Roteiro Homilético 7: Exegese
(http://www.presbiteros.com.br/)
EPÍSTOLA (1 Tm
6, 11-16)
(Padre
Ignácio, dos padres escolápios)
ADVERTÊNCIA:
Tu, porém, ó homem de Deus, estas coisas foge; mas segue a probidade,
religiosidade, fé, amor, constância, mansidão (11). Tu autem o homo Dei haec
fuge sectare vero iustitiam pietatem fidem caritatem patientiam mansuetudinem.
Naquele tempo existiam os falsos doutores cujos frutos eram disputas e
vaidades, de onde nascem invejas, provocações, difamações, suspeitas malignas,
altercações sem fim…dos que supõem que a piedade é fonte de lucro (1Tm 6,3-5).
Parece que temos uma monição do que hoje estamos vivendo em alguns lugares.
Diante, pois, destes parágrafos que precedem nosso texto, Paulo exorta Timóteo
a fugir desses desvios e seguir a norma da verdadeira religiosidade que não
olha o lucro, mas se contenta com o necessário para viver. E esta religiosidade
verdadeira é honesta, pois pretende a PROBIDADE [dikaiosynë <1343>
=iustitia] que é a conduta irrepreensível, embora traduzida geralmente por
justiça, mas sem muita precisão. Uma outra virtude é a PIEDADE,[RELIGIOSIDADE]
eusebeia [<2150>=pietas], que é a reverência devida a Deus e que podemos
traduzir, em termos cristãos, pelo amor a Deus que inspira fundamentalmente os
atos religiosos e impregna a vida inteira dos seus devotos fiéis. FÉ [pistis
<4102>=fides] que aqui pode tomar sua acepção primitiva de fidelidade, como vemos em Mt 23, 23 em que
está unida aos principais preceitos da Lei, como justiça, misericórdia e
fidelidade. Ou em Tito 2, 10: não furtem, mas deem prova de toda fidelidade
(pisteos). O adjetivo pistos [<4153>= fidelis] é traduzido por fiel,
inclusive falando de Deus que é fiel [digno de confiança] de modo que não
permitirá que sejamos tentados além das forças (1 Cor 10, 13), o que é
confirmado em 2 Ts 3,3. AMOR [agapë<26>=caritas] é propriamente o amor,
que traduz o hebraico ahabah [<0158>=caritas] usado como o amor de Deus
com seu povo, que o latim traduz por caritas;
é o amor mais sublime e altruísta. Podemos dizer que é o amor de Deus que no
homem tem um eco responsável de gratidão e afeição. CONSTÂNCIA [ypomonë
<5281> = patientia] constância, firmeza, persistência, paciência,
perseverança, é a virtude pela qual um homem permanece fiel a Deus, apesar das tribulações
e contradições. Jesus disse que o Reino era tomado por esforço e os que se
esforçam se apoderam dele (Mt 11, 12)
MANSIDÃO [praotës <4236>=mansuetudo] o praotës grego significa
bondade, doçura, humildade, mansidão. Sai 9 vezes no NT e todas nas cartas paulinas,
sendo em todas traduzido por mansidão, a condição benigna e suave, apacível,
sossegada e tranquila de uma pessoa. Jesus a si mesmo se tornou modelo desta
virtude quando afirmou: Aprendei de mim porque sou manso
[praos<4235>=mitis] e humilde de coração (Mt 11,29). É, pois, a bondade
unida à humildade que torna um homem bom e benigno para com os outros.
