si mesmo é comunhão. O que conta numa obra artística não são primeiramente as interpretações ou os comentários que são feitos, mas a intenção do autor. Face ao amor do homem e da mulher, não comecemos por olhar como é vivida hoje a relação, mas contemplemos o sonho de Deus e tenhamos sobre os casais o olhar de Deus, que vê que aquilo que Ele fez é bom ou que oferece a sua misericórdia àqueles que não puderam ou não quiseram interpretar o seu projecto.

3. À ESCUTA DA PALAVRA.
“Não separe o homem o que Deus uniu…” Jesus coloca o dedo na ferida… O divórcio é sempre um fracasso, um sofrimento. Mas entrou nos costumes como uma realidade normal, um “direito”! Jesus está contra a corrente… Palavra incompreensível para muitos homens e mulheres, qualquer que seja a sua idade! Na sua resposta aos fariseus, Jesus recorre a um critério a que geralmente se presta pouca atenção. Vai ao “princípio da criação”, à vontade primeira, à vontade criadora de Deus. Ora, esta vontade é que os seres humanos se tornem “imagens de Deus”, na medida em que aceitem entrar uns e outros nas relações de amor recíproco, porque Ele, Deus, é eterno movimento de amor no seu Ser mais profundo. O casal humano, antes mesmo da questão da procriação, é chamado por Deus a tornar-se o primeiro lugar de incarnação deste movimento de amor. O amor humano, sob todas as suas formas, não nasceu dos acasos da evolução biológica. É dom de Deus. Quando os homens recusam este dom, impedem Deus de imprimir neles a sua imagem. Na realidade, vão contra a vontade criadora, introduzem uma desordem na criação tal como Deus a quis. Porque Ele escuta plenamente o seu Pai e acolhe sem quaisquer reticências nem recusas a vontade de amor do seu Pai, Jesus, e apenas Ele, pode colocar-nos na luz de Deus Criador e da sua vontade criadora. Mas isso supõe que aceitemos escutar Jesus, tomar Jesus na nossa vida. Só poderemos compreender a exigência de unidade e de fidelidade no amor humano se aceitarmos tornar-nos, dia após dia, discípulos, mais ainda, amigos de Jesus. Para resolver os nossos problemas afectivos, temos razão em recorrer à psicologia, à psicoterapia do casal. Mas isso não basta. A verdadeira falta é uma falta de profundidade espiritual. Não servirá de nada a Igreja repetir sem cessar a sua oposição ao divórcio se, primeiro, não fizer imensos esforços para ajudar a redescobrir um verdadeiro acompanhamento com Jesus, revelador do amor do Pai.

4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Que o Senhor te abençoe… Como seria belo, em cada manhã desta semana, dizer-se bom dia, em família, com as simples palavras do salmista: “Que o Senhor te abençoe…” Fórmula de bênção, em que se deseja apenas o bem. Ultrapassemos qualquer falso pudor, para oferecermos àqueles que amamos a bênção do Senhor.


UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909


Roteiro Homilético 3 - Liturgia: Vida Pastoral

Por Celso Loraschi
 
Deus nos fez família

Introdução geral

            Outubro é o mês das missões. Somos todos discípulos missionários do Senhor a partir da família. Deus criou o homem e a mulher para que reconheçam serem extensão um do outro e vivam na igualdade e mútua complementaridade. O casamento é uma bênção divina. O marido e a esposa assumem o compromisso de se doarem um ao outro, conscientes de que já não são dois, mas uma só carne (I leitura). Jesus, em seu evangelho, ensina os casais a viver o amor em profundidade e não se deixar conduzir por ideologias que permitem e facilitam a separação por qualquer motivo. O amor exige sacrifícios (= fazer o que é sagrado), do mesmo modo que Jesus amou, doando sua vida em favor de todos. Ele abraça e abençoa cada criança, defendendo seus direitos e sua dignidade. Faz-se solidário com cada mulher e homem, levando-os à perfeição (II leitura); pais e filhos são chamados a expressar cotidianamente o amor trinitário, vivendo e promovendo os valores do diálogo, do respeito mútuo, da igualdade e da paz.

 Comentário dos textos bíblicos

I leitura (Gn 2,18-24): Homem e mulher, uma só carne
            O texto faz parte do segundo relato da criação (Gn 2,4b-25). Reflete sobre a missão que o ser humano recebeu de ser o colaborador de Deus no cultivo do “jardim” ou no cuidado com a natureza, a fim de que ela produza os alimentos necessários para a vida. O humano e a natureza estão intimamente unidos. É do húmus da terra que o humano é modelado. Ele recebe o poder de dar nomes aos outros seres, os animais. Tem a função de cuidar da criação de Deus.

            A narrativa aponta para o caminho da realização do ser humano. Não é bom que esteja só. Deus não nos criou para a solidão. Entre todas as criaturas, o homem não encontrou uma “auxiliar” que lhe correspondesse. Enquanto está sozinho, sente-se inferior aos animais. Os autores procuram explicar como foram criados o homem e a mulher, interpretando a realidade que perpassa a existência humana. A linguagem revela que estão inseridos num contexto patriarcal. A palavra “auxiliar” não deve ser interpretada como ajudante submissa. Há igualdade na diferença. É do lado do coração do homem que nasce a mulher. Tornam-se companheiros e extensão um do outro. Revelam-se um ao outro na transparência. Necessitam-se, admiram-se e atraem-se mutuamente, unem-se e formam uma só carne. São duas pessoas livres e conscientes que vivem em comunhão e se realizam mutuamente, sem anular-se em sua individualidade. O “sono profundo” no qual Deus faz cair o homem “é um sinal do mistério que cerca a relação homem-mulher. Um foi criado para o outro e, quando se unem na relação matrimonial, estão obedecendo ao projeto de Deus, que emerge do mais fundo de cada um, a fim de formar uma nova unidade para os dois, para os próprios filhos e para a sociedade” (STORNIOLO, I.; BALANCIN, E. Como ler o livro do Gênesis. São Paulo: Paulus, 1997, p. 17).

            Conforme podemos perceber no conjunto desse segundo relato da criação, estabelece-se íntima ligação não só entre homem e mulher, mas também com todas as demais criaturas. A relação de companheirismo e de comunhão entre ambos se estende para a relação com toda a natureza. Os seres humanos, a terra, a água, as árvores, os animais e todas as demais criaturas vieram da mesma fonte e necessitam-se mutuamente. O artífice divino tudo fez com muita arte e criatividade. E tudo entregou ao nosso cuidado.

Evangelho (Mc 10,2-16): A família como expressão do amor
            Os fariseus se aproximam de Jesus para pô-lo à prova. Eles pertencem ao grupo de intérpretes da Sagrada Escritura, participantes de escolas rabínicas, onde se debatia sobre os motivos que justificavam o divórcio, uma vez que este era permitido pela Lei judaica. De fato, no livro do Deuteronômio (24,1) lê-se: “Quando um homem tiver tomado uma mulher e consumado o matrimônio, mas esta, logo depois, não encontra mais graça a seus olhos, porque viu nela algo de inconveniente, ele lhe escreverá uma ata de divórcio e a entregará, deixando-a sair de sua casa em liberdade”. Com base nessa orientação, podiam-se encontrar motivos para o divórcio com muita facilidade. Bastava o marido desejar a separação. É somente ele quem pode tomar a iniciativa, pois, segundo a mentalidade dominante, ele exerce domínio sobre a mulher, considerada sua propriedade. Deduz-se daí que tanto no ambiente doméstico como em outros níveis sociais a opressão masculina era exercida com normalidade, legitimada pela interpretação oficial da Lei judaica, a cargo somente de alguns homens, responsáveis também por elaborar essas leis.

            Os ensinamentos e a prática de Jesus revelam que a lei deve estar a serviço da vida do ser humano e não o contrário. Para os fariseus, porém, a Lei mosaica devia ser cumprida como condição para o homem ser justo diante de Deus. Jesus não nega a Lei judaica, mas a põe em seu devido lugar: “Foi por causa da dureza dos vossos corações que Moisés escreveu esse mandamento”. O texto da Sagrada Escritura não pode ser retirado de seu contexto. Também não pode ser interpretado de forma fundamentalista. O critério para a verdadeira interpretação é a vida digna sem exclusão, e não os interesses pessoais ou corporativos. Esse grupo de fariseus propositalmente não levava em conta outros textos que permitiam orientações diferentes para a questão do casamento e do divórcio. Jesus, porém, argumenta de outro ponto de vista. Ele resgata o plano inicial do Criador: “Desde o princípio da criação, Deus os fez homem e mulher… E os dois serão uma só carne”.

            O casamento, portanto, deve basear-se no plano criador de Deus. Ele estabelece a igualdade fundamental entre o homem e a mulher. Nenhuma lei pode contradizer esse desígnio divino. Jesus condena a atitude de dominação do homem sobre a mulher e restabelece o direito igual para ambos de tomar decisões. Os dois se tornam uma só carne e, portanto, “o que Deus uniu o homem não separe”. Em outras palavras: se Deus criou a mulher e o homem com a mesma dignidade e a mesma liberdade, o homem não pode quebrar essa relação que fundamenta o amor verdadeiro entre ambos. Assim, a separação não se dará por qualquer motivo. E se houver motivos sérios para isso, o discernimento e a decisão não podem ser unilaterais.

            A sequência da leitura mostra que a casa/comunidade onde se encontram os discípulos de Jesus é o espaço do diálogo e do discernimento. É também o lugar da acolhida, do abraço e da bênção, com prioridade às crianças, as mais afetadas pelas atitudes egoístas ou insensatas dos adultos, representados pelos discípulos que repreendem as crianças. Essa atitude agressiva dos adultos contradiz o modo terno e acolhedor de Jesus, cuja vida é pautada pela não violência, pelo respeito ao outro, pelo perdão… Enfim, Jesus promove o projeto de inclusão familiar e social, de modo que todos usufruam as condições materiais e afetivas para uma vida feliz.

II leitura (Hb 2,9-11): Jesus se fez nosso irmão
            Esse texto da carta aos Hebreus trata da opção solidária de Jesus por toda a humanidade, assumindo o sofrimento e a morte. Paradoxalmente, a honra e a glória de Jesus manifestam-se em sua morte em favor de toda a humanidade. A cruz, então, tornou-se para todos os que creem nele o caminho da vitória sobre toda a maldade, que procura impedir o plano de amor e de salvação de Deus. Ao assumir a condição humana com seus limites e dores, Jesus torna-nos também participantes de sua morte redentora. Ao identificar-se plenamente com o ser humano, possibilitou que este se identificasse com a sua divindade. Por isso, Jesus não se envergonha de nos chamar de irmãos.

            A grandiosidade dele manifesta-se em sua radical humildade e obediência ao plano de Deus. É nosso modelo e caminho. Foi assumindo os sofrimentos e a morte, na fidelidade à sua missão, que Jesus nos redimiu e nos levou à perfeição. Como humanos, fazemos a experiência cotidiana dos limites e sofrimentos. Tornando-se um de nós, ele conhece perfeitamente todos os problemas que enfrentamos. Não fomos criados para o sofrimento, e sim para a perfeição e a glória. No seguimento de Jesus, assumimos a realidade de nossa condição humana com a missão a que fomos chamados, deixando-nos conduzir pela graça de Deus, na certeza de seu amor sem limites. Aprendemos a reconhecer a sua vontade e nos esforçamos para ser fiéis. A fidelidade a Deus exige rompimento com as facilidades enganosas que nos desviam do caminho da perfeição. A plena realização somente se dá na obediência a Deus, a qual se concretiza no amor solidário. Na cruz de Jesus, morremos para o egoísmo e passamos a viver na condição divina. Aí reside nossa honra e glória de irmãos de Jesus.

III. Pistas para reflexão

– Deus não criou o ser humano para a solidão. Homens e mulheres foram criados para viver lado a lado, com a mesma dignidade e igualdade de direitos. Necessitam um do outro. Em nossos dias, a questão de gênero está em debate. O plano original de Deus no que diz respeito à relação entre mulheres e homens ainda não se concretizou. A visão dominante manifesta ainda preconceitos e discriminações relacionados à condição feminina. Prova-se até que a relação histórica de dominação do homem sobre a mulher reflete-se na atitude dele de exploração da natureza e destruição do meio ambiente. Podem-se levantar fatos, atitudes e linguagens que revelam essa visão predominante ainda em nossos dias…

– Somos discípulos missionários do Senhor a partir da família. O casamento é uma instituição divina. Exige séria preparação a fim de que seja assumido com consciência e liberdade. Homem e mulher tornam-se uma só carne: concretiza-se a unidade na diferença. O amor entre marido e mulher é caminho de mútua santificação. Estende-se para os filhos. Jesus corrige a mentalidade farisaica, que permitia a separação por qualquer motivo. Ele resgata o plano original de Deus e restabelece a igualdade de direitos da mulher. É oportuno refletir sobre a importância da família para a vida de cada um de nós e sobre as consequências doloridas e até desastrosas de um ambiente familiar onde reina o machismo, a violência, o desrespeito…

– Jesus fez-se plenamente solidário com o ser humano, assumindo os sofrimentos e a morte. Ele é o nosso irmão maior. Conhece perfeitamente os limites e problemas que enfrentamos em nosso dia a dia. Seguindo Jesus, não desanimamos no caminho da perfeição. Todas as situações, mesmo as difíceis (crises no casamento, separações, doenças, mortes) podem ser assumidas como momentos propícios para acolher a graça de Deus, rico em misericórdia…

Celso Loraschi
Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, São Paulo, professor de Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos na Faculdade Católica de Santa Catarina (Facasc) e assessor do Cebi, SC. E-mail: loraschi@facasc.edu.br





Roteiro Homilético 4 - Liturgia: Dom Henrique

Homilia I

Neste domingo, a Palavra de Deus trata do matrimônio e de sua indissolubilidade. Eis aqui um tema que se tornou tabu nos tempos atuais e, por isso mesmo, precisa ser tratado com toda clareza pelos cristãos… Afinal, se o Evangelho não for sal e luz, para que serve?

