Roteiro Homilético 4: Dom Henrique
Hab 1,2-3;
2,2-4
Sl 94
2Tm
1,6-8.13-14
Lc 17,5-10
Hoje, a
Palavra de Deus nos coloca diante de um tema inquietante, o tema da fé. E o
coloca com toda a dureza, nas palavras do profeta Habacuc. Ele viveu no final
do século VII, início do século VI antes de Cristo. Reinava em Judá um rei
iníqüo, Joaquim; o povo já não cultivava amor pelo Senhor; imperava a
injustiça, a impiedade, a imoralidade, a violência do grande contra o pequeno…
Diante desta situação tão triste, o profeta anunciava que os babilônios viriam
e levariam o povo para o exílio. Seria a correção de Deus. Mas, aí, o profeta
entra em crise: está certo que Judá merecia castigo; mas, por que Deus iria
usar para castigar exatamente os babilônios, que eram um povo mais pecador que
os judeus? O profeta angustia-se com esta incompreensível lógica do Senhor e,
com dor e sinceridade sofrida, apresenta o seu protesto: “Senhor, até quando
clamarei, sem me atenderes? Até quando devo gritar a ti: ‘Violência!’, sem me
socorreres? Por que me fazes ver iniqüidades, quando tu mesmo vês a maldade?
Destruições e prepotência estão à minha frente”. “Senhor, tu poderias resolver
tudo! Tu poderias corrigir o teu povo de um modo mais lógico, mais
compreensível! Por que, Senhor, ages deste modo?”
Crer não é
compreender tudo. O profeta, que fala em nome de Deus, nem mesmo ele compreende
totalmente o agir de Deus, e se angustia, e pergunta, e chora: “Senhor, por que
ages assim? Por que teus caminhos nos escapam deste modo?” A verdade é que a fé
não é uma realidade quieta e pacífica! O próprio Jesus adverte que somente os
violentos conquistam o Reino dos céus (cf. Mt 11,12s); somente aqueles que
lutam, que teimam em acreditar! A fé é uma realidade que sangra, sangra na dor
de tantas perguntas sem resposta, sangra pelo sofrimento do inocente, pela
vitória dos maus, pelo mal presente em tantas dimensões da nossa vida… E Deus
parece calar-se! Um filósofo ateu do século passado chegou a dizer,
escandalizado com o sofrimento no mundo: “Se Deus existe, o mundo é sua reserva
de caça!” Jó, usou palavras parecidas: “Também hoje minha queixa é uma revolta,
porque sua mão agrava os meus gemidos. Ele cobriu-me o rosto com a escuridão”
(23,2.17). E, pesaroso, se queixa de Deus: “Clamo por ti, e não me respondes;
insisto, e não te importas comigo. Tu te tornaste o meu carrasco e me atacas
com teu braço musculoso!” (30,20s). Por que, Senhor? Por que te calas? Por que
teus caminhos nos são escondidos? Por que parece que não te importas conosco? –
Eis a dor que sangra das feridas dos crentes! A resposta de Deus a Habacuc não
explica, mas convida a crer novamente, a abandonar-se novamente, a teimar na
perseverança: “Quem não é correto, vai morrer, mas o justo viverá por sua fé!”
Deus é assim: nunca nos explica, mas nos convida sempre à confiança renovada,
ao abandono nas suas mãos. Quem não é correto, quem não se entrega nas mãos do
Senhor, perderá a fé, morrerá na sua amizade com Deus… mas o justo, o amigo de
Deus, viverá, permanecerá firme pela sua fé total e confiante. O justo vive da
fé! É isto que é tão difícil para o homem de hoje, que tudo deseja enquadrar na
sua razão e, quando não enquadra, se revolta e dá as costas a Deus e, assim,
termina morrendo… porque viver sem Deus é a pior das mortes, o maior dos
absurdos! O justo vive da fé, vive na fé, vive abandonado nas mãos do Senhor,
como dizem as palavras da Antífona de Entrada, que o missal coloca para a
liturgia de hoje: “Senhor, tudo está em vosso poder, e ninguém pode resistir à
vossa vontade. Vós fizestes todas as coisas: o céu, a terra, e tudo o que eles
contêm; sois o Deus do universo!” (Est 13,9.10-11).
Nunca
esqueçamos: Deus não nos explica seu modo de agir! Se o compreendêssemos,
compreenderíamos o próprio Deus e, aí, já não seria o Deus verdadeiro, mas
apenas um idolozinho! Contudo, isso não significa que Deus não liga para nossa
dor e para o nosso destino. Pelo contrário! Ele veio a nós, fez-se um de nós,
viveu nossa vida, suportou nossas dores, experimentou nossa morte! Deus
próximo, Deus de amor, Deus solidário! Por isso, podemos olhar para ele e,
suplicantes, estender-lhe as mãos, como os discípulos do Evangelho, que pediam:
“Aumenta a nossa fé!” E Jesus responde – a eles e a nós – “Se vós tivésseis fé
(em mim), mesmo pequena como um grão de mostarda, poderíeis dizer a esta amoreira:
‘Arranca-te daqui e planta-te no mar’ e ela vos obedeceria”. Ou seja: se
crermos de verdade naquele amor que se manifestou até a cruz, se crermos –
aconteça o que acontecer – que Deus nos ama a ponto de entregar o seu Filho,
teremos a força de enfrentar todas as noites com a sua luz, todos os pecados
com a sua graça, todas as mortes com a sua vida! Mas, se não crermos,
pereceremos… O que o Senhor espera dos seus servos é esta fé total,
incondicional, pobre e amorosa! É o que o Senhor espera de nós. Mas, o que
fazemos? Queremos recompensas, provas, certezas lógicas! E, os mais cultos,
vamos atrás de filosofias e sabedorias humanas… e os mais incultos e tolos,
vamos atrás de seitas, de descarregos, de exorcismos feitos por missionários de
araques e pastores de si próprios, falsos profetas de um deus falso, feito de
dízimos, moedas e gritarias…
O justo vive
da fé! Como nos exorta a segunda leitura, reavivemos a chama do dom de Deus que
recebemos! “Deus não nos deu um espírito de timidez, de frouxidão, de covardia
e incerteza, mas de fortaleza, de amor e sobriedade”. Não nos envergonhemos do
testemunho de nosso Senhor! Guardemos aquilo que aprendemos de nossos
antepassados, conservemos o “preciosos depósito” da nossa fé católica e
apostólica, “com a ajuda do Espírito Santo que habita em nós”. Não corramos
atrás das ilusões, fruto das invenções humanas! É isto que o Senhor espera de
nós, é este o nosso dever, é esta a nossa vocação, é esta a nossa glória. E,
após termos agido assim, não achemos que temos algum direito diante de Deus.
Humildemente, digamos: “Somos servos inúteis; fizemos o que devíamos fazer”.
Que o Senhor
nos dê esta graça: a graça de viver e morrer na fé. Que o Senhor nos conceda a
recompensa dosa servos bons e fiéis! Amém!
Dom Henrique
Soares da Costa