A VOCAÇÃO:
Combate o bom combate da fé. Toma posse da vida eterna para a qual foste
chamado e confessaste a boa confissão diante de muitas testemunhas (12). Certa
bonum certamen fidei adprehende vitam aeternam in qua vocatus es et confessus
bonam confessionem coram multis testibus. COMBATE DA FÉ: em parte, em oposição
ao combate ou guerra da Lei dos judeus. Chama este combate de bom, pois
permanecer na fé encontrava muitos inimigos, tanto fora, como eram os judeus
que diretamente combateram Paulo e seus auxiliares, como os costumes dos
gentios que não favoreciam a fé por serem contrários à crença cristã e que
precisavam de uma verdadeira conversão para aceitar as novas práticas que
constituíam o caminho da salvação. Esse combate é para se obter a vida eterna
que corresponde naturalmente à divindade e da qual somos herdeiros por meio de
Cristo (Gl 4, 7), com Ele feitos filhos mediante a fé em Cristo Jesus (Gl 3,
26). FOSTE CHAMADO [eklëthës<2564>=vocatus es] como vemos por 1 Tm 4, 14
e 2 Tm 1,6, Timóteo foi chamado ao apostolado por meio da profecia e pela
imposição das mãos, de modo a receber o dom de Deus como presbítero (no caso,
como bispo) da igreja de Éfeso. CONFESSASTE [ömologësas <3670> =
confessus] concordar, aceder, aprovar, expressar conformidade, admitir,
confessar. Sem dúvida, Paulo rememora os fatos acontecidos em Listra, onde os
cristãos davam bom testemunho de Timóteo (At 16,2) e por isso, quis Paulo que
ele fosse em sua companhia (At 16, 3), de modo que as igrejas eram fortalecidas na fé (idem 5).
Esta presença foi, sem dúvida, um testemunho que Paulo afirma ser uma boa
confissão diante dos muitos irmãos que foram confirmados na fé.
UMA ORDEM:
Ordeno-te perante Deus que dá a vida a todas as coisas e de Cristo Jesus que
testemunhou diante de Pôncio Pilatos a boa confissão (13), a guardar tu o
mandato imaculado, irrepreensível até a manifestação de nosso Senhor Jesus
Cristo (14). Praecipio tibi coram Deo qui vivificat omnia et Christo Iesu qui
testimonium reddidit sub Pontio Pilato bonam confessionem, ut serves mandatum
sine macula inreprehensibile usque in adventum Domini nostri Iesu Christi.
ORDENO-TE [paraggellö <3853> = praecipio] transmitir uma mensagem,
declarar, anunciar e também comandar, declarar, ordenar. É neste último sentido
que devemos traduzir como em Mt 10, 5 quando o Senhor ordenou a seus discípulos
não entrarem na região dos gentios. DIANTE DE PILATOS Jesus deu seu testemunho
da verdade como diz o evangelho de João: Eu para isso nasci e para isso vim ao
mundo, a fim de dar testemunho da verdade (Jo 18, 37). A fé agora se torna
verdade opondo a mentira do politeísmo à verdade revelada em Jesus como filho
único de Deus por nossa salvação crucificado e morto como vítima pela redenção
dos pecados. Essa foi a confissão de Jesus diante de Pilatos, que este não quis
escutar. Que é a verdade? (Jo 18, 38). O MANDATO [entolë<1785>=mandatum]
o grego indica uma ordem, preceito, mandato, prescrição, mandamento. Em Mt 5,
19 Jesus fala daquele que viola um destes menores mandamentos [entolön] será
chamado mínimo no reino dos céus. Qual é o mandato? Provavelmente o de ser
testemunha da fé em Jesus Cristo, como quem dá testemunho de um Deus cujo poder
estava acima do poder de Roma, pois Jesus afirmou nenhuma autoridade terias
sobre mim se de cima não te fosse dada (Jo 19, 11). Num mundo em que a
autoridade era o supremo valor da vida, conservar uma relação com a mesma,
íntima e confiante, era escolher o caminho certo para a felicidade.
MANIFESTAÇÃO: é a segunda vinda do Senhor, quando sua atuação será de Juiz e
não de Redentor. Diante desta situação, o mandato é a matéria sobre a qual
Timóteo deve ser julgado. Por isso, o mandato deve ser cumprido de forma
irrepreensível e impoluta. Provavelmente Paulo confunde o juízo final com a
destruição do templo e ruína de Jerusalém, preditas por Jesus em Lc cap 21, em
que a perseguição dos discípulos precederá a ruína da cidade. Neste evangelho,
próximo ao anúncio evangélico de Paulo, não vemos o fim do mundo, mas o fim do
templo e de Jerusalém em termos apocalípticos e escatológicos, difíceis de
interpretar, que Paulo traduz como manifestação clara do triunfo de Cristo.