Comecemos com o plano de Deus, descrito no Gênesis de modo figurado, como as parábolas que Jesus contava. São textos que não devem ser tomados ao pé da letra! Se lermos com atenção, perceberemos algo muito belo: Deus, à medida que vai criando, vê que tudo é bom… Ao criar o ser humano, vê que “era muito bom” (Gn 1,31). Mas, há algo na criação que o Senhor Deus viu que não era bom: “Não é bom que o homem esteja só”. Se o ser humano é imagem do Deus-Trindade, ele não foi criado para a solidão, mas deve viver em relação com outros: “Vou dar-lhe uma auxiliar que lhe seja semelhante”. Notemos os detalhes tão belos da criação da mulher: (1) “O Senhor Deus fez cair um sono profundo sobre Adão”. Por quê? Para ficar claro que o homem não participou da criação da mulher; esta é tão obra de Deus quanto aquele. (2) “Tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com carne. Da costela tirada de Adão, o Senhor Deus formou a mulher”. A imagem é bela: tirada do lado do homem, como companheira e igual! (3) “E Adão exclamou: ‘Desta vez sim, é osso de meus ossos e carne da minha carne!’” É a primeira vez que o homem falou, na Bíblia! E sua palavra foi uma declaração de amor… não a Deus, mas à mulher que o Senhor Deus lhe dera de presente: osso de meus ossos, carne de minha carne… parte de mim, cara metade, outro lado do meu coração! E, finalmente, o preceito de Deus, inscrito no íntimo do coração humano pelo próprio Criador: “O homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne”. Pronto! Esta é o sonho de Deus para o amor humano!

Já aqui há três observações a serem feitas: (a) o laço de amor entre o homem e a mulher é superior a qualquer outro laço, inclusive aquele que liga pais e filhos: o homem e a mulher deixarão pai e mãe para ir ao encontro de sua esposa, de seu esposo. (b) Esta união, no sonho original de Deus, envolve a pessoa toda, corpo e alma: “serão uma só carne”! É uma união completa, abrangente, total: serão um só coração, um só sonho, uma só conta bancária, uma só casa, um só futuro, um só destino! (c) A relação matrimonial, no sonho de Deus, é uma relação entre um homem e uma mulher. Por isso mesmo, jamais os cristãos poderão equiparar a união entre homossexuais ao matrimônio! O respeito às pessoas homossexuais é dever de todos nós; o respeito pela consciência dessas pessoas, que têm o direito de dar o rumo que acharem justo às suas vidas, é obrigação nossa, é gesto de amor que Jesus espera de seus discípulos. Mas, equiparar a relação matrimonial a qualquer outra relação afetiva, sobretudo homossexual, nunca! Por fidelidade a Cristo, nunca! Por respeito ao plano de Deus, jamais! Hoje, no Direito, há uma forte corrente aqui no Brasil, que considera como sendo família qualquer união simplesmente afetiva: não importa se a união é entre marido e mulher, entre amigos ou entre duas pessoas do mesmo sexo. Para nós cristãos, tal concepção é inaceitável! A família, para nós, não é uma realidade simplesmente natural, mas tem sua raiz no próprio plano de Deus. A família é uma realidade também teológica! É preciso escutar o que Deus tem a dizer sobre a família! O problema é que nossa sociedade já não é cristã; é pagã e pensa e age como pagã; é atéia e age como se Deus não existisse… Nossa sociedade acha que o homem é a medida de todas as coisas, o senhor do bem e do mal, do certo e do errado. Isso é absolutamente inaceitável para o cristão!

Agora podemos compreender a palavra de Jesus no Evangelho! Naquele tempo havia o divórcio… E Jesus, que é tão misericordioso, condena sua prática: “Foi por causa da dureza do vosso coração que Moisés” permitiu o divórcio! “No entanto, no princípio da criação Deus os fez homem e mulher… Já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus uniu, o homem não separe!” É uma palavra que parece dura, e os próprios discípulos tiveram dificuldades em compreender… como muitíssimos a têm hoje em dia. Compreendamos! Jesus veio para reconduzir este mundo ferido pelo pecado ao plano original de Deus. Ora, o sonho de Deus para o amor conjugal é que ele seja uma entrega total e plena, no amor indissolúvel, fiel e fecundo. Este é o ideal que Jesus aponta aos seus discípulos! Na perspectiva de Jesus, o divórcio é contrário ao plano de Deus para o amor humano! Por isso mesmo, o matrimônio abraçado por um cristão e uma cristã, no Senhor Jesus, é indissolúvel! Aqui é preciso deixar claro que a Igreja não tem autoridade para ensinar ou fazer diferente! Seria trair o Senhor! Surgem, no entanto, algumas questões sérias e graves:

(1) Como prometer amor por toda a vida, se nosso coração é inconstante? Primeiramente é necessário recordar que o matrimônio cristão somente pode ser abraçado na fé, sabendo os esposos que jamais a graça de Cristo lhes faltará. Com toda certeza, o Senhor haverá de conduzir os esposos no caminho do amor. Isto, no entanto, de modo algum, dispensa os esposos de cultivarem esse amor, com o diálogo, os gestos de carinho e de perdão, de compreensão e de atenção. Amor não é só sentimento: o amor não nasce de repente, não é fatal, não é cego, nem morre de repente. O amor pode e deve ser cultivado, cuidado. Como dizia São João da Cruz: “Onde não há amor, semeia amor e colherás amor”. A grande ilusão do mundo atual é pensar que o amor se reduz a sentimento, que não precisa ser cuidado nem cultivado! Confunde-se amor com paixão!

(2) Como fazer uma aliança para sempre, se esta depende não só de mim, mas também da outra pessoa? A questão é séria e, para nós, cristãos, deve ser pensada na fé. O matrimônio entre cristãos é sinal, é sacramento, do amor entre Cristo e a Igreja. São Paulo explica este mistério de modo belíssimo no capítulo quinto da Carta aos Efésios: marido e mulher devem se amar como Cristo e a Igreja (cf. Ef 5,21-32). Ora, este amor foi selado na cruz e na ressurreição; é amor pascal, amor que envolve morte e vida! A indissolubilidade não deveria ser vista como um fardo, mas como uma proposta de um Deus que crê no homem que criou; um Deus que nunca brinca com o amor, um Deus que aposta na nossa capacidade, quando aberta à sua graça! Ora, este amor-doação matrimonial, imagem daquele outro, entre Cristo e a Igreja, certamente terá a marca da cruz. As dificuldades conjugais, para o cristão, têm o nome de cruz, cruz que, assumida com amor e por amor, é transformada em alegria e plenitude de ressurreição. Aqui não se trata somente de palavras bonitas, mas de uma realidade impressionante: quem capitula, quem desiste ante as dificuldades, nunca plantará um amor no sentido cristão! A presença de Cristo na união conjugal não exclui as crises, as dificuldades, a incompatibilidade de temperamentos e até mesmo os erros na escolha do cônjuge! Mas tudo isso, por quanto doloroso possa ser, pode se tornar, em Cristo, um modo libertador e eficaz de participar com generosidade e desapego da cruz do Senhor e caminho de felicidade! “Loucura! Insanidade! Demência!” – dirá o mundo! Mas, a linguagem da cruz é loucura para o mundo! A sabedoria da cruz é tolice para o mundo! Nunca esqueçamos isso! Mas, para quem crê, é poder de Deus e sabedoria de Deus! (cf. 1Cor 1,18; 3,18-20). O problema é que as pessoas casam como os cristãos, mas não crêem nem vivem como os cristãos! Que fique bem assentado: o sonho de Deus em Cristo para o matrimônio é a indissolubilidade!

(3) E os nossos irmãos e irmãs que fracassaram na aliança conjugal e estão numa nova união? É uma situação dolorosa. Se são cristãos de verdade, a coisa é primeiramente difícil para eles. Não nos compete julgar suas intenções e sua história! Compete-nos respeitá-los e acolhê-los com espírito fraterno, ajudando-os a viver esta nova união do melhor modo possível. Isto, no entanto, não significa aprovação da separação nem da nova união. Mas, simplesmente, respeito pela história, pela consciência e pelo mistério da vida e das opções de cada irmão e de cada irmã. Mesmo porque, quem estiver sem pecado, que atire a primeira pedra. Cuidado, irmãos: não coloquemos fardos na vida dos outros!

Que o Senhor socorra as famílias e fortaleça no amor os esposos cristãos, fazendo-os simples como as crianças, capazes de acolher a proposta do Cristo para o matrimônio e que, nas dificuldades, recordem-se que Cristo, autor da nossa salvação, também foi levado à consumação passando pelos sofrimentos. Que nossos sofrimentos, unidos aos dele, sejam semente e penhor de vida eterna. Amém.



D. Henrique Soares da Costa


Roteiro Homilético 5 - Liturgia: Dom Total

SER DISCÍPULO: O MATRIMÔNIO SEGUNDO O PROJETO DE DEUS
1ª leitura: (Gn 2,18-24) O projeto original de Deus para homem e mulher – O projeto inicial de Deus fica sempre válido. Portanto, falando do primeiro casal humano, o autor de Gn fala de todos os casais humanos. Entre todas as criaturas, só a mulher é a “ajuda adequada” para o homem. O amor matrimonial é mais forte que qualquer outro laço humano, mesmo o da família de origem. Por sua natureza, é único. Os dois formam “uma só carne”, uma única realidade humana. * Cf. 1Cor 11,8-9; 1Tm 2,13; Ef 5,31; 1Cor 6,16 * cf. evangelho.

2ª leitura: (Hb 2,9-11) Glorificação de Cristo que morreu por nós – Hb quer confirmar os cristãos do judeu-helenismo em sua fé e esperança, que estão sendo abaladas pela controvérsia dos não-cristãos e pela protelação da Parusia. A carta destaca a grandeza de Cristo e da fé, mostrando a nova plenitude das figuras (modelos) do passado. Descreve amplamente a plenitude do sacerdócio em Cristo. – 2,5-16: Jesus, embora por um tempo colocado “um pouco abaixo dos anjos”, é agora elevado acima deles: o que Sl 8,6 diz da humildade e grandeza do ser humano, encontra sua plenitude em Cristo. Ele fez-se irmão nosso, assumindo nossa condição humana até a morte, para quebrar o domínio da morte e nos santificar, isto é, nos introduzir na “glória” (de Deus) (2,10). * 2,9 cf. Sl 8,5-7; Fl 2,6-11 * 2,10 cf. Rm 11,36; 1Cor 8,6; Hb 4,15; 5,2-3.9-10 * 2,11 cf. Jo 17,19; Hb 2,17-18; Sl 22[21],23.

Evangelho: (Mc 10,2-16 ou 10,1-12) A indissolubilidade do matrimônio – Em continuidade com as questões comunitárias do cap. 9, Mc 10,1-12 apresenta a visão cristã do matrimônio: segundo a vontade original de Deus (cf. 1ª leitura), homem e mulher são destinados a formar uma unidade pessoal inseparável. A legislação mosaica concernente ao divórcio veio depois do projeto original; é um remendo, por causa da “dureza do coração”, visto que o casamento nem sempre é o que deveria ser. Jesus se atribui a “autoridade” de restaurar o sentido dado por Deus mesmo. Não se coloca no nível da casuística, mas da vontade inicial e final de Deus. O que se deve fazer quando o homem não corresponde é outra questão. – 10,13-16: ensina aos discípulos, mediante um gesto paradigmático, que o Reino de Deus é dado às pessoas menos consideradas: as crianças, que não podem nada por si mesmas, mas são capazes de receber tudo (cf. as Bem-Aventuranças, Mt 5,3-10). * 10,2-12 cf. Mt 19,1-9 * 10,4 cf. Dt 24,1 * 10,6-8 cf. Gn 1,27; 2,24; Ml 2,14-16 * 10,11 cf. Mt 5,32; Lc 16,18 * 10,13-16 cf. Mt 11,25; 18,3; 19,13-15; Mc 9,37; Lc 18,15-17.

