26º Domingo do Tempo Comum, Ano C 5

Roteiro Homilético 5: Dom Total
A RIQUEZA ENDURECE O HOMEM: AVAREZA


1ª leitura: (Am 6,1a.4-7) Ai dos ricos de Sião e Samaria – Mais uma censura de Amós à “sociedade de consumo” de Jerusalém e Samaria (cf. dom. pass.). Aproveitam a vida, sem se importar com a ruína do povo (a “casa de José” = Efraim e Manassés). Por isso, a elite tem que ir ao cativeiro, para aprender o que é a justiça e o direito. * Cf. Lc 6,24; Am 5,7-15; 8,4-8; Tg 5,1-5.


Salmo responsorial: (Sl 146[145],7.8-9a.9bc-10) Deus protege os necessitados e ama os justos.


2ª leitura: (1Tm 6,11-16) As virtudes dos líderes da comunidade – No contexto anterior, 1Tm falou da avareza, que chega a abalar a fé (6,10). Também os ministros da Igreja se devem cuidar dela. Positivamente, devem cultivar as boas virtudes (6,11-12), ser fiéis à profissão da fé (6,12.13), confiada a eles por Cristo, até sua volta (6,14.15-16). A Igreja está no tempo do crescimento; deve conservar o que lhe é confiado. * 6,11-12 cf. Gl 5,22-23; 2Tm 2,22; 2Tm 4,7 * 6,15-16 cf. Dt 10,17; Sl 136[135],3; Dn 2,47; Ap 17,14; Ex 33,20; Jo 1,17-18.


Evangelho: (Lc 16,19-31) O avaro e o pobre Lázaro – Nesta parábola, exclusivamente lucana, Lc acentua o perigo da riqueza. Quem vendeu sua alma pela riqueza (quem é tão pobre que só possui dinheiro), nem Moisés, nem algum profeta, nem mesmo alguém que voltasse dos mortos (Cristo!) conseguiria fazê-lo mudar de rumo. * 16,21 cf. Lc 15,16 * 16,22 cf. Mt 8,11 * 16,25 cf. Lc 6,24-25 * 16,31 cf. Jo 5,46-47; 11,47-48.


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O profeta Amós poderia figurar numa antologia de literatura irônica (p.ex., as “vacas de Basã”, Am 4,1). Na semana passada, encontramo-lo revelando a ambiguidade dos ricos comerciantes da Samaria. Hoje lhes censura a irresponsabilidade (1ª leitura). Denuncia o luxo e a luxúria das classes dominantes, enquanto o povo é ameaçado pela catástrofe da injustiça social e da invasão assíria. Por isso, esses ricaços sairão ao exílio na frente dos deportados... (Amós evoca ironicamente a gloriosa história antiga: os ricos, porque têm uma cítara para tocar, acham que são cantores como Davi... Samaria é a “casa de José”, mas José distribuía alimento aos de sua casa...)


A insensibilidade pelo sofrimento do pobre é também o tema inicial da parábola do rico e Lázaro, Lc 16,19-31 (evangelho). As sobras da mesa do rico não vão para o pobre, mas para o cachorro. Parece atualidade. Porém, vem a morte, igual para os dois. O quadro se inverte. Lázaro vai ao seio de Abraão, o rico para o inferno. Há entre os dois um abismo intransponível, de modo que Lázaro nem poderia dar-lhe um dedinho de água para aliviar o calor infernal. Este abismo já existia, no fundo, antes da morte, mas com a morte se tornou intransponível. Então, o rico pede que seus irmãos sejam avisados por Lázaro. Mas Abraão responde: “Eles têm Moisés e os profetas. Nem mesmo alguém voltando dos mortos não o acreditarão”: alusão a Cristo.


Dureza, isolamento, incredulidade: eis as consequências de viver para o dinheiro. Podemos verificar esse diagnóstico em redor de nós, cada dia, e, provavelmente, também em nós mesmos. Porque a pessoa só tem um coração; se ele se afeiçoa ao dinheiro, fecha-se ao irmão.


Os ricos são infelizes porque se rodeiam de bens como de uma fortaleza (cf. os condomínios fechados). São “incomunicáveis”. Vivem defendendo-se a si e a suas riquezas. Os pobres não têm nada a perder. Por isso, “as mãos mais pobres são que mais se abrem para tudo dar”.


