Roteiro Homilético 9: Padre Françoá Costa
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Moderação
Tendo em conta
o Evangelho de hoje, poderíamos meditar sobre o desprendimento, sobre a
importância de viver a solidariedade, sobre a outra vida, sobre a conversão
etc. No entanto, o primeiro versículo me atraiu fortemente, “havia um homem
rico que se vestia de púrpura e linho finíssimo, e que todos os dias se
banqueteava e se regalava” (Lc 16,19), e fico com ele. Vamos chamar esse tipo
de leitura da Sagrada Escritura uma “leitura de impacto”: deixar-se
impressionar pelo versículo bíblico que mais chamou a sua atenção num
determinado momento.
Os espanhóis
deram até um nome ao homem rico, Epulón; vem de epula, ae do latim, que
significa banquete. Epulón significaria o mesmo que comilão. Penso que esse
nome faz jus ao que nos diz o relato evangélico: “se banqueteava e se
regalava”. Imagino-o sentado à mesa, servido por várias pessoas e comendo
somente aquilo que ele gostava, preparado da melhor maneira possível e com um
requinte quase inimaginável. Ademais, sempre vestido segundo a última moda da
época, “de púrpura e linho finíssimo”. Epulón devia ser tão cuidadoso para
arrumar-se que poderíamos classificá-lo entre esses homens que, segundo dizem
por aí, passam horas nos salões de beleza, sempre se vestem segundo a moda –
inclusive criando modas – e adoram exibir a própria beleza por todas as partes.
Na verdade, Epulón parece até um pouco amaneirado.
Será que a
conclusão é que não se pode nem comer bem nem vestir-se bem para ser um bom
cristão? Não! De fato, a roupa de Jesus devia ser de qualidade, pois os soldados
“tomaram as suas vestes e fizeram delas quatro partes, uma para cada soldado. A
túnica, porém, toda tecida de alto a baixo, não tinha costura” (Jo 19,23); em
Betânia, ele aceitou que aquela mulher derramasse sobre a sua cabeça “um vaso
de alabastro cheio de um perfume de nardo puro, de grande preço” (Mc 14,3); num
dos banquetes que Jesus participou, reclamou a etiqueta requerida: “Entrei em
tua asa e não me deste água para lavar os pés (…). Não me deste o ósculo (…).
Não me ungiste a cabeça com óleo (…)” (Lc 7,44-46). Lembremo-nos que Jesus foi
educado pela Santíssima Virgem Maria e, por tanto, estava bem educado.
Todas as
coisas criadas por Deus são boas. É preciso que nós amemos essa bondade natural
e demos graças a Deus por ela. Não podemos ver as coisas do mundo (no sentido
de “criação de Deus”) como uma ameaça à nossa santidade. Pois, “Deus contemplou
a sua obra, e viu que tudo era muito bom” (Gn 1,31). Mais ainda, o Senhor deu
inteligência ao ser humano para que fosse criativo. O importante é que nós
saibamos utilizar as coisas boas do nosso Pai do céu com a moderação requerida:
“quer comais quer bebais ou façais qualquer outra coisa, fazei tudo para a
glória de Deus” (1 Cor 10,31). Ao utilizar as coisas desse mundo, o cristão
deve ter como regra de conduta a glória de Deus e o bem dos demais. Uma mulher
que se veste bem e se maquia pensando no seu esposo, além de estar alinhada, dá
glória a Deus e faz uma obra de caridade. Como eu gostaria que surgissem
estilistas com mente cristã que fizessem roupas elegantes e decentes ao mesmo
tempo para que as mulheres andassem bem vestidas, também com a virtude do
pudor! Um homem também tem que ter bom gosto, sem exagerações e sem
afeminar-se. Pertence à natureza das coisas que a mulher se preocupe mais com a
aparência externa que o homem. Isso é normal! Não tem nenhum problema. Porém,
em tudo é louvável a moderação.
Conheço uma
pessoa que costuma dizer que não gosta de café sem cafeína, nem de Coca-Cola
light, nem de cerveja sem álcool, defendendo que as coisas devem permanecer na
sua essência. Dizia também essa pessoa que nessa sem-essência de muitas coisas
atuais via uma figura do que pode ser uma vida sem essência: pensamento vazio,
vontade debilitada, prazer sem compromisso, religião sem levar Deus em sério. O
leitor verá se essa pessoa tem ou não razão na sua comparação, mas o fato é que
esse indivíduo sempre toma cerveja com álcool, Coca-Cola normal e café – como
diz ele – de verdade. E continuará fazendo isso até que os médicos lhe digam o
contrário! Pelo menos numa coisa temos que estar de acordo: corremos o risco de
levar uma vida sem essência.
“Setenta anos
é o total de nossa vida, os mais fortes chegam aos oitenta. A maior parte
deles, sofrimento e vaidade, porque o tempo passa depressa e desaparecemos” (Sl
89,10). Pelo menos aproveitemos esses poucos anos, quantos Deus nos conceda,
para dar-lhe glória e ajudar os irmãos através de uma vida honesta, sóbria,
moderada, bem modelada pelo único modelo de todos os santos, Jesus Cristo.