Roteiro
Homilético cnbbleste2.org.br
1ª LEITURA - Gn 2,18-24
Parece que o texto de hoje começa
formulando o grande projeto de Deus sobre o homem. Esse projeto é uma comunhão
profunda de vida. Não nascemos para a solidão. A solidão é má, enquanto tudo o
que Deus fez é bom e belo. Então, o texto de hoje mostra o processo da passagem
solidão-maldição para a comunhão-bênção. Temos duas tentativas.
A primeira tentativa é quando Deus
plasma da terra os animais e as aves e os leva ao homem. É o homem que dá nome
aos animais. Esse modo de falar é para mostrar o domínio do homem sobre tudo o
que foi criado; ele participa assim da obra criadora de Deus. O homem tem assim
poder e domínio. Mas isso não realiza o projeto da comunhão-bênção. O homem
poderoso vive na solidão de seu poder. Ele não é para ninguém, ele não vive
para ninguém. Ele só vive para si mesmo, e tudo e todos contribuem para o seu
egocentrismo.
A segunda tentativa é quando o texto,
lembrando que nada era semelhante ao homem e ele não tinha nenhuma auxiliar,
nenhuma companheira, mostra Deus modelando a mulher a partir de uma costela do
homem. Esta primeira declaração de amor na Bíblia mostra todo o processo do
projeto comunhão-bênção. “Desta vez sim, é osso dos meus ossos e carne da minha
carne”. O homem foi feito para a mulher e a mulher feita para o homem, para
viverem numa comunhão profunda de amor, de doação, de entrega. No amor o
egoísmo é morte, é destruição, é aniquilamento. Homem e mulher foram criados
para serem uma só carne, para viverem a unidade, a comunhão. O texto mostra
ainda muita coisa bonita. A criação da mulher como segredo de Deus (o homem
dormia), como dom gratuito de Deus (o homem não participa). O texto salienta
muito a igualdade, pois foi tirada do meio do homem (é uma crítica severa ao
domínio do machismo). Como vai o projeto de Deus hoje?
2ª
LEITURA - Hb 2,9-11
O autor da carta aos hebreus está
procurando solucionar algumas dificuldades dos seus destinatários: eles não
conseguem aceitar as humilhações inerentes à encarnação do Filho de Deus. O
sofrimento do homem é inaceitável para eles, o de Jesus, então, é um escândalo.
Eles gostariam que a salvação acontecesse logo, eliminando, uma vez por todas,
a dor e a morte. O autor, então, mostra que Jesus, nascendo entre nós, se torna
irmão nosso, solidário conosco em tudo (menos no pecado). Jesus conquistou a
perfeição através do sofrimento solidário. Se os homens fossem bons, Jesus não
precisaria ter sofrido. Mas os homens rejeitaram sua mensagem, o perseguiram e
o condenaram à morte. Tudo foi aceito para a nossa salvação, para a glória de todos
nós. O texto diz que Jesus provou a morte pela graça de Deus em nosso favor.
Ele com seu sacrifício substitui todos os sacrifícios do Primeiro Testamento.
Ele é nosso único mediador e salvador. O primeiro versículo do texto de hoje é
uma referência ao Sl 8: através de sua encarnação, Jesus como homem, foi feito
pouco menos que os anjos. Mas, para solucionar as dificuldades dos
destinatários, nosso texto salienta a solidariedade de Jesus com os homens para
refazer o projeto original de comunhão, que o homem destruiu com o pecado.
Diante da nossa situação de pecado, violência e morte o único jeito que Deus
encontrou para refazer o projeto original de comunhão foi a solidariedade do
seu Filho através da encarnação, sofrimento e morte. É assim que Jesus chega à
perfeição como homem e é coroado de glória e de honra. Jesus refez assim o
projeto de comunhão dos homens entre si e do homem com Deus. Como vemos o
sofrimento e a morte?
EVANGELHO - Mc 10,2-16
Nosso texto aborda dois temas: o
matrimônio cristão, restituído ao projeto original, acompanhado da proibição do
divórcio e o tema da criança-servo como modelo do reino.
Sobre o matrimônio
O matrimônio é indissolúvel. Moisés só
permitiu o divórcio por causa da dureza do coração dos judeus, mas, no
princípio, não era assim (cf. primeira leitura). Algumas considerações:
1) O divórcio permitido por Moisés era
para proteger a mulher, pois, por causa do machismo, ela era despedida por
qualquer razão, até mesmo as mais banais.
2) Com o documento de divórcio a mulher
ficava livre para qualquer casamento sem ser acusada de adultério. Mas não
levaram essa lei a sério, apenas a manipulavam de modo arbitrário e machista.
3) A resposta de Jesus condena a prática
farisaica como impiedosa e idolátrica, pois a expressão “dureza de coração”
significa desobediência ao projeto de Deus, que é um projeto de unidade, de
comunhão. O divórcio, portanto, é proibido.
4) Depois, mais diretamente, Jesus
coloca o matrimônio na perspectiva do projeto original de Deus, uma vez que os
laços matrimoniais, mais fortes que os laços de parentesco ou sangue, formam
uma unidade corpórea indissolúvel (Gn 1,27 e 2,24).
5) Em casa, Jesus explica aos discípulos
que homem ou mulher divorciados, se casarem de novo, viverão em adultério.
Homem e mulher são colocados por Jesus em igualdade de condição e com igual
responsabilidade.
Sobre as crianças
Jesus se aborreceu com os discípulos,
porque eles estavam proibindo as pessoas de trazerem crianças para Jesus as
tocar e abençoar. Jesus se aborreceu por quê? Jesus quer impor as mãos sobre as
crianças e abençoá-las, pois o Reino de Deus pertence a elas e elas são o
modelo do Reino. De fato as crianças representavam os mais pobres e
marginalizados, por serem indefesas, sem poder de decisão, sem vez e sem voz.
Jesus se aborrece, porque percebeu que os discípulos não tinham entendido nada
de sua mensagem e predileção pelos perseguidos e marginalizados. As crianças,
na verdade, são desapegadas, receptivas e acolhedoras. A sua opinião sobre o
divórcio e sobre os pobres e marginalizados é cristã?
Roteiro
Homilético 1 - Liturgia: Mensagem franciscanos.org
“O que Deus uniu, o homem não deve
separar”
1ª Leitura: Gn 2,18-24
Salmo: 127
2ª Leitura: Hb 2,9-11
Evangelho: Mc 10,2-16
2 Alguns fariseus se aproximaram
deJesus. Queriam tentá-lo e lhe perguntaram se a Lei permitia um homem se
divorciar da sua mulher. 3 Jesus perguntou: «O que é que Moisés mandou vocês
fazer?» 4 Os fariseus responderam: «Moisés permitiu escrever uma certidão de
divórcio e depois mandar a mulher embora.» 5 Jesus então disse: «Foi por causa
da dureza do coração de vocês que Moisés escreveu esse mandamento. 6 Mas, desde
o início da criação, Deus os fez homem e mulher. 7 Por isso, o homem deixará
seu pai e sua mãe, 8 e os dois serão uma só carne. Portanto, eles já não são
dois, mas uma só carne. 9 Portanto, o que Deus uniu, o homem não deve separar.»
10 Quando chegaram em casa, os
discípulos fizeram de novo perguntas sobre o mesmo assunto. 11 Jesus respondeu:
«O homem que se divorciar de sua mulher e se casar com outra, cometerá
adultério contra a primeira mulher. 12 E se a mulher se divorciar do seu marido
e se casar com outro homem, ela cometerá adultério.»
O Reino pertence aos pobres -* 13 Depois
disso, alguns levaram crianças para que Jesus tocasse nelas. Mas os discípulos
os repreendiam. 14 Vendo isso, Jesus ficou zangado e disse: «Deixem as crianças
vir a mim. Não lhes proíbam, porque o Reino de Deus pertence a elas. 15 Eu
garanto a vocês: quem não receber como criança o Reino de Deus, nunca entrará
nele.» 16 Então Jesus abraçou as crianças e abençoou-as, pondo a mão sobre
elas.
* 10,1-12: Jesus recusa ver o matrimônio
a partir de permissões ou restrições legalistas. Ele reconduz o matrimônio ao
seu sentido fundamental: aliança de amor e, como tal, abençoada por Deus e com
vocação de eternidade. Diante desse princípio fundamental, marido e mulher são
igualmente responsáveis por uma união que deve crescer sempre, e os dois se
equiparam quanto aos direitos e deveres.
* 13-16: Aqui a criança serve de exemplo
não pela inocência ou pela perfeição moral. Ela é o símbolo do ser fraco, sem
pretensões sociais: é simples, não tem poder nem ambições. Principalmente na sociedade
do tempo de Jesus, a criança não era valorizada, não tinha nenhuma significação
social. A criança é, portanto, o símbolo do pobre marginalizado, que está vazio
de si mesmo, pronto para receber o Reino.
Ser discípulo: o matrimônio segundo o
Projeto de Deus
O tema de hoje é o matrimônio, porém,
não sob o ângulo da casuística, mas sob o ângulo da vontade de Deus. Pois Jesus
veio trazer presente o Reino de Deus, também quanto ao matrimônio: é preciso
que seja restaurado no sentido que Deus mesmo lhe deu, desde o início. Este
sentido se encontra descrito em Gn 2 (1ª leitura): preocupado com a felicidade
de Adão, “o Homem”, Deus lhe procura uma companhia, mas como entre os outros seres
vivos não a encontra, faz a mulher, da “metade” do homem. Esta narração
significa a complementaridade de homem e mulher, que se transforma numa unidade
de vida (“uma só carne”), quando o homem opta por uma mulher e, por causa desta
opção, deixa sua família de origem e a segurança que lhe oferecia. Pois casar é um risco e um compromisso.
Na história da humanidade e de Israel, a
vontade inicial de Deus nem sempre se realizou, e tal deficiência não é curada
pelo progresso ou pela evolução. Estamos hoje tão longe do ideal de Deus quanto
as civilizações antigas. O problema é que o plano de Deus só se realiza no
amor, e este ficará sempre igualmente difícil para a humanidade. Sempre houve
muito desamor. Chefes de família patriarcal que achavam que precisavam de outra
esposa. Casamentos interesseiros, que não deram certo. E muitas outras razões
pelas quais os homens achavam legítimo despedir suas mulheres. Para pelo menos
lhes dar uma proteção legal, a legislação deuteronomística previu que as
mulheres repudiadas recebessem um certificado (Dt 24, 1). Os escribas, sabendo
que Jesus não gostava da prática do divórcio (como antes dele Ml 2,14-16),
quiseram experimentar se ele também rejeitava a Lei a respeito do certificado
de divórcio (evangelho). A resposta de Jesus é astuta e adequada ao mesmo
tempo. A legislação do divórcio é legislação feita para enfrentar a maldade
humana (como a grande maioria das leis). Mas o plano de Deus a respeito do
matrimônio se situa num outro nível, o da vontade de Deus, que é amor. Jesus
não veio fazer casuística, ensinar qual é o mal menor. Ele veio trazer presente
o Reino de Deus, o fim do mal. Para praticar o divórcio, a humanidade não
precisa de uma palavra de Jesus, de uma mensagem de Deus. Já o faz por conta
própria. Mas para voltar ao sonho de Deus referente ao amor humano, sim,
precisa do evangelho.
(Na leitura completa do evangelho, segue
agora um trecho sobre ser como crianças para receber o Reino de Deus. A
mensagem reforça a anterior: para aceitar a vontade originária do Pai, é
preciso ser simples e humilde.)
Começa hoje, na 2a leitura, uma
seqüência da Carta aos Hebreus. A mensagem é um tanto difícil. Exige uma
explicação especial, para colocar os ouvintes a par dos princípios da
“cristologia sacerdotal” que marca esta carta. Para o autor de Hb, Jesus é
sacerdote, “santificador”, por excelência, por serem sua humanidade e
despojamento os instrumentos pelos quais ele santifica toda a condição humana.
Santificou-nos por sua fraternidade conosco.
Chamam nossa atenção as belas orações.
Enquanto a oração do dia testemunha uma ilimitada confiança filial, a oração
final condensa toda uma teologia eucarística: o sinal produz o que ele
significa, a transformação do homem naquilo que ele recebe no sacramento: em
Cristo mesmo.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan
Konings, SJ, Editora Vozes
O matrimônio segundo Jesus
Os evangelhos deste período litúrgico
constituem uma sequência que podemos resumir no termo “discipulado”. O
evangelista Marcos mostra Jesus a caminho, subindo a Jerusalém (Mc 8,31-10,45).
Caminhando, Jesus ensina o caminho do Filho do Homem: sofrimento, cruz e
ressurreição. Este ensinamento itinerante de Jesus é balizado pelos três anúncios
da paixão (8,31-32; 9,30-32; 10, 32-34). Esses anúncios são entremeados por
ensinamentos que explicam em que consiste ser discípulo e seguir Jesus. Ora,
também um casamento fiel faz parte do seguimento de Jesus, do discipulado. Esse
é o evangelho de hoje.
A legislação matrimonial do Antigo
Testamento era um pouco mais frouxa que a moral católica hoje. Não proibia o
homem de ter diversas mulheres, apenas aconselhava que não fossem muitas.
Permitia ao homem despedir uma mulher quando notava algo desagradável (o quê,
isso era objeto de discussão entre os doutores). Moisés até ordenou que, no
caso de a mulher ser despedida, ela recebesse um atestado dizendo que estava
livre (Dt 24,1); uma carta de demissão para que procurasse outro emprego… Por
isso, Jesus é radical: quem despede sua mulher para casar com outra comete
adultério contra ela, é infiel a seu amor. E para arrimar sua opinião, Jesus
invoca a primeira página da Bíblia, bem anterior à “jurisprudência” de Moisés:
Deus os criou homem e mulher, o homem deixará pai e mãe, os dois serão uma só
carne – uma só realidade humana – e o que Deus uniu o homem não separe (1ª
leitura). Assim é que Deus quis as coisas desde a criação. Ora, Jesus é o
Messias que vem restaurar as coisas conforme o plano de Deus. Tinha de falar
assim mesmo. (Outra coisa é quando um governo civil admite o divórcio: o
governo não é o Messias… Tem de fazer como Moisés: dar uma legislação para a
fraqueza, para a “dureza de coração”, para limitar o estrago…)
O projeto de fidelidade absoluta no amor
faz do matrimônio fiel um sinal eficaz do amor de Deus para seu povo: um
sacramento. Em Ef, 5,22-33, Paulo relaciona o amor de esposo e esposa com o
amor que Cristo tem para a Igreja e chama isso de grande mistério ou
sacramento. Ora, neste mistério de amor está presente o caminho de Cristo:
assumir a cruz nos passos de Jesus.
Essa sublime vocação do matrimônio
indissolúvel é hoje fonte de violentas críticas à Igreja. Que fazer com os que
fracassam? Objetivamente falando, sem inculpar ninguém – pois desculpa só Deus
entende, e perdoa – devemos constatar que há fracassos, e que fica muito
difícil celebrar um “sinal eficaz do amor inquebrantável de Jesus” na presença
de um matrimônio desfeito… Por isso, a Igreja não reconhece como sacramento o
casamento de divorciados. Teoricamente, se poderia discutir se o segundo
casamento não pode ser aceito como união não-sacramental (como se faz na Igreja
Ortodoxa). E observe-se que muitos casamentos em nosso meio são, propriamente
falando, inválidos, porque contraídos sem suficiente consciência ou intenção;
poderiam, portanto, ser anulados (como se nunca tivessem existido).
Em todo caso, o matrimônio cristão,
quando bem conduzido em amor inquebrantável, é uma forma de seguir Jesus no
caminho do dom total.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan
Konings, SJ, Editora Vozes
Roteiro
Homilético 2 - Liturgia: Dehonianos de Portugal
Tema do 27º Domingo do Tempo Comum
As leituras do 27º Domingo do Tempo
Comum apresentam, como tema principal, o projecto ideal de Deus para o homem e
para a mulher: formar uma comunidade de amor, estável e indissolúvel, que os
ajude mutuamente a realizarem-se e a serem felizes. Esse amor, feito doação e
entrega, será para o mundo um reflexo do amor de Deus.
A primeira leitura diz-nos que Deus
criou o homem e a mulher para se completarem, para se ajudarem, para se amarem.
Unidos pelo amor, o homem e a mulher formarão “uma só carne”. Ser “uma só
carne” implica viverem em comunhão total um com o outro, dando-se um ao outro,
partilhando a vida um com o outro, unidos por um amor que é mais forte do que
qualquer outro vínculo.
No Evangelho, Jesus, confrontado com a
Lei judaica do divórcio, reafirma o projecto ideal de Deus para o homem e para
a mulher: eles foram chamados a formar uma comunidade estável e indissolúvel de
amor, de partilha e de doação. A separação não está prevista no projecto ideal
de Deus, pois Deus não considera um amor que não seja total e duradouro. Só o
amor eterno, expresso num compromisso indissolúvel, respeita o projecto
primordial de Deus para o homem e para a mulher.
A segunda leitura lembra-nos a
“qualidade” do amor de Deus pelos homens… Deus amou de tal forma os homens que
enviou ao mundo o seu Filho único “em proveito de todos”. Jesus, o Filho,
solidarizou-Se com os homens, partilhou a debilidade dos homens e, cumprindo o
projecto do Pai, aceitou morrer na cruz para dizer aos homens que a vida
verdadeira está no amor que se dá até às últimas consequências. Ligando o texto
da Carta aos Hebreus com o tema principal da liturgia deste domingo, podemos
dizer que o casal cristão deve testemunhar, com a sua doação sem limites e com
a sua entrega total, o amor de Deus pela humanidade.
LEITURA I – Gn 2,18-24
Leitura do Livro do Génesis
Disse o Senhor Deus:
«Não é bom que o homem esteja só:
vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a
ele».
Então o Senhor Deus, depois de ter
formado da terra
todos os animais do campo e todas as
aves do céu,
conduziu-os até junto do homem,
para ver como ele os chamaria,
a fim de que todos os seres vivos fossem
conhecidos
pelo nome que o homem lhes desse.
O homem chamou pelos seus nomes
todos os animais domésticos, todas as
aves do céu
e todos os animais do campo.
Mas não encontrou uma auxiliar
semelhante a ele.
Então o Senhor Deus fez descer sobre o
homem
um sono profundo
e, enquanto ele dormia, tirou-lhe uma
costela,
fazendo crescer a carne em seu lugar.
Da costela do homem o Senhor Deus formou
a mulher
e apresentou-a ao homem.
Ao vê-la, o homem exclamou:
«Esta é realmente osso dos meus ossos e
a minha carne.
Chamar-se-á mulher, porque foi tirada do
homem».
Por isso, o homem deixará pai e mãe,
para se unir à sua esposa,
e os dois serão uma só carne.
AMBIENTE
O texto de Gn 2,4b-3,24 – conhecido como
relato jahwista da criação – é, de acordo com a maioria dos comentadores, um
texto do séc. X a.C., que deve ter aparecido em Judá na época do rei Salomão.