***   ***   ***

O tema de hoje é o matrimônio, porém, não sob o ângulo da casuística, mas sob o ângulo da vontade de Deus. Pois Jesus veio trazer presente o Reino de Deus, também quanto ao matrimônio: é preciso que seja restaurado no sentido que Deus mesmo lhe deu, desde o início. Este sentido se encontra descrito em Gn 2 (1ª leitura): preocupado com a felicidade de Adão, “o Homem”, Deus lhe procura uma companhia, mas como entre os outros seres vivos não a encontra, faz a mulher, da “metade” do homem. Esta narração significa a complementaridade de homem e mulher, que se transforma numa unidade de vida (“uma só carne”), quando o homem opta por uma mulher e, por causa desta opção, deixa sua família de origem e a segurança que lhe oferecia. Pois casar é um risco e um compromisso.

Na história da humanidade e de Israel, a vontade inicial de Deus nem sempre se realizou, e tal deficiência não é curada pelo progresso ou pela evolução. Estamos hoje tão longe do ideal de Deus quanto as civilizações antigas. O problema é que o plano de Deus só se realiza no amor, e este ficará sempre igualmente difícil para a humanidade. Sempre houve muito desamor. Chefes de família patriarcal que achavam que precisavam de outra esposa. Casamentos interesseiros, que não deram certo. E muitas outras razões pelas quais os homens achavam legítimo despedir suas mulheres. Para pelo menos lhes dar uma proteção legal, a legislação do livro do Deuteronômio (Dt 12-26) previu que as mulheres repudiadas recebessem um certificado (Dt 24,1). Os escribas, sabendo que Jesus não gostava da prática do divórcio (como antes dele Ml 2,14-16), quiseram experimentar se ele também rejeitava a Lei a respeito do certificado de divórcio (evangelho). A resposta de Jesus é astuta e adequada ao mesmo tempo. A legislação do divórcio é uma legislação feita para enfrentar a maldade humana (como a grande maioria das leis). Mas o plano de Deus a respeito do matrimônio se situa num outro nível, o da vontade de Deus, que é amor. Jesus não veio fazer casuística, ensinar qual é o mal menor. Ele veio trazer presente o Reino de Deus, o fim do mal. Para praticar o divórcio, a humanidade não precisa de uma palavra de Jesus, de uma mensagem de Deus. Já o faz por conta própria. Mas para voltar ao sonho de Deus referente ao amor humano, sim, precisa do evangelho.

(Na leitura completa do evangelho, segue agora um trecho sobre ser como crianças para receber o Reino de Deus. A mensagem reforça a anterior: para aceitar a vontade originária do Pai, é preciso ser simples e humilde.)

Começa hoje, na 2ª leitura, uma sequência da Carta aos Hebreus. A mensagem é um tanto difícil. Exige uma explicação especial, para colocar os ouvintes a par dos princípios da “cristologia sacerdotal” que marca esta carta. Para o autor de Hb, Jesus é sacerdote, “santificador”, por excelência, por serem sua humanidade e despojamento os instrumentos pelos quais ele santifica toda a condição humana. Santificou-nos por sua fraternidade conosco.

Chamam nossa atenção as belas orações. Enquanto a oração da missa testemunha uma ilimitada confiança filial, a oração final condensa toda uma teologia eucarística: o sinal produz o que ele significa, a transformação do homem naquilo que ele recebe no sacramento: em Cristo mesmo.

O MATRIMÔNIO SEGUNDO JESUS

Os evangelhos deste período litúrgico constituem uma sequência que podemos resumir no termo “discipulado”. O evangelista Marcos mostra Jesus a caminho, subindo a Jerusalém (Mc 8,31–10,45). Caminhando, Jesus ensina o caminho do Filho do Homem: sofrimento, cruz e ressurreição. Este ensinamento itinerante de Jesus é balizado pelos três anúncios da paixão (8,31-32; 9,30-32; 10,32-34). Esses anúncios são entremeados por ensinamentos que explicam em que consiste ser discípulo e seguir Jesus. Ora, também um casamento fiel faz parte do seguimento de Jesus, do discipulado. Esse é o evangelho de hoje.

A legislação matrimonial do Antigo Testamento era um pouco mais frouxa que a moral católica hoje. Não proibia o homem de ter diversas mulheres, apenas aconselhava que não fossem muitas. Permitia ao homem despedir uma mulher quando notava algo desagradável (o quê, isso era objeto de discussão entre os doutores). Moisés até ordenou que, no caso de a mulher ser despedida, ela recebesse um atestado dizendo que estava livre (Dt 24,1): uma carta de demissão para que procurasse outro emprego... Por isso, Jesus é radical: quem despede sua mulher para casar com outra comete adultério contra ela, é infiel a seu amor. E para arrimar sua opinião, Jesus invoca a primeira página da Bíblia, bem anterior à “jurisprudência” de Moisés: Deus os criou homem e mulher, o homem deixará pai e mãe, os dois serão uma só carne – uma só realidade humana – e o que Deus uniu o homem não separe (1ª leitura). Assim é que Deus quis as coisas desde a criação. Ora, Jesus é o Messias que vem restaurar as coisas conforme o plano de Deus. Tinha de falar assim mesmo. (Outra coisa é quando um governo civil admite o divórcio: o governo não é o Messias... Tem de fazer como Moisés: dar uma legislação para a fraqueza, para a “dureza de coração”, para limitar o estrago...)

O projeto de fidelidade absoluta no amor faz do matrimônio fiel um sinal eficaz do amor de Deus para seu povo: um sacramento. Em Ef, 5,22-33, Paulo relaciona o amor de esposo e esposa com o amor que Cristo tem para a Igreja e chama isso de grande mistério ou sacramento. Ora, nesse mistério de amor está presente o caminho de Cristo: assumir a cruz nos passos de Jesus.

Essa sublime vocação do matrimônio indissolúvel é hoje fonte de violentas críticas à Igreja. Que fazer com os que fracassam? Objetivamente falando, sem inculpar ninguém – pois de culpa só Deus entende, e perdoa – devemos constatar que há fracassos, e que fica muito difícil celebrar um “sinal eficaz do amor inquebrantável de Jesus” na presença de um matrimônio desfeito... Por isso, a Igreja não reconhece como sacramento o casamento de divorciados. Teoricamente, se poderia discutir se o segundo casamento não pode ser aceito como união não-sacramental (como se faz na Igreja Ortodoxa). E observe-se que muitos casamentos em nosso meio são, propriamente falando, inválidos, porque contraídos sem suficiente consciência ou intenção; poderiam, portanto, ser anulados (como se nunca tivessem existido).

Em todo caso, o matrimônio cristão, quando bem conduzido em amor inquebrantável, é uma forma de seguir Jesus no caminho do dom total.

 (O Roteiro Homilético é elaborado pelo Pe. Johan Konings SJ – Teólogo, doutor em exegese bíblica, Professor da FAJE. Autor do livro "Liturgia Dominical", Vozes, Petrópolis, 2003. Entre outras obras, coordenou a tradução da "Bíblia Ecumênica" – TEB e a tradução da "Bíblia Sagrada" – CNBB. Konings é Colunista do Dom Total. A produção do Roteiro Homilético é de responsabilidade direta do Pe. Jaldemir Vitório SJ, Reitor e Professor da FAJE.)



Roteiro Homilético 6 - Liturgia: Pe. Françoá Costa




Roteiro Homilético 7 - Liturgia: Mons. José Maria Pereira

O Futuro da Humanidade!…

As leituras bíblicas deste domingo levam à reflexão sobre o tema da família.

No Antigo Testamento, em Gn 2,18-24, lê-se que Deus faz desfilar perante o homem “todos os animais dos campos e todas as aves do céu”, para que desse o nome a cada um deles e visse se entre eles encontrava “uma auxiliar semelhante a ele.”

Adão põe o nome a cada um dos animais, mas nenhum deles satisfaz a sua necessidade de companhia e amor.

Então diz o Senhor Deus: “Não é bom que o homem esteja só. Vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele.” E Deus cria a mulher e quando esta é apresentada ao homem, este prorrompe numa exclamação de alegria, reconhecendo nela a companheira ideal: “Desta vez, sim, é osso dos meus ossos e carne da minha carne!” O texto termina por afirmar: “Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só carne.” A indissolubilidade do matrimônio encontra nestas palavras o seu fundamento, a sua razão de ser profunda e sagrada.

O Evangelho (Mc 10, 2-16) apresenta os fariseus que se aproximam de Jesus para tentá-Lo, para fazê-Lo entrar em conflito com a Lei de Moisés. Perguntam a Jesus se era lícito ao marido repudiar a sua mulher. Jesus retoma o texto de Gn 2 (citado acima) e declara que o casamento é indissolúvel; isto desde a origem, conforme fora instituído por Deus, no princípio da criação.

A dignidade do matrimônio e a sua estabilidade é um dos temas que mais importa defender e fazer com que muitos compreendam. Pois, a saúde moral dos povos está ligada ao bom estado do matrimônio. Quando este se corrompe, podemos afirmar que a sociedade está doente, gravemente doente.

Por isso, todos temos que rezar e velar pelas famílias com tanta urgência!

Os que se casam iniciam juntos uma vida nova que devem percorrer na companhia de Deus. É o próprio Senhor que os chama para que cheguem a Ele por esse caminho, pois o matrimônio é uma autêntica vocação sobrenatural. Sacramento grande em Cristo e na Igreja (Ef. 5,32), diz São Paulo; sinal sagrado que santifica, ação de Jesus que se apossa da alma dos que se casam e os convida a segui-Lo, transformando toda a vida matrimonial num caminhar divino sobre a terra.

Não esqueçamos que a primeira coisa que o Messias quis santificar foi um lar. O primeiro milagre que Jesus fez foi no Casamento, em Caná da Galiléia(Jo 2, 1-11). E que é precisamente nas famílias alegres, generosas, cristãmente sóbrias, que nascem as vocações para a entrega plena a Deus na virgindade ou no celibato. Todas elas representam um dom que Deus concede muitas vezes aos pais que rezam pelos filhos de todo o coração e com constância.

A família, tal como Deus a quis, é o lugar idôneo para tornar-se, com o amor e o bom exemplo dos pais, dos irmãos e dos outros membros do círculo familiar, uma verdadeira escola de virtudes em que os filhos se formem para serem bons cidadãos e bons filhos de Deus. É no meio da família firmemente voltada para Deus que cada um pode encontrar a sua própria vocação, aquela a que Deus o chama.

Numa época, em que muitos procuram destruir ou desfigurar a família, é urgente proclamar o Plano de Deus sobre o Matrimônio e a Família. Não é uma norma da Igreja, é Plano de Deus, reafirmado por Cristo.

A Missão dos pais é repetir o gesto das mães israelitas: levar seus filhos a Jesus, para que, abençoados por Ele e crescendo na sua escola, conservem a inocência e sejam um dia recebidos no reino dos Céus, preparado para eles.

O Documento de Aparecida diz: “Cremos que a família é imagem de Deus que em seu mistério mais íntimo não é uma solidão, mas uma família. Na comunhão de amor das Três Pessoas Divinas, nossas famílias têm sua origem, seu modelo perfeito, sua motivação mais bela e seu último destino” (434).

A família é insubstituível para a serenidade pessoal e para a educação dos filhos.

A família é um dos tesouros mais importantes dos povos, é patrimônio da humanidade inteira. “O futuro da humanidade passa pela família” (Beato João Paulo II).

Mons. José Maria Pereira


Roteiro Homilético 8 - Liturgia: D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB presbíteros.org


Roteiro Homilético 9 - Liturgia: Roteiro presbíteros.org
RITOS INICIAIS



Est 13, 9.10-11

ANTÍFONA DE ENTRADA: Senhor, Deus omnipotente, tudo está sujeito ao vosso poder e ninguém pode resistir à vossa vontade. Vós criastes o céu e a terra e todas as maravilhas que estão sob o firmamento. Vós sois o Senhor do universo.



Introdução ao espírito da Celebração



Começa de novo a catequese em nossas paróquias. Jesus lembra-nos a importância da família bem constituída e a da formação cristã, em que todos temos de colaborar, sobretudo os pais.

Vamos estar atentos ao que nos vai dizer.



Examinemo-nos sobre os nossos pecados para pedir perdão ao Senhor.



ORAÇÃO COLECTA: Deus eterno e omnipotente, que, no vosso amor infinito, cumulais de bens os que Vos imploram muito além dos seus méritos e desejos, pela vossa misericórdia, libertai a nossa consciência de toda a inquietação e dai-nos o que nem sequer ousamos pedir. Por Nosso Senhor…





LITURGIA DA PALAVRA



Primeira Leitura



Monição: Nesta página do primeiro livro da Bíblia, Deus ensina a igual dignidade do homem e da mulher e a indissolubilidade do matrimónio.