JESUS O
BENDITO: A qual em tempos próprios mostrará o Bendito e único Poderoso, o Rei
dos reis e Senhor dos Senhores (15). Quem suis temporibus ostendet beatus et
solus potens rex regum et Dominus dominantium. Essa manifestação será a
revelação clara e pública daquele que é o BENDITO [makarios <3107>
=beatus] era um título próprio de Deus para não pronunciar o Nome Santo,
[=haShem] como fez Caifás quando interrogou Jesus se ele era o Cristo, o Filho
do Bendito (Mc 14, 61). ÚNICO PODEROSO
[monos<3441>dynastës<1413>=solus potens], nome que é usado por
Jesus no lugar de Jahveh ao responder a Caifás quando responde: Vereis o filho
do Homem assentado à direita do Poder [dynamis]. Tanto num caso [bendito] como
no outro [poder], é Deus o assim nomeado. Logo, Paulo iguala Jesus com o Deus
dos judeus, ou seja, com o Deus único dos cristãos. E também o compara com os
poderosos da terra dando a Ele o título supremo de Rei dos reis e Senhor dos
senhores, título que os judeus davam a Jahveh, igualando assim o Filho com o
Pai. Assim temos o versículo do Apocalipse (19, 16): que tem no seu manto e na sua coxa o título:
Rei dos reis e Senhor dos senhores. Como os judeus tinham dado a Jahveh o mesmo
título, daí a correspondência exata entre a carta paulina e o Apocalipse de
João.
JESUS O ÚNICO:
O único tendo imortalidade, luz habitando inacessível ao qual não viu homem
algum nem pode ver, ao qual honra e poder eterno. Amém (16). Qui solus habet
inmortalitatem lucem habitans inaccessibilem quem vidit nullus hominum sed nec
videre potest cui honor et imperium sempiternum amen. IMORTALIDADE [athanasia
<110> = inmortalitas] Uma vez ressuscitado, a imortalidade era atributo
de Cristo. Em corpo e alma sua eternidade estava segura como era a vida
atribuída a Deus. Além da vida, da qual Jesus tinha dito que ele era dono [sou
o caminho, a verdade e a vida] ele era também LUZ [phos<5457>=lux] oposta
às trevas como afirma João, que também une vida e luz no prólogo: e a vida era
luz dos homens (1, 4). Só que desta vez era luz INACESSÍVEL
[aprositos<676>=inaccessibilis] derivado do verbo prosiemi (ir a) com o a
negativo e contrário de não poder ser alcançado. Deus identificava-se com a luz
como lemos em Is 60, 19: o Senhor será a tua luz perpétua e no Salmo 104, 2,
fala de Deus como coberto de luz como de um manto. Como vemos, Paulo e o
Apocalipse usam termos que, na tradição judaica, eram representativos da
divindade. Precisamente nas revelações místicas essa luz aparece como
manifestação da divindade. Essa luz não foi vista por homem algum e é, sem
dúvida, uma experiência paulina como ele descreve sua incursão no terceiro céu
onde ouviu palavras inefáveis, as quais não é lícito ao homem referir (2 Cor
12, 4) em consonância com o que o mesmo Paulo diz em 1 Cor 2, 9: Nem olhos
viram, nem ouvidos ouviram, nem jamais penetrou em coração humano o que Deus
tem preparado para aqueles que o amam. HONRA e PODER ETERNO, é a doxologia
final que se refere ao Cristo já divinizado
no céu, ou seja, mostrando seu poderio final, em que a majestade corresponde
à honra com que deve ser adorado. AMÉM é o final de toda oração que implicava o
desejo de ser ouvida complacentemente por Deus.