Apresenta-se num estilo exuberante, colorido, pitoresco. Parece ser obra de um
catequista popular, que ensina recorrendo a imagens sugestivas, coloridas e
fortes. Não podemos, de forma nenhuma, ver neste texto uma reportagem
jornalística de acontecimentos passados na aurora da humanidade. A finalidade
do autor não é científica ou histórica, mas teológica: mais do que ensinar como
o mundo e o homem apareceram, ele quer dizer-nos que na origem da vida e do
homem está Jahwéh. Trata-se, portanto, de uma página de catequese e não de um
tratado destinado a explicar cientificamente as origens do mundo e da vida.
Para apresentar essa catequese aos
homens do séc. X a.C., os teólogos jahwistas utilizaram elementos simbólicos e
literários das cosmogonias mesopotâmicas (por exemplo, a formação do homem “do
pó da terra” é um elemento que aparece sempre nos mitos de origem
mesopotâmicos); no entanto, transformaram e adaptaram os símbolos retirados das
narrações lendárias de outros povos, dando-lhes um novo enquadramento, uma nova
interpretação e pondo-os ao serviço da catequese e da fé de Israel. Ou seja: a
linguagem e a apresentação literária das narrações bíblicas da criação
apresentam paralelos significativos com os mitos de origem dos povos da zona do
Crescente Fértil; mas as conclusões teológicas – sobretudo o ensinamento sobre
Deus e sobre o lugar que o homem ocupa no projecto de Deus – são muito
diferentes.
O texto que nos é hoje proposto como
primeira leitura situa-nos no “jardim do Éden”, um espaço ideal onde Deus
colocou o homem que criou, um ambiente de felicidade material onde todas as
exigências da vida humana estavam satisfeitas. É um lugar de água abundante e
com muitas árvores (para quem sentia pesar sobre si a ameaça do deserto árido,
o ideia de felicidade seria um lugar com muita água, um clima de frescura, um
ambiente de árvores e de verdura abundante). O homem tinha, então, tudo para
ser feliz? Ainda não. Na perspectiva do catequista jahwista, o homem não estava
plenamente realizado, pois faltava-lhe alguém com quem compartilhar a vida e a
felicidade. O homem não foi criado para viver sozinho, mas para viver em
relação. É esse problema que Deus, com solicitude e amor, vai resolver…
MENSAGEM
Depois de criar o homem e de o colocar
no “jardim” da felicidade, Deus constatou a solidão do homem e quis dar-lhe
solução. Como?
Num primeiro momento, Deus fez desfilar
diante do homem “todos os animais do campo e todas as aves do céu”, a fim de
que o homem os chamasse “pelos seus nomes” (vers. 19). Segundo as ideias
vigentes no Médio Oriente antigo, o facto de “dar um nome” era, antes de mais,
um acto de domínio e de posse. Por outro lado, o facto de Deus ter trazido os
animais para que o homem lhes desse um nome era, na perspectiva do catequista
jahwista, o reconhecimento por parte de Deus da autonomia do homem e a
associação do homem à obra criadora e ordenadora de Deus. A autoridade sobre os
outros seres criados e a associação do homem à obra criadora de Deus responderá
ao desejo de felicidade completa que o homem sente e resolverá o problema da
sua solidão? Não. O homem não encontrou, nesse mundo animal que Deus lhe
confiou, “uma auxiliar semelhante a ele” (vers. 20). Por muito rico e
desafiador que fosse esse mundo novo que lhe foi apresentado, o homem não
encontrou aí a ajuda e o complemento que esperava. Para que o homem se realize
completamente, Deus vai intervir de novo.
A nova acção de Deus começa com um “sono
profundo” do homem. Depois, Deus, actuando como um hábil cirurgião, tirou parte
do corpo do homem (o texto fala da “zela'“, que se tem traduzido como
“costela”; contudo, a palavra pode significar “lado” ou “costado”) e com ela
fez a mulher (vers. 21-22). Porquê o “sono profundo” do homem”? Porque, de
acordo com a concepção do autor jahwista, criar era segredo de Deus e o homem
não podia testemunhar esse momento solene e misterioso; restava-lhe admirar a
criação de Deus e adorá-l’O pelas suas obras admiráveis… Depois de ter
“construído” a mulher, Jahwéh acompanha-a à presença do homem. A mulher é aqui
apresentada como uma noiva conduzida à presença do noivo e Deus como o
“padrinho” desse noivado. O homem, desperto do “sono profundo”, acolhe a mulher
com um grito de alegria e reconhece-a como a companhia que lhe fazia falta, o
seu complemento, o seu outro eu: “Esta é realmente osso dos meus ossos e carne
da minha carne” (vers. 23a). O homem (vers. 23b) dá à sua companheira o nome de
“mulher” (em hebraico: 'ishah) porque foi tirada do homem (em hebraico: 'ish).
A proximidade das duas palavras sugere a proximidade entre o homem e a mulher,
a sua igualdade fundamental em dignidade, a sua complementaridade, o seu
parentesco.
O nosso texto termina com um comentário
que não é de Deus, nem do homem, nem da mulher, mas do catequista jahwista:
“por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa, e os dois serão
uma só carne” (vers. 24). Este comentário pretende ser a resposta a uma questão
bem concreta: de onde vem essa força poderosa que é o amor e que é mais forte
do que o vínculo que nos liga aos próprios pais? Para o catequista jahwista, o
amor vem de Deus, que fez o homem e a mulher de uma só carne; por isso, homem e
mulher buscam essa unidade e estão destinados, fatalmente, a viver em comunhão
um com o outro.
ACTUALIZAÇÃO
• “Não é bom que o homem esteja só”.
Estas palavras, postas pelo autor jahwista na boca de Deus, sugerem que a
realização plena do homem acontece na relação e não na solidão. O homem que
vive fechado em si próprio, que escolhe percorrer caminhos de egoísmo e de
auto-suficiência, que recusa o diálogo e a comunhão com aqueles que caminham a
seu lado, que tem o coração fechado ao amor e à partilha, é um homem
profundamente infeliz, que nunca conhecerá a felicidade plena. Por vezes a
preocupação com o dinheiro, com a realização profissional, com o estatuto
social, com o êxito levam os homens a prescindir do amor, a renunciar à
família, a não ter tempo para os amigos… E um dia, depois de terem acumulado
muito dinheiro ou de terem chegado à presidência da empresa, constatam que
estão sozinhos e que a sua vida é estéril e vazia. A Palavra de Deus que nos é
hoje proposta deixa um aviso claro: a vocação do homem é o amor; a solidão,
mesmo quando compensada pela abundância de bens materiais, é um caminho de
infelicidade.
• Por vezes, certos círculos religiosos
mais fechados desvalorizam o amor humano, consideram o casamento como um estado
inferior de realização da vocação cristã e vêem na sexualidade algo de
pecaminoso. Não é esta a perspectiva que a Palavra de Deus nos apresenta… No
nosso texto, o amor aparece como algo que está, desde sempre, inscrito no
projecto de Deus e que é querido por Deus. Deus criou o homem e a mulher para
se ajudarem mutuamente e para partilharem, no amor, as suas vidas. É no amor e
não na solidão que o homem encontra a sua realização plena e o sentido para a
sua existência.
• Homem e mulher são, de acordo com o
nosso texto, iguais em dignidade. Eles são “da mesma carne”, em igualdade de
ser, partícipes do mesmo destino; completam-se um ao outro e ajudam-se
mutuamente a atingir a realização. São, portanto, iguais em dignidade. Esta
realidade exige que homem e mulher se respeitem absolutamente um ao outro; e
exclui, naturalmente, qualquer atitude que signifique dominação, escravidão,
prepotência, uso egoísta do outro.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 127 (128)
Refrão: O Senhor nos abençoe em toda a
nossa vida.
Feliz de ti que temes o Senhor
e andas nos seus caminhos.
Comerás do trabalho das tuas mãos,
serás feliz e tudo te correrá bem.
Tua esposa será como videira fecunda
no íntimo do teu lar;
teus filhos como ramos de oliveira,
ao redor da tua mesa.
Assim será abençoado o homem que teme o
Senhor.
De Sião o Senhor te abençoe:
vejas a prosperidade de Jerusalém todos
os dias da tua vida;
e possas ver os filhos dos teus filhos.
Paz a Israel.
LEITURA II – Heb 2,9-11
Leitura da Epístola aos hebreus
Irmãos:
Jesus, que, por um pouco, foi inferior
aos Anjos,
vemo-l’O agora coroado de glória e de
honra
por causa da morte que sofreu,
pois era necessário que, pela graça de
Deus,
experimentasse a morte em proveito de
todos.
Convinha, na verdade, que Deus,
origem e fim de todas as coisas,
querendo conduzir muitos filhos para a
sua glória,
levasse à glória perfeita, pelo
sofrimento,
o Autor da salvação.
Pois Aquele que santifica e os que são
santificados
procedam todos de um só.
Por isso não Se envergonha de lhes
chamar irmãos.
AMBIENTE
A Carta aos Hebreus é um sermão de um
autor cristão anónimo, provavelmente elaborado nos anos que antecederam a
destruição do Templo de Jerusalém (ano 70). Destina-se a comunidades cristãs
não identificadas (o título “aos hebreus” foi-lhe colado posteriormente e
provém das múltiplas referências ao Antigo Testamento e ao ritual dos
“sacrifícios” que a obra apresenta). Trata-se, em qualquer caso, de comunidades
cristãs em situação difícil, expostas a perseguições e que vivem num ambiente
hostil à fé… Os membros dessas comunidades perderam já o fervor inicial pelo
Evangelho, deixaram-se contaminar pelo desânimo e começam a ceder à sedução de
certas doutrinas não muito coerentes com a fé recebida dos apóstolos… O
objectivo do autor deste “discurso” é estimular a vivência do compromisso
cristão e levar os crentes a crescer na fé.
A Carta aos Hebreus apresenta –
recorrendo à linguagem da teologia judaica – o mistério de Cristo, o sacerdote
por excelência – através de quem os homens têm acesso livre a Deus e são inseridos
na comunhão real e definitiva com Deus. O autor aproveita, na sequência, para
reflectir nas implicações desse facto: postos em relação com o Pai por
Cristo/sacerdote, os crentes são inseridos nesse Povo sacerdotal que é a
comunidade cristã e devem fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor,
de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um
aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar a sua
experiência de fé, enfraquecida pela acomodação e pela perseguição.
O texto que nos é proposto está incluído
na primeira parte da Carta (cf. Heb 1,5-2,18). Aí, o autor recolhe e repete
aquilo que a catequese primitiva afirmava sobre o mistério de Cristo: a sua
incarnação, a sua paixão e morte, a sua glorificação pela ressurreição. Ao
longo destes dois capítulos, o autor vai afirmando a superioridade de Jesus em
relação a todas as criaturas, nomeadamente em relação aos anjos.
MENSAGEM
Jesus aceitou despojar-se das suas
prerrogativas divinas e fazer-se “por um pouco, inferior aos anjos” a fim de
que, pelo dom da sua vida até à morte, se cumprisse o projecto salvador do Pai
para os homens (vers. 9).
Depois desta afirmação de princípio, o
autor da Carta aos Hebreus vai aprofundar a sua reflexão e explicar porque é
que Jesus teve que passar pela humilhação da cruz (a explicação é bem mais
longa do que a leitura que nos é proposta e vai do versículo 10 ao versículo
18).
A questão da paixão e morte de Cristo
era uma “conveniência” do projecto de salvação que Deus tinha para o homem
(“convinha” – vers. 10). O que é que isso significa? O objectivo de Deus é que
o homem cresça até chegar à vida plena. Ora, para fazer com que a humanidade
atinja esse fim, Deus deu-lhe um guia – Jesus Cristo. Ele devia mostrar, com a
sua vida e o seu exemplo, que se chega à plenitude da vida cumprindo
integralmente a vontade do Pai e fazendo da existência um dom de amor aos
irmãos. A cruz foi a expressão máxima e total dessa vida de entrega aos
desígnios de Deus e de doação aos irmãos. Morrendo por amor, Jesus ensinou aos
homens como é que eles devem viver, qual o caminho que eles devem percorrer, a
fim de chegarem à plenitude da vida, à felicidade sem fim; morrendo por amor e
ressuscitando logo a seguir para a vida plena, Jesus libertou os homens do medo
paralisante da morte e mostrou-lhes que a morte não é o fim da linha para quem
vive na entrega a Deus e na doação aos irmãos.
Ao assumir a natureza humana, ao
fazer-Se solidário com os homens, ao fazer-Se irmão dos homens, Cristo (Aquele
que santifica) inseriu os homens (os que são santificados) na órbita de Deus e
mostrou-lhes o caminho a seguir para integrar a família de Deus (vers. 11).
ACTUALIZAÇÃO
• A incarnação, paixão e morte de Jesus
atestam, antes de mais, o incrível amor de Deus pelos homens. É o amor de
alguém que enviou o próprio Filho para fazer da sua vida um dom, até à morte na
cruz, a fim de mostrar aos homens o caminho da vida plena e definitiva.
Trata-se de uma realidade que a Palavra de Deus nos recorda cada domingo; e
trata-se de uma realidade que não deve cessar de nos espantar e de nos levar à
gratidão e ao amor.
• A atitude de aceitação incondicional
do projecto do Pai assumida por Cristo contrasta com o egoísmo e a
auto-suficiência de Adão face às propostas de Deus. A obediência de Cristo
trouxe vida plena ao homem; a desobediência de Adão trouxe sofrimento e morte à
humanidade. O exemplo de Cristo convida-nos a viver na escuta atenta e na
obediência radical às propostas de Deus: esse caminho é gerador de vida
verdadeira. Quando o homem prescinde de Deus e das suas propostas e decide que
é ele quem define o caminho a seguir, fatalmente resvala para projectos de
ambição, de orgulho, de injustiça, de morte; quando o homem escuta e acolhe os
desafios de Deus, aprende a amar, a partilhar, a servir, a perdoar e torna-se
uma fonte de bênção para todos aqueles que caminham ao seu lado.
• Jesus fez-Se homem, enfrentou a
condição de debilidade dos homens e morreu na cruz. No entanto, a sua
glorificação mostrou que a morte não é o final do caminho para quem faz da vida
uma escuta atenta dos planos de Deus e uma doação de amor aos irmãos. Dessa
forma, Ele libertou os homens do medo da morte. Agora, podemos enfrentar a
injustiça, a opressão, as forças do mal que oprimem os homens, sem medo de
morrer: sabemos que quem vive como Jesus não fica prisioneiro da morte, mas
está destinado à vida verdadeira e eterna.
ALELUIA – 1 Jo 4,12
Aleluia. Aleluia.
Se nos amamos uns aos outros, Deus
permanece em nós
e o seu amor em nós é perfeito.
EVANGELHO – Mc 10,2-16
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo
segundo São Marcos
Naquele tempo,
Aproximaram-se de Jesus uns fariseus
para O porem à prova
e perguntaram-Lhe:
«Pode um homem repudiar a sua mulher?»
Jesus disse-lhes:
«Que vos ordenou Moisés?»
Eles responderam:
«Moisés permitiu que se passasse um
certificado de divórcio,
para se repudiar a mulher».
Jesus disse-lhes:
«Foi por causa da dureza do vosso
coração
que ele vos deixou essa lei.
Mas, no princípio da criação, ‘Deus
fê-los homem e mulher.
Por isso, o homem deixará pai e mãe para
se unir à sua esposa,
e os dois serão uma só carne’.
Deste modo, já não são dois, mas uma só
carne.
Portanto, não separe o homem o que Deus
uniu».
Em casa, os discípulos interrogaram-n’O
de novo
sobre este assunto.
Jesus disse-lhes então:
«Quem repudiar a sua mulher e casar com
outra,
comete adultério contra a primeira.
E se a mulher repudiar o seu marido e
casar com outro,
comete adultério».
Apresentaram a Jesus umas crianças
para que Ele lhes tocasse,
mas os discípulos afastavam-nas.
Jesus, ao ver isto, indignou-Se e
disse-lhes:
«Deixai vir a Mim as criancinhas, não as
estorveis:
dos que são como elas é o reino de Deus.
Em verdade vos digo:
Quem não acolher o reino de Deus como
uma criança,
não entrará nele».
E, abraçando-as, começou a abençoá-las,
impondo a mão sobre elas.
AMBIENTE
Despedindo-se definitivamente da
Galileia, Jesus continua o seu caminho para Jerusalém, ao encontro do seu
destino final. O episódio de hoje situa-nos “na região da Judeia, para além do
Jordão” (vers. 1) – isto é, no território transjordânico da Pereia, território
governado por Herodes Antipas, o mesmo que havia assassinado João Baptista
quando este o criticou por haver abandonado a sua esposa legítima. Aí, Jesus
volta a confrontar-Se com as multidões e a dirigir-lhes os seus ensinamentos.
Os discípulos, contudo, continuam a rodear Jesus e a beneficiar de uma
instrução especial.
Entram de novo em cena os fariseus, não
para escutar as suas propostas, mas para O experimentar e para Lhe apanhar uma
declaração comprometedora. São esses fanáticos da Lei que vão proporcionar a
Jesus a oportunidade de Se pronunciar sobre uma questão delicada e
comprometedora: o matrimónio e o divórcio.
Tratava-se, na realidade, de uma questão
“quente” e não totalmente consensual nas discussões dos “mestres” de Israel. A
Lei de Israel permitia o divórcio (“quando um homem tomar uma mulher e a
desposar, se depois ela deixar de lhe agradar, por ter descoberto nela algo de
inconveniente, escrever-lhe-á um documento de divórcio, entregar-lho-á em mão e
despedi-la-á de sua casa” – Dt 24,1); mas não era totalmente clara acerca das
razões que poderiam fundamentar a rejeição da mulher pelo marido. Na época de
Jesus, as duas grandes escolas teológicas do tempo divergiam na interpretação
da Lei do divórcio. A escola de Hillel ensinava que qualquer motivo, mesmo o
mais fútil (porque a esposa cozinhava mal ou porque o marido gostava mais de
outra), servia para o homem despedir a mulher; a escola de Shammai, mais rigorosa,
defendia que só uma razão muito grave (o adultério ou a má conduta da mulher)
dava ao marido o direito de repudiar a sua esposa. A mulher, por sua vez, era
autorizada a obter o divórcio em tribunal somente no caso de o marido estar
afectado pela lepra ou exercer um ofício repugnante.
É nesta discussão de contornos pouco
claros que os fariseus procuram envolver Jesus. Uma resposta negativa por parte
de Jesus seria, certamente, interpretada como uma condenação do matrimónio de
Herodes Antipas com Herodíades, a sua cunhada. A pergunta dos fariseus
insere-se, provavelmente, na tentativa de encontrar razões para eliminar Jesus.
MENSAGEM
Diante da questão posta pelos fariseus
(“pode um homem repudiar a sua mulher?” – vers. 2), Jesus começa por
recordar-lhes o estado da questão na perspectiva da Lei (“que vos ordenou
Moisés?” – vers. 3). Tal não significa, contudo, que Jesus Se identifique com o
posicionamento da Lei a propósito da questão do divórcio.