Génesis 2, 18-24

18Disse o Senhor Deus: «Não é bom que o homem esteja só: vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele». 19Então o Senhor Deus, depois de ter formado da terra todos os animais do campo e todas as aves do céu, conduziu-os até junto do homem, para ver como ele os chamaria, a fim de que todos os seres vivos fossem conhecidos pelo nome que o homem lhes desse. 20O homem chamou pelos seus nomes todos os animais domésticos, todas as aves do céu e todos os animais do campo. Mas não encontrou uma auxiliar semelhante a ele. 21Então o Senhor Deus fez descer sobre o homem um sono profundo e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma costela, fazendo crescer a carne em seu lugar. 22Da costela do homem o Senhor Deus formou a mulher e apresentou-a ao homem. 23Ao vê-la, o homem exclamou: «Esta é realmente osso dos meus ossos e carne da minha carne. Chamar-se-á mulher, porque foi tirada do homem». 24Por isso, o homem deixará pai e mãe, para se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne.



A narrativa conserva, na linguagem e no estilo, todas as características da tradição jarvista, em particular, uma grande vivacidade de expressão, e, de acordo com o modo de pensar e de falar da época a que o texto pertence, uma rica linguagem simbólica ou mítica. No entanto, mesmo quando se vê que adopta elementos comuns aos mitos cosmogónicos da antiguidade, esta linguagem é cuidadosamente purificada de toda a magia e politeísmo que os impregnam, de tal modo que Deus aparece como Senhor transcendente e Pai providente. Sem dificuldade, sob o estrato da antiga narração, descobrimos aquele conteúdo verdadeiramente admirável no que diz respeito às qualidades e à condensação das verdades, que nele estão encerradas (cf. João Paulo II, numa série de Audiências Gerais de 1979/80, que tomamos como pano de fundo destas notas). O texto deixa claro que a atracção dos sexos é algo querido por Deus e que a diferenciação sexual encerra um sentido intrínseco, não arbitrário; e também ela que não foi introduzida no mundo por nenhum princípio maléfico misterioso.

18-20 Deus é apresentado em linguagem antropomórfica, isto é, à maneira humana, como um «oleiro», e a deliberar no sentido de ir aperfeiçoando a sua obra, num texto que se presta a veicular ricos ensinamentos de antropologia teológica. «Não é bom que o homem esteja só»: a solidão do homem, sentida por ele (v. 20) e reconhecida por Deus (v. 18), traduz, por um lado, a interioridade do ser humano, capaz de perceber a sua própria solidão (coisa de que os animais não são capazes), e, por outro lado, como este foi criado por Deus para a comunhão inter-pessoal.

«Um auxiliar semelhante». O facto de se dizer auxiliar, ou ajuda, não contradiz a dignidade da mulher, como se esta ficasse reduzida a uma simples muleta para o homem, pois estamos perante uma complementaridade que é mútua; de qualquer modo, não se diz que é uma serva ou uma propriedade do marido, destinada dar-lhe frutos, à maneira de uma terra fecunda, como então se pensava. Por outro lado, também de Deus se diz que Ele é um auxiliar para o homem; além disso, a palavra hebraica (‘ézer, auxílio), ao designar habitualmente o socorro que Deus concede ao seu povo (15 em 21 vezes no A. T.), indicia que o relato está redigido com base na noção de aliança: a relação homem-mulher aparece então como um reflexo da relação Deus-homem, uma relação de aliança (M. Merode).

«O homem deu nome a todos os animais», é uma forma de pôr em relevo a superioridade do homem e o seu domínio sobre eles, que ficam postos ao seu serviço (cf. Gn 1, 28). Adão aparece como um rei que passa revista a todos os seus súbditos. Impor o nome significava frequentemente ter direito sobre algo ou alguém, assim como o mudar o nome correspondia a assinalar uma nova missão. Não se pretende ensinar que os animais foram criados só depois do homem (nem antes!), apenas o autor visa dramatizar a situação do homem solitário e enaltecer a Providência amorosa de Deus, que instituiu a sociedade conjugal para bem do próprio homem e num plano de grande dignidade, sublinhando que até os próprios animais maiores eram «behemáh», isto é, (animais) mudos, que não estavam ao nível do homem. Nesta encenação poderia haver também, em segundo plano, a condenação da bestialidade, frequente entre os cananeus e os egípcios (cfr. Lv18, 23-25) – um pecado que a Lei punia drasticamente (Ex 22, 18; Lev 20, 15-16; cf. Dt 21, 21) –, e ainda a rejeição do paganismo, que com frequência prestava culto a animais divinizados, uma aberração absurda, dado que Adão é superior e nem sequer encontra algum que, ao menos, lhe seja semelhante.

21-22 Ao arrepio da mentalidade da época, a mulher aparece em toda a sua dignidade, não como os animais, que são tirados da terra (v. 19); com efeito, ela é tirada da costela do homem, isto é, «da substância de Adão», como esclarece S. Gregório de Nissa, igual por natureza. Para isso – não para o anestesiar, como às vezes se diz – conta-se que adormeceu profundamente o homem (v. 21), a fim de que, sem que ele se apercebesse, lhe satisfizesse os seus ideais e anseios: formou a mulher e apresentou-a ao homem (v. 22). O «sono profundo» nada tem a ver com alguma espécie de sono de anestesia; o termo hebraico –tardemah – envolve uma certa conotação de mistério, pois é a palavra que se usa, quando durante um sono assim designado, ou logo após este, se verificam acontecimentos de grande alcance (cf. Gn 15, 12; 1 Sam 26, 12; Is 29, 10; Job 4, 13; 33, 15), de modo que até os LXX não traduziram este termo por hypnos (sono), mas sim por ékstasis (êxtase). É assim que se pode ver como a criação da mulher está envolta em mistério, pois aparece como uma especial acção divina que se insere no âmbito do mistério da Aliança, no próprio coração da história da salvação. Assim como em Gn 15, 12, o sono de Abraão é o sinal de que este se deixa ultrapassar por Deus, que lhe revela a Aliança, assim também aqui o sono de Adão é o sinal de que, pela bissexualidade humana, Deus nos revela o mistério do matrimónio como imagem de Deus (cf. Gn 1, 26-28). «Em ambos os casos, segundo os textos em que (…) o livro do Génesis fala do sono profundo (tardemah),realiza-se uma acção divina especial, isto é, uma aliança carregada de consequências para toda a história da salvação: Adão dá começo ao género humano, Abraão ao povo eleito» (João Paulo II, Audiência Geral de 1/11/19). Note-se que costela, – em hebraico tselá‘ – sugere um significativo jogo de palavras: o étimo sumério de tselá‘ significa vida e o nome Eva – em hebraico haváh – também significa vida.

22 «E apresentou-a ao homem». Também é significativo que não se diga que é o homem a fazer aparecer a mulher ou a descobri-la: tudo é dom e iniciativa divina, e a relação do homem com a mulher enquadra-se na relação fundamental do homem com Deus.

23 «Ao vê-la, o homem exclamou». As palavras que o hagiógrafo coloca na boca de Adão são a expressão dum entusiasmo eufórico, próprio dum coração enamorado, em linguagem poética, com ritmo, elegância, paralelismo e jogo de palavras, logrando-se um belo efeito literário: Adão, ignorando como a mulher tinha sido formada, verifica que ela corresponde plenamente ao seu ideal; formada do lado ou da costela sobre o coração, a mulher procedia do coração do homem, respondendo às suas profundas aspirações.

«Osso dos meus ossos…» Trata-se duma expressão corrente para designar parentesco, comunidade de natureza (cf. Gn 29, 14; Jz 9, 2; 2 Sam 5, 1; 1 Cron 11, 1). Esta afirmação é dum alcance extraordinário, transcendendo de longe as mais avançadas civilizações em que a mulher sempre foi considerada um ser inferior, quanto à natureza e direitos. Ela tem a mesma natureza e os mesmos direitos que o homem, por isso «chamar-se-á mulher», num jogo de palavras em hebraico: ’ixáh («virago»: a forma feminina de ’ix, «varão»); ela já não é mais a beulat-baal (a propriedade dum senhor – cf. Dt 22, 22). Sem diluir diferenças e peculiaridades, há uma igualdade fundamental entre o homem e a mulher, mesmo quando o relato apresenta o homem a ser criado em primeiro lugar; a mulher, embora surja como um auxiliar, ela é criada semelhante a ele (v. 18). Notar que as expressões «osso dos meus ossos» e «carne da minha carne» são uma espécie de superlativo hebraico (como «cântico dos cânticos»), equivalente a dizer que é mesmo carne e osso meu, um «alter ego», correspondendo a: «é igual a mim quanto à natureza e quanto aos direitos», segundo as categorias do nosso pensamento abstracto.

24 «Por isso, o homem deixará pai e mãe…» Os laços que unem marido e mulher são mais fortes ainda do que aqueles que unem os filhos aos pais: a união matrimonial é estável, (perpétua e indissolúvel, segundo a explicação de Jesus no Evangelho de hoje). É uma união total e íntima, tão profunda que abarca toda a pessoa, desde o físico até ao espiritual, segundo a expressão do original hebraico, «wedabaq», que a Vulgata traduziu por «et adhærebit», melhor que a nossa tradução: «para se unir à sua esposa». O texto permite ver a unidade do matrimónio – um só homem com uma só mulher (a sua mulher) – e a indissolubilidade, pois os dois passarão a ser «uma só carne». A expressão hebraica «lebassár ehád» («in carnem unam») indica não apenas o corpo, mas tudo o que constitui a natureza do homem: corpo e espírito, pensamento e amor, sentimentos e vontade, o que dá azo a João Paulo II para falar do significado esponsal do corpo humano, um significado que só se pode compreender dentro do contexto da pessoa: «o corpo tem o seu significado esponsal porque o homem-pessoa é uma criatura que Deus quis por si mesma e que, ao mesmo tempo, não pode encontrar a sua plenitude senão mediante o dom de si próprio» (Audiência Geral de 16/1/80). O Papa acrescenta que no celibato pelo Reino dos Céus esse significado não se perde, mas é ainda mais pleno, pois se torna mais expressiva a liberdade do dom no corpo humano; o homem só é capaz de doação enquanto pessoa e é doando-se que se realiza como pessoa; e a sua máxima doação é a entrega total (corpo e alma) a Deus.



Salmo Responsorial

 Sl 127 (128), 1-2.3.4-5.6 (R. cf. 5)



Monição: Deus abençoa já neste mundo os que Lhe obedecem fielmente.



Refrão:         O SENHOR NOS ABENÇOE EM TODA A NOSSA VIDA.



Feliz de ti que temes o Senhor

e andas nos seus caminhos.

Comerás do trabalho das tuas mãos,

serás feliz e tudo te correrá bem.



Tua esposa será como videira fecunda

no íntimo do teu lar;

teus filhos como ramos de oliveira,

ao redor da tua mesa.



Assim será abençoado o homem que teme o Senhor.

De Sião o Senhor te abençoe:

vejas a prosperidade de Jerusalém todos os dias da tua vida;

e possas ver os filhos dos teus filhos. Paz a Israel.



Segunda Leitura



Monição: Jesus assumiu a nossa natureza humana e sujeitou -Se à morte para nos salvar.





Hebreus 2, 9-11

Irmãos: 9Jesus, que, por um pouco, foi inferior aos Anjos, vemo-l’O agora coroado de glória e de honra por causa da morte que sofreu, pois era necessário que, pela graça de Deus, experimentasse a morte em proveito de todos. 10Convinha, na verdade, que Deus, origem e fim de todas as coisas, querendo conduzir muitos filhos para a sua glória, levasse à glória perfeita, pelo sofrimento, o Autor da salvação. 11Pois Aquele que santifica e os que são santificados procedem todos de um só. Por isso não Se envergonha de lhes chamar irmãos.



Vamos ter como 2ª leitura até ao fim do ano litúrgico alguns respigos da epístola aos Hebreus, poucos, mas expressivos. O tema central do «discurso de exortação» (cf. 13, 22), que constitui o escrito, nunca é tratado nos restantes livros do N. T.: o sacerdócio de Cristo, uma elaboração teológica admirável e sublime, entremeada de exortações, uma verdadeira obra prima que impressiona vivamente o leitor. Embora pertença ao chamado corpus paulinum, este documento não parece ter sido redigido por S. Paulo (alguns pensam que poderia ser um sermão do seu colaborador Apolo: cf. Act 18, 24-28), nem tem um carácter epistolar, se exceptuamos os vv. finais (13, 22-25), que até poderiam ser um bilhete do próprio Paulo. O trecho de hoje é extraído da 1ª parte, em que Jesus é apresentado como Filho de Deus e superior aos próprios anjos, não obstante todas as humilhações a que se quis sujeitar.