Em nosso mundo de competição, a riqueza transforma as pessoas em concorrentes. A riqueza é vista não como “gerência” daquilo que deve servir para todos, mas como conquista e expressão de status. Tal atitude marca a riqueza financeira (capitalização sem distribuição), a riqueza cultural (saber não para servir, mas para sobrepujar) e riqueza afetiva (possessividade, sem verdadeira comunhão). Considera-se a riqueza recebida como posse em vez de “economia” (palavra grega que significa: gerência da casa). Não se imagina o tamanho deste mal numa sociedade que proclamou o lucro e a competição como seus dinamismos fundamentais. Até a afetividade transforma-se em posse. As pessoas não se sentem satisfeitas enquanto não possuem o objeto de seu desejo, e, quando o possuem, não sabem o que fazer com ele, passando a desejar outro... Pois não sabem entrar em comunhão. Assim, a parábola de hoje é um comentário do “ai de vós, ricos” (Lc 6,24).


Merece atenção a 2ª leitura. Pelo estilo, é o “testamento literário” de Paulo. O testemunho de Cristo neste mundo não é nada pacífico. É uma luta: o bom combate. Devemos travá-lo até o fim, para que vivamos para sempre com aquele que possui o fim da História. Poderíamos acrescentar à leitura os versículos que seguem (1Tm 6,17-19): uma lição do que o cristão deve fazer com seus bens.


A RIQUEZA QUE ENDURECE


Como no domingo anterior, ouvimos as censuras de Amós contra os ricos da Samaria, endurecidos no seu luxo (1ª leitura). Não se preocupam com o estado lamentável em que se encontra o povo. Jesus, no evangelho, descreve esse tipo de comportamento na inesquecível pintura do ricaço e seus irmãos, que vivem banqueteando-se e desprezando o pobre Lázaro, mendigo sentado à porta. Quando morre e vai ao inferno, o rico vê, de longe, Lázaro no céu, com o pai Abraão e todos os justos. Pede para que Lázaro venha com uma gota d’água aliviar sua sede. Mas é impossível. O rico não pode fazer mais nada, nem sequer consegue que Deus mande Lázaro avisar seus irmãos a respeito de seu erro. Pois, diz Deus, nem mandando alguém dentre os mortos eles não acreditam. Imagine, se mesmo a mensagem de Jesus ressuscitado não encontra ouvido!


Mas nós continuamos como o rico e seus irmãos. Os pobres morrem às nossas portas, onde despejamos montes de comida inutilizada... (Alguma prefeitura talvez organize a distribuição das sobras dos restaurantes para os pobres.) Devemos criar uma nova estrutura da sociedade, de modo que não haja mais necessidade de mendigar, nem supérfluos a despejar. Isso aliviará, ao mesmo tempo, o problema social e o problema ecológico, pois o meio ambiente não precisará mais acolher os nossos supérfluos. Mas, ao contrário, cada dia produzimos mais lixo e mais mendigos.


O exemplo do rico confirma a mensagem de domingo passado: não é possível servir a Deus e ao dinheiro. Quem opta pelo dinheiro, afasta-se de Deus, de seu plano e de seus filhos. Talvez decisivamente.


Em teoria, aceitamos esta lição. Mas ficamos por demais no nível pessoal e interior. Procuramos ter a alma limpa do apego ao dinheiro e, se nem sempre o conseguimos, consideramos isso uma fraqueza que Deus há de perdoar. Mas não fazemos a opção por Deus e pelos pobres em nível estrutural, ou seja, na organização de nossa sociedade, de nosso sistema comercial etc. Temos até raiva de quem quer mudar a ordem de nossa sociedade. Prendemo-nos ao sistema que produz os milhões de lázaros às nossas portas. Pior para nós, que não teremos realizado a justiça, enquanto eles estarão na paz de Deus.


A “lição do pobre Lázaro” só produzirá seu efeito em nós, “cristãos de bem”, se metermos a mão na massa para mudar as estruturas econômicas, políticas e sociais de nossa sociedade.


(O Roteiro Homilético é elaborado pelo Pe. Johan Konings SJ – Teólogo, doutor em exegese bíblica, Professor da FAJE. Autor do livro "Liturgia Dominical", Vozes, Petrópolis, 2003. Entre outras obras, coordenou a tradução da "Bíblia Ecumênica" – TEB e a tradução da "Bíblia Sagrada" – CNBB. Konings é Colunista do Dom Total. A produção do Roteiro Homilético é de responsabilidade direta do Pe. Jaldemir Vitório SJ, Reitor e Professor da FAJE.)