Efectivamente, a Lei permite o divórcio
(“Moisés permitiu que se passasse um certificado de divórcio para se repudiar a
mulher” – vers. 4); contudo, essa condescendência da Lei não resulta do
projecto de Deus para o homem e para a mulher, mas é o resultado da “dureza do
coração” dos homens. As prescrições de Moisés não definem o quadro ideal do
amor do homem e da mulher, mas apenas regulam o compromisso matrimonial, tendo
em conta a mediocridade humana.
Em contraste com a permissividade da
Lei, Jesus vai apresentar o projecto primordial de Deus para o amor do homem e
da mulher. Citando livremente Gn 1,27 e Gn 2,24, Jesus explica que, no projecto
original de Deus, o homem e a mulher foram criados um para o outro, para se
completarem, para se ajudarem, para se amarem. Unidos pelo amor, o homem e a
mulher formarão “uma só carne”. Ser “uma só carne” implica viverem em comunhão
total um com o outro, dando-se um ao outro, partilhando a vida um com o outro,
unidos por um amor que é mais forte do que qualquer outro vínculo. A separação
será sempre o fracasso do amor; não está prevista no projecto ideal de Deus,
pois Deus não considera um amor que não seja total e duradouro. Só o amor
eterno, expresso num compromisso indissolúvel, respeita o projecto primordial
de Deus para o homem e para a mulher.
A perspectiva de Jesus acerca da questão
é a seguinte: nessa nova realidade que Deus quer propor ao homem (o Reino de
Deus), chegou o momento de abandonar a facilidade, a mesquinhez, as
meias-tintas e de apontar para um patamar mais alto. Ora, no que diz respeito
ao matrimónio, o patamar mais alto é o projecto inicial de Deus para o homem e
para a mulher, que previa um compromisso de amor estável, duradouro,
indissolúvel.
Para os discípulos (que anteriormente,
em diversas situações, tiveram dificuldade em passar da lógica do mundo para a
lógica de Deus), contudo, o discurso de Jesus é difícil de entender; por isso,
quando chegam a casa, pedem a Jesus explicações suplementares (vers. 10). Jesus
reitera que a relação entre o homem e a mulher se deve enquadrar no projecto
inicial de Deus e não nas facilidades concedidas pela Lei de Moisés. A
perspectiva de Deus é que marido e mulher, unidos pelo amor, formem uma
comunidade de vida estável e indissolúvel. O divórcio não entra nesse projecto.
Marido e esposa, em igualdade de circunstâncias, são responsáveis pela
edificação da comunidade familiar e por evitar o fracasso do amor (vers.
11-12).
O texto que nos é proposto termina com
uma cena em que Jesus acolhe as crianças, defende-as e abençoa-as (vers.
13-16). As crianças são, aqui, uma espécie de contraponto ao orgulho e
arrogância com que os fariseus se apresentam a Jesus, bem como à dificuldade
que os discípulos revelaram, nas cenas precedentes, para acolher a lógica do
Reino… As crianças são simples, transparentes, sem calculismos; não têm
prestígio ou privilégios a defender; entregam-se confiadamente nos braços do
pai e dele esperam tudo, com amor. Por isso, as crianças são o modelo do
discípulo. O Reino de Deus é daqueles que, como as crianças, vivem com
sinceridade e verdade, sem se preocuparem com a defesa dos seus interesses
egoístas ou dos seus privilégios, acolhendo as propostas de Deus com
simplicidade e amor. Quem não é “criança”, isto é, quem percorre caminhos
tortuosos e calculistas, quem não renuncia ao orgulho e auto-suficiência, quem
despreza a lógica de Deus e só conta com a lógica do mundo (também na questão
do casamento e do divórcio), quem conduz a própria vida ao sabor de interesses
e valores efémeros, quem não aceita questionar os próprios raciocínios e
preconceitos, não pode integrar a comunidade do Reino.
ACTUALIZAÇÃO
• O Evangelho deste domingo
apresenta-nos o projecto ideal de Deus para o homem e para a mulher que se
amam: eles são convidados a viverem em comunhão total um com o outro, dando-se
um ao outro, partilhando a vida um com o outro, unidos por um amor que é mais
forte do que qualquer outro vínculo. O fracasso dessa relação não está previsto
nesse projecto ideal de Deus. O amor de um homem e de uma mulher que se
comprometem diante de Deus e da sociedade deve ser um amor eterno e
indestrutível, que é reflexo desse amor que Deus tem pelos homens. Este
projecto de Deus não é uma realidade inatingível e impossível: há muitos casais
que, dia a dia, no meio das dificuldades, lutam pelo seu amor e dão testemunho
de um amor eterno e que nada consegue abalar.
• As telenovelas, os valores da moda, a
opinião pública, têm-se esforçado por apresentar o fracasso do amor como uma
realidade normal, banal, que pode acontecer a qualquer instante e que resolve
facilmente as dificuldades que duas pessoas têm em partilhar o seu projecto de
amor. Para os casais cristãos, o fracasso do amor não é uma normalidade, mas
uma situação extrema, uma realidade excepcional. Para os casais cristãos, o
divórcio não deve ser um remédio simples e sempre à mão para resolver as
pequenas dificuldades que a vida todos os dias apresenta. À partida, o
compromisso de amor não deve ser uma realidade efémera, sujeito a projectos
egoístas e a planos superficiais, que terminam quando surgem dificuldades ou
quando um dos dois é confrontado com outras propostas. Para o casal que quer
viver na dinâmica do Reino, a separação não deve ser uma proposta sempre em
cima da mesa. Marido e esposa têm que esforçar-se por realizar a sua vocação de
amor, apesar das dificuldades, das crises, das divergências e dos problemas que,
dia a dia, a vida lhes vai colocando. A Igreja é chamada a ser no mundo, mesmo
contra a corrente, testemunha do projecto ideal de Deus.
• Apesar de tudo, a vida dos homens e
das mulheres é marcada pela debilidade própria da condição humana. Nem sempre
as pessoas, apesar do seu esforço e da sua boa vontade, conseguem ser fiéis aos
ideais que Deus propõe. A vida de todos nós está cheia de fracassos, de
infidelidades, de falhas. Nessas circunstâncias, a comunidade cristã deve usar
de muita compreensão para aqueles que falharam (muitas vezes sem culpa) na
vivência do seu projecto de amor. Em nenhuma circunstância as pessoas
divorciadas devem ser marginalizadas ou afastadas da vida da comunidade cristã.
A comunidade deve, em todos os instantes, acolher, integrar, compreender,
ajudar aqueles a quem as circunstâncias da vida impediram de viver o tal
projecto ideal de Deus. Não se trata de renunciar ao “ideal” que Deus propõe;
trata-se de testemunhar a bondade e a misericórdia de Deus para com todos
aqueles a quem a partilha de um projecto comum fez sofrer e que, por diversas
razões, não puderam realizar esse ideal que um dia, diante de Deus e da
comunidade, se comprometeram a viver.
• As crianças que Jesus nos apresenta no
Evangelho deste domingo como modelos do discípulo convidam-nos à simplicidade,
à humildade, à sinceridade, ao acolhimento humilde dos dons de Deus. De acordo
com as palavras de Jesus, não pode integrar o Reino quem se coloca numa atitude
de orgulho, de auto-suficiência, de autoritarismo, de superioridade sobre os
irmãos. A dinâmica do Reino exige pessoas dispostas a acolher e a escutar as
propostas de Deus e dispostas a servir os irmãos com humildade e simplicidade.
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 27º
DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA
SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao
27º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo.
Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia
da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num
grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…
Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Quando Jesus pressente que Lhe querem
estender uma armadilha, Ele refere-se à vontade de seu Pai. Ora, Deus tem um
projecto que submete ao homem, e este, porque foi criado livre, realiza este
projecto ou recusa-o. O mais belo projecto de Deus é o homem, a sua criatura.
Como Ele o criou à sua imagem, fê-lo como ser de relação. É por isso que Ele
cria a humanidade, homem e mulher, e a sua comunhão significa algo de Deus que
em si mesmo é comunhão. O que conta numa obra artística não são primeiramente
as interpretações ou os comentários que são feitos, mas a intenção do autor.
Face ao amor do homem e da mulher, não comecemos por olhar como é vivida hoje a
relação, mas contemplemos o sonho de Deus e tenhamos sobre os casais o olhar de
Deus, que vê que aquilo que Ele fez é bom ou que oferece a sua misericórdia
àqueles que não puderam ou não quiseram interpretar o seu projecto.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
“Não separe o homem o que Deus uniu…”
Jesus coloca o dedo na ferida… O divórcio é sempre um fracasso, um sofrimento.
Mas entrou nos costumes como uma realidade normal, um “direito”! Jesus está
contra a corrente… Palavra incompreensível para muitos homens e mulheres,
qualquer que seja a sua idade! Na sua resposta aos fariseus, Jesus recorre a um
critério a que geralmente se presta pouca atenção. Vai ao “princípio da
criação”, à vontade primeira, à vontade criadora de Deus. Ora, esta vontade é
que os seres humanos se tornem “imagens de Deus”, na medida em que aceitem
entrar uns e outros nas relações de amor recíproco, porque Ele, Deus, é eterno
movimento de amor no seu Ser mais profundo. O casal humano, antes mesmo da
questão da procriação, é chamado por Deus a tornar-se o primeiro lugar de
incarnação deste movimento de amor. O amor humano, sob todas as suas formas, não
nasceu dos acasos da evolução biológica. É dom de Deus. Quando os homens
recusam este dom, impedem Deus de imprimir neles a sua imagem. Na realidade,
vão contra a vontade criadora, introduzem uma desordem na criação tal como Deus
a quis. Porque Ele escuta plenamente o seu Pai e acolhe sem quaisquer
reticências nem recusas a vontade de amor do seu Pai, Jesus, e apenas Ele, pode
colocar-nos na luz de Deus Criador e da sua vontade criadora. Mas isso supõe
que aceitemos escutar Jesus, tomar Jesus na nossa vida. Só poderemos
compreender a exigência de unidade e de fidelidade no amor humano se aceitarmos
tornar-nos, dia após dia, discípulos, mais ainda, amigos de Jesus. Para
resolver os nossos problemas afectivos, temos razão em recorrer à psicologia, à
psicoterapia do casal. Mas isso não basta. A verdadeira falta é uma falta de
profundidade espiritual. Não servirá de nada a Igreja repetir sem cessar a sua
oposição ao divórcio se, primeiro, não fizer imensos esforços para ajudar a
redescobrir um verdadeiro acompanhamento com Jesus, revelador do amor do Pai.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Que o Senhor te abençoe… Como seria
belo, em cada manhã desta semana, dizer-se bom dia, em família, com as simples
palavras do salmista: “Que o Senhor te abençoe…” Fórmula de bênção, em que se
deseja apenas o bem. Ultrapassemos qualquer falso pudor, para oferecermos
àqueles que amamos a bênção do Senhor.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A
PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa,
P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do
Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA
– Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
Roteiro
Homilético 3 - Liturgia: Vida Pastoral
Por Celso Loraschi
Deus nos fez família
Introdução geral
Outubro é o mês das missões. Somos
todos discípulos missionários do Senhor a partir da família. Deus criou o homem
e a mulher para que reconheçam serem extensão um do outro e vivam na igualdade
e mútua complementaridade. O casamento é uma bênção divina. O marido e a esposa
assumem o compromisso de se doarem um ao outro, conscientes de que já não são
dois, mas uma só carne (I leitura). Jesus, em seu evangelho, ensina os casais a
viver o amor em profundidade e não se deixar conduzir por ideologias que
permitem e facilitam a separação por qualquer motivo. O amor exige sacrifícios
(= fazer o que é sagrado), do mesmo modo que Jesus amou, doando sua vida em
favor de todos. Ele abraça e abençoa cada criança, defendendo seus direitos e
sua dignidade. Faz-se solidário com cada mulher e homem, levando-os à perfeição
(II leitura); pais e filhos são chamados a expressar cotidianamente o amor
trinitário, vivendo e promovendo os valores do diálogo, do respeito mútuo, da
igualdade e da paz.
Comentário dos textos bíblicos
I leitura (Gn 2,18-24): Homem e mulher,
uma só carne
O texto faz parte do segundo relato
da criação (Gn 2,4b-25). Reflete sobre a missão que o ser humano recebeu de ser
o colaborador de Deus no cultivo do “jardim” ou no cuidado com a natureza, a
fim de que ela produza os alimentos necessários para a vida. O humano e a
natureza estão intimamente unidos. É do húmus da terra que o humano é modelado.
Ele recebe o poder de dar nomes aos outros seres, os animais. Tem a função de
cuidar da criação de Deus.
A narrativa aponta para o caminho
da realização do ser humano. Não é bom que esteja só. Deus não nos criou para a
solidão. Entre todas as criaturas, o homem não encontrou uma “auxiliar” que lhe
correspondesse. Enquanto está sozinho, sente-se inferior aos animais. Os
autores procuram explicar como foram criados o homem e a mulher, interpretando
a realidade que perpassa a existência humana. A linguagem revela que estão
inseridos num contexto patriarcal. A palavra “auxiliar” não deve ser
interpretada como ajudante submissa. Há igualdade na diferença. É do lado do
coração do homem que nasce a mulher. Tornam-se companheiros e extensão um do
outro. Revelam-se um ao outro na transparência. Necessitam-se, admiram-se e
atraem-se mutuamente, unem-se e formam uma só carne. São duas pessoas livres e
conscientes que vivem em comunhão e se realizam mutuamente, sem anular-se em
sua individualidade. O “sono profundo” no qual Deus faz cair o homem “é um
sinal do mistério que cerca a relação homem-mulher. Um foi criado para o outro
e, quando se unem na relação matrimonial, estão obedecendo ao projeto de Deus,
que emerge do mais fundo de cada um, a fim de formar uma nova unidade para os
dois, para os próprios filhos e para a sociedade” (STORNIOLO, I.; BALANCIN, E.
Como ler o livro do Gênesis. São Paulo: Paulus, 1997, p. 17).
Conforme podemos perceber no
conjunto desse segundo relato da criação, estabelece-se íntima ligação não só
entre homem e mulher, mas também com todas as demais criaturas. A relação de
companheirismo e de comunhão entre ambos se estende para a relação com toda a
natureza. Os seres humanos, a terra, a água, as árvores, os animais e todas as demais
criaturas vieram da mesma fonte e necessitam-se mutuamente. O artífice divino
tudo fez com muita arte e criatividade. E tudo entregou ao nosso cuidado.
Evangelho (Mc 10,2-16): A família como
expressão do amor
Os fariseus se aproximam de Jesus
para pô-lo à prova. Eles pertencem ao grupo de intérpretes da Sagrada
Escritura, participantes de escolas rabínicas, onde se debatia sobre os motivos
que justificavam o divórcio, uma vez que este era permitido pela Lei judaica.
De fato, no livro do Deuteronômio (24,1) lê-se: “Quando um homem tiver tomado
uma mulher e consumado o matrimônio, mas esta, logo depois, não encontra mais
graça a seus olhos, porque viu nela algo de inconveniente, ele lhe escreverá
uma ata de divórcio e a entregará, deixando-a sair de sua casa em liberdade”.
Com base nessa orientação, podiam-se encontrar motivos para o divórcio com
muita facilidade. Bastava o marido desejar a separação. É somente ele quem pode
tomar a iniciativa, pois, segundo a mentalidade dominante, ele exerce domínio
sobre a mulher, considerada sua propriedade. Deduz-se daí que tanto no ambiente
doméstico como em outros níveis sociais a opressão masculina era exercida com
normalidade, legitimada pela interpretação oficial da Lei judaica, a cargo
somente de alguns homens, responsáveis também por elaborar essas leis.
Os ensinamentos e a prática de
Jesus revelam que a lei deve estar a serviço da vida do ser humano e não o
contrário. Para os fariseus, porém, a Lei mosaica devia ser cumprida como
condição para o homem ser justo diante de Deus. Jesus não nega a Lei judaica,
mas a põe em seu devido lugar: “Foi por causa da dureza dos vossos corações que
Moisés escreveu esse mandamento”. O texto da Sagrada Escritura não pode ser
retirado de seu contexto. Também não pode ser interpretado de forma
fundamentalista. O critério para a verdadeira interpretação é a vida digna sem
exclusão, e não os interesses pessoais ou corporativos. Esse grupo de fariseus
propositalmente não levava em conta outros textos que permitiam orientações
diferentes para a questão do casamento e do divórcio. Jesus, porém, argumenta
de outro ponto de vista. Ele resgata o plano inicial do Criador: “Desde o
princípio da criação, Deus os fez homem e mulher… E os dois serão uma só
carne”.
O casamento, portanto, deve
basear-se no plano criador de Deus. Ele estabelece a igualdade fundamental
entre o homem e a mulher. Nenhuma lei pode contradizer esse desígnio divino.
Jesus condena a atitude de dominação do homem sobre a mulher e restabelece o
direito igual para ambos de tomar decisões. Os dois se tornam uma só carne e,
portanto, “o que Deus uniu o homem não separe”. Em outras palavras: se Deus
criou a mulher e o homem com a mesma dignidade e a mesma liberdade, o homem não
pode quebrar essa relação que fundamenta o amor verdadeiro entre ambos. Assim,
a separação não se dará por qualquer motivo. E se houver motivos sérios para
isso, o discernimento e a decisão não podem ser unilaterais.
A sequência da leitura mostra
que a casa/comunidade onde se encontram os discípulos de Jesus é o espaço do
diálogo e do discernimento. É também o lugar da acolhida, do abraço e da
bênção, com prioridade às crianças, as mais afetadas pelas atitudes egoístas ou
insensatas dos adultos, representados pelos discípulos que repreendem as
crianças. Essa atitude agressiva dos adultos contradiz o modo terno e acolhedor
de Jesus, cuja vida é pautada pela não violência, pelo respeito ao outro, pelo
perdão… Enfim, Jesus promove o projeto de inclusão familiar e social, de modo
que todos usufruam as condições materiais e afetivas para uma vida feliz.
II leitura (Hb 2,9-11): Jesus se fez
nosso irmão
Esse texto da carta aos Hebreus
trata da opção solidária de Jesus por toda a humanidade, assumindo o sofrimento
e a morte. Paradoxalmente, a honra e a glória de Jesus manifestam-se em sua
morte em favor de toda a humanidade. A cruz, então, tornou-se para todos os que
creem nele o caminho da vitória sobre toda a maldade, que procura impedir o
plano de amor e de salvação de Deus. Ao assumir a condição humana com seus
limites e dores, Jesus torna-nos também participantes de sua morte redentora.
Ao identificar-se plenamente com o ser humano, possibilitou que este se identificasse
com a sua divindade. Por isso, Jesus não se envergonha de nos chamar de irmãos.
A grandiosidade dele manifesta-se
em sua radical humildade e obediência ao plano de Deus. É nosso modelo e
caminho. Foi assumindo os sofrimentos e a morte, na fidelidade à sua missão,
que Jesus nos redimiu e nos levou à perfeição. Como humanos, fazemos a
experiência cotidiana dos limites e sofrimentos. Tornando-se um de nós, ele
conhece perfeitamente todos os problemas que enfrentamos. Não fomos criados para
o sofrimento, e sim para a perfeição e a glória. No seguimento de Jesus,
assumimos a realidade de nossa condição humana com a missão a que fomos
chamados, deixando-nos conduzir pela graça de Deus, na certeza de seu amor sem
limites. Aprendemos a reconhecer a sua vontade e nos esforçamos para ser fiéis.