9-10 «Por um pouco, foi inferior aos Anjos». Em constantes citações do A. T. ao longo de toda a epístola, o autor sagrado faz aqui (nos vv. 5-9) uma releitura cristológica do Salmo 8. A inferioridade de Jesus deu-se apenas no aspecto exterior e sensível, especialmente nos momentos da sua Paixão e Morte; mas a humilhação da morte que sofreu mereceu-lhe a exaltação gloriosa da sua SS. Humanidade (cf. Lc 24, 26; Filp 2, 6-11). Por outro lado, essa humilhação não foi sem um nobilíssimo motivo, pois foi «em proveito de todos», isto é, em ordem à salvação de todas as criaturas, não apenas de uns tantos privilegiados. Mais ainda, «convinha que (Deus, o Pai…) levasse à perfeição, pelo sofrimento, o Autor da salvação». Nesta única vez em que se usa em toda a Escritura o «argumento de conveniência» para o agir divino, aparece um dos temas fulcrais da epístola, o da «perfeição»: Jesus é o sacerdote perfeito (5, 9; 7, 11-28; 10, 14), em contraposição com o sacerdócio levítico com todas as suas exigências de perfeição exterior (cf. Lv 21, 18-23). Aqui se expõe como atingiu essa perfeição; foi pelo sofrimento, com que, obedecendo ao Pai, quis levar a cabo a obra da Redenção até ao «consummatum est» (Jo 19, 30), no supremo exercício do seu sacerdócio.

11 «Procedem todos de um só»: Jesus, «Aquele que santifica» e os homens, «os que são santificados», têm uma origem comum (Deus, Adão, Abraão, ou simplesmente a mesma natureza), o que torna possível que Jesus seja «sacerdote» e «mediador» (cf. 2, 14-18; 5, 1; 8, 6; 9, 15), podendo, apesar da sua suprema dignidade, chamar com toda a verdade os homens «seus irmãos» (cf. Jo 20, 17).



Aclamação ao Evangelho

1 Jo 4, 12



Monição Jesus deixa as coisas claras sobre a indissolubilidade do matrimónio. A Sua doutrina continua actual e hoje de modo particular. Ouçamos com atenção.



ALELUIA



Se nos amamos uns aos outros, Deus permanece em nós

e o seu amor em nós é perfeito.





Evangelho *





*Forma longa: São Marcos 10, 2-16      Forma breve: São Marcos 10, 2-12

Naquele tempo, 2aproximaram-se de Jesus uns fariseus para O porem à prova e perguntaram-Lhe: «Pode um homem repudiar a sua mulher?» 3Jesus disse-lhes: «Que vos ordenou Moisés?» 4Eles responderam: «Moisés permitiu que se passasse um certificado de divórcio, para se repudiar a mulher». 5Jesus disse-lhes: «Foi por causa da dureza do vosso coração que ele vos deixou essa lei. 6Mas, no princípio da criação, ‘Deus fê-los homem e mulher. 7Por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa, 8e os dois serão uma só carne’. Deste modo, já não são dois, mas uma só carne. 9Portanto, não separe o homem o que Deus uniu». 10Em casa, os discípulos interrogaram-n’O de novo sobre este assunto. 11Jesus disse-lhes então: «Quem repudiar a sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a primeira. 12E se a mulher repudiar o seu marido e casar com outro, comete adultério».

[13Apresentaram a Jesus umas crianças para que Ele lhes tocasse, mas os discípulos afastavam-nas. 14Jesus, ao ver isto, indignou-Se e disse-lhes: «Deixai vir a Mim as criancinhas, não as estorveis: dos que são como elas é o reino de Deus. 15Em verdade vos digo: Quem não acolher o reino de Deus como uma criança, não entrará nele». 16E, abraçando-as, começou a abençoá-las, impondo as mãos sobre elas.]



Jesus é posto à prova num tema hoje bem actual e que já na sua época era debatido entre os rabinos de então: a escola rigorista de Xamai só permitia o divórcio em casos extremos, como por adultério, ao passo que para a escola liberal de Hillel bastava qualquer razão banal, como uma forte atracção por outra mulher, ou simplesmente o servir uma comida com esturro. Na sua resposta, Jesus não pergunta pelas posições dos rabinos, mas pela Lei de Moisés na sua forma escrita. No entanto, também não estão no horizonte de Jesus as modernas questões histórico-literárias, pois neste caso poderia dizer que Moisés nunca autorizou o divórcio, apenas o considera como um facto real, a exigir regulamentação para minorar os males que acarreta. De facto, o célebre texto do Deuteronómio, o único na Thoráh a falar do certificado de divórcio (Dt 24, 1-4), quando bem lido no original hebraico, de modo nenhum quer dizer que Moisés «permitiu que se passasse um certificado de divórcio», como responderam os fariseus (v. 4). Como explica Díez Macho, a autorização do divórcio de Dt 24, 1 não passa de uma simples inclusão na legislação do Pentateuco de um costume do meio ambiente, mas nem para o canonizar, nem para o autorizar, mas sim para lhe pôr obstáculo (Sto. Agostinho diz que é mais uma desaprovação do que uma aprovação). Dt 24 1 é uma tolerância do divórcio reinante, pela dureza do coração, como justamente Jesus interpretou». O judaísmo posterior é que interpretou o texto como uma autorização do divórcio, um privilégio divino para os maridos israelitas, considerando o final do v. 1 de Dt 24 como um preceito («escreva-lhe uma carta de repúdio»), quando a verdade é que se tratava da consideração de mais uma condição («e se lhe escreve uma carta de repúdio»); os 3 primeiros vv. devem ser lidos como prótase («se…, se…, se…»), aparecendo a apódose só no v. 4, com o preceito: «(então), o primeiro marido que a despediu não a poderá tomar de novo por sua mulher» (isso seria indecoroso).

6-9 «Mas no princípio da criação…». Jesus apela para as palavras do Génesis lidas na 1.ª leitura e dá-lhes o seu profundo sentido: «passarão a ser uma só carne» significa a unidade e indissolubilidade do Matrimónio. Por isso a legítima tradição da Igreja nunca admitiu a mínima excepção à indissolubilidade dum matrimónio validamente realizado e consumado. A sentença de Jesus é absoluta e irrevogável: «O que Deus uniu que não o separe o homem» (v. 9); com efeito, não se trata de uma simples imposição duma lei externa, mas de algo que pertence à própria natureza das cosias.

11-12 «Quem repudiar… e, se a mulher repudiar o seu marido e casar com outro, comete adultério». Jesus apresenta as normas morais tão exigentes para o homem como para a mulher, reforçando o ensino anterior (vv. 5-9), quando para o judaísmo só o marido é que podia repudiar a mulher e não o contrário. Jesus não só restituiu o Matrimónio à sua dignidade original, segundo o projecto de Deus para a felicidade do ser humano, mas também confere a graça do Sacramento do Matrimónio, que possibilita superar as situações mais difíceis, com que nos deparamos cada vez mais, e remediar a dureza do coração, uma coisa impossível para a Lei de Moisés.

13-16 Esta perícope, que fala das crianças, nada tem a ver com a anterior, embora estas sejam as grandes vítimas inocentes dos divórcios; a ligação é artificial, e nada se diz das circunstâncias do momento e do lugar do facto relatado nos três Sinópticos. Então havia o costume de aos sábados os pais abençoarem as suas crianças (com menos de 12 anos), mas só na festa do Yom Kipur é que elas recebiam a bênção dos rabis; que o acontecimento relatado tivesse sido por esta ocasião não passa de mera possibilidade. É apenas S. Marcos – que gosta de registar as emoções de Jesus (cf. 1, 43; 3, 5; 8, 12; 14, 33-34) – quem refere aindignação de Jesus perante a oposição dos discípulos (v. 14), que partilhavam da mentalidade corrente de desprezo pelas crianças; então não se considerava a sua inocência, mas a sua imaturidade. O tema central do relato é o do Reino de Deus, concretamente, que pessoas poderão fazer parte dele: «Só aqueles que o reconhecem e o aceitam como um dom – como uma criança que recebe presentes – é que podem esperar vir a fazer parte dele; o reino é para aqueles que não fazem reivindicações de poder ou de posição social» (The new Jerome B. Commentary). E, sem humildade, como a da criança que se sente débil e insignificante, não é possível entrar no Reino de Deus (cf. Mt 18, 3-4; Mc 9, 35-36), o que está no pólo oposto da atitude dos fariseus, que pensavam poder comprar o Reino de Deus com os seus próprios méritos. Por outro lado, o relato deixa ver como as crianças são tomadas a sério, como pessoas, por Jesus – só Marcos refere que Eleas abraçou – e como elas gostam de se relacionar com Jesus e com o Reino.



Sugestões para a homilia



Não separe o homem o que Deus uniu

Quem repudiar a sua mulher e casar com outra comete adultério

Deixai vir a Mim as criancinhas

Não separe o homem o que Deus uniu

O casamento não é uma instituição dos homens. É de instituição divina e não pode ficar ao critério das opiniões humanas por mais democracia que lhe ponham em cima. «A íntima comunidade da vida e do amor conjugal – diz o Concílio – fundada pelo Criador e dotada de leis próprias, é instituída por meio da aliança matrimonial, eu seja pelo irrevogável consentimento pessoal. Deste modo, por meio do acto humano com o qual os cônjuges mutuamente se dão e recebem um ao outro, nasce uma instituição também à face da sociedade, confirmada pela lei divina. Em vista do bem tanto dos esposos e da prole como da sociedade, este sagrado vínculo não está ao arbítrio da vontade humana» (GS 48).

No evangelho Jesus deixa as coisas bem claras e a Sua doutrina continua sempre actual. Temos de a ter presente em nossa cabeça e saber transmiti-la aos outros.

Alguns armam-se em profetas da modernidade, defendendo as piores aberrações: o divórcio, o aborto, as uniões homossexuais. Outros vão atrás porque têm medo de não ser modernos.

Muitas dessas ideias são vícios antigos na história da humanidade e quem tiver um pouco de conhecimento da História pode confirmá-lo. Essa pretensa modernidade revela a cultura postiça de muitos «sábios» do nosso tempo e manifestam a sua ignorância ou cegueira. Na antiga Roma do tempo de Jesus encontramos essas desordens muito espalhadas. S. Paulo refere-se a algumas no começo da sua Carta aos Romanos.

Elas são características das civilizações em decadência. Podíamos lembrar o velho Egipto, a Grécia antiga, Roma e muitas outras. Com a abundância de riqueza entraram os vícios e apareceram pretensos sábios a quererem justificá-las.

Hoje encontramo-nos em situação semelhante. A Europa com as suas riquezas deixou entrar todos os vícios. Muitos esqueceram-se de Deus e não só cometem essas desordens como querem legitimá-las. Querem chamar bem ao mal e mal ao bem e impor aos outros as suas perversões.

Temos de estar atentos e reagir, guiados pela fé, fiando-nos de Jesus, que é caminho verdade e vida (Jo 14, 6). Só Ele tem palavras de vida eterna (Jo 6, 69).

Havemos de ter compreensão e pena dos que fazem o mal, mas também proclamar sem medo a verdade que Jesus nos ensinou.

E não se trata apenas duma questão religiosa. São verdades ao alcance de todos os homens. Fazem parte da lei natural, inscrita por Deus no coração de todos os homens e que todos podem conhecer, se não se deixarem cegar pelas suas paixões desordenadas.

O casamento é união de um com uma e para sempre. Aparece-nos nas primeiras páginas da Bíblia como escutávamos na primeira leitura. Deus criou o homem e a mulher da mesma carne, iguais em dignidade. Formou com eles uma família para ficarem indissoluvelmente unidos, para serem uma só carne.

E confiou-lhes a transmissão da vida humana. É essa a missão primeira do casamento.

Quem repudiar a sua mulher e casar com outra comete adultério

O divórcio vai contra a natureza do matrimónio. O amor verdadeiro, sobre que deve assentar o casamento, exige essa indissolubilidade. A mãe ama o filho sem condições, mesmo que seja mau e ingrato.

Assim hão-de fazer os esposos. E devem amadurecer o amor para que seja alicerce firme do seu matrimónio. Falsos namoros, hoje em voga, são caminho directo para a separação a curto prazo.

A geração e educação dos filhos exigem também a estabilidade da união familiar. Não são frangos de aviário. Não basta dar-lhes comida e conforto. Precisam do amor e da complementaridade do pai e da mãe para se desenvolverem como verdadeiros homens e mulheres, preparados para enfrentar a vida e saber gastá-la ao serviço dos outros.

No evangelho Jesus deixa as coisas muito claras. Divorciar-se é sempre um mal. Casar com um divorciado é ficar numa situação de pecado, é cometer adultério.

A Igreja é muito compreensiva com aqueles que se encontrem nesta situação mas não pode deixar de lhes lembrar que estão numa posição errada e que não podem ser admitidos aos sacramentos, sem antes mudarem de vida.

Anima-os a rezar, a ir à missa, a ouvir a Palavra de Deus. Se algum cristão nessa situação, pensando que o sacerdote o não conhece, fosse a receber a Eucaristia cometia um sacrilégio. A Deus não O pode enganar. É isso que lembram os documentos do Magistério da Igreja.

Se algum sacerdote ou bispo tomar outra posição estaria a ensinar e a proceder contra os ensinamentos de Jesus.

