Roteiro Homilético 7: Exegese
(http://www.presbiteros.com.br/)
EPÍSTOLA (2 Tm
1, 6-8. 13-14)
(Pe. Ignácio,
dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO:
Paulo está preso em Roma pela segunda vez, cerca do ano 67. Encontra-se só e
sem certas prendas de vestir e de pergaminhos, que pede a Timóteo e entre suas
recordações fala de Trófimo, um fiel cristão de Éfeso que era seu amigo e que
deixou doente em Mileto, perto de Éfeso. Paulo pede a Timóteo que venha antes
do inverno, pois nessas circunstâncias a navegação era extremamente perigosa.
Na carta exorta Timóteo a perseverar na verdadeira doutrina e a se afastar dos
que ele chama de falsos doutores. No trecho de hoje, diante do fato de Paulo
viver sob o peso da justiça, muitos pensariam que alguma coisa errada teria
feito e desanimariam. Paulo exorta Timóteo a não desesperar, mas pelo contrário
a dar testemunho da fé recebida e da atuação de Paulo como testemunha da mesma,
pois o trabalho de evangelizar é difícil e a situação de Paulo assim o
confirma. Timóteo deve conservar as palavras de Paulo e seu exemplo como
paradigma de um verdadeiro discípulo de Cristo, que recebeu a missão pela
imposição das mãos.
O CARISMA: Por
esta razão lembro-te a reavivar o carisma de Deus que em ti está por meio da
imposição das minhas mãos (6). Propter quam causam admoneo te ut resuscites
gratiam Dei quae est in te per inpositionem manuum mearum. LEMBRO-TE:
[anamimniskö<363>=admoneo] recordar e também avisar, alertar. Ambas as
traduções parecem válidas. É um aviso a Timóteo sobre as falsas doutrinas e
falsos mestres, que logicamente estavam contrários aos ensinamentos de Paulo a
respeito da eleição dos gentios. Era seu evangelho particular, que até o fim de
sua vida, muitos se opunham contemplando seus ancestrais judeus como únicos,
com méritos, a entrarem no evangelho de Cristo. REAVIVAR
[anazöpyrein<329>=resuscitare] palavra composta de ana [no meio] zöon
[vivo] e pyr [fogo] cujo significado é reacender, e em se tratando da mente, é
melhor falar de reavivar. CARISMA [charisma<5486>=gratia] dom divino
gratuito, que confere poder sobrenatural pela infusão do Espírito que dirige e
completa as faculdades humanas. O carisma é devido a IMPOSIÇÃO DAS MÃOS de
Paulo que assim o nomeia como seu sucessor na igreja de Éfeso. Timóteo é assim
o presbítero, ou melhor, o bispo [epíscopos=supervisor] da igreja de Éfeso.
Aqui encontramos a primitiva fórmula de consagração de um presbítero ou bispo
de uma Igreja particular. A eleição foi feita por Paulo, como escolhido e enviado de modo profético pelo Espírito Santo.
Não é uma fórmula democrática de eleição e menos de transmissão de poder que
unicamente provém de quem anteriormente tinha o carisma ou dom divino de
confirmar as igrejas.
NOVO ESPÍRITO:
Pois não nos deu (o) Deus um espírito de timidez mas de poder e de amor e de
moderação (7). Non enim dedit nobis Deus spiritum timoris sed virtutis et
dilectionis et sobrietatis. TIMIDEZ [deilia<1167>=timor] é o mesmo que
covardia, com o qual Paulo opõe a parresia <3954> ou intrepidez, destemor
e coragem com que o evangelho foi anunciado após o dia de Pentecostes (At 4,
31) e que foi a nota de ministério paulino (Ef 6, 19). PODER
[dynamis<1411>=virtus] força proveniente do Espírito Santo, que muitas
vezes se traduzia em milagres [semeia] e profecia e que tinha o poder da
Verdade, anunciada como testemunho. AMOR [agapë <26>=dilectio] é o amor
proveniente de Deus que impregna toda alma por ele santificada. Traduzido
muitas vezes por charitas, que Paulo diz ser a realização, cumprimento ou
perfeição da lei (Rm 13, 10). MODERAÇÃO [söfronismos<4995>=sobrietas]
moderação, disciplina, controle. A palavra é apax no NT, mas indica uma mente e
conduta suave, calma que representa a humildade e mansidão de Cristo (Mt 1, 9).