A fidelidade a Deus exige rompimento com as facilidades enganosas que nos
desviam do caminho da perfeição. A plena realização somente se dá na obediência
a Deus, a qual se concretiza no amor solidário. Na cruz de Jesus, morremos para
o egoísmo e passamos a viver na condição divina. Aí reside nossa honra e glória
de irmãos de Jesus.
III. Pistas para reflexão
– Deus não criou o ser humano para a
solidão. Homens e mulheres foram criados para viver lado a lado, com a mesma
dignidade e igualdade de direitos. Necessitam um do outro. Em nossos dias, a
questão de gênero está em debate. O plano original de Deus no que diz respeito
à relação entre mulheres e homens ainda não se concretizou. A visão dominante
manifesta ainda preconceitos e discriminações relacionados à condição feminina.
Prova-se até que a relação histórica de dominação do homem sobre a mulher
reflete-se na atitude dele de exploração da natureza e destruição do meio
ambiente. Podem-se levantar fatos, atitudes e linguagens que revelam essa visão
predominante ainda em nossos dias…
– Somos discípulos missionários do
Senhor a partir da família. O casamento é uma instituição divina. Exige séria
preparação a fim de que seja assumido com consciência e liberdade. Homem e
mulher tornam-se uma só carne: concretiza-se a unidade na diferença. O amor
entre marido e mulher é caminho de mútua santificação. Estende-se para os
filhos. Jesus corrige a mentalidade farisaica, que permitia a separação por
qualquer motivo. Ele resgata o plano original de Deus e restabelece a igualdade
de direitos da mulher. É oportuno refletir sobre a importância da família para
a vida de cada um de nós e sobre as consequências doloridas e até desastrosas
de um ambiente familiar onde reina o machismo, a violência, o desrespeito…
– Jesus fez-se plenamente solidário com
o ser humano, assumindo os sofrimentos e a morte. Ele é o nosso irmão maior.
Conhece perfeitamente os limites e problemas que enfrentamos em nosso dia a
dia. Seguindo Jesus, não desanimamos no caminho da perfeição. Todas as
situações, mesmo as difíceis (crises no casamento, separações, doenças, mortes)
podem ser assumidas como momentos propícios para acolher a graça de Deus, rico
em misericórdia…
Celso Loraschi
Mestre em Teologia Dogmática com
Concentração em Estudos Bíblicos pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da
Assunção, São Paulo, professor de Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos na
Faculdade Católica de Santa Catarina (Facasc) e assessor do Cebi, SC. E-mail:
loraschi@facasc.edu.br
Roteiro
Homilético 4 - Liturgia: Dom Henrique
Homilia I
Neste domingo, a Palavra de Deus trata
do matrimônio e de sua indissolubilidade. Eis aqui um tema que se tornou tabu
nos tempos atuais e, por isso mesmo, precisa ser tratado com toda clareza pelos
cristãos… Afinal, se o Evangelho não for sal e luz, para que serve?
Comecemos com o plano de Deus, descrito
no Gênesis de modo figurado, como as parábolas que Jesus contava. São textos
que não devem ser tomados ao pé da letra! Se lermos com atenção, perceberemos
algo muito belo: Deus, à medida que vai criando, vê que tudo é bom… Ao criar o
ser humano, vê que “era muito bom” (Gn 1,31). Mas, há algo na criação que o
Senhor Deus viu que não era bom: “Não é bom que o homem esteja só”. Se o ser
humano é imagem do Deus-Trindade, ele não foi criado para a solidão, mas deve
viver em relação com outros: “Vou dar-lhe uma auxiliar que lhe seja
semelhante”. Notemos os detalhes tão belos da criação da mulher: (1) “O Senhor
Deus fez cair um sono profundo sobre Adão”. Por quê? Para ficar claro que o
homem não participou da criação da mulher; esta é tão obra de Deus quanto
aquele. (2) “Tirou-lhe uma das costelas e fechou o lugar com carne. Da costela
tirada de Adão, o Senhor Deus formou a mulher”. A imagem é bela: tirada do lado
do homem, como companheira e igual! (3) “E Adão exclamou: ‘Desta vez sim, é
osso de meus ossos e carne da minha carne!’” É a primeira vez que o homem
falou, na Bíblia! E sua palavra foi uma declaração de amor… não a Deus, mas à
mulher que o Senhor Deus lhe dera de presente: osso de meus ossos, carne de
minha carne… parte de mim, cara metade, outro lado do meu coração! E,
finalmente, o preceito de Deus, inscrito no íntimo do coração humano pelo
próprio Criador: “O homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e
eles serão uma só carne”. Pronto! Esta é o sonho de Deus para o amor humano!
Já aqui há três observações a serem
feitas: (a) o laço de amor entre o homem e a mulher é superior a qualquer outro
laço, inclusive aquele que liga pais e filhos: o homem e a mulher deixarão pai
e mãe para ir ao encontro de sua esposa, de seu esposo. (b) Esta união, no
sonho original de Deus, envolve a pessoa toda, corpo e alma: “serão uma só
carne”! É uma união completa, abrangente, total: serão um só coração, um só
sonho, uma só conta bancária, uma só casa, um só futuro, um só destino! (c) A
relação matrimonial, no sonho de Deus, é uma relação entre um homem e uma
mulher. Por isso mesmo, jamais os cristãos poderão equiparar a união entre
homossexuais ao matrimônio! O respeito às pessoas homossexuais é dever de todos
nós; o respeito pela consciência dessas pessoas, que têm o direito de dar o
rumo que acharem justo às suas vidas, é obrigação nossa, é gesto de amor que
Jesus espera de seus discípulos. Mas, equiparar a relação matrimonial a
qualquer outra relação afetiva, sobretudo homossexual, nunca! Por fidelidade a
Cristo, nunca! Por respeito ao plano de Deus, jamais! Hoje, no Direito, há uma
forte corrente aqui no Brasil, que considera como sendo família qualquer união
simplesmente afetiva: não importa se a união é entre marido e mulher, entre
amigos ou entre duas pessoas do mesmo sexo. Para nós cristãos, tal concepção é
inaceitável! A família, para nós, não é uma realidade simplesmente natural, mas
tem sua raiz no próprio plano de Deus. A família é uma realidade também teológica!
É preciso escutar o que Deus tem a dizer sobre a família! O problema é que
nossa sociedade já não é cristã; é pagã e pensa e age como pagã; é atéia e age
como se Deus não existisse… Nossa sociedade acha que o homem é a medida de
todas as coisas, o senhor do bem e do mal, do certo e do errado. Isso é
absolutamente inaceitável para o cristão!
Agora podemos compreender a palavra de
Jesus no Evangelho! Naquele tempo havia o divórcio… E Jesus, que é tão
misericordioso, condena sua prática: “Foi por causa da dureza do vosso coração
que Moisés” permitiu o divórcio! “No entanto, no princípio da criação Deus os
fez homem e mulher… Já não são dois, mas uma só carne. Portanto, o que Deus
uniu, o homem não separe!” É uma palavra que parece dura, e os próprios discípulos
tiveram dificuldades em compreender… como muitíssimos a têm hoje em dia.
Compreendamos! Jesus veio para reconduzir este mundo ferido pelo pecado ao
plano original de Deus. Ora, o sonho de Deus para o amor conjugal é que ele
seja uma entrega total e plena, no amor indissolúvel, fiel e fecundo. Este é o
ideal que Jesus aponta aos seus discípulos! Na perspectiva de Jesus, o divórcio
é contrário ao plano de Deus para o amor humano! Por isso mesmo, o matrimônio
abraçado por um cristão e uma cristã, no Senhor Jesus, é indissolúvel! Aqui é
preciso deixar claro que a Igreja não tem autoridade para ensinar ou fazer
diferente! Seria trair o Senhor! Surgem, no entanto, algumas questões sérias e
graves:
(1) Como prometer amor por toda a vida,
se nosso coração é inconstante? Primeiramente é necessário recordar que o
matrimônio cristão somente pode ser abraçado na fé, sabendo os esposos que
jamais a graça de Cristo lhes faltará. Com toda certeza, o Senhor haverá de
conduzir os esposos no caminho do amor. Isto, no entanto, de modo algum,
dispensa os esposos de cultivarem esse amor, com o diálogo, os gestos de
carinho e de perdão, de compreensão e de atenção. Amor não é só sentimento: o
amor não nasce de repente, não é fatal, não é cego, nem morre de repente. O
amor pode e deve ser cultivado, cuidado. Como dizia São João da Cruz: “Onde não
há amor, semeia amor e colherás amor”. A grande ilusão do mundo atual é pensar
que o amor se reduz a sentimento, que não precisa ser cuidado nem cultivado!
Confunde-se amor com paixão!
(2) Como fazer uma aliança para sempre,
se esta depende não só de mim, mas também da outra pessoa? A questão é séria e,
para nós, cristãos, deve ser pensada na fé. O matrimônio entre cristãos é
sinal, é sacramento, do amor entre Cristo e a Igreja. São Paulo explica este
mistério de modo belíssimo no capítulo quinto da Carta aos Efésios: marido e
mulher devem se amar como Cristo e a Igreja (cf. Ef 5,21-32). Ora, este amor
foi selado na cruz e na ressurreição; é amor pascal, amor que envolve morte e
vida! A indissolubilidade não deveria ser vista como um fardo, mas como uma
proposta de um Deus que crê no homem que criou; um Deus que nunca brinca com o
amor, um Deus que aposta na nossa capacidade, quando aberta à sua graça! Ora,
este amor-doação matrimonial, imagem daquele outro, entre Cristo e a Igreja,
certamente terá a marca da cruz. As dificuldades conjugais, para o cristão, têm
o nome de cruz, cruz que, assumida com amor e por amor, é transformada em
alegria e plenitude de ressurreição. Aqui não se trata somente de palavras
bonitas, mas de uma realidade impressionante: quem capitula, quem desiste ante
as dificuldades, nunca plantará um amor no sentido cristão! A presença de
Cristo na união conjugal não exclui as crises, as dificuldades, a
incompatibilidade de temperamentos e até mesmo os erros na escolha do cônjuge!
Mas tudo isso, por quanto doloroso possa ser, pode se tornar, em Cristo, um
modo libertador e eficaz de participar com generosidade e desapego da cruz do
Senhor e caminho de felicidade! “Loucura! Insanidade! Demência!” – dirá o
mundo! Mas, a linguagem da cruz é loucura para o mundo! A sabedoria da cruz é
tolice para o mundo! Nunca esqueçamos isso! Mas, para quem crê, é poder de Deus
e sabedoria de Deus! (cf. 1Cor 1,18; 3,18-20). O problema é que as pessoas
casam como os cristãos, mas não crêem nem vivem como os cristãos! Que fique bem
assentado: o sonho de Deus em Cristo para o matrimônio é a indissolubilidade!
(3) E os nossos irmãos e irmãs que
fracassaram na aliança conjugal e estão numa nova união? É uma situação
dolorosa. Se são cristãos de verdade, a coisa é primeiramente difícil para
eles. Não nos compete julgar suas intenções e sua história! Compete-nos
respeitá-los e acolhê-los com espírito fraterno, ajudando-os a viver esta nova
união do melhor modo possível. Isto, no entanto, não significa aprovação da
separação nem da nova união. Mas, simplesmente, respeito pela história, pela
consciência e pelo mistério da vida e das opções de cada irmão e de cada irmã.
Mesmo porque, quem estiver sem pecado, que atire a primeira pedra. Cuidado,
irmãos: não coloquemos fardos na vida dos outros!
Que o Senhor socorra as famílias e
fortaleça no amor os esposos cristãos, fazendo-os simples como as crianças,
capazes de acolher a proposta do Cristo para o matrimônio e que, nas
dificuldades, recordem-se que Cristo, autor da nossa salvação, também foi
levado à consumação passando pelos sofrimentos. Que nossos sofrimentos, unidos
aos dele, sejam semente e penhor de vida eterna. Amém.
D. Henrique Soares da Costa
Roteiro
Homilético 5 - Liturgia: Dom Total
SER DISCÍPULO: O MATRIMÔNIO SEGUNDO O
PROJETO DE DEUS
1ª leitura: (Gn 2,18-24) O projeto
original de Deus para homem e mulher – O projeto inicial de Deus fica sempre
válido. Portanto, falando do primeiro casal humano, o autor de Gn fala de todos
os casais humanos. Entre todas as criaturas, só a mulher é a “ajuda adequada”
para o homem. O amor matrimonial é mais forte que qualquer outro laço humano,
mesmo o da família de origem. Por sua natureza, é único. Os dois formam “uma só
carne”, uma única realidade humana. * Cf. 1Cor 11,8-9; 1Tm 2,13; Ef 5,31; 1Cor
6,16 * cf. evangelho.
2ª leitura: (Hb 2,9-11) Glorificação de
Cristo que morreu por nós – Hb quer confirmar os cristãos do judeu-helenismo em
sua fé e esperança, que estão sendo abaladas pela controvérsia dos não-cristãos
e pela protelação da Parusia. A carta destaca a grandeza de Cristo e da fé,
mostrando a nova plenitude das figuras (modelos) do passado. Descreve
amplamente a plenitude do sacerdócio em Cristo. – 2,5-16: Jesus, embora por um
tempo colocado “um pouco abaixo dos anjos”, é agora elevado acima deles: o que
Sl 8,6 diz da humildade e grandeza do ser humano, encontra sua plenitude em
Cristo. Ele fez-se irmão nosso, assumindo nossa condição humana até a morte,
para quebrar o domínio da morte e nos santificar, isto é, nos introduzir na
“glória” (de Deus) (2,10). * 2,9 cf. Sl
8,5-7; Fl 2,6-11 * 2,10 cf. Rm 11,36; 1Cor 8,6; Hb 4,15; 5,2-3.9-10 * 2,11 cf.
Jo 17,19; Hb 2,17-18; Sl 22[21],23.
Evangelho: (Mc 10,2-16 ou 10,1-12) A
indissolubilidade do matrimônio – Em continuidade com as questões comunitárias
do cap. 9, Mc 10,1-12 apresenta a visão cristã do matrimônio: segundo a vontade
original de Deus (cf. 1ª leitura), homem e mulher são destinados a formar uma
unidade pessoal inseparável. A legislação mosaica concernente ao divórcio veio
depois do projeto original; é um remendo, por causa da “dureza do coração”,
visto que o casamento nem sempre é o que deveria ser. Jesus se atribui a
“autoridade” de restaurar o sentido dado por Deus mesmo. Não se coloca no nível
da casuística, mas da vontade inicial e final de Deus. O que se deve fazer
quando o homem não corresponde é outra questão. – 10,13-16: ensina aos
discípulos, mediante um gesto paradigmático, que o Reino de Deus é dado às
pessoas menos consideradas: as crianças, que não podem nada por si mesmas, mas
são capazes de receber tudo (cf. as Bem-Aventuranças, Mt 5,3-10). * 10,2-12 cf.
Mt 19,1-9 * 10,4 cf. Dt 24,1 * 10,6-8 cf. Gn 1,27; 2,24; Ml 2,14-16 * 10,11 cf.
Mt 5,32; Lc 16,18 * 10,13-16 cf. Mt 11,25; 18,3; 19,13-15; Mc 9,37; Lc
18,15-17.
***
*** ***
O tema de hoje é o matrimônio, porém,
não sob o ângulo da casuística, mas sob o ângulo da vontade de Deus. Pois Jesus
veio trazer presente o Reino de Deus, também quanto ao matrimônio: é preciso
que seja restaurado no sentido que Deus mesmo lhe deu, desde o início. Este
sentido se encontra descrito em Gn 2 (1ª leitura): preocupado com a felicidade
de Adão, “o Homem”, Deus lhe procura uma companhia, mas como entre os outros
seres vivos não a encontra, faz a mulher, da “metade” do homem. Esta narração
significa a complementaridade de homem e mulher, que se transforma numa unidade
de vida (“uma só carne”), quando o homem opta por uma mulher e, por causa desta
opção, deixa sua família de origem e a segurança que lhe oferecia. Pois casar é
um risco e um compromisso.
Na história da humanidade e de Israel, a
vontade inicial de Deus nem sempre se realizou, e tal deficiência não é curada
pelo progresso ou pela evolução. Estamos hoje tão longe do ideal de Deus quanto
as civilizações antigas. O problema é que o plano de Deus só se realiza no
amor, e este ficará sempre igualmente difícil para a humanidade. Sempre houve
muito desamor. Chefes de família patriarcal que achavam que precisavam de outra
esposa. Casamentos interesseiros, que não deram certo. E muitas outras razões
pelas quais os homens achavam legítimo despedir suas mulheres. Para pelo menos
lhes dar uma proteção legal, a legislação do livro do Deuteronômio (Dt 12-26)
previu que as mulheres repudiadas recebessem um certificado (Dt 24,1). Os
escribas, sabendo que Jesus não gostava da prática do divórcio (como antes dele
Ml 2,14-16), quiseram experimentar se ele também rejeitava a Lei a respeito do
certificado de divórcio (evangelho). A resposta de Jesus é astuta e adequada ao
mesmo tempo. A legislação do divórcio é uma legislação feita para enfrentar a
maldade humana (como a grande maioria das leis). Mas o plano de Deus a respeito
do matrimônio se situa num outro nível, o da vontade de Deus, que é amor. Jesus
não veio fazer casuística, ensinar qual é o mal menor. Ele veio trazer presente
o Reino de Deus, o fim do mal. Para praticar o divórcio, a humanidade não
precisa de uma palavra de Jesus, de uma mensagem de Deus. Já o faz por conta
própria. Mas para voltar ao sonho de Deus referente ao amor humano, sim,
precisa do evangelho.
(Na leitura completa do evangelho, segue
agora um trecho sobre ser como crianças para receber o Reino de Deus. A
mensagem reforça a anterior: para aceitar a vontade originária do Pai, é
preciso ser simples e humilde.)
Começa hoje, na 2ª leitura, uma
sequência da Carta aos Hebreus. A mensagem é um tanto difícil. Exige uma
explicação especial, para colocar os ouvintes a par dos princípios da
“cristologia sacerdotal” que marca esta carta. Para o autor de Hb, Jesus é
sacerdote, “santificador”, por excelência, por serem sua humanidade e
despojamento os instrumentos pelos quais ele santifica toda a condição humana.
Santificou-nos por sua fraternidade conosco.
Chamam nossa atenção as belas orações.
Enquanto a oração da missa testemunha uma ilimitada confiança filial, a oração
final condensa toda uma teologia eucarística: o sinal produz o que ele
significa, a transformação do homem naquilo que ele recebe no sacramento: em
Cristo mesmo.
O MATRIMÔNIO SEGUNDO JESUS
Os evangelhos deste período litúrgico
constituem uma sequência que podemos resumir no termo “discipulado”. O
evangelista Marcos mostra Jesus a caminho, subindo a Jerusalém (Mc 8,31–10,45).