A Igreja não pode permitir a anulação do casamento. Há casos em que os tribunais eclesiásticos verificam que determinados casamentos eram nulos, sobretudo por falta do devido consentimento dalgum dos esposos. Nessas situações é declarada a nulidade, que existia desde o princípio e não anulado o casamento.

Devemos procurar ajudar os casais em crise. Os pais de um e outro têm de saber aconselhar, pondo-se do lado do genro ou da nora. Normalmente é a maneira de acertar. Muitos divórcios devem-se a maus conselhos dos pais.

Deixai vir a Mim as criancinhas

A família é a base da sociedade e a célula fundamental da Igreja. Nela nascem os novos filhos de Deus. Nela se educam e crescem, nela são levados às fontes da graça e educados na fé. Se as famílias funcionam bem toda a sociedade funciona bem. Provam-nos os problemas com tantos marginais em Portugal e outros países.

O Estado tem obrigação de proteger a família, facilitando o desempenho da sua função. Apoiando com eficiência a natalidade. Promovendo a estabilidade do matrimónio e não ao contrário, como infelizmente acontece. Promovendo o acompanhamento dos filhos pequenos, sobretudo a presença da mãe no lar.

Começa um novo ano da catequese. Vale a pena lembrar o papel fundamental da família. As mães são as primeiras catequistas. Se falta a catequese familiar a formação religiosa das crianças e jovens fica sem alicerces. Os pais ensinam com palavras e sobretudo com o exemplo da sua vida cristã. É uma responsabilidade de que Deus lhes pedirá sérias contas um dia.

S.Pio X depois de ter sido sagrado bispo de Mântua foi visitar sua mãe velhinha. Disse-lhe brincando: – Olha que lindo anel me deu o Senhor!

A mãe mostrando a sua humilde aliança de casamento respondeu-lhe: – filho, tu não levarias esse anel de bispo se eu não tivesse recebido antes esta simples aliança de casamento!

«Famílias que viveram de Cristo e que deram a conhecer Cristo. Pequenas comunidades cristãs, que actuaram como centros de irradiação da mensagem evangélica. Lares iguais aos outros lares daqueles tempos, mas animados de um espírito novo, que contagiava os que os conheciam e que com eles se relacionavam.

Assim foram os primeiros cristãos e assim havemos de ser nós, os cristãos de hoje: semeadores de paz e de alegria, da paz e da alegria que Jesus nos trouxe.» (JOSEMARIA ESCRIVÁ, Cristo que passa, 30)

Deixai vir a Mim as criancinhas – dizia Jesus no Evangelho. E di-lo para os pais e para todos nós. Temos de ajudar de modo especial as crianças e levá-las a Jesus. Ele é o seu grande amigo. Temos de animar as crianças a ir à catequese, a não faltar à missa durante as férias. Temos de rezar por elas e pelos pais, para que sigam o caminho de Jesus.

Todos ficamos a ganhar com isso. Se todos viverem à maneira de Jesus o mundo é bem diferente. Não viveremos no medo, não será preciso gastar tanto dinheiro com polícias e tribunais.

É muito importante o trabalho de catequista, preparando-se bem e gastando generosamente o seu tempo. É muito importante também o trabalho com crianças e jovens, no escutismo e outros grupos de jovens. Assim estaremos a amar verdadeiramente a Jesus e a servir a sociedade.

Que a Senhora do Rosário nos ajude a viver bem tudo isto. Meditando os mistérios do rosário aprendemos a viver à maneira de Jesus e a servir generosamente a Deus e os outros.



Fala o Santo Padre



Queridos irmãos e irmãs!

Neste domingo, o Evangelho apresenta-nos as palavras de Jesus sobre o matrimónio. A quem lhe perguntava se era lícito ao marido repudiar a própria esposa, como previa um preceito da lei moisaica (cf. Dt 24, 1), Ele respondeu que se tratava de uma concessão feita por Moisés devido à «dureza do coração», enquanto a verdade sobre o matrimónio remontava «ao início da criação», quando «Deus como está escrito no Livro do Génesis os criou homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe para se unir à sua mulher, e serão os dois uma só carne (Mc 10, 6-7; cf. Gn 1, 27; 2, 24). E Jesus acrescentou: «Portanto, já não são dois, mas uma só carne. Pois bem, o que Deus uniu não o separe o homem» (Mc 10, 8-9). É este o projecto originário de Deus, como recordou também o Concílio Vaticano II na Constituição Gaudium et spes: «A íntima comunidade conjugal de vida e amor foi fundada e dotada de leis próprias pelo Criador; baseia-se na aliança dos cônjuges… o próprio Deus é o autor do matrimónio» (n. 48).

O meu pensamento dirige-se a todos os casais cristãos: agradeço com eles ao Senhor pelo dom do Sacramento do Matrimónio, e exorto-os a manter-se fiéis à sua vocação em cada época da vida, «na alegria e no sofrimento, na saúde e na doença», como prometeram no rito sacramental. Conscientes da graça recebida, possam os cônjuges cristãos construir uma família aberta à vida e capaz de enfrentar unida os numerosos e complexos desafios deste nosso tempo. Hoje, há particularmente necessidade do seu testemunho. Há necessidade de famílias que não se deixem arrastar pelas modernas correntes culturais inspiradas no hedonismo e no relativismo, e estejam prontas a realizar com generosa dedicação a sua missão na Igreja e na sociedade.

Na Exortação apostólica Familiaris consortio, o servo de Deus João Paulo II escreveu que «o Sacramento do Matrimónio constitui os cônjuges e os pais cristãos testemunhas de Cristo «até aos confins do mundo», verdadeiros e próprios «missionários» do amor e da vida» (cf. n. 54). Esta missão é directa quer no interior da família especialmente no serviço recíproco e na educação dos filhos quer no exterior: de facto, a comunidade doméstica está chamada a ser sinal do amor de Deus para com todos. Trata-se de uma missão que a família cristã só pode realizar se estiver amparada pela graça divina. Por isto é necessário rezar incessantemente e perseverar no esforço quotidiano para manter os compromissos assumidos no dia do Matrimónio. Sobre todas as famílias, especialmente sobre as que estão em dificuldade, invoco a protecção materna de Nossa Senhora e do seu esposo José. Maria, Rainha da família, rogai por nós!



Bento XVI, Angelus, 8 de Outubro de 2006

Roteiro Homilético 10 - Liturgia: comentário exegético presbíteros.org

EPÍSTOLA AOS HEBREUS 2, 9-11

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)



INTRODUÇÃO: O autor de Hebreus tem demonstrado em versículos anteriores a superioridade de Cristo sobre os anjos. Aqui nos diz que, se bem que durante sua vida terrena, foi inferior aos anjos, Ele, e não os anjos, se tornou o único mediador e pontífice, já que o sacerdote deve ser da mesma natureza que o povo; logo os anjos não podiam  mediar entre Deus e os homens em ordem à salvação. O homem e o mundo estavam submetidos às leis dominadas pelos anjos, segundo o sentir da época (Cl 2, 13; Rm 3, 38 e Gl 4, 3-9). Porém, Cristo, vencedor do pecado e da morte, não está sujeito a essas leis e cedo o homem, igual que o Cristo, estará totalmente livre delas.

DIMINUÍDO E EXALTADO: Ao que, pois, um pouco [brachy<1024>=modico| em comparação dos anjos vemos diminuído [ëlattömenon<1632>=minoratus], Jesus, por causa da paixão [pathëma <3804> = passionem] da morte, em glória e honra coroado [estefanömenon<4737>=coronatum], de modo que, pela graça de Deus, no lugar de todos, gostasse a morte (9). Eum autem qui modico quam angeli minoratus est videmus Iesum propter passionem mortis gloria et honore coronatum ut gratia Dei pro omnibus gustaret mortem. DIMINUÍDO: Elattömenon <1632>particípio de Ellattoö: diminuir, tornar-se menor, minguar, decair, como vemos em Jo 3, 30: Ele deve aumentar e eu minguar. UM POUCO: é o advérbio Brachy <1024> que sai em Lc 22, 58 quando no pátio de Caifás, alguém viu (Pedro) um pouco mais tarde. O sentido do meio versículo é de que Jesus se tornou um pouco inferior aos anjos, por causa de sua humanidade, bem no sentido espacial (a terra inferior aos céus) ou no sentido temporal (durante um pouco de tempo) na sua vida temporal, como homem. Mas teve, não obstante um poder que superava o poder dos anjos, especialmente por ressuscitar mortos. PAIXÃO: A palavra Pathema<3804> significa sofrimento, padecimentos, aflições Um exemplo: Convinha que Aquele (Deus)… aperfeiçoasse por meio de sofrimentos o Autor da salvação (Hb 2, 10). E estimo que ossofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória…(Rm 8, 18). Em 1 Pd 4, 13 este fala aos fiéis que devem se alegrar na medida em que são participantes dos sofrimentos de Cristo. [as palavras sublinhadas são da mesma raiz que pathema]. Aqui Tiago envolve a morte de cruz como culminação de uma série de sofrimentos aos quais juntamente chama de Pathema. Por isso, precisamente, o Cristo foi coroado , ESTEFANÖMENON<4737>. O adjetivo sai 3 vezes no NT (2 Tm 2, 5 e Hb 2, 7 e 9). O atleta em Pedro só é corado com o louro da vitória se competir conforme às regras, e Jesus é coroado de glória (doxe a mesma de Deus) e honra (a que os homens apetecem). A glória talvez relembra o resplendor que se manifestava em Moisés quando saia da fala com Deus (Êx 34, 24). PELA GRAÇA DE DEUS: Tiago usa Charis<5485> com tradução da Vulgata por gratia. Das 130 vezes que aparece esta palavra no NT, podemos afirmar que a maioria delas pode ser traduzida por a bondosa benignidade divina para com os homens, especialmente para com os pecadores. Poderíamos, pois, traduzir esta frase pela bondade ou benevolência de Deus. Graça, em singular, refere-se sobretudo a Deus como dom que se comunica de forma múltipla ao homem: Umas vezes, é o próprio Deus, como fonte desse dom e então, é sinônimo de amor, benevolência, fidelidade (Rm 11, 6). Nesse sentido Cristo é a graça de Deus por excelência (Jo 1, 14-18). Outras, designa o dom de Deus enquanto recebido no homem e equivale a favor, bênção, vida, salvação… (Lc 1, 30). Aqui, ambos os sentidos estão unidos de modo que a benevolência divina se transforma em salvação para os homens.  Como? Tiago o explica na continuação. GOSTASSE A MORTE: É a causa de sua promoção como coroado. Pela morte de cruz, Cristo foi exaltado como chefe e salvador (At 5, 31) e em Fp 2, 8:  Tornou-se obediente até a morte e morte de cruz.      

ATRAVÉS DOS SOFRIMENTOS: Já que convinha [eprepen<4241>=decebat] a quem pelo qual todas (as coisas) e do qual todas (as coisas) [existem], o condutor[agagonta<71>=adduxerat] de  muitos filhos para a glória, aperfeiçoar [teleiösai<5048>=consumare] o autor [archëgon <747> =auctorem] da salvação deles, através de sofrimentos (10). Decebat enim eum propter quem omnia et per quem omnia qui multos filios in gloriam adduxerat auctorem salutis eorum per passiones consummare.  Esta é a tradução literal, bastante confusa que para melhor entender, temos que usar parênteses e colchetes. Vamos explicar as palavras e o sentido da frase. O verbo PREPÖ <4241> significa distinguir-se, sobressair; mas, como impessoal, tem o significado de convém, é justo. AGAGONTA<71> é o particípio aoristo do verbo Agö de significado conduzir, levar, liderar, chefiar. Temos optado por um nome que substitui o verbo original: condutor, no lugar daquele que levou. TELEIOÖ<5048> É um verbo que tem vários significados: realizar, cumprir; também chegar à perfeição, tornar-se adulto. ARCHËGOS <747> que significa causa, princípio, autor. O significado da frase é: Deus é Criador de tudo e também o modelo de tudo que existe. É por isso, que Ele rematará o seu trabalho, sendo quem conduziria a muitos, como filhos, ao triunfo da glória definitiva. Por essa razão, através dos sofrimentos de Jesus, aperfeiçoou o chefe deles (Jesus) por meio desses mesmos  sofrimentos. Dessa chefia de Jesus está a palavra do Salmo 8, 6 que diz: Deste-lhe domínio sobre as obras de tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste. Assim, esse Jesus  pode ser chamado autor da salvação deles. A tradução livre mais correta é: era conveniente, com efeito, que aquele por quem e para quem tudo foi feito, querendo levar à glória um grande número de filhos, fizesse perfeito, mediante os sofrimentos, o chefe que devia guiá-los. Consequentemente, se Deus é o autor e modelo da criação, Jesus, não pela palavra, mas pelo sofrimento é o autor e modelo dos redimidos ou salvos.