O TESTEMUNHO:
Portanto não te envergonhes do testemunho do nosso Senhor nem de mim, o
acorrentado (por causa) dEle; mas coparticipa nos sofrimentos no evangelho
segundo (o) poder de Deus (8). Noli itaque erubescere testimonium Domini nostri
neque me vinctum eius sed conlabora evangelio secundum virtutem Dei. TESTEMUNHO
[martyrion<3142>=testimonium], ou seja, o atestado e declaração feitos
pelo discípulo sobre o Senhor [Jesus], de como ele morreu na cruz e
ressuscitou, segundo as Escrituras e que existem testemunhas de tudo isso (1Cor
15, 3-5). DE MIM. Ao estar acorrentado como um vil ladrão e tendo a justiça
romana fama de ser rigorosa, mas correta, muitos poderiam pensar na
culpabilidade de Paulo e, portanto ser um trapaceiro que propalava uma fraude
monumental. Mas Timóteo, discípulo de longos anos de Paulo, podia dar um
atestado exato de quem era Paulo e de que doutrina era ministro e
evangelizador. Unicamente a pregação de Cristo era a causa de sua prisão.
Fazendo isso, Timóteo entrava a ser participante da difusão do evangelho junto
com Paulo, tomando sobre si os sofrimentos e penalidades próprias de um arauto
do evangelho.
FIDELIDADE:
Segura o padrão das palavras sadias que de mim escutaste em fé e amor, em Cristo Jesus (13). Formam habe sanorum
verborum quae a me audisti in fide et dilectione in Christo Iesu. PADRÃO
[ypotypösis<5296>=forma] que em grego é desenho, esboço, planilha, plano,
e até exemplo, padrão, modelo, pauta e forma. SADIAS
[ygiainontos<5198>=sanus] particípio do verbo ygiainö cujo significado é
estar em boa saúde, estar sano, que metaforicamente significará sem erro ou
verdadeiras. Paulo está ciente de que o que ele plantou era a verdade sem
mistura de erro ou mistificação. Essas palavras eram as que Timóteo escutou da
boca de Paulo como discípulo, cuja fé no Mestre era absoluta e a que professava
em Cristo, cujo amor era nEle o guia de salvação.
O DEPÓSITO: O
bom depósito guarda por meio do Espírito Santo que em nós habita (14). bonum
depositum custodi per Spiritum Sanctum qui habitat in nobis. DEPÓSITO
[parakatathëkë<3872>=depositum] é tanto um depósito material, como uma
confiança, um legado espiritual, hoje diríamos o credo. Com essa recomendação
Paulo afirma duas coisas: 1ª) que a fé é um
depósito de verdades a serem mantidas; 2ª) que esse depósito deve ser
transmitido na integridade, ou seja, Paulo salienta o valor da tradição,
exatamente como é mantida na Igreja Católica. E finalmente, uma última
afirmação preciosa: o Espírito Santo habita em nós e, como Mestre interior, Ele
nos ensina e nos ajuda na guarda do depósito da fé.
EVANGELHO-(Lc
17, 5-10)
FÉ E SERVIÇO
(Pe Ignácio,
dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO:
Aparentemente os dois ensinamentos de hoje nada têm a ver com o eixo central
desta parte que é a subida à Jerusalém. Eles são uma resposta de Jesus ante a
petição dos discípulos sobre a fé e um ensinamento não pedido sobre o serviço
como nota distintiva do discipulado.