EVANGELHO (Lc
16, 19-31)
O RICO
EPULÁRIO
(Pe. Ignácio,
dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO: A
parábola é própria de Lucas. Junto com a chamada do filho pródigo constitui uma
das bases da teologia de Lucas ou de Paulo como própria da misericórdia divina
com a qual Deus olha o mundo e define sua atitude perante os problemas
definitivos do homem. A quem Deus escolhe definitivamente como membros do novo
Reino e como convivas do banquete eterno? A resposta está nesta parábola porque
a declaração de Abraão é propriamente a moral da história: Recebeste boas (sic)
na vida e Lázaro as más. Agora ele é consolado, e tu atormentado (25). Se a
parábola do filho pródigo era a parábola da misericórdia, esta é a parábola da
justiça, derivada dessa misericórdia. Todos têm sua chance de experimentar os
bens: ou nesta vida ou na outra. A outra conclusão é que a eternidade depende
da conduta presente dos vivos. Como nota importante está a conclusão de que a
fé forma parte de uma tradição e não de uma vivência ou experiência particular.
Quem não está disposto a escutar as palavras proféticas não escutará as que um
ressuscitado possa testemunhar. A primeira parte da parábola -inversão dos bens
devido à morte- tem paralelos na literatura universal. A segunda parte -a
dificuldade de conversão de um rico- é própria de Jesus e narrada especialmente
por Lucas.
O RICO
EPULÁRIO: Havia, pois, certo homem rico, e se vestia de púrpura e de bisso,
banqueteava-se todo dia esplendidamente (19). Homo quidam erat dives et
induebatur purpura et bysso et epulabatur cotidie splendide. RICO
[plousios<4145>=dives]. A tradição o chama de epulário, do latim epulari.
O nome epulário significa conviva ou comensal; provavelmente deduzido do
castelhano que é epulón, homem que come e bebe muito, derivado por sua vez do
latim épulo quem da um convite ou também convidado, comilão. O latim o usa mais
frequentemente no plural e eram assim designados os três varões romanos
[triumviri epulones] que cuidavam dos convites oferecidos aos deuses. Como nota
curiosa vamos aportar alguns dados sobre o sacerdócio romano e seus colégios,
entre os quais podemos incluir o dos epulones. Da história romana sabemos que o
último rei Tarquínio foi deposto para dar passo à república em 509 aC após seu filho violar
Lucrécia, dama romana que para defender sua honra se suicidou. Ao se proclamar
a república, esta teve que dividir o poder entre rex romanorum [rei dos
romanos] cujo papel foi dado aos cônsules e rex sacrorum [rei das coisas
sacras]. Assim o mantenedor deste título recebeu o nome de Pontifex
maximus e era o chefe do Colégio dos
pontífices ou flâmines. Três eram os flâmines maiores: Dialis de Júpiter,
Martialis de Marte e Quirinalis de Quirino [antigo deus da guerra]; e 12
menores, entre eles por exemplo flamen Cerialis de Ceres, deusa da terra e das
colheitas. Existia também o colégio dos augures, que se distinguiam por
predizer o futuro pelo voo dos pássaros ou como nos pullaius pela conduta dos
frangos na comida. Temos os duoviri sacris facundis, que foi aumentado até 15,
encarregados dos livros da Sibila, consultados quando os raios ou outros
portentos aconteciam. Temos o colégio dos Fetiales, de 20 em número, que eram
os que declaravam a guerra que só era justa [bellum pium] se declarada pelos
fetiales. Outro grupo era o dos arúspices em número de 60, mas sem formar
collegium, que adivinhavam através das entranhas dos animais sacrificados.
Temos os triunviri Epulones inicialmente três, mas depois unidos num colégio
cujo número foi incrementado a sete. Sua função era supervisar os ritos sacros
no opulum Jovis, ou festa de Júpiter que era celebrava junto com os Ludi Romani
e os plebeus, onde exerciam funções que anteriormente eram próprias dos
pontífices. Os ediles organizavam os jogos, mas os epulones visavam os ritos
sacros dos mesmos. Todos estes eram os chamados maiores pontífices, pois também
existiam os menores, chamados sodales. Como vemos o nome epulón dado ao rico é
um tanto impróprio e traduzi-lo por epulário [conviva] é ainda mais inadequado.