TODOS IRMÃOS: Pois tanto o santificador [agiazön<37>=sanctificat] como os santificados, de um só todos (provêm): por causa disso não se envergonha[epaischynetai<1870>=confunditur] de chamar irmãos a eles (11). Qui enim sanctificat et qui sanctificantur ex uno omnes propter quam causam non confunditur fratres eos vocare dicens. SANTIFICADOR: Propriamente o que santifica, embora o verbo Agiazö<37> tenha o significado de consagrar, sagrar ou purificar. A ideia é de separar uma coisa ou pessoa para a divindade, pelo qual ela é considerada pura ou santa como pertencente unicamente a Deus. Um exemplo: Mt 23, 17: Qual é maior, o ouro ou o templo que santifica o ouro? Em Jo 17, 17 lemos: Consagra-os na verdade. Em Ef 5, 26 temos uma diferença entre a purificação e a consagração. Aquela precede como purificação, à consagração. Para que uma coisa ou pessoa entre a formar parte do círculo divino, deve primeiro ser purificada e então pode ser consagrada ou dedicada ao culto. Todo cristão, como em Efésios diz Paulo da Igreja a  qual é seu modelo, é purificado por meio da lavagem de água e pela palavra e assim será dedicado ao culto divino. A palavra é a evangelização que é necessária para que uma criatura racional aceite a fé que precede o batismo. DE UM SÓ TODOS PROVÊM: Evidentemente, o santificador é Cristo e os santificados são os membros de sua Igreja e diz o autor que todos provêm como de um mesmo Pai. O resultado é que esse santificador, nosso Senhor Jesus, não tem inconveniente em chamar os santificados de irmãos. Assim os chamou Jesus em Mt 12, 49-50: Estendendo a mão para os discípulos, disse: eis minha mãe e meus irmãos! Porque qualquer um que fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe.

CONCLUSÃO: A humilhação temporal de Cristo não afeta sua grandeza universal sobre toda criatura, de modo especial sobre os anjos. Sua autêntica grandeza está em seu rebaixamento, para poder ser sacerdote, e assim cumprir como vítima a vontade do Pai, por gostar da morte em benefício de todos (9). Porque Cristo é o primogênito, como diz Paulo, de uma nova geração que conduz, mediante o misthós [salário] de seus sofrimentos toda uma plêiade de irmãos para a glória por meio de  seu triunfo na cruz. Filhos de Deus, somos verdadeiramente irmãos de Cristo, de cuja irmandade não só nós nos gloriamos, mas também constituímos a glória de Cristo.





EVANGELHO (Mc 10, 2-16)

O REPÚDIO DA MULHER

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)



A PERGUNTA: E tendo se aproximado [proselthontes <4334>=accedentes] os fariseus [farisaioi <5339> Pharisaei] lhe perguntaram se é lícito [exestin<1832>=licet] a um esposo repudiar [apolusai<630>=dimittere] a mulher, tentando-o [peirazontes<3985>=temptantes] (2). Et accedentes Pharisaei interrogabant eum si licet viro uxorem dimittere temptantes eum. APROXIMADO: O Proselthontes<4334> é próprio de Marcos e constitui uma maneira de iniciar um novo episódio. FARISEUS<5339> pertenciam a uma seita religiosa judaica que tinham como objetivo a perfeição no cumprimento escrupuloso da Lei e das Tradições. Junto com os Grammateis [escribas] eram os mestres da Lei (Mt23,2): Os escribas e os fariseus estão sentados na cátedra de Moisés. Eram escrupulosos ao interpretar a Lei, tanto escrita como falada. Em Lc 11,38: O fariseu se admirou ao ver que não tinha lavado as mãos. É LÍCITO: Exestin<1832> cujo significado é: É lícito, ou moralmente válido, um marido repudiar sua esposa? REPUDIAR em gregoApolusai <630> palavra própria para repudiar ou se divorciar de uma esposa. Mateus acrescenta um inciso a esta  pergunta, de suma importância: por qualquer motivo, causa ou acusação, que são as acepções da palavra Aitia. Era uma armadilha, mais do que uma pergunta sincera na boca de um discípulo, que carece de critérios para julgar uma situação, ou não entendeu a exposição do mestre. Era um problema discutido: Os três grandes mestres ou rabis, não discutiam a licitude do divórcio, mas a razão ou motivo do mesmo.  Desde o mais restrito, Shammai, que só admitia o divórcio em caso de adultério, Hillel que admitia o repúdio por falhas no cozimento dos alimentos, queimados ou salgados demais, até Akiba que permitia a separação por ser a mulher velha e encontrar outra mais formosa. É lógico que o adultério não podia ser provado, pois do contrário a mulher seria lapidada. No caso de suspeita, segundo Nm 5, 12-24 a mulher era submetida ao rito de beber as águas amargas. Era neste caso que o marido podia dar o libelo de divórcio, em público, ou como no caso de José com Maria, em particular, que Shammai chama de libelo de divórcio antigo (Mishna, Git 8,4). No libelo público a parte essencial era: “ficas livre para te casar com qualquer homem”. O libelo público devia ser firmado por duas testemunhas e entregue nas mãos da divorciada, tendo testemunhas. Nodivórcio antigo, o libelo era entregue quando o marido ficasse a sós com ela após ter escrito o mesmo e sem testemunhas. A principal razão contra o divórcio era o pagamento da Ketubá, ou dote, por ter rejeitado a mulher, correspondente em geral a duzentos denários ou dias de trabalho, suficientes para um ano de vida independente.

A RESPOSTA: Ele, porém, tendo respondido, disse-lhes: que vos ordenou Moisés? (3). At ille respondens dixit eis quid vobis praecepit Moses. MOISÉS: Que vos ordenou Moisés? Jesus não responde diretamente, mas leva os interrogadores a dar uma resposta segundo a sua própria interpretação dos fatos. Daí o apelativo VÓS. Eles devem ser os que respondam, uma vez discernidas as palavras e interpretadas as circunstâncias.

A LICENÇA: Eles, pois, disseram: Moisés permitiu [epetrepsen<2010>=permisit] escrever um libelo [biblion<975>=libellum] de divórcio [apostasiou<64>=repudii] e repudiar [apolusai<630>=dimittere] (4). Qui dixerunt Moses permisit libellum repudii scribere et dimittere. PERMITIU: E os fariseus respondem, dizendo que Moisés permitiu, deu licença, para escrever um libelo de divórcio [Sefer <05612> kerituth <03748>] que é chamado de guet e então repudiar a mulher (Dt 24 ,1). LIBELO DE DIVÓRCIO: Não é uma ordem, mas uma licença; e Moisés exige um mandato: sem libelo não há divórcio. Existem, pois, limites e a lei não é totalmente permissiva. Na vida matrimonial a mulher tinha o direito de ser mantida pelo marido, podendo exigir sua aplicação pelos tribunais. O marido tinha que oferecer alimentação, vestido e casa e o dever conjugal. Devia cuidar dos remédios em caso de doença e do enterro, com pelo menos dois tocadores de flauta e uma carpideira. A mulher estava obrigada a obedecer ao marido como o seu dono, e o chamava de RAB: grande, mestre ou senhor. O direito ao divórcio era exclusivo da parte do varão, com raríssimas exceções. O libelo [guet] era um documento que segundo a Halaká [lei judaica] descrevia com todos os nomes conhecidos tanto os esposos como os seus parentes; e assim não existia motivo de adulteração na separação de ambos e dos deveres dos familiares. Atualmente o rabino [se considera como um ato religioso] escreve o Guet manualmente e o apresenta ao esposo. Caso coincida este nos pontos especificados, ele o entrega  a sua mulher na presença do tribunal e quando o documento chega às mãos da mulher, estão considerados divorciados.

UM MAIOR APROFUNDAMENTO: E tendo respondido Jesus lhes disse: Por causa da dureza de vosso coração [sklerokardian<4641>=duritiam cordis] vos escreveu este mandato [entolën<1785>=praeceptum] (5). Quibus respondens Iesus ait ad duritiam cordis vestri scripsit vobis praeceptum istud. Jesus explica então as causas que motivaram Moisés a permitir semelhante licença e encontra unicamente uma: a visão estreita da mente dos judeus na época do legislador, a ESKLEROCARDIA<4641>, traduzida geralmente por dureza de coração e pertinácia. No lugar de coração hoje diríamos mente ou inteligência. Isto significa que, como os judeus da época não podiam entender o fato de não ser possível repudiar sua mulher, Moisés permitiu o divórcio; mas com a condição prévia de encontrar uma conduta indecente ou reprovável na mulher, que o texto dos setenta traduz por Askhemon Pragma. Esta concessão deu lugar à relaxação na interpretação nos tempos de Jesus. Em Mateus, no lugar paralelo, parece que este interpretou a “conduta sexualmente reprovável” com a palavra porneia (ver Mt 5, 32 e 19, 9), traduzida por fornicação ou relação sexual com uma prostituta (porné em grego), que, por extensão e figurativamente, se estendia à idolatria. Assim, Jesus afirma que, segundo Moisés, o libelo de repúdio só poderia ser dado quando a mulher se prostituísse, caso que as bíblias evangélicas traduzem por adultério e que poderíamos definir como conduta sexual imprópria, pois isto acarretaria também uma impureza legal que a tornava intocável. Pois a fornicação era uma infâmia que profanava a terra de Israel (Lv 18, 22-28), e a mulher repudiada era considerada contaminada para seu anterior marido (Dt 24, 4). A lei Julia romana também obriga ao repúdio da esposa adúltera. S. José (homem justo, cumpridor da Lei) devia repudiar Maria como esposa, porque o que aparecia no ventre dela não era seu. E a Lei considerava contaminada, impura, uma mulher adúltera. Como existia um adultério, Maria era impura. Ele não podia conviver com uma contaminada como vemos por Dt 24 e como não sabia como tinha acontecido, pensou em dar o libelo de divórcio, não de uma maneira formal, diante do tribunal, mas do modo antigo, em particular, entregando o guet em silêncio, sem testemunhas, mas válido como documento de separação. MANDATO: Entolë: Por ordem de prioridade distingue-seNomos<3551> [lei], Entolë <1785> [mandato] e Dogma <1378>[decreto]. O nomos procede de Deus, o entolë do legislador e o dogma do soberano imperante. Nomos era a Lei ou Torah (Mt 5, 17).  Entolë os mandamentos (Mt 19, 17 e Jo 14, 15). Dogma como em Lc 2, 1  decreto do César, no caso.

NO INÍCIO: Mas desde (o) início [archës<746>=initio] da criação [ktiseös<2937>=creaturae] varão [arsen <730>=masculum] e fêmea [thëlu<2338>feminam] os fez o Deus(6). Por causa disso, abandonará [katalepsei<2641>=relinquet] o homem o seu pai e a mãe e juntar-se-á [proskollëthëtai<4347>=adherebit] a sua mulher (7). Portanto o que o Deus ajuntou o homem não separe (9). Ab initio autem creaturae masculum et feminam fecit eos Deus. Propter hoc relinquet homo patrem suum et matrem et adherebit ad uxo orem suam. quod ergo Deus iunxit homo non separet. INÍCIO: Jesus começa dizendo as mesmas palavras gregas do Gn 1, 1: em archë epoiesen o Theos [no início fez Deus]. Marcos acrescenta da criação [ktiseos]. Na realidade, ktisis é fundação, criação, criatura. Jesus cita, pois, o Gênese e o capítulo primeiro, onde encontramos as primeiras normas dos planos divinos. E, logicamente, contrapõe  a lei de Moisés à lei divina, esta conhecida no Gênese, onde se podia ler que Deus os criou macho e fêmea (1, 27) para depois acrescentar: por isso deixará o homem seu pai e sua mãe e serão os dois numa única carne (eis sarka mian) (2, 24). Esta é a base para Jesus argumentar sobre a vontade de Deus que quer fazer no matrimônio de dois uma só carne, um único ser de dois, entre um homem e uma mulher e, portanto, a separação não é possível. Termina, pois, Jesus, afirmando que o que Deus uniu, o homem não pode separar. O matrimônio tem uma origem divina e, portanto, no NT é restituído a sua antiga vivência, ele é sacramento (mistérion) como afirma Paulo em Ef 5, 30-33.