Caminhando, Jesus ensina o caminho do Filho do Homem: sofrimento, cruz e
ressurreição. Este ensinamento itinerante de Jesus é balizado pelos três
anúncios da paixão (8,31-32; 9,30-32; 10,32-34). Esses anúncios são entremeados
por ensinamentos que explicam em que consiste ser discípulo e seguir Jesus.
Ora, também um casamento fiel faz parte do seguimento de Jesus, do discipulado.
Esse é o evangelho de hoje.
A legislação matrimonial do Antigo
Testamento era um pouco mais frouxa que a moral católica hoje. Não proibia o
homem de ter diversas mulheres, apenas aconselhava que não fossem muitas.
Permitia ao homem despedir uma mulher quando notava algo desagradável (o quê,
isso era objeto de discussão entre os doutores). Moisés até ordenou que, no
caso de a mulher ser despedida, ela recebesse um atestado dizendo que estava
livre (Dt 24,1): uma carta de demissão para que procurasse outro emprego... Por
isso, Jesus é radical: quem despede sua mulher para casar com outra comete
adultério contra ela, é infiel a seu amor. E para arrimar sua opinião, Jesus
invoca a primeira página da Bíblia, bem anterior à “jurisprudência” de Moisés:
Deus os criou homem e mulher, o homem deixará pai e mãe, os dois serão uma só
carne – uma só realidade humana – e o que Deus uniu o homem não separe (1ª
leitura). Assim é que Deus quis as coisas desde a criação. Ora, Jesus é o
Messias que vem restaurar as coisas conforme o plano de Deus. Tinha de falar
assim mesmo. (Outra coisa é quando um governo civil admite o divórcio: o
governo não é o Messias... Tem de fazer como Moisés: dar uma legislação para a
fraqueza, para a “dureza de coração”, para limitar o estrago...)
O projeto de fidelidade absoluta no amor
faz do matrimônio fiel um sinal eficaz do amor de Deus para seu povo: um
sacramento. Em Ef, 5,22-33, Paulo relaciona o amor de esposo e esposa com o
amor que Cristo tem para a Igreja e chama isso de grande mistério ou
sacramento. Ora, nesse mistério de amor está presente o caminho de Cristo:
assumir a cruz nos passos de Jesus.
Essa sublime vocação do matrimônio
indissolúvel é hoje fonte de violentas críticas à Igreja. Que fazer com os que
fracassam? Objetivamente falando, sem inculpar ninguém – pois de culpa só Deus
entende, e perdoa – devemos constatar que há fracassos, e que fica muito
difícil celebrar um “sinal eficaz do amor inquebrantável de Jesus” na presença
de um matrimônio desfeito... Por isso, a Igreja não reconhece como sacramento o
casamento de divorciados. Teoricamente, se poderia discutir se o segundo
casamento não pode ser aceito como união não-sacramental (como se faz na Igreja
Ortodoxa). E observe-se que muitos casamentos em nosso meio são, propriamente
falando, inválidos, porque contraídos sem suficiente consciência ou intenção;
poderiam, portanto, ser anulados (como se nunca tivessem existido).
Em todo caso, o matrimônio cristão,
quando bem conduzido em amor inquebrantável, é uma forma de seguir Jesus no
caminho do dom total.
(O Roteiro Homilético é elaborado pelo Pe.
Johan Konings SJ – Teólogo, doutor em exegese bíblica, Professor da FAJE. Autor
do livro "Liturgia Dominical", Vozes, Petrópolis, 2003. Entre outras
obras, coordenou a tradução da "Bíblia Ecumênica" – TEB e a tradução
da "Bíblia Sagrada" – CNBB. Konings é Colunista do Dom Total. A
produção do Roteiro Homilético é de responsabilidade direta do Pe. Jaldemir Vitório
SJ, Reitor e Professor da FAJE.)
Roteiro
Homilético 6 - Liturgia: Pe. Françoá Costa
Roteiro
Homilético 7 - Liturgia: Mons. José Maria Pereira
O Futuro da Humanidade!…
As leituras bíblicas deste domingo levam
à reflexão sobre o tema da família.
No Antigo Testamento, em Gn 2,18-24,
lê-se que Deus faz desfilar perante o homem “todos os animais dos campos e
todas as aves do céu”, para que desse o nome a cada um deles e visse se entre
eles encontrava “uma auxiliar semelhante a ele.”
Adão põe o nome a cada um dos animais,
mas nenhum deles satisfaz a sua necessidade de companhia e amor.
Então diz o Senhor Deus: “Não é bom que
o homem esteja só. Vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele.” E Deus cria a
mulher e quando esta é apresentada ao homem, este prorrompe numa exclamação de
alegria, reconhecendo nela a companheira ideal: “Desta vez, sim, é osso dos
meus ossos e carne da minha carne!” O texto termina por afirmar: “Por isso, o
homem deixará seu pai e sua mãe e se unirá à sua mulher, e eles serão uma só
carne.” A indissolubilidade do matrimônio encontra nestas palavras o seu
fundamento, a sua razão de ser profunda e sagrada.
O Evangelho (Mc 10, 2-16) apresenta os
fariseus que se aproximam de Jesus para tentá-Lo, para fazê-Lo entrar em
conflito com a Lei de Moisés. Perguntam a Jesus se era lícito ao marido
repudiar a sua mulher. Jesus retoma o texto de Gn 2 (citado acima) e declara
que o casamento é indissolúvel; isto desde a origem, conforme fora instituído
por Deus, no princípio da criação.
A dignidade do matrimônio e a sua
estabilidade é um dos temas que mais importa defender e fazer com que muitos
compreendam. Pois, a saúde moral dos povos está ligada ao bom estado do
matrimônio. Quando este se corrompe, podemos afirmar que a sociedade está
doente, gravemente doente.
Por isso, todos temos que rezar e velar
pelas famílias com tanta urgência!
Os que se casam iniciam juntos uma vida
nova que devem percorrer na companhia de Deus. É o próprio Senhor que os chama
para que cheguem a Ele por esse caminho, pois o matrimônio é uma autêntica
vocação sobrenatural. Sacramento grande em Cristo e na Igreja (Ef. 5,32), diz
São Paulo; sinal sagrado que santifica, ação de Jesus que se apossa da alma dos
que se casam e os convida a segui-Lo, transformando toda a vida matrimonial num
caminhar divino sobre a terra.
Não esqueçamos que a primeira coisa que
o Messias quis santificar foi um lar. O primeiro milagre que Jesus fez foi no
Casamento, em Caná da Galiléia(Jo 2, 1-11). E que é precisamente nas famílias
alegres, generosas, cristãmente sóbrias, que nascem as vocações para a entrega
plena a Deus na virgindade ou no celibato. Todas elas representam um dom que
Deus concede muitas vezes aos pais que rezam pelos filhos de todo o coração e
com constância.
A família, tal como Deus a quis, é o
lugar idôneo para tornar-se, com o amor e o bom exemplo dos pais, dos irmãos e
dos outros membros do círculo familiar, uma verdadeira escola de virtudes em
que os filhos se formem para serem bons cidadãos e bons filhos de Deus. É no
meio da família firmemente voltada para Deus que cada um pode encontrar a sua
própria vocação, aquela a que Deus o chama.
Numa época, em que muitos procuram
destruir ou desfigurar a família, é urgente proclamar o Plano de Deus sobre o
Matrimônio e a Família. Não é uma norma da Igreja, é Plano de Deus, reafirmado
por Cristo.
A Missão dos pais é repetir o gesto das
mães israelitas: levar seus filhos a Jesus, para que, abençoados por Ele e
crescendo na sua escola, conservem a inocência e sejam um dia recebidos no
reino dos Céus, preparado para eles.
O Documento de Aparecida diz: “Cremos
que a família é imagem de Deus que em seu mistério mais íntimo não é uma
solidão, mas uma família. Na comunhão de amor das Três Pessoas Divinas, nossas
famílias têm sua origem, seu modelo perfeito, sua motivação mais bela e seu
último destino” (434).
A família é insubstituível para a
serenidade pessoal e para a educação dos filhos.
A família é um dos tesouros mais
importantes dos povos, é patrimônio da humanidade inteira. “O futuro da
humanidade passa pela família” (Beato João Paulo II).
Mons. José Maria Pereira
Roteiro
Homilético 8 - Liturgia: D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB presbíteros.org
Roteiro
Homilético 9 - Liturgia: Roteiro presbíteros.org
RITOS INICIAIS
Est 13, 9.10-11
ANTÍFONA DE ENTRADA: Senhor, Deus
omnipotente, tudo está sujeito ao vosso poder e ninguém pode resistir à vossa
vontade. Vós criastes o céu e a terra e todas as maravilhas que estão sob o
firmamento. Vós sois o Senhor do universo.
Introdução ao espírito da Celebração
Começa de novo a catequese em nossas
paróquias. Jesus lembra-nos a importância da família bem constituída e a da
formação cristã, em que todos temos de colaborar, sobretudo os pais.
Vamos estar atentos ao que nos vai
dizer.
Examinemo-nos sobre os nossos pecados
para pedir perdão ao Senhor.
ORAÇÃO COLECTA: Deus eterno e
omnipotente, que, no vosso amor infinito, cumulais de bens os que Vos imploram
muito além dos seus méritos e desejos, pela vossa misericórdia, libertai a
nossa consciência de toda a inquietação e dai-nos o que nem sequer ousamos
pedir. Por Nosso Senhor…
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura
Monição: Nesta página do primeiro livro
da Bíblia, Deus ensina a igual dignidade do homem e da mulher e a
indissolubilidade do matrimónio.
Génesis 2, 18-24
18Disse o Senhor Deus: «Não é bom que o
homem esteja só: vou dar-lhe uma auxiliar semelhante a ele». 19Então o Senhor
Deus, depois de ter formado da terra todos os animais do campo e todas as aves
do céu, conduziu-os até junto do homem, para ver como ele os chamaria, a fim de
que todos os seres vivos fossem conhecidos pelo nome que o homem lhes desse.
20O homem chamou pelos seus nomes todos os animais domésticos, todas as aves do
céu e todos os animais do campo. Mas não encontrou uma auxiliar semelhante a ele.
21Então o Senhor Deus fez descer sobre o homem um sono profundo e, enquanto ele
dormia, tirou-lhe uma costela, fazendo crescer a carne em seu lugar. 22Da
costela do homem o Senhor Deus formou a mulher e apresentou-a ao homem. 23Ao
vê-la, o homem exclamou: «Esta é realmente osso dos meus ossos e carne da minha
carne. Chamar-se-á mulher, porque foi tirada do homem». 24Por isso, o homem
deixará pai e mãe, para se unir à sua esposa, e os dois serão uma só carne.
A narrativa conserva, na linguagem e no
estilo, todas as características da tradição jarvista, em particular, uma
grande vivacidade de expressão, e, de acordo com o modo de pensar e de falar da
época a que o texto pertence, uma rica linguagem simbólica ou mítica. No
entanto, mesmo quando se vê que adopta elementos comuns aos mitos cosmogónicos
da antiguidade, esta linguagem é cuidadosamente purificada de toda a magia e
politeísmo que os impregnam, de tal modo que Deus aparece como Senhor
transcendente e Pai providente. Sem dificuldade, sob o estrato da antiga
narração, descobrimos aquele conteúdo verdadeiramente admirável no que diz
respeito às qualidades e à condensação das verdades, que nele estão encerradas
(cf. João Paulo II, numa série de Audiências Gerais de 1979/80, que tomamos
como pano de fundo destas notas). O texto deixa claro que a atracção dos sexos
é algo querido por Deus e que a diferenciação sexual encerra um sentido
intrínseco, não arbitrário; e também ela que não foi introduzida no mundo por
nenhum princípio maléfico misterioso.
18-20 Deus é apresentado em linguagem
antropomórfica, isto é, à maneira humana, como um «oleiro», e a deliberar no
sentido de ir aperfeiçoando a sua obra, num texto que se presta a veicular
ricos ensinamentos de antropologia teológica. «Não é bom que o homem esteja
só»: a solidão do homem, sentida por ele (v. 20) e reconhecida por Deus (v.
18), traduz, por um lado, a interioridade do ser humano, capaz de perceber a
sua própria solidão (coisa de que os animais não são capazes), e, por outro
lado, como este foi criado por Deus para a comunhão inter-pessoal.
«Um auxiliar semelhante». O facto de se
dizer auxiliar, ou ajuda, não contradiz a dignidade da mulher, como se esta
ficasse reduzida a uma simples muleta para o homem, pois estamos perante uma
complementaridade que é mútua; de qualquer modo, não se diz que é uma serva ou
uma propriedade do marido, destinada dar-lhe frutos, à maneira de uma terra
fecunda, como então se pensava. Por outro lado, também de Deus se diz que Ele é
um auxiliar para o homem; além disso, a palavra hebraica (‘ézer, auxílio), ao
designar habitualmente o socorro que Deus concede ao seu povo (15 em 21 vezes
no A. T.), indicia que o relato está redigido com base na noção de aliança: a
relação homem-mulher aparece então como um reflexo da relação Deus-homem, uma
relação de aliança (M. Merode).
«O homem deu nome a todos os animais», é
uma forma de pôr em relevo a superioridade do homem e o seu domínio sobre eles,
que ficam postos ao seu serviço (cf. Gn 1, 28). Adão aparece como um rei que
passa revista a todos os seus súbditos. Impor o nome significava frequentemente
ter direito sobre algo ou alguém, assim como o mudar o nome correspondia a
assinalar uma nova missão. Não se pretende ensinar que os animais foram criados
só depois do homem (nem antes!), apenas o autor visa dramatizar a situação do
homem solitário e enaltecer a Providência amorosa de Deus, que instituiu a
sociedade conjugal para bem do próprio homem e num plano de grande dignidade,
sublinhando que até os próprios animais maiores eram «behemáh», isto é,
(animais) mudos, que não estavam ao nível do homem. Nesta encenação poderia
haver também, em segundo plano, a condenação da bestialidade, frequente entre
os cananeus e os egípcios (cfr. Lv18, 23-25) – um pecado que a Lei punia drasticamente
(Ex 22, 18; Lev 20, 15-16; cf. Dt 21, 21) –, e ainda a rejeição do paganismo,
que com frequência prestava culto a animais divinizados, uma aberração absurda,
dado que Adão é superior e nem sequer encontra algum que, ao menos, lhe seja
semelhante.
21-22 Ao arrepio da mentalidade da
época, a mulher aparece em toda a sua dignidade, não como os animais, que são
tirados da terra (v. 19); com efeito, ela é tirada da costela do homem, isto é,
«da substância de Adão», como esclarece S. Gregório de Nissa, igual por
natureza. Para isso – não para o anestesiar, como às vezes se diz – conta-se
que adormeceu profundamente o homem (v. 21), a fim de que, sem que ele se
apercebesse, lhe satisfizesse os seus ideais e anseios: formou a mulher e
apresentou-a ao homem (v. 22). O «sono profundo» nada tem a ver com alguma
espécie de sono de anestesia; o termo hebraico –tardemah – envolve uma certa
conotação de mistério, pois é a palavra que se usa, quando durante um sono
assim designado, ou logo após este, se verificam acontecimentos de grande
alcance (cf. Gn 15, 12; 1 Sam 26, 12; Is 29, 10; Job 4, 13; 33, 15), de modo
que até os LXX não traduziram este termo por hypnos (sono), mas sim por
ékstasis (êxtase). É assim que se pode ver como a criação da mulher está
envolta em mistério, pois aparece como uma especial acção divina que se insere
no âmbito do mistério da Aliança, no próprio coração da história da salvação.
Assim como em Gn 15, 12, o sono de Abraão é o sinal de que este se deixa
ultrapassar por Deus, que lhe revela a Aliança, assim também aqui o sono de
Adão é o sinal de que, pela bissexualidade humana, Deus nos revela o mistério
do matrimónio como imagem de Deus (cf. Gn 1, 26-28). «Em ambos os casos,
segundo os textos em que (…) o livro do Génesis fala do sono profundo
(tardemah),realiza-se uma acção divina especial, isto é, uma aliança carregada
de consequências para toda a história da salvação: Adão dá começo ao género
humano, Abraão ao povo eleito» (João Paulo II, Audiência Geral de 1/11/19).
Note-se que costela, – em hebraico tselá‘ – sugere um significativo jogo de
palavras: o étimo sumério de tselá‘ significa vida e o nome Eva – em hebraico
haváh – também significa vida.
22 «E apresentou-a ao homem». Também é
significativo que não se diga que é o homem a fazer aparecer a mulher ou a
descobri-la: tudo é dom e iniciativa divina, e a relação do homem com a mulher
enquadra-se na relação fundamental do homem com Deus.
23 «Ao vê-la, o homem exclamou». As
palavras que o hagiógrafo coloca na boca de Adão são a expressão dum entusiasmo
eufórico, próprio dum coração enamorado, em linguagem poética, com ritmo,
elegância, paralelismo e jogo de palavras, logrando-se um belo efeito
literário: Adão, ignorando como a mulher tinha sido formada, verifica que ela
corresponde plenamente ao seu ideal; formada do lado ou da costela sobre o
coração, a mulher procedia do coração do homem, respondendo às suas profundas
aspirações.
«Osso dos meus ossos…» Trata-se duma
expressão corrente para designar parentesco, comunidade de natureza (cf. Gn 29,
14; Jz 9, 2; 2 Sam 5, 1; 1 Cron 11, 1). Esta afirmação é dum alcance
extraordinário, transcendendo de longe as mais avançadas civilizações em que a
mulher sempre foi considerada um ser inferior, quanto à natureza e direitos.
Ela tem a mesma natureza e os mesmos direitos que o homem, por isso
«chamar-se-á mulher», num jogo de palavras em hebraico: ’ixáh («virago»: a
forma feminina de ’ix, «varão»); ela já não é mais a beulat-baal (a propriedade
dum senhor – cf. Dt 22, 22). Sem diluir diferenças e peculiaridades, há uma
igualdade fundamental entre o homem e a mulher, mesmo quando o relato apresenta
o homem a ser criado em primeiro lugar; a mulher, embora surja como um
auxiliar, ela é criada semelhante a ele (v. 18). Notar que as expressões «osso
dos meus ossos» e «carne da minha carne» são uma espécie de superlativo
hebraico (como «cântico dos cânticos»), equivalente a dizer que é mesmo carne e
osso meu, um «alter ego», correspondendo a: «é igual a mim quanto à natureza e
quanto aos direitos», segundo as categorias do nosso pensamento abstracto.