Qual era o nome do rico já que epulón ou epulário não é correto? Alguns
manuscritos antigos falam de Níneve que lembra a grande cidade que percorreu
Jonas anunciando a destruição. Na realidade as escavações de Nínive deram como
resultado palácios em que Senaquerib e Assurbanipal tinham as maiores riquezas
de todos os seus saques nas guerras, como vemos em Baltazar em que os vasos
sagrados do templo de Jerusalém eram os recipientes do banquete (Dn 5, 2).
Portanto chamar de Nínive ou Níneve o rico é uma conveniência dos leitores que
veem o nome do pobre e não encontram o nome do rico. PÚRPURA E BISSO: A púrpura
era uma cor vermelha forte que se parece com a cor violeta ou roxa. Historicamente,
pelo seu preço e raridade era a cor purpúrea utilizada pelos reis e
imperadores. Na antiguidade a cor era extraída das pequenas quantidades
existentes em alguns moluscos das costas orientais do mediterrâneo. O molusco,
de grande tamanho, segrega uma substância amarela que ao contato com o ar se
transforma em cor vermelha violácea. A terra hoje do Líbano era chamada Fenícia
que em grego significa vermelho [foinós], pois na época sua indústria de cor
púrpura era famosa. O líquido do molusco, espécie de concha, era misturado com
sal e cozido de modo a obter duas cores diferentes: uma de azul violeta ou
púrpura e outra de cor vermelha. Dada a grande quantidade de moluscos
necessários para tingir uma túnica compreende-se que a púrpura fosse a veste do
Sumo sacerdote e o ornato luxuoso do templo e o distintivo de reis e pessoas
muito ricas ( Jz 8, 26 e Jr 10, 9). Os romanos da república não a vestiam na
sua tradicional sobriedade, mas era considerada, junto com o ouro e a prata,
botim precioso de guerra. Daí a raridade e o preço que a acompanhavam. O Byssus
ou bisso era uma tela de linho finíssima, quase transparente, de cor branca ou
bege, que junto com a púrpura violeta ou escarlate foi oferecida para fabricar
a tenda do tabernáculo no deserto (Ex 25, 4). O bisso seria o que os romanos
chamavam de linum candidissimum [lino branquíssimo]. Se a púrpura era um
produto de exportação, especialmente produzido em Tiro, o bisso era importado
do Egito. Ou seja, em questão de vestidos o nosso rico era singular e extraordinário,
da creme e nata dos melhores. BANQUETEAVA-SE: O verbo eufrainizo
[<2165>=epulari] significa regozijar-se, recrear-se, ter momentos
alegres, gozar da vida. O advérbio LAMPRÖS [<2988>=splendide]
[esplendidamente] indica que não havia prazer que ele não degustasse, tanto na
comida como nas festas lascivas que acompanhavam os banquetes. Como banquete
esplêndido temos o dado pelo imperador Vitélio: antes de ser destronado esteve
comendo um menu de vinte pratos, entre eles miolos de cotovias com mel. Marco
Aurélio Antonino [Heliogábalo] mandou
servir 1500 línguas de flamingo a seus convidados. Maximino Trácio que numa só
jornada chegou a ingerir 16 quilos de carne e 32 litros de vinho. O
banquete mais numeroso foi dado por
Júlio César a 200 mil pessoas em 22 mil mesas, durante várias jornadas.
O MENDIGO:
Porém havia certo mendigo de nome Lázaro, o qual jazia à sua porta coberto de
chagas (20), e desejando se satisfazer das migalhas que caiam da mesa do rico;
mas até os cães, chegando, lambiam as suas chagas (21).Et erat quidam mendicus
nomine Lazarus qui iacebat ad ianuam eius ulceribus plenus. cupiens saturari de
micis quae cadebant de mensa divitis sed et canes veniebant et lingebant ulcera
eius. Seu nome era LÁZARO[=Eleazar, Deus ajudou]. A descrição da vida do
infortunado mendigo era totalmente realista. O esquecimento dos homens, a
doença de suas chagas, a sua morte inglória tudo está conforme ao que inclusive
atualmente conhecemos desses pobres seres humanos. Se, na atualidade, uma
percentagem dos mesmos é parte dos eufemisticamente chamados débeis mentais, na
época de Jesus eram cegos, mancos e outros aleijados. A sorte do nosso pobre
era ainda mais infortunada ao ouvir os cantos, os risos e o regozijo e barulho
dos convivas dentro da casa. É uma descrição para opor a sorte de um e o
infortúnio do outro. Um detalhe que depois ver-se-á repetido, mas de forma
contrária, é que nem mesmo as migalhas do banquete lhe eram fornecidas. Os cães
da rua eram os únicos que aliviavam suas chagas.