POSTERIOR EXPLICAÇÃO: E em casa, de novo, os seus discípulos lhe perguntaram sobre o mesmo (10). E lhes diz: quem quer que repudie a sua mulher e casar[gamësë<1060>=duxerit] com outra, adultera [moichatai<3429>=moechatur] contra ela (11). E se a mulher repudiar seu homem e casar com outro, adultera (12). Et dicit illis quicumque dimiserit uxorem suam et aliam duxerit adulterium committit super eam. Et si uxor dimiserit virum suum et alii nupserit moechatur.Temos que explicar unicamente dois termos: GAMEÖ<1060> cujo significado é tomar como esposa, casar. Quando é a mulher, usa-se o verbo na passiva e  a tradução seria   ser dar em matrimônio, pois o sujeito ativo era unicamente o varão. A mulher era praticamente vendida como escrava. De fato, existe para a mulher o verbo gamizö cujo significado é dar em matrimônio. A outra palavra é MOICHAÖ <3429> termo técnico, usado para adulterar ou cometer adultério. Verbo muito diferente de porneuö<4203>com o significado de fornicar. Propriamente porneö era ter relações com uma prostituta, cujo nome em grego era pornë e o ato porneia, com porneion como prostíbulo. Já de moichaö temos moicheiacomo adultério, e moichalis ou moichetria como adúltera. Uma prostituta, não constituía impureza, caso fosse mulher israelita. Porém a prostituição estava ligada às prostitutas sagradas dos templos e, por isso, também porneia tinha o significado de idolatria. Por isso, em Ap 17, 1 Roma [a idólatra] é chamada de grande meretriz. Paulo em 1 Cor 6, 15 usa Gn 2, 24 para argumentar que o trato com uma prostituta é se unir a ela como uma só carne e que é usar o corpo, membro de Cristo, como membro de uma prostituta. Ospublicanos e as prostitutas estavam mais próximos do reino do que os escrupulosos fariseus observantes da Torah (Mt 21, 31). Nota: Mateus (19, 9) em passagem paralela tem uma exceção a esta regra que em Marcos e Lucas (5, 31) não encontramos: a não ser o caso de fornicação [porneia]. Qual o significado desta frase? A) uma prostituta é comparada com uma esposa (Paulo em 1 Cor 6, 15), portanto este caso não entra dentro da insolubilidade do matrimônio. B) Era costume entre os orientais o matrimônio entre parentes que era considerado matrimônio de porneia. Para maior inteligência ver a Nota final. ENSINO FINAL: Em casa, Jesus explica a seus discípulos a situação. Não é possível repudiar um esposo a sua mulher ou uma esposa o seu marido, pois do novo casamento se deduz adultério contra os antigos parceiros. O adúltero não é só a mulher, mas o marido também, coisa inaudita entre os judeus. Deduz-se desta lição de Jesus que no matrimônio homem e mulher têm os mesmos deveres, e que o matrimônio foi planejado por Deus como único e indivisível.

AS CRIANÇAS: E (naquela hora) lhe trouxeram criancinhas [paidia<3813>=parvulos] para que as tocasse. Mas os discípulos repreendiam os que as levavam (13). Tendo, pois, visto Jesus,  indignou-se e disse-lhes: deixai os infantes vinde a mim e não os impeçais, pois dos semelhantes é o Reino de(o) Deus (14). Amém vos digo: se alguém não receber o Reino de(o) Deus como uma criancinha certamente não entrará nele (15). E tomando-as nos braços impondo-lhes as mãos as abençoava (16). Et offerebant illi parvulos ut tangeret illos discipuli autem comminabantur offerentibus. Quos cum videret Iesus indigne tulit et ait illis sinite parvulos venire ad me et ne prohibueritis eos talium est enim regnum Dei. Amen dico vobis quisque non receperit regnum Dei velut parvulus non intrabit in illud. Et conplexans eos et inponens manus super illos benedicebat eos.PAIDION<3813>: Diminutivo de Pais, este com o significado de menino ou criança. Segundo Lucas eram infantes (bréfe). É um contraste interessante ver como os discípulos que acabavam de receber uma lição de quem era o maior no Reino (Mc 9, 35-37), agora desprezam as crianças, que eram paradigma de tal ensinamento. A IMPOSIÇÃO DAS MÃOS era  um dever antes do sacrifício de um animal pelos pecados, transferindo os mesmos a ele (Lv 4, 13-21 e 16,21), um gesto para curar (Mc 6, 5), ou para transmitir um poder (Nm 8, 10), ou uma consagração (Nm 8, 12). Como no caso de Mc 9, 35 eram crianças muito pequenas e devemos acreditar que eram as mães que as levaram a Jesus. Toda a realidade descrita pelo evangelista relembra a cena de Jacó com os filhos de José (Gn 48, 1-18). Primeiramente Jacó os toma como filhos próprios e logo os abençoa. Jesus toma as crianças como se fossem seus próprios discípulos [chamados filhos pelos rabinos] e as abençoa, dizendo que é próprio do Reino ter semelhantes súditos, e que todo aquele que deseja entrar no Reino terá que se tornar semelhante a uma dessas crianças que em seu seio Jesus acolheu (ser discípulo de Cristo). Evidentemente não é a fragilidade física o termo de comparação, mas a fragilidade espiritual, a sua insignificância  e total dependência, que excitam a misericórdia do Pai porque este é quem finalmente entrega os discípulos a seu Filho (Lc 10, 21-22 e Jo 6, 37). A este pequeno rebanho, que se torna discípulo de Jesus, foi dado o Reino, por agrado do Pai (Lc 12, 12).

PISTAS: 1 Às vezes nos identificamos com os fariseus: criticamos a Igreja atual, fazendo da crítica uma Teologia totalizante, para optar por uma Igreja modelada e de acordo com a maioria, optando por uma verdade consensual, como se estivéssemos num parlamento escolhido por votos populares. Nos novos fariseus a Torá e a Mishná (tradição) são substituídas por uma maioria totalmente manipulada pelos sofismas de liberdade e igualdade, como normas supremas e evangélicas, esquecendo-nos do que o Papa chamava de estrutura moral da liberdade.

2) Acredito em Jesus, mas não posso acreditar na Igreja. E até seus santos são vituperados porque não se entende a cruz nos tempos modernos de hedonismo e prazer sem limites. E assim nos afastamos da fonte de santidade e da doutrina da cruz, essenciais para seguir o Cristo (Mt 10, 38). Sem sacrifício não pode existir verdadeiro amor, dizia S. Genoveva Torres, a santa aleijada desde os quinze anos.

3) No matrimônio atual pretende-se viver o prazer como fim supremo e último. A procriação está subordinada às circunstâncias econômicas, sociais e hedonísticas, de tal maneira que praticamente resulta ser um acidente na união sexual, da maneira como acontece com uma amante. Por isso se pretende igualar uniões homossexuais às heterossexuais. Que diria Jesus aos jovens que hoje querem se unir e não casar?

4) Dedicação, entrega, sacrifício, responsabilidade são palavras tabu.  Por isso, o amor some quando a paixão declina.

5) Os povos envelhecem porque negam o direito à vida aos novos seres e, em forma de fetos, até os suprimimos já que um filho é um castigo e não uma benção divina. O reino deve ser aceito e recebido, como uma criança aceita sua vida: confiamos na bondade do Pai e como seres indefesos, a ele entregamos nosso presente e dele esperamos nosso futuro. Como crianças, esperamos ser perdoados porque nossa fragilidade supera nossos desejos de boa vontade. Como crianças, que nada sabem, aos pés de Jesus aprendemos o verdadeiro significado de seu Reino.

NOTA: O divórcio  é  tratado por Jesus em quatro passagens do evangelho: Mt 5, 31-32; e 19, 3-12. Mc 10, 2-12; Lc 16, 18. De todas as passagens, deduz-se uma ideia comum: não é licito moralmente, ou seja, é pecado, repudiar a esposa. Esse pecado existe quando se toma outra mulher pelo repudiante ou outro homem toma a mulher repudiada. Essa conclusão é tão evidente que os discípulos declaram, e precisamente em Mateus, que é o único que oferece dúvidas como veremos: “Se tal é a condição (aitia)do homem com a mulher, não é conveniente se casar” (19,10). Como é Mateus o único que nas duas passagens oferece dificuldades, vamos tentar explicá-las. A dificuldade está na palavra porneia, derivada de pórne, prostituta, ou pórnos, prostituto. O dicionário define porneia como coito com prostitutas ou prostitutos. Somente tem um significado figurado quando representa a idolatria. A palavra sai 10 vezes nos evangelhos. A mais clara é de Jo 8, 41: “Nós não temos nascido da prostituição. Um pai temos, o Deus (único)”. O sentido de porneia pode resultar um tanto escuro ao afirmar Jesus que do fundo do coração nascem as prostituições (porneias) que pode ser lido em Mt 15, 9 e Mc 7, 21. Em ambos os casos porneia é acompanhada pela palavra moicheiai, que é o termo técnico para adultério. A primeira conclusão é, pois, que porneia não pode ser confundida com adultério.

A palavra moixeia, a vemos em 5 versículos dos evangelhos e todos eles com um único significado: adultério, ou seja, como encontramos em Lv 20, 10, dar o coito do esperma à mulher do vizinho.

O texto base que servia de referência  é o texto Massorético de Dt 24, 1. Ele emprega as palavras “tserwath dabar” que podem ser traduzidas literalmente por “palavra de nudez”. O texto dos setenta traduz por “áskhemon pragma” que poderíamos traduzir por conduta indecorosa. As diversas traduções das bíblias modernas são: Propter aliquam foeditatem da Vulgata, (alguma coisa torpe), algo indecente (E), qualcose di sconveniente(I), qualche coisa di vergonhoso (CEI), coisa indecente (RA), algo inconveniente (Jerus), alguma coisa indecente (Lei, do Rabino Meir) e finalmente some uncleannes in her( J. K).

Mas vejamos os dois textos de difícil interpretação. Mt 5, 31 e 19, 9. Ambos respondem aos costumes da época, que Jesus repudia: No 1o (Mt 5, 31-32) Jesus se põe contrário ao que “foi dito: Qualquer que repudia sua mulher dê-lhe libelo de repúdio”. Precisamente esse libelo garantia que a mulher estava disponível e, portanto, não cometia adultério ao casar de novo; e assim o novo marido não estava sujeito à impureza (Lv 18, 20). A questão era qual era a causa suficiente para dar o libelo [guet] de modo que o primeiro marido não fosse causa de fazer com que a mulher adulterasse. Aqui, como no segundo texto, aparece a palavra porneia, que logo explicamos. O texto grego diz“parektós lógou porneías”. O logou porneia, comparado com o hebraico de Dt 24, 1 parece uma tradução literal. Podemos traduzir o parektós como “exceto no caso de”. Logos é palavra, razão, mandato; portanto a tradução seria: fora do caso de uma conduta sexualmente perversa. Nesse caso o esposo poderia dar o libelo de divórcio. Esta é a interpretação que Jesus dá ao texto de Dt 24, 1. Desse texto se serviam os escribas e fariseus para conceder o divórcio. O motivo para tal divórcio legal foi, pois, explicado por Jesus como tendo unicamente uma razão de conduta sexual imprópria por parte da mulher.

No 2o texto (Mt 19, 3-9) temos no grego as mesmas razões, sendo que parektós logou porneias, é substituído por “me epi porneia” (não sobre (a) fornicação). Ambos os textos querem dizer: quando se despede uma mulher que se comportou ou era na realidade  prostituta, não se comete adultério ao dar o libelo de repúdio.

As traduções modernas de porneia em ambos os casos (Mt 5 e 19) segundo as diversas bíblias são: concubinato (E), impudicizia (I), concubinato (CEI), fornicatio (Vul), fornicação (Jerus), relações sexuais ilícitas (RA), e fornication (J K).

Vejamos as interpretações: O termo hebraico  zenuth é traduzido ao grego por porneía e por fornicatio ao latim. Existiam os matrimônios chamados de fornicação(matrimônios zenuth) É o caso dos matrimônios assim chamados porque eram considerados inválidos segundo a lei e as uniões eram como as que se mantinham com uma prostituta.  Por isso eram chamados de matrimônios de fornicação. Alguns deles eram nulos pela lei natural, como o efetuado entre irmãos. Eram, pois, verdadeiros concubinatos, ou incestos nalguns dos casos. Dos três casos de Zanuth admitidos pelos legistas, somente o zanuth por erro ou inadvertência é o que admite a anulação. Oshem zenuth, ou zanuth por malícia, e o derek zenuth ou por via de fornicação, eram inválidos em raiz. Os rabinos chamavam-nos derek zenuth  ou caminho de fornicaçãopelo modo incorreto de realizar-se. Parece que esta é a solução mais correta. Poderia haver alguns casos em que o repúdio era lícito segundo a antiga lei?

Que coisa transforma uma mulher casada em prostituta, e o matrimônio pode ser chamado de Zenuth, para poder assim repudiá-la? 1o) Não querer ter filhos. É o caso de Onan (Gn 38, 1-11), mas do ponto de vista feminino. A conduta dessa mulher é como a das prostitutas. De fato, atualmente na lei canônica essa determinação invalida o matrimônio. 2o) Vemos um outro caso em que um homem correto e cumpridor da lei (justo) está resolvido a dar libelo de repúdio a sua esposada: é o caso de José quando descobre que Maria está grávida. Não pode provar o adultério, mas sabe perfeitamente que ele não é o pai da criatura e que segundo a lei seria um ato de impureza contínua seguir com sua prometida esposa (ver Lv 18, 20). 3o) Uma terceira causa seria ter uma outra mulher como concubina ou amante. Possivelmente, admitida a poligamia, eles eram legais; mas diante da restituição à origem, ordenada por Jesus, outras esposas eram simplesmente prostitutas.