24 «Por isso, o homem deixará pai e
mãe…» Os laços que unem marido e mulher são mais fortes ainda do que aqueles
que unem os filhos aos pais: a união matrimonial é estável, (perpétua e
indissolúvel, segundo a explicação de Jesus no Evangelho de hoje). É uma união
total e íntima, tão profunda que abarca toda a pessoa, desde o físico até ao
espiritual, segundo a expressão do original hebraico, «wedabaq», que a Vulgata
traduziu por «et adhærebit», melhor que a nossa tradução: «para se unir à sua
esposa». O texto permite ver a unidade do matrimónio – um só homem com uma só
mulher (a sua mulher) – e a indissolubilidade, pois os dois passarão a ser «uma
só carne». A expressão hebraica «lebassár ehád» («in carnem unam») indica não
apenas o corpo, mas tudo o que constitui a natureza do homem: corpo e espírito,
pensamento e amor, sentimentos e vontade, o que dá azo a João Paulo II para
falar do significado esponsal do corpo humano, um significado que só se pode
compreender dentro do contexto da pessoa: «o corpo tem o seu significado
esponsal porque o homem-pessoa é uma criatura que Deus quis por si mesma e que,
ao mesmo tempo, não pode encontrar a sua plenitude senão mediante o dom de si
próprio» (Audiência Geral de 16/1/80). O Papa acrescenta que no celibato pelo
Reino dos Céus esse significado não se perde, mas é ainda mais pleno, pois se
torna mais expressiva a liberdade do dom no corpo humano; o homem só é capaz de
doação enquanto pessoa e é doando-se que se realiza como pessoa; e a sua máxima
doação é a entrega total (corpo e alma) a Deus.
Salmo Responsorial
Sl 127 (128), 1-2.3.4-5.6 (R. cf. 5)
Monição: Deus abençoa já neste mundo os
que Lhe obedecem fielmente.
Refrão: O SENHOR NOS ABENÇOE EM TODA A NOSSA
VIDA.
Feliz de ti que temes o Senhor
e andas nos seus caminhos.
Comerás do trabalho das tuas mãos,
serás feliz e tudo te correrá bem.
Tua esposa será como videira fecunda
no íntimo do teu lar;
teus filhos como ramos de oliveira,
ao redor da tua mesa.
Assim será abençoado o homem que teme o
Senhor.
De Sião o Senhor te abençoe:
vejas a prosperidade de Jerusalém todos
os dias da tua vida;
e possas ver os filhos dos teus filhos.
Paz a Israel.
Segunda Leitura
Monição: Jesus assumiu a nossa natureza
humana e sujeitou -Se à morte para nos salvar.
Hebreus 2, 9-11
Irmãos: 9Jesus, que, por um pouco, foi
inferior aos Anjos, vemo-l’O agora coroado de glória e de honra por causa da
morte que sofreu, pois era necessário que, pela graça de Deus, experimentasse a
morte em proveito de todos. 10Convinha, na verdade, que Deus, origem e fim de
todas as coisas, querendo conduzir muitos filhos para a sua glória, levasse à
glória perfeita, pelo sofrimento, o Autor da salvação. 11Pois Aquele que
santifica e os que são santificados procedem todos de um só. Por isso não Se
envergonha de lhes chamar irmãos.
Vamos ter como 2ª leitura até ao fim do
ano litúrgico alguns respigos da epístola aos Hebreus, poucos, mas expressivos.
O tema central do «discurso de exortação» (cf. 13, 22), que constitui o
escrito, nunca é tratado nos restantes livros do N. T.: o sacerdócio de Cristo,
uma elaboração teológica admirável e sublime, entremeada de exortações, uma
verdadeira obra prima que impressiona vivamente o leitor. Embora pertença ao
chamado corpus paulinum, este documento não parece ter sido redigido por S.
Paulo (alguns pensam que poderia ser um sermão do seu colaborador Apolo: cf.
Act 18, 24-28), nem tem um carácter epistolar, se exceptuamos os vv. finais
(13, 22-25), que até poderiam ser um bilhete do próprio Paulo. O trecho de hoje
é extraído da 1ª parte, em que Jesus é apresentado como Filho de Deus e superior
aos próprios anjos, não obstante todas as humilhações a que se quis sujeitar.
9-10 «Por um pouco, foi inferior aos
Anjos». Em constantes citações do A. T. ao longo de toda a epístola, o autor
sagrado faz aqui (nos vv. 5-9) uma releitura cristológica do Salmo 8. A
inferioridade de Jesus deu-se apenas no aspecto exterior e sensível, especialmente
nos momentos da sua Paixão e Morte; mas a humilhação da morte que sofreu
mereceu-lhe a exaltação gloriosa da sua SS. Humanidade (cf. Lc 24, 26; Filp 2,
6-11). Por outro lado, essa humilhação não foi sem um nobilíssimo motivo, pois
foi «em proveito de todos», isto é, em ordem à salvação de todas as criaturas,
não apenas de uns tantos privilegiados. Mais ainda, «convinha que (Deus, o
Pai…) levasse à perfeição, pelo sofrimento, o Autor da salvação». Nesta única
vez em que se usa em toda a Escritura o «argumento de conveniência» para o agir
divino, aparece um dos temas fulcrais da epístola, o da «perfeição»: Jesus é o
sacerdote perfeito (5, 9; 7, 11-28; 10, 14), em contraposição com o sacerdócio
levítico com todas as suas exigências de perfeição exterior (cf. Lv 21, 18-23).
Aqui se expõe como atingiu essa perfeição; foi pelo sofrimento, com que,
obedecendo ao Pai, quis levar a cabo a obra da Redenção até ao «consummatum
est» (Jo 19, 30), no supremo exercício do seu sacerdócio.
11 «Procedem todos de um só»: Jesus,
«Aquele que santifica» e os homens, «os que são santificados», têm uma origem
comum (Deus, Adão, Abraão, ou simplesmente a mesma natureza), o que torna
possível que Jesus seja «sacerdote» e «mediador» (cf. 2, 14-18; 5, 1; 8, 6; 9,
15), podendo, apesar da sua suprema dignidade, chamar com toda a verdade os
homens «seus irmãos» (cf. Jo 20, 17).
Aclamação ao Evangelho
1 Jo 4, 12
Monição Jesus deixa as coisas claras
sobre a indissolubilidade do matrimónio. A Sua doutrina continua actual e hoje
de modo particular. Ouçamos com atenção.
ALELUIA
Se nos amamos uns aos outros, Deus
permanece em nós
e o seu amor em nós é perfeito.
Evangelho *
*Forma longa: São Marcos 10, 2-16 Forma breve: São Marcos 10, 2-12
Naquele tempo, 2aproximaram-se de Jesus
uns fariseus para O porem à prova e perguntaram-Lhe: «Pode um homem repudiar a
sua mulher?» 3Jesus disse-lhes: «Que vos ordenou Moisés?» 4Eles responderam:
«Moisés permitiu que se passasse um certificado de divórcio, para se repudiar a
mulher». 5Jesus disse-lhes: «Foi por causa da dureza do vosso coração que ele
vos deixou essa lei. 6Mas, no princípio da criação, ‘Deus fê-los homem e
mulher. 7Por isso, o homem deixará pai e mãe para se unir à sua esposa, 8e os
dois serão uma só carne’. Deste modo, já não são dois, mas uma só carne.
9Portanto, não separe o homem o que Deus uniu». 10Em casa, os discípulos
interrogaram-n’O de novo sobre este assunto. 11Jesus disse-lhes então: «Quem
repudiar a sua mulher e casar com outra, comete adultério contra a primeira.
12E se a mulher repudiar o seu marido e casar com outro, comete adultério».
[13Apresentaram a Jesus umas crianças
para que Ele lhes tocasse, mas os discípulos afastavam-nas. 14Jesus, ao ver
isto, indignou-Se e disse-lhes: «Deixai vir a Mim as criancinhas, não as
estorveis: dos que são como elas é o reino de Deus. 15Em verdade vos digo: Quem
não acolher o reino de Deus como uma criança, não entrará nele». 16E,
abraçando-as, começou a abençoá-las, impondo as mãos sobre elas.]
Jesus é posto à prova num tema hoje bem
actual e que já na sua época era debatido entre os rabinos de então: a escola
rigorista de Xamai só permitia o divórcio em casos extremos, como por
adultério, ao passo que para a escola liberal de Hillel bastava qualquer razão
banal, como uma forte atracção por outra mulher, ou simplesmente o servir uma
comida com esturro. Na sua resposta, Jesus não pergunta pelas posições dos
rabinos, mas pela Lei de Moisés na sua forma escrita. No entanto, também não
estão no horizonte de Jesus as modernas questões histórico-literárias, pois
neste caso poderia dizer que Moisés nunca autorizou o divórcio, apenas o
considera como um facto real, a exigir regulamentação para minorar os males que
acarreta. De facto, o célebre texto do Deuteronómio, o único na Thoráh a falar
do certificado de divórcio (Dt 24, 1-4), quando bem lido no original hebraico,
de modo nenhum quer dizer que Moisés «permitiu que se passasse um certificado
de divórcio», como responderam os fariseus (v. 4). Como explica Díez Macho, a
autorização do divórcio de Dt 24, 1 não passa de uma simples inclusão na
legislação do Pentateuco de um costume do meio ambiente, mas nem para o
canonizar, nem para o autorizar, mas sim para lhe pôr obstáculo (Sto. Agostinho
diz que é mais uma desaprovação do que uma aprovação). Dt 24 1 é uma tolerância
do divórcio reinante, pela dureza do coração, como justamente Jesus
interpretou». O judaísmo posterior é que interpretou o texto como uma
autorização do divórcio, um privilégio divino para os maridos israelitas,
considerando o final do v. 1 de Dt 24 como um preceito («escreva-lhe uma carta
de repúdio»), quando a verdade é que se tratava da consideração de mais uma
condição («e se lhe escreve uma carta de repúdio»); os 3 primeiros vv. devem
ser lidos como prótase («se…, se…, se…»), aparecendo a apódose só no v. 4, com
o preceito: «(então), o primeiro marido que a despediu não a poderá tomar de
novo por sua mulher» (isso seria indecoroso).
6-9 «Mas no princípio da criação…».
Jesus apela para as palavras do Génesis lidas na 1.ª leitura e dá-lhes o seu
profundo sentido: «passarão a ser uma só carne» significa a unidade e
indissolubilidade do Matrimónio. Por isso a legítima tradição da Igreja nunca
admitiu a mínima excepção à indissolubilidade dum matrimónio validamente
realizado e consumado. A sentença de Jesus é absoluta e irrevogável: «O que
Deus uniu que não o separe o homem» (v. 9); com efeito, não se trata de uma
simples imposição duma lei externa, mas de algo que pertence à própria natureza
das cosias.
11-12 «Quem repudiar… e, se a mulher
repudiar o seu marido e casar com outro, comete adultério». Jesus apresenta as
normas morais tão exigentes para o homem como para a mulher, reforçando o
ensino anterior (vv. 5-9), quando para o judaísmo só o marido é que podia
repudiar a mulher e não o contrário. Jesus não só restituiu o Matrimónio à sua
dignidade original, segundo o projecto de Deus para a felicidade do ser humano,
mas também confere a graça do Sacramento do Matrimónio, que possibilita superar
as situações mais difíceis, com que nos deparamos cada vez mais, e remediar a
dureza do coração, uma coisa impossível para a Lei de Moisés.
13-16 Esta perícope, que fala das
crianças, nada tem a ver com a anterior, embora estas sejam as grandes vítimas
inocentes dos divórcios; a ligação é artificial, e nada se diz das
circunstâncias do momento e do lugar do facto relatado nos três Sinópticos.
Então havia o costume de aos sábados os pais abençoarem as suas crianças (com
menos de 12 anos), mas só na festa do Yom Kipur é que elas recebiam a bênção
dos rabis; que o acontecimento relatado tivesse sido por esta ocasião não passa
de mera possibilidade. É apenas S. Marcos – que gosta de registar as emoções de
Jesus (cf. 1, 43; 3, 5; 8, 12; 14, 33-34) – quem refere aindignação de Jesus
perante a oposição dos discípulos (v. 14), que partilhavam da mentalidade
corrente de desprezo pelas crianças; então não se considerava a sua inocência,
mas a sua imaturidade. O tema central do relato é o do Reino de Deus, concretamente,
que pessoas poderão fazer parte dele: «Só aqueles que o reconhecem e o aceitam
como um dom – como uma criança que recebe presentes – é que podem esperar vir a
fazer parte dele; o reino é para aqueles que não fazem reivindicações de poder
ou de posição social» (The new Jerome B. Commentary). E, sem humildade, como a
da criança que se sente débil e insignificante, não é possível entrar no Reino
de Deus (cf. Mt 18, 3-4; Mc 9, 35-36), o que está no pólo oposto da atitude dos
fariseus, que pensavam poder comprar o Reino de Deus com os seus próprios
méritos. Por outro lado, o relato deixa ver como as crianças são tomadas a
sério, como pessoas, por Jesus – só Marcos refere que Eleas abraçou – e como
elas gostam de se relacionar com Jesus e com o Reino.
Sugestões para a homilia
Não separe o homem o que Deus uniu
Quem repudiar a sua mulher e casar com
outra comete adultério
Deixai vir a Mim as criancinhas
Não separe o homem o que Deus uniu
O casamento não é uma instituição dos
homens. É de instituição divina e não pode ficar ao critério das opiniões
humanas por mais democracia que lhe ponham em cima. «A íntima comunidade da
vida e do amor conjugal – diz o Concílio – fundada pelo Criador e dotada de
leis próprias, é instituída por meio da aliança matrimonial, eu seja pelo
irrevogável consentimento pessoal. Deste modo, por meio do acto humano com o
qual os cônjuges mutuamente se dão e recebem um ao outro, nasce uma instituição
também à face da sociedade, confirmada pela lei divina. Em vista do bem tanto
dos esposos e da prole como da sociedade, este sagrado vínculo não está ao
arbítrio da vontade humana» (GS 48).
No evangelho Jesus deixa as coisas bem
claras e a Sua doutrina continua sempre actual. Temos de a ter presente em
nossa cabeça e saber transmiti-la aos outros.
Alguns armam-se em profetas da
modernidade, defendendo as piores aberrações: o divórcio, o aborto, as uniões
homossexuais. Outros vão atrás porque têm medo de não ser modernos.
Muitas dessas ideias são vícios antigos
na história da humanidade e quem tiver um pouco de conhecimento da História
pode confirmá-lo. Essa pretensa modernidade revela a cultura postiça de muitos
«sábios» do nosso tempo e manifestam a sua ignorância ou cegueira. Na antiga
Roma do tempo de Jesus encontramos essas desordens muito espalhadas. S. Paulo
refere-se a algumas no começo da sua Carta aos Romanos.
Elas são características das
civilizações em decadência. Podíamos lembrar o velho Egipto, a Grécia antiga,
Roma e muitas outras. Com a abundância de riqueza entraram os vícios e
apareceram pretensos sábios a quererem justificá-las.
Hoje encontramo-nos em situação
semelhante. A Europa com as suas riquezas deixou entrar todos os vícios. Muitos
esqueceram-se de Deus e não só cometem essas desordens como querem
legitimá-las. Querem chamar bem ao mal e mal ao bem e impor aos outros as suas
perversões.
Temos de estar atentos e reagir, guiados
pela fé, fiando-nos de Jesus, que é caminho verdade e vida (Jo 14, 6). Só Ele
tem palavras de vida eterna (Jo 6, 69).
Havemos de ter compreensão e pena dos
que fazem o mal, mas também proclamar sem medo a verdade que Jesus nos ensinou.
E não se trata apenas duma questão
religiosa. São verdades ao alcance de todos os homens. Fazem parte da lei
natural, inscrita por Deus no coração de todos os homens e que todos podem
conhecer, se não se deixarem cegar pelas suas paixões desordenadas.
O casamento é união de um com uma e para
sempre. Aparece-nos nas primeiras páginas da Bíblia como escutávamos na
primeira leitura. Deus criou o homem e a mulher da mesma carne, iguais em
dignidade. Formou com eles uma família para ficarem indissoluvelmente unidos,
para serem uma só carne.
E confiou-lhes a transmissão da vida
humana. É essa a missão primeira do casamento.
Quem repudiar a sua mulher e casar com
outra comete adultério
O divórcio vai contra a natureza do
matrimónio. O amor verdadeiro, sobre que deve assentar o casamento, exige essa
indissolubilidade. A mãe ama o filho sem condições, mesmo que seja mau e
ingrato.
Assim hão-de fazer os esposos. E devem
amadurecer o amor para que seja alicerce firme do seu matrimónio. Falsos
namoros, hoje em voga, são caminho directo para a separação a curto prazo.
A geração e educação dos filhos exigem
também a estabilidade da união familiar. Não são frangos de aviário. Não basta
dar-lhes comida e conforto. Precisam do amor e da complementaridade do pai e da
mãe para se desenvolverem como verdadeiros homens e mulheres, preparados para
enfrentar a vida e saber gastá-la ao serviço dos outros.
No evangelho Jesus deixa as coisas muito
claras. Divorciar-se é sempre um mal. Casar com um divorciado é ficar numa
situação de pecado, é cometer adultério.
A Igreja é muito compreensiva com
aqueles que se encontrem nesta situação mas não pode deixar de lhes lembrar que
estão numa posição errada e que não podem ser admitidos aos sacramentos, sem
antes mudarem de vida.
Anima-os a rezar, a ir à missa, a ouvir
a Palavra de Deus. Se algum cristão nessa situação, pensando que o sacerdote o
não conhece, fosse a receber a Eucaristia cometia um sacrilégio. A Deus não O
pode enganar. É isso que lembram os documentos do Magistério da Igreja.
Se algum sacerdote ou bispo tomar outra
posição estaria a ensinar e a proceder contra os ensinamentos de Jesus.
A Igreja não pode permitir a anulação do
casamento. Há casos em que os tribunais eclesiásticos verificam que
determinados casamentos eram nulos, sobretudo por falta do devido consentimento
dalgum dos esposos. Nessas situações é declarada a nulidade, que existia desde
o princípio e não anulado o casamento.
Devemos procurar ajudar os casais em
crise. Os pais de um e outro têm de saber aconselhar, pondo-se do lado do genro
ou da nora. Normalmente é a maneira de acertar. Muitos divórcios devem-se a
maus conselhos dos pais.
Deixai vir a Mim as criancinhas
A família é a base da sociedade e a
célula fundamental da Igreja. Nela nascem os novos filhos de Deus. Nela se
educam e crescem, nela são levados às fontes da graça e educados na fé. Se as
famílias funcionam bem toda a sociedade funciona bem. Provam-nos os problemas com
tantos marginais em Portugal e outros países.
O Estado tem obrigação de proteger a
família, facilitando o desempenho da sua função. Apoiando com eficiência a
natalidade. Promovendo a estabilidade do matrimónio e não ao contrário, como
infelizmente acontece. Promovendo o acompanhamento dos filhos pequenos,
sobretudo a presença da mãe no lar.
Começa um novo ano da catequese. Vale a
pena lembrar o papel fundamental da família. As mães são as primeiras
catequistas. Se falta a catequese familiar a formação religiosa das crianças e
jovens fica sem alicerces. Os pais ensinam com palavras e sobretudo com o
exemplo da sua vida cristã. É uma responsabilidade de que Deus lhes pedirá
sérias contas um dia.
S.Pio X depois de ter sido sagrado bispo
de Mântua foi visitar sua mãe velhinha. Disse-lhe brincando: – Olha que lindo
anel me deu o Senhor!
A mãe mostrando a sua humilde aliança de
casamento respondeu-lhe: – filho, tu não levarias esse anel de bispo se eu não
tivesse recebido antes esta simples aliança de casamento!
«Famílias que viveram de Cristo e que
deram a conhecer Cristo. Pequenas comunidades cristãs, que actuaram como
centros de irradiação da mensagem evangélica. Lares iguais aos outros lares
daqueles tempos, mas animados de um espírito novo, que contagiava os que os
conheciam e que com eles se relacionavam.
Assim foram os primeiros cristãos e
assim havemos de ser nós, os cristãos de hoje: semeadores de paz e de alegria,
da paz e da alegria que Jesus nos trouxe.» (JOSEMARIA ESCRIVÁ, Cristo que
passa, 30)
Deixai vir a Mim as criancinhas – dizia
Jesus no Evangelho. E di-lo para os pais e para todos nós. Temos de ajudar de
modo especial as crianças e levá-las a Jesus. Ele é o seu grande amigo. Temos
de animar as crianças a ir à catequese, a não faltar à missa durante as férias.
Temos de rezar por elas e pelos pais, para que sigam o caminho de Jesus.
Todos ficamos a ganhar com isso. Se
todos viverem à maneira de Jesus o mundo é bem diferente. Não viveremos no
medo, não será preciso gastar tanto dinheiro com polícias e tribunais.
É muito importante o trabalho de
catequista, preparando-se bem e gastando generosamente o seu tempo. É muito
importante também o trabalho com crianças e jovens, no escutismo e outros
grupos de jovens. Assim estaremos a amar verdadeiramente a Jesus e a servir a
sociedade.
Que a Senhora do Rosário nos ajude a
viver bem tudo isto. Meditando os mistérios do rosário aprendemos a viver à
maneira de Jesus e a servir generosamente a Deus e os outros.
Fala o Santo Padre
Queridos irmãos e irmãs!
Neste domingo, o Evangelho apresenta-nos
as palavras de Jesus sobre o matrimónio. A quem lhe perguntava se era lícito ao
marido repudiar a própria esposa, como previa um preceito da lei moisaica (cf.
Dt 24, 1), Ele respondeu que se tratava de uma concessão feita por Moisés
devido à «dureza do coração», enquanto a verdade sobre o matrimónio remontava
«ao início da criação», quando «Deus como está escrito no Livro do Génesis os
criou homem e mulher. Por isso, o homem deixará seu pai e sua mãe para se unir
à sua mulher, e serão os dois uma só carne (Mc 10, 6-7; cf. Gn 1, 27; 2, 24). E
Jesus acrescentou: «Portanto, já não são dois, mas uma só carne. Pois bem, o
que Deus uniu não o separe o homem» (Mc 10, 8-9). É este o projecto originário
de Deus, como recordou também o Concílio Vaticano II na Constituição Gaudium et
spes: «A íntima comunidade conjugal de vida e amor foi fundada e dotada de leis
próprias pelo Criador; baseia-se na aliança dos cônjuges… o próprio Deus é o
autor do matrimónio» (n. 48).
O meu pensamento dirige-se a todos os
casais cristãos: agradeço com eles ao Senhor pelo dom do Sacramento do
Matrimónio, e exorto-os a manter-se fiéis à sua vocação em cada época da vida,
«na alegria e no sofrimento, na saúde e na doença», como prometeram no rito
sacramental. Conscientes da graça recebida, possam os cônjuges cristãos construir
uma família aberta à vida e capaz de enfrentar unida os numerosos e complexos
desafios deste nosso tempo. Hoje, há particularmente necessidade do seu
testemunho. Há necessidade de famílias que não se deixem arrastar pelas
modernas correntes culturais inspiradas no hedonismo e no relativismo, e
estejam prontas a realizar com generosa dedicação a sua missão na Igreja e na
sociedade.
Na Exortação apostólica Familiaris
consortio, o servo de Deus João Paulo II escreveu que «o Sacramento do
Matrimónio constitui os cônjuges e os pais cristãos testemunhas de Cristo «até
aos confins do mundo», verdadeiros e próprios «missionários» do amor e da vida»
(cf. n. 54). Esta missão é directa quer no interior da família especialmente no
serviço recíproco e na educação dos filhos quer no exterior: de facto, a
comunidade doméstica está chamada a ser sinal do amor de Deus para com todos.
Trata-se de uma missão que a família cristã só pode realizar se estiver
amparada pela graça divina. Por isto é necessário rezar incessantemente e
perseverar no esforço quotidiano para manter os compromissos assumidos no dia
do Matrimónio. Sobre todas as famílias, especialmente sobre as que estão em
dificuldade, invoco a protecção materna de Nossa Senhora e do seu esposo José.
Maria, Rainha da família, rogai por nós!
Bento XVI, Angelus, 8 de Outubro de 2006
Roteiro
Homilético 10 - Liturgia: comentário exegético presbíteros.org
EPÍSTOLA AOS HEBREUS 2, 9-11
(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO: O autor de Hebreus tem
demonstrado em versículos anteriores a superioridade de Cristo sobre os anjos.
Aqui nos diz que, se bem que durante sua vida terrena, foi inferior aos anjos,
Ele, e não os anjos, se tornou o único mediador e pontífice, já que o sacerdote
deve ser da mesma natureza que o povo; logo os anjos não podiam mediar entre Deus e os homens em ordem à
salvação. O homem e o mundo estavam submetidos às leis dominadas pelos anjos,
segundo o sentir da época (Cl 2, 13; Rm 3, 38 e Gl 4, 3-9). Porém, Cristo,
vencedor do pecado e da morte, não está sujeito a essas leis e cedo o homem,
igual que o Cristo, estará totalmente livre delas.
DIMINUÍDO E EXALTADO: Ao que, pois, um
pouco [brachy<1024>=modico| em comparação dos anjos vemos diminuído
[ëlattömenon<1632>=minoratus], Jesus, por causa da paixão [pathëma
<3804> = passionem] da morte, em glória e honra coroado [estefanömenon<4737>=coronatum],
de modo que, pela graça de Deus, no lugar de todos, gostasse a morte (9). Eum
autem qui modico quam angeli minoratus est videmus Iesum propter passionem
mortis gloria et honore coronatum ut gratia Dei pro omnibus gustaret mortem.
DIMINUÍDO: Elattömenon <1632>particípio de Ellattoö: diminuir, tornar-se
menor, minguar, decair, como vemos em Jo 3, 30: Ele deve aumentar e eu minguar.
UM POUCO: é o advérbio Brachy <1024> que sai em Lc 22, 58 quando no pátio
de Caifás, alguém viu (Pedro) um pouco mais tarde. O sentido do meio versículo
é de que Jesus se tornou um pouco inferior aos anjos, por causa de sua
humanidade, bem no sentido espacial (a terra inferior aos céus) ou no sentido
temporal (durante um pouco de tempo) na sua vida temporal, como homem. Mas
teve, não obstante um poder que superava o poder dos anjos, especialmente por
ressuscitar mortos. PAIXÃO: A palavra Pathema<3804> significa sofrimento,
padecimentos, aflições Um exemplo: Convinha que Aquele (Deus)… aperfeiçoasse
por meio de sofrimentos o Autor da salvação (Hb 2, 10). E estimo que
ossofrimentos do tempo presente não podem ser comparados com a glória…(Rm 8,
18). Em 1 Pd 4, 13 este fala aos fiéis que devem se alegrar na medida em que
são participantes dos sofrimentos de Cristo. [as palavras sublinhadas são da
mesma raiz que pathema]. Aqui Tiago envolve a morte de cruz como culminação de
uma série de sofrimentos aos quais juntamente chama de Pathema. Por isso,
precisamente, o Cristo foi coroado , ESTEFANÖMENON<4737>. O adjetivo sai
3 vezes no NT (2 Tm 2, 5 e Hb 2, 7 e 9). O atleta em Pedro só é corado com o
louro da vitória se competir conforme às regras, e Jesus é coroado de glória
(doxe a mesma de Deus) e honra (a que os homens apetecem). A glória talvez
relembra o resplendor que se manifestava em Moisés quando saia da fala com Deus
(Êx 34, 24). PELA GRAÇA DE DEUS: Tiago usa Charis<5485> com tradução da
Vulgata por gratia. Das 130 vezes que aparece esta palavra no NT, podemos
afirmar que a maioria delas pode ser traduzida por a bondosa benignidade divina
para com os homens, especialmente para com os pecadores. Poderíamos, pois,
traduzir esta frase pela bondade ou benevolência de Deus. Graça, em singular,
refere-se sobretudo a Deus como dom que se comunica de forma múltipla ao homem:
Umas vezes, é o próprio Deus, como fonte desse dom e então, é sinônimo de amor,
benevolência, fidelidade (Rm 11, 6). Nesse sentido Cristo é a graça de Deus por
excelência (Jo 1, 14-18). Outras, designa o dom de Deus enquanto recebido no
homem e equivale a favor, bênção, vida, salvação… (Lc 1, 30). Aqui, ambos os
sentidos estão unidos de modo que a benevolência divina se transforma em
salvação para os homens. Como? Tiago o
explica na continuação. GOSTASSE A MORTE: É a causa de sua promoção como
coroado. Pela morte de cruz, Cristo foi exaltado como chefe e salvador (At 5,
31) e em Fp 2, 8: Tornou-se obediente
até a morte e morte de cruz.
ATRAVÉS DOS SOFRIMENTOS: Já que convinha
[eprepen<4241>=decebat] a quem pelo qual todas (as coisas) e do qual
todas (as coisas) [existem], o condutor[agagonta<71>=adduxerat] de muitos filhos para a glória, aperfeiçoar
[teleiösai<5048>=consumare] o autor [archëgon <747> =auctorem] da
salvação deles, através de sofrimentos (10). Decebat enim eum propter quem
omnia et per quem omnia qui multos filios in gloriam adduxerat auctorem salutis
eorum per passiones consummare. Esta é a
tradução literal, bastante confusa que para melhor entender, temos que usar
parênteses e colchetes. Vamos explicar as palavras e o sentido da frase. O
verbo PREPÖ <4241> significa distinguir-se, sobressair; mas, como
impessoal, tem o significado de convém, é justo. AGAGONTA<71> é o
particípio aoristo do verbo Agö de significado conduzir, levar, liderar,
chefiar. Temos optado por um nome que substitui o verbo original: condutor, no
lugar daquele que levou. TELEIOÖ<5048> É um verbo que tem vários
significados: realizar, cumprir; também chegar à perfeição, tornar-se adulto.
ARCHËGOS <747> que significa causa, princípio, autor. O significado da
frase é: Deus é Criador de tudo e também o modelo de tudo que existe. É por
isso, que Ele rematará o seu trabalho, sendo quem conduziria a muitos, como
filhos, ao triunfo da glória definitiva. Por essa razão, através dos
sofrimentos de Jesus, aperfeiçoou o chefe deles (Jesus) por meio desses
mesmos sofrimentos. Dessa chefia de
Jesus está a palavra do Salmo 8, 6 que diz: Deste-lhe domínio sobre as obras de
tua mão e sob seus pés tudo lhe puseste. Assim, esse Jesus pode ser chamado autor da salvação deles. A
tradução livre mais correta é: era conveniente, com efeito, que aquele por quem
e para quem tudo foi feito, querendo levar à glória um grande número de filhos,
fizesse perfeito, mediante os sofrimentos, o chefe que devia guiá-los.
Consequentemente, se Deus é o autor e modelo da criação, Jesus, não pela
palavra, mas pelo sofrimento é o autor e modelo dos redimidos ou salvos.
TODOS IRMÃOS: Pois tanto o santificador
[agiazön<37>=sanctificat] como os santificados, de um só todos (provêm):
por causa disso não se envergonha[epaischynetai<1870>=confunditur] de
chamar irmãos a eles (11). Qui enim sanctificat et qui sanctificantur ex uno
omnes propter quam causam non confunditur fratres eos vocare dicens.
SANTIFICADOR: Propriamente o que santifica, embora o verbo Agiazö<37> tenha
o significado de consagrar, sagrar ou purificar. A ideia é de separar uma coisa
ou pessoa para a divindade, pelo qual ela é considerada pura ou santa como
pertencente unicamente a Deus. Um exemplo: Mt 23, 17: Qual é maior, o ouro ou o
templo que santifica o ouro? Em Jo 17, 17 lemos: Consagra-os na verdade. Em Ef
5, 26 temos uma diferença entre a purificação e a consagração. Aquela precede
como purificação, à consagração. Para que uma coisa ou pessoa entre a formar
parte do círculo divino, deve primeiro ser purificada e então pode ser
consagrada ou dedicada ao culto. Todo cristão, como em Efésios diz Paulo da
Igreja a qual é seu modelo, é purificado
por meio da lavagem de água e pela palavra e assim será dedicado ao culto
divino. A palavra é a evangelização que é necessária para que uma criatura
racional aceite a fé que precede o batismo. DE UM SÓ TODOS PROVÊM:
Evidentemente, o santificador é Cristo e os santificados são os membros de sua
Igreja e diz o autor que todos provêm como de um mesmo Pai. O resultado é que
esse santificador, nosso Senhor Jesus, não tem inconveniente em chamar os
santificados de irmãos. Assim os chamou Jesus em Mt 12, 49-50: Estendendo a mão
para os discípulos, disse: eis minha mãe e meus irmãos! Porque qualquer um que
fizer a vontade de meu Pai celeste, esse é meu irmão, irmã e mãe.
CONCLUSÃO: A humilhação temporal de
Cristo não afeta sua grandeza universal sobre toda criatura, de modo especial
sobre os anjos. Sua autêntica grandeza está em seu rebaixamento, para poder ser
sacerdote, e assim cumprir como vítima a vontade do Pai, por gostar da morte em
benefício de todos (9). Porque Cristo é o primogênito, como diz Paulo, de uma
nova geração que conduz, mediante o misthós [salário] de seus sofrimentos toda
uma plêiade de irmãos para a glória por meio de
seu triunfo na cruz. Filhos de Deus, somos verdadeiramente irmãos de
Cristo, de cuja irmandade não só nós nos gloriamos, mas também constituímos a
glória de Cristo.
EVANGELHO (Mc 10, 2-16)
O REPÚDIO DA MULHER
(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)
A PERGUNTA: E tendo se aproximado
[proselthontes <4334>=accedentes] os fariseus [farisaioi <5339>
Pharisaei] lhe perguntaram se é lícito [exestin<1832>=licet] a um esposo
repudiar [apolusai<630>=dimittere] a mulher, tentando-o
[peirazontes<3985>=temptantes] (2). Et accedentes Pharisaei interrogabant
eum si licet viro uxorem dimittere temptantes eum. APROXIMADO: O
Proselthontes<4334> é próprio de Marcos e constitui uma maneira de
iniciar um novo episódio. FARISEUS<5339> pertenciam a uma seita religiosa
judaica que tinham como objetivo a perfeição no cumprimento escrupuloso da Lei
e das Tradições. Junto com os Grammateis [escribas] eram os mestres da Lei
(Mt23,2): Os escribas e os fariseus estão sentados na cátedra de Moisés. Eram
escrupulosos ao interpretar a Lei, tanto escrita como falada. Em Lc 11,38: O
fariseu se admirou ao ver que não tinha lavado as mãos. É LÍCITO:
Exestin<1832> cujo significado é: É lícito, ou moralmente válido, um
marido repudiar sua esposa? REPUDIAR em gregoApolusai <630> palavra
própria para repudiar ou se divorciar de uma esposa. Mateus acrescenta um
inciso a esta pergunta, de suma
importância: por qualquer motivo, causa ou acusação, que são as acepções da
palavra Aitia. Era uma armadilha, mais do que uma pergunta sincera na boca de
um discípulo, que carece de critérios para julgar uma situação, ou não entendeu
a exposição do mestre. Era um problema discutido: Os três grandes mestres ou
rabis, não discutiam a licitude do divórcio, mas a razão ou motivo do
mesmo. Desde o mais restrito, Shammai,
que só admitia o divórcio em caso de adultério, Hillel que admitia o repúdio
por falhas no cozimento dos alimentos, queimados ou salgados demais, até Akiba
que permitia a separação por ser a mulher velha e encontrar outra mais formosa.
É lógico que o adultério não podia ser provado, pois do contrário a mulher
seria lapidada. No caso de suspeita, segundo Nm 5, 12-24 a mulher era submetida
ao rito de beber as águas amargas. Era neste caso que o marido podia dar o
libelo de divórcio, em público, ou como no caso de José com Maria, em
particular, que Shammai chama de libelo de divórcio antigo (Mishna, Git 8,4).
No libelo público a parte essencial era: “ficas livre para te casar com
qualquer homem”. O libelo público devia ser firmado por duas testemunhas e
entregue nas mãos da divorciada, tendo testemunhas. Nodivórcio antigo, o libelo
era entregue quando o marido ficasse a sós com ela após ter escrito o mesmo e
sem testemunhas. A principal razão contra o divórcio era o pagamento da Ketubá,
ou dote, por ter rejeitado a mulher, correspondente em geral a duzentos
denários ou dias de trabalho, suficientes para um ano de vida independente.
A RESPOSTA: Ele, porém, tendo
respondido, disse-lhes: que vos ordenou Moisés? (3). At ille respondens dixit
eis quid vobis praecepit Moses. MOISÉS: Que vos ordenou Moisés? Jesus não
responde diretamente, mas leva os interrogadores a dar uma resposta segundo a
sua própria interpretação dos fatos. Daí o apelativo VÓS. Eles devem ser os que
respondam, uma vez discernidas as palavras e interpretadas as circunstâncias.
A LICENÇA: Eles, pois, disseram: Moisés
permitiu [epetrepsen<2010>=permisit] escrever um libelo
[biblion<975>=libellum] de divórcio [apostasiou<64>=repudii] e
repudiar [apolusai<630>=dimittere] (4). Qui dixerunt Moses permisit
libellum repudii scribere et dimittere. PERMITIU: E os fariseus respondem,
dizendo que Moisés permitiu, deu licença, para escrever um libelo de divórcio
[Sefer <05612> kerituth <03748>] que é chamado de guet e então
repudiar a mulher (Dt 24 ,1). LIBELO DE DIVÓRCIO: Não é uma ordem, mas uma
licença; e Moisés exige um mandato: sem libelo não há divórcio. Existem, pois,
limites e a lei não é totalmente permissiva. Na vida matrimonial a mulher tinha
o direito de ser mantida pelo marido, podendo exigir sua aplicação pelos
tribunais. O marido tinha que oferecer alimentação, vestido e casa e o dever
conjugal. Devia cuidar dos remédios em caso de doença e do enterro, com pelo
menos dois tocadores de flauta e uma carpideira. A mulher estava obrigada a
obedecer ao marido como o seu dono, e o chamava de RAB: grande, mestre ou
senhor. O direito ao divórcio era exclusivo da parte do varão, com raríssimas
exceções. O libelo [guet] era um documento que segundo a Halaká [lei judaica]
descrevia com todos os nomes conhecidos tanto os esposos como os seus parentes;
e assim não existia motivo de adulteração na separação de ambos e dos deveres
dos familiares. Atualmente o rabino [se considera como um ato religioso]
escreve o Guet manualmente e o apresenta ao esposo. Caso coincida este nos
pontos especificados, ele o entrega a
sua mulher na presença do tribunal e quando o documento chega às mãos da
mulher, estão considerados divorciados.
UM MAIOR APROFUNDAMENTO: E tendo respondido
Jesus lhes disse: Por causa da dureza de vosso coração
[sklerokardian<4641>=duritiam cordis] vos escreveu este mandato
[entolën<1785>=praeceptum] (5). Quibus respondens Iesus ait ad duritiam
cordis vestri scripsit vobis praeceptum istud. Jesus explica então as causas
que motivaram Moisés a permitir semelhante licença e encontra unicamente uma: a
visão estreita da mente dos judeus na época do legislador, a
ESKLEROCARDIA<4641>, traduzida geralmente por dureza de coração e
pertinácia. No lugar de coração hoje diríamos mente ou inteligência. Isto
significa que, como os judeus da época não podiam entender o fato de não ser
possível repudiar sua mulher, Moisés permitiu o divórcio; mas com a condição
prévia de encontrar uma conduta indecente ou reprovável na mulher, que o texto
dos setenta traduz por Askhemon Pragma. Esta concessão deu lugar à relaxação na
interpretação nos tempos de Jesus. Em Mateus, no lugar paralelo, parece que
este interpretou a “conduta sexualmente reprovável” com a palavra porneia (ver
Mt 5, 32 e 19, 9), traduzida por fornicação ou relação sexual com uma
prostituta (porné em grego), que, por extensão e figurativamente, se estendia à
idolatria. Assim, Jesus afirma que, segundo Moisés, o libelo de repúdio só
poderia ser dado quando a mulher se prostituísse, caso que as bíblias
evangélicas traduzem por adultério e que poderíamos definir como conduta sexual
imprópria, pois isto acarretaria também uma impureza legal que a tornava
intocável. Pois a fornicação era uma infâmia que profanava a terra de Israel
(Lv 18, 22-28), e a mulher repudiada era considerada contaminada para seu
anterior marido (Dt 24, 4). A lei Julia romana também obriga ao repúdio da
esposa adúltera. S. José (homem justo, cumpridor da Lei) devia repudiar Maria
como esposa, porque o que aparecia no ventre dela não era seu. E a Lei
considerava contaminada, impura, uma mulher adúltera. Como existia um
adultério, Maria era impura. Ele não podia conviver com uma contaminada como
vemos por Dt 24 e como não sabia como tinha acontecido, pensou em dar o libelo
de divórcio, não de uma maneira formal, diante do tribunal, mas do modo antigo,
em particular, entregando o guet em silêncio, sem testemunhas, mas válido como
documento de separação. MANDATO: Entolë: Por ordem de prioridade distingue-seNomos<3551>
[lei], Entolë <1785> [mandato] e Dogma <1378>[decreto]. O nomos
procede de Deus, o entolë do legislador e o dogma do soberano imperante. Nomos
era a Lei ou Torah (Mt 5, 17). Entolë os
mandamentos (Mt 19, 17 e Jo 14, 15). Dogma como em Lc 2, 1 decreto do César, no caso.
NO INÍCIO: Mas desde (o) início
[archës<746>=initio] da criação [ktiseös<2937>=creaturae] varão
[arsen <730>=masculum] e fêmea [thëlu<2338>feminam] os fez o
Deus(6). Por causa disso, abandonará [katalepsei<2641>=relinquet] o homem
o seu pai e a mãe e juntar-se-á [proskollëthëtai<4347>=adherebit] a sua
mulher (7). Portanto o que o Deus ajuntou o homem não separe (9). Ab initio
autem creaturae masculum et feminam fecit eos Deus. Propter hoc relinquet homo
patrem suum et matrem et adherebit ad uxo orem suam. quod ergo Deus iunxit homo
non separet. INÍCIO: Jesus começa dizendo as mesmas palavras gregas do Gn 1, 1:
em archë epoiesen o Theos [no início fez Deus]. Marcos acrescenta da criação
[ktiseos]. Na realidade, ktisis é fundação, criação, criatura. Jesus cita,
pois, o Gênese e o capítulo primeiro, onde encontramos as primeiras normas dos
planos divinos. E, logicamente, contrapõe
a lei de Moisés à lei divina, esta conhecida no Gênese, onde se podia
ler que Deus os criou macho e fêmea (1, 27) para depois acrescentar: por isso
deixará o homem seu pai e sua mãe e serão os dois numa única carne (eis sarka
mian) (2, 24). Esta é a base para Jesus argumentar sobre a vontade de Deus que
quer fazer no matrimônio de dois uma só carne, um único ser de dois, entre um
homem e uma mulher e, portanto, a separação não é possível. Termina, pois,
Jesus, afirmando que o que Deus uniu, o homem não pode separar. O matrimônio
tem uma origem divina e, portanto, no NT é restituído a sua antiga vivência, ele
é sacramento (mistérion) como afirma Paulo em Ef 5, 30-33.
POSTERIOR EXPLICAÇÃO: E em casa, de
novo, os seus discípulos lhe perguntaram sobre o mesmo (10). E lhes diz: quem
quer que repudie a sua mulher e casar[gamësë<1060>=duxerit] com outra,
adultera [moichatai<3429>=moechatur] contra ela (11). E se a mulher
repudiar seu homem e casar com outro, adultera (12). Et dicit illis quicumque dimiserit uxorem suam et aliam duxerit
adulterium committit super eam. Et si uxor dimiserit virum suum et alii
nupserit moechatur.Temos que explicar unicamente dois termos: GAMEÖ<1060>
cujo significado é tomar como esposa, casar. Quando é a mulher, usa-se o verbo
na passiva e a tradução seria ser dar em matrimônio, pois o sujeito ativo
era unicamente o varão. A mulher era praticamente vendida como escrava. De
fato, existe para a mulher o verbo gamizö cujo significado é dar em matrimônio.
A outra palavra é MOICHAÖ <3429> termo técnico, usado para adulterar ou
cometer adultério. Verbo muito diferente de porneuö<4203>com o
significado de fornicar. Propriamente porneö era ter relações com uma
prostituta, cujo nome em grego era pornë e o ato porneia, com porneion como
prostíbulo. Já de moichaö temos moicheiacomo adultério, e moichalis ou
moichetria como adúltera. Uma prostituta, não constituía impureza, caso fosse
mulher israelita. Porém a prostituição estava ligada às prostitutas sagradas
dos templos e, por isso, também porneia tinha o significado de idolatria. Por
isso, em Ap 17, 1 Roma [a idólatra] é chamada de grande meretriz. Paulo em 1
Cor 6, 15 usa Gn 2, 24 para argumentar que o trato com uma prostituta é se unir
a ela como uma só carne e que é usar o corpo, membro de Cristo, como membro de
uma prostituta. Ospublicanos e as prostitutas estavam mais próximos do reino do
que os escrupulosos fariseus observantes da Torah (Mt 21, 31). Nota: Mateus
(19, 9) em passagem paralela tem uma exceção a esta regra que em Marcos e Lucas
(5, 31) não encontramos: a não ser o caso de fornicação [porneia]. Qual o
significado desta frase? A) uma prostituta é comparada com uma esposa (Paulo em
1 Cor 6, 15), portanto este caso não entra dentro da insolubilidade do
matrimônio. B) Era costume entre os orientais o matrimônio entre parentes que
era considerado matrimônio de porneia. Para maior inteligência ver a Nota
final. ENSINO FINAL: Em casa, Jesus explica a seus discípulos a situação. Não é
possível repudiar um esposo a sua mulher ou uma esposa o seu marido, pois do
novo casamento se deduz adultério contra os antigos parceiros. O adúltero não é
só a mulher, mas o marido também, coisa inaudita entre os judeus. Deduz-se
desta lição de Jesus que no matrimônio homem e mulher têm os mesmos deveres, e
que o matrimônio foi planejado por Deus como único e indivisível.
AS CRIANÇAS: E (naquela hora) lhe trouxeram
criancinhas [paidia<3813>=parvulos] para que as tocasse. Mas os
discípulos repreendiam os que as levavam (13). Tendo, pois, visto Jesus, indignou-se e disse-lhes: deixai os infantes
vinde a mim e não os impeçais, pois dos semelhantes é o Reino de(o) Deus (14).
Amém vos digo: se alguém não receber o Reino de(o) Deus como uma criancinha
certamente não entrará nele (15). E tomando-as nos braços impondo-lhes as mãos
as abençoava (16). Et offerebant illi parvulos
ut tangeret illos discipuli autem comminabantur offerentibus. Quos cum videret
Iesus indigne tulit et ait illis sinite parvulos venire ad me et ne
prohibueritis eos talium est enim regnum Dei. Amen dico vobis quisque non
receperit regnum Dei velut parvulus non intrabit in illud. Et conplexans eos
et inponens manus super illos benedicebat eos.PAIDION<3813>: Diminutivo
de Pais, este com o significado de menino ou criança. Segundo Lucas eram
infantes (bréfe). É um contraste interessante ver como os discípulos que
acabavam de receber uma lição de quem era o maior no Reino (Mc 9, 35-37), agora
desprezam as crianças, que eram paradigma de tal ensinamento. A IMPOSIÇÃO DAS
MÃOS era um dever antes do sacrifício de
um animal pelos pecados, transferindo os mesmos a ele (Lv 4, 13-21 e 16,21), um
gesto para curar (Mc 6, 5), ou para transmitir um poder (Nm 8, 10), ou uma
consagração (Nm 8, 12). Como no caso de Mc 9, 35 eram crianças muito pequenas e
devemos acreditar que eram as mães que as levaram a Jesus. Toda a realidade
descrita pelo evangelista relembra a cena de Jacó com os filhos de José (Gn 48,
1-18). Primeiramente Jacó os toma como filhos próprios e logo os abençoa. Jesus
toma as crianças como se fossem seus próprios discípulos [chamados filhos pelos
rabinos] e as abençoa, dizendo que é próprio do Reino ter semelhantes súditos,
e que todo aquele que deseja entrar no Reino terá que se tornar semelhante a
uma dessas crianças que em seu seio Jesus acolheu (ser discípulo de Cristo).
Evidentemente não é a fragilidade física o termo de comparação, mas a fragilidade
espiritual, a sua insignificância e
total dependência, que excitam a misericórdia do Pai porque este é quem
finalmente entrega os discípulos a seu Filho (Lc 10, 21-22 e Jo 6, 37). A este
pequeno rebanho, que se torna discípulo de Jesus, foi dado o Reino, por agrado
do Pai (Lc 12, 12).
PISTAS: 1 Às vezes nos identificamos com
os fariseus: criticamos a Igreja atual, fazendo da crítica uma Teologia
totalizante, para optar por uma Igreja modelada e de acordo com a maioria,
optando por uma verdade consensual, como se estivéssemos num parlamento
escolhido por votos populares. Nos novos fariseus a Torá e a Mishná (tradição)
são substituídas por uma maioria totalmente manipulada pelos sofismas de
liberdade e igualdade, como normas supremas e evangélicas, esquecendo-nos do
que o Papa chamava de estrutura moral da liberdade.
2) Acredito em Jesus, mas não posso
acreditar na Igreja. E até seus santos são vituperados porque não se entende a
cruz nos tempos modernos de hedonismo e prazer sem limites. E assim nos
afastamos da fonte de santidade e da doutrina da cruz, essenciais para seguir o
Cristo (Mt 10, 38). Sem sacrifício não pode existir verdadeiro amor, dizia S.
Genoveva Torres, a santa aleijada desde os quinze anos.
3) No matrimônio atual pretende-se viver
o prazer como fim supremo e último. A procriação está subordinada às
circunstâncias econômicas, sociais e hedonísticas, de tal maneira que
praticamente resulta ser um acidente na união sexual, da maneira como acontece
com uma amante. Por isso se pretende igualar uniões homossexuais às
heterossexuais. Que diria Jesus aos jovens que hoje querem se unir e não casar?
4) Dedicação, entrega, sacrifício,
responsabilidade são palavras tabu. Por
isso, o amor some quando a paixão declina.
5) Os povos envelhecem porque negam o
direito à vida aos novos seres e, em forma de fetos, até os suprimimos já que
um filho é um castigo e não uma benção divina. O reino deve ser aceito e
recebido, como uma criança aceita sua vida: confiamos na bondade do Pai e como
seres indefesos, a ele entregamos nosso presente e dele esperamos nosso futuro.
Como crianças, esperamos ser perdoados porque nossa fragilidade supera nossos
desejos de boa vontade. Como crianças, que nada sabem, aos pés de Jesus
aprendemos o verdadeiro significado de seu Reino.
NOTA: O divórcio é
tratado por Jesus em quatro passagens do evangelho: Mt 5, 31-32; e 19,
3-12. Mc 10, 2-12; Lc 16, 18. De todas as passagens, deduz-se uma ideia comum:
não é licito moralmente, ou seja, é pecado, repudiar a esposa. Esse pecado
existe quando se toma outra mulher pelo repudiante ou outro homem toma a mulher
repudiada. Essa conclusão é tão evidente que os discípulos declaram, e
precisamente em Mateus, que é o único que oferece dúvidas como veremos: “Se tal
é a condição (aitia)do homem com a mulher, não é conveniente se casar” (19,10).
Como é Mateus o único que nas duas passagens oferece dificuldades, vamos tentar
explicá-las. A dificuldade está na palavra porneia, derivada de pórne,
prostituta, ou pórnos, prostituto. O dicionário define porneia como coito com
prostitutas ou prostitutos. Somente tem um significado figurado quando
representa a idolatria. A palavra sai 10 vezes nos evangelhos. A mais clara é
de Jo 8, 41: “Nós não temos nascido da prostituição. Um pai temos, o Deus
(único)”. O sentido de porneia pode resultar um tanto escuro ao afirmar Jesus
que do fundo do coração nascem as prostituições (porneias) que pode ser lido em
Mt 15, 9 e Mc 7, 21. Em ambos os casos porneia é acompanhada pela palavra
moicheiai, que é o termo técnico para adultério. A primeira conclusão é, pois,
que porneia não pode ser confundida com adultério.
A palavra moixeia, a vemos em 5
versículos dos evangelhos e todos eles com um único significado: adultério, ou
seja, como encontramos em Lv 20, 10, dar o coito do esperma à mulher do
vizinho.
O texto base que servia de
referência é o texto Massorético de Dt
24, 1. Ele emprega as palavras “tserwath dabar” que podem ser traduzidas
literalmente por “palavra de nudez”. O texto dos setenta traduz por “áskhemon
pragma” que poderíamos traduzir por conduta indecorosa. As diversas traduções
das bíblias modernas são: Propter aliquam foeditatem da Vulgata, (alguma coisa
torpe), algo indecente (E), qualcose di sconveniente(I), qualche coisa di
vergonhoso (CEI), coisa indecente (RA), algo inconveniente (Jerus), alguma
coisa indecente (Lei, do Rabino Meir) e finalmente some uncleannes in her( J.
K).
Mas vejamos os dois textos de difícil
interpretação. Mt 5, 31 e 19, 9. Ambos respondem aos costumes da época, que
Jesus repudia: No 1o (Mt 5, 31-32) Jesus se põe contrário ao que “foi dito:
Qualquer que repudia sua mulher dê-lhe libelo de repúdio”. Precisamente esse
libelo garantia que a mulher estava disponível e, portanto, não cometia
adultério ao casar de novo; e assim o novo marido não estava sujeito à impureza
(Lv 18, 20). A questão era qual era a causa suficiente para dar o libelo [guet]
de modo que o primeiro marido não fosse causa de fazer com que a mulher
adulterasse. Aqui, como no segundo texto, aparece a palavra porneia, que logo
explicamos. O texto grego diz“parektós lógou porneías”. O logou porneia,
comparado com o hebraico de Dt 24, 1 parece uma tradução literal. Podemos
traduzir o parektós como “exceto no caso de”. Logos é palavra, razão, mandato;
portanto a tradução seria: fora do caso de uma conduta sexualmente perversa.
Nesse caso o esposo poderia dar o libelo de divórcio. Esta é a interpretação
que Jesus dá ao texto de Dt 24, 1. Desse texto se serviam os escribas e
fariseus para conceder o divórcio. O motivo para tal divórcio legal foi, pois,
explicado por Jesus como tendo unicamente uma razão de conduta sexual imprópria
por parte da mulher.
No 2o texto (Mt 19, 3-9) temos no grego
as mesmas razões, sendo que parektós logou porneias, é substituído por “me epi
porneia” (não sobre (a) fornicação). Ambos os textos querem dizer: quando se
despede uma mulher que se comportou ou era na realidade prostituta, não se comete adultério ao dar o
libelo de repúdio.
As traduções modernas de porneia em
ambos os casos (Mt 5 e 19) segundo as diversas bíblias são: concubinato (E),
impudicizia (I), concubinato (CEI), fornicatio (Vul), fornicação (Jerus),
relações sexuais ilícitas (RA), e fornication (J K).
Vejamos as interpretações: O termo
hebraico zenuth é traduzido ao grego por
porneía e por fornicatio ao latim. Existiam os matrimônios chamados de
fornicação(matrimônios zenuth) É o caso dos matrimônios assim chamados porque
eram considerados inválidos segundo a lei e as uniões eram como as que se
mantinham com uma prostituta. Por isso
eram chamados de matrimônios de fornicação. Alguns deles eram nulos pela lei
natural, como o efetuado entre irmãos. Eram, pois, verdadeiros concubinatos, ou
incestos nalguns dos casos. Dos três casos de Zanuth admitidos pelos legistas,
somente o zanuth por erro ou inadvertência é o que admite a anulação. Oshem
zenuth, ou zanuth por malícia, e o derek zenuth ou por via de fornicação, eram
inválidos em raiz. Os rabinos chamavam-nos derek zenuth ou caminho de fornicaçãopelo modo incorreto
de realizar-se. Parece que esta é a solução mais correta. Poderia haver alguns
casos em que o repúdio era lícito segundo a antiga lei?
Que coisa transforma uma mulher casada
em prostituta, e o matrimônio pode ser chamado de Zenuth, para poder assim
repudiá-la? 1o) Não querer ter filhos. É o caso de Onan (Gn 38, 1-11), mas do
ponto de vista feminino. A conduta dessa mulher é como a das prostitutas. De
fato, atualmente na lei canônica essa determinação invalida o matrimônio. 2o)
Vemos um outro caso em que um homem correto e cumpridor da lei (justo) está
resolvido a dar libelo de repúdio a sua esposada: é o caso de José quando
descobre que Maria está grávida. Não pode provar o adultério, mas sabe
perfeitamente que ele não é o pai da criatura e que segundo a lei seria um ato
de impureza contínua seguir com sua prometida esposa (ver Lv 18, 20). 3o) Uma
terceira causa seria ter uma outra mulher como concubina ou amante.
Possivelmente, admitida a poligamia, eles eram legais; mas diante da
restituição à origem, ordenada por Jesus, outras esposas eram simplesmente
prostitutas.