SORTE
POSTERIOR DO MENDIGO: Sucedeu, pois, morrer o mendigo e ser ele levado pelos
anjos ao seio de Abraão. Porém morreu também o rico e foi sepultado (22).
Factum est autem ut moreretur mendicus et portaretur ab angelis in sinum
Abrahae mortuus est autem et dives et sepultus est (in inferno). Sem que
houvesse intervenção humana, o mendigo é levado por anjos ao seio de Abraão. É
a primeira vez que os anjos aparecem como mensageiros divinos após a morte. O
saduceu, seguindo o AT, diria que tudo acabava com a morte. Jesus, pelo
contrário, afirma que tudo começa quando tudo acaba. Só que as sortes estão
trocadas. SORTE DO RICO: Seu corpo foi sepultado como convinha a sua riqueza,
sem dúvida, mas sua alma entrou no profundo dos infernos, o Hades, que vamos
descrever no que é possível segundo as poucas e parciais referências de que
dispomos. Na realidade, só a Vulgata fala do inferno; o grego termina com o
sepulcro do rico. Mas, evidentemente, a sorte do rico foi o inferno como
veremos depois, pois a Vulgata traz neste versículo o que o grego acrescenta ao
seguinte.
.
O SHEOL OU
HADES: E no Hades, levantando seus olhos, estando em tormentos, vê Abraão de
longe e Lázaro em seus seios (23). [in inferno] Elevans oculos suos cum esset
in tormentis videbat Abraham a longe et Lazarum in sinu eius. HADES
[<66>=infernus], que em latim é infernus e em hebraico Sheol. O
significado de sheol se distribui entre a tumba, o mundo de ultra tumba e o
estado depois da morte. A ideia de que os mortos existiam num mundo que os
babilônios chamavam de Aralu, e os ugaríticos de Oeres era comum aos povos
antigos. O sheol era um lugar abaixo da terra (Ez 31, 15) um espaço de pó (Jó
17, 16), de trevas (Jó 10, 21), de silêncio (Sl 94, 17) e esquecimento (Sl 88,
13). Algumas vezes as distinções existentes na vida terrena são descritas como
continuando no sheol; mas sempre este é um lugar de fraqueza e tristeza.
Nalgumas passagens do AT o sheol tem um aspecto punitivo (Sl 49, 13-14) e,
portanto uma morte prematura é uma forma de penalidade. O AT considera a vida
terrena como a arena para demonstrar o serviço devido a Deus. Portanto, estar
no sheol é estar fora do âmbito divino. Sheol dizem que significa destruição,
poço, cova, ou corrupção. Na literatura perto do NT encontramos no Sheol
divisões que distinguem os malvados dos justos nos quais eles desfrutam de seus
últimos destinos como vemos na parábola de hoje. O Hades representa o mundo de
ultra tumba ou dos mortos nos clássicos gregos. A setenta traduz Sheol por
Hades. Logo podemos dizer que Hades equivale ao Sheol como vemos em At 2, 27.
Jesus fala das portas do Hades que não prevalecerão (Mt 16, 18). A defesa das
portas de uma cidade era essencial para não ser conquistada; eram, pois, figura
do poder da mesma. A frase descer ao Sheol (Mt 11, 23) é metaforicamente
entendida como cair na profundeza da degradação. GEHENA: Uma outra palavra que
descreve o destino de ultra tumba é gehena (Mt 5, 22 Mc 9, 43 e Lc 12, 5). A
palavra deriva de ge-bene-hinoum. Ou seja, Vale dos filhos de Hinnom. Era um
vale perto de Jerusalém onde crianças foram sacrificadas e queimadas ao Baal ou
deuses gentílicos. Era o lugar de punição para pecadores, descrito como espaço
de fogo incombustível, fogo que é a medida do castigo divino (Dt 32, 22). Os
rabinos da época distinguiam entre um fogo temporal e purgativo, um fogo
totalmente destrutivo e um fogo eterno. Esta eternidade está claramente
indicada em Mateus (9,43; 18, 8; 25, 46). Eternidade que é confirmada no
Apocalipse para a besta e o profeta, para a morte e o inferno, para o Diabo e
os agentes da maldade (Ap 20,10. 14-15 e
21,8), lançados ao lago de fogo que constitui a segunda morte. Esta Gehena que
é lugar de suplício é traduzida por 2 Pd 2, 4 como Tártaros. Na mitologia grega
o Tártaro representa a região mais profunda, situada no fundo dos infernos,
onde Urano primeiro e Cronos depois,
lançavam, finalmente, para Zeus, os que o tinham ofendido. Segundo
Homero, era a prisão dos deuses vencidos e dos heróis que tinham agravado a
Zeus. No século VI aC se transformou no lugar onde os homens culpáveis deviam
cumprir seu castigo. Na Eneida, Virgílio o descreve como uma grande prisão onde
moravam as Fúrias. Situavam-no principalmente perto do Averno, nome poético do
Inferno. Devemos distinguir entre Inferno e infernos. Este último termo indica
o mesmo que Sheol, ou seja, os lugares inferiores dentro da terra, enquanto
moradas dos mortos. O Inferno propriamente dito é a sorte [não falamos hoje de
lugar] do ser humano que voluntariamente se separa de Deus, como fonte de vida,
por opção definitiva. O NT o define com diversas imagens com a ajuda de
diversas metáforas ou mitologias: Abismo, trevas exteriores, fogo
inextinguível, lago de fogo, etc. Com tudo isso define-se a sorte do pecado e
do ser humano que com ele quer se identificar. SEIO DE ABRAÃO: é esta passagem
a única, em que se descreve o que em outras passagens é chamado o Édem. Uma
outra vez em Jo 13, 23-25 temos a descrição de alguém se reclinar no seio de
outra pessoa: é o discípulo amado reclinado no peito de Jesus. Precisamente por
esta circunstância e a de que o Reino é comparado com um banquete, podemos
deduzir que agora o banquete era aquele em que participava Lázaro, apoiado no
regaço do pai comum de todos os israelitas. É um paraíso ao estilo alcoranista
que Jesus deve descrever para ser melhor entendido por seus ouvintes. O Paraíso
é uma palavra que aqui não é usada. A distinção está entre seio de Abraão e o
sheol não entrando o paraíso como termo comparativo. De fato, a palavra paraíso
significa jardim ou parque. Desde o Gênese, em que o homem foi colocado nele e
tinha a árvore da vida para ser expulso, uma vez cometida a desobediência, a
palavra paraíso [paradeisos grego] não sai, a não ser três vezes, no NT. No AT
temos o jardim do Édem que é traduzido ao grego por paraíso de delícias e em
outras passagens por Paraíso de Deus. O seio de Abraão formava parte do Hades
[infernos] no interior da terra e o paraíso era no terceiro céu segundo o que
diz Paulo (2 Cor 12, 2), pois o identifica a continuação com o paraíso (idem 4).
Foi esse paraíso que Jesus prometeu ao malfeitor arrependido (Lc 23, 4) e que
no Apocalipse descreve-se como contendo ainda a árvore da vida (2, 7).
Consequentemente a descrição de Jesus pertence ainda ao AT e não podemos
deduzir dela verdades absolutas. Só que antes do ato redentor já existiam no
outro mundo, no sheol, duas esferas: uma superior [levantou os olhos (23)] de
relativa felicidade, semelhante ao que na terra podemos chamar de
bemaventurança; e outra de tormentos, com um fogo que aumentava a sede.
PETIÇÃO DO
RICO: E ele clamando disse: Pai Abraão, tem compaixão de mim e envia Lázaro
para que mergulhe a ponta do seu dedo em água e refresque minha língua porque
estou sofrendo nesta chama (24). Porém disse Abraão: Filho, relembra que tu
recebeste as tuas boas (coisas) em tua vida e Lázaro de modo semelhante as más;
agora, pois, aqui é consolado tu porém
és atormentado (25). E além de tudo entre nós e vós um grande abismo está
presente de modo que os que desejam passar daqui para vós não podem, nem os
dali para nós passar (26). Et ipse clamans dixit pater Abraham miserere mei et
mitte Lazarum ut intinguat extremum digiti sui in aqua ut refrigeret linguam
meam quia crucior in hac flamma. Et dixit illi Abraham fili recordare quia
recepisti bona in vita tua et Lazarus similiter mala nunc autem hic consolatur
tu vero cruciaris Et in his omnibus
inter nos et vos chasma magnum firmatum est ut hii qui volunt hinc transire ad
vos non possint neque inde huc transmeare. Era uma migalha de água à semelhança
da que ele tinha negado como comida a Lázaro. Mas era impossível porque o que
separava ambos os grupos não eram umas portas de uma casa, mas um abismo
[chasma em latim, com o significado de apertura na terra ou entre nuvens] ou
fenda, que impedia o intercâmbio entre as duas esferas: a dos que sofrem e a
dos que estão sendo consolados. Abraão apela também à justiça que no novo mundo
estabelece uma mudança de papeis para que não sempre os desafortunados tenham
os mesmos destinos. Não são os mais venturosos os que determinam a justiça, mas
os mais desfavorecidos são os que pautam a justiça que busca a igualdade de
oportunidades. Essa foi a resposta de Abraão que o rico não pode refutar.
SEGUNDA PARTE:
Então disse: então te rogo pai, para que envies
a ele à casa de meu pai (27). Pois tenho cinco irmãos para que
testemunhe a eles de modo que eles não
venham também a este lugar de tormento (28). Diz-lhe Abraão: Têm Moisés e os
profetas: Os escutem (29). Porém ele lhe disse: Não, pai Abraão, mas se alguém
dentre os mortos for ter com eles converter-se-ão (30). Então lhe disse: Se a
Moisés e aos profetas não ouvem, nem se um dentre os mortos ressuscitar,
acreditarão (31). Et ait rogo ergo te pater ut mittas eum in domum patris mei. Et ait illi Abraham habent Mosen et
prophetas audiant illos. At ille dixit non pater Abraham sed si quis ex mortuis
ierit ad eos paenitentiam agent. Ait autem illi si Mosen et prophetas non
audiunt neque si quis ex mortuis resurrexerit credent. O anúncio aos
vivos. Nesta circunstância o rico se torna altruísta e pede que seus irmãos
sejam oportunamente avisados para evitarem o lugar de tormentos, onde ele agora
se encontra submergido. A resposta de Abraão é terminante: Se não ouvem Moisés
e os profetas, isto é, as palavras da Escritura, a palavra de Deus, nem se um
morto ressuscitar, escutarão seu testemunho.
PISTAS: 1) A
distinção entre ricos e pobres parece uma injustiça que clama ao céu como
última causa. Por isso a parábola é uma resposta sapiencial de Jesus: a justiça
será corrigida quando as sortes forem trocadas na outra vida, que por ser
eterna merece o título de verdadeira.
2) Embora de
modo imperfeito a distinção entre os dois lugares, o de tormentos e o de
consolação, demonstra que existem prêmios e castigos na vida além túmulo. E que
essa distinção não pode ser mudada pelo querer do homem. É definitiva, mas pode
ser prevista pela conduta humana neste mundo.
3)O milagre
não convence. Porém firma a fé dos que já estão convencidos. A palavra da
Escritura salva unicamente quando ela é escutada e obedecida.
4) Para que a
palavra seja eficaz devemos estar preparados para escutá-la, retirando
obstáculos, de modo que quem não deseja ouvir a voz de Deus na palavra revelada
não encontrará outra palavra eficaz ou fato suficiente para convidá-lo à
reflexão e arrependimento.
5) A conduta
do rico é escandalosa e modelo de muitas condutas atuais pelo seu esbanjamento
e falta de consideração com seus semelhantes.