A PETIÇÃO: E
disseram os apóstolos ao Senhor: Aumenta nossa fé (5). Et dixerunt apostoli
Domino adauge nobis fidem. Após a parábola, Lázaro e o rico, Lucas inicia um
parêntesis em que entram alguns aspectos de doutrina como norma para os discípulos: O escândalo, a correção fraterna,
a fé, o serviço. Hoje vamos tratar das duas últimas. Apóstolos são os doze e,
portanto é uma lição particular dada aos íntimos que seguem Jesus. Deles parte
a pergunta. Não sabemos que tipo de fé pedem, pois os intérpretes distinguem
entre fé teológica e fé carismática. A primeira era necessária para a entrada
no Reino e dirigia-se principalmente à pessoa de Jesus. É a fé que Jesus pede
que Pedro mantenha sem desfalecer (Lc 22, 32). É a fé que salva o pecador ante
a figura de Jesus como libertador do pecado por meio de sua morte vicária. Por
isso ele pode assegurar que a encontra na pecadora: tua fé te salvou; vai em
paz (7, 50). Podemos também afirmar que é a fé confidencial como filhos na
providência do Pai (Lc 12, 28). E é precisamente aqui que Jesus depara que a fé
dos discípulos é fraca. Diante das preocupações da vida pela comida e pelos vestidos,
dirá Jesus que seus seguidores são homens de pouca fé (Lc 12, 28). A segunda está unida a atos de cura. A fé que Jesus exigia para curar, como em
Lucas 8, 48: Jesus disse à mulher hemorroísa: Minha filha, tua fé te salvou (Mc
5, 34). Por que os discípulos pedem que aumente a fé dos mesmos? Vejamos os
momentos em que esta fé é deficiente. No meio da tempestade que Jesus acalma
teve que recriminar a sua pouca fé: Onde está a vossa fé? (Lc 8, 25). Pedro
será a figura emblemática que duvida num momento de perigo e a quem Jesus terá
que segurar, ao mesmo tempo em que o recrimina: Homem de pouca fé, por que
duvidaste? (Mt 14, 31). Parece lógico que a fé que os discípulos pedem que
aumente, é esta última, segundo o que Marcos
relata sobre o epiléptico que os discípulos não conseguiram curar. Jesus
recrimina os discípulos como geração incrédula. O pai deve exclamar: Eu creio!
Ajuda a minha incredulidade! (Mc 9, 24). Eles pedem, pois, uma fé que fosse
capaz de fazer os milagres que Jesus fazia sem limitação de poderes.
A RESPOSTA:
Disse então o Senhor: se tiverdes fé como um grão de mostarda, dirias a este
sicômoro: Arranca-te e planta-te no mar. E vos obedecerá (6). Dixit autem
Dominus si haberetis fidem sicut granum sinapis diceretis huic arbori moro eradicare
et transplantare in mare et oboediret vobis. A MOSTARDA: Era uma pequena
semente de um arbusto próprio da Palestina. Da semente da árvore se extrai um
óleo de gosto picante usado como condimento; é o nome comum de várias plantas
do gênero sinapis; podem ser anuais ou perenes formando um arbusto de alturas
entre 80 e 50 cm .
Parece que na Palestina no vale do Jordão e perto do lago da Galileia, o
arbusto tem até 3 m
de altura com base lenhosa, comparável com uma árvore. Os árabes a consideram
árvore, e seus frutos são alimento preferido dos pequenos pássaros granívoros.
No fim do século 19 havia até 90 tipos de condimentos cuja base era a mostarda.
Suas sementes são de fato muito pequenas como afirma Jesus em Marcos 4, 31 e
eram simbolicamente figura das coisas pequenas. Jesus afirma que não é
necessária muita fé para realizar grandes milagres. O SICÔMORO: O grego
sykaminos é a tradução do hebraico sikmah que é uma árvore semelhante a uma
amoreira, mas cujos frutos se assemelham a figos. Era árvore de fortes raízes e
grande envergadura; tudo contribui para uma maior dificuldade em sua remoção.
Em passagem paralela Mateus fala de montanha
(Mt 17, 20).
A PARÁBOLA:
Quem de vós, tendo um escravo que ara ou cuida do gado, o qual voltando do
campo diz de imediato: vem, reclina na mesa? (7). Quis autem vestrum habens
servum arantem aut pascentem qui regresso de agro dicet illi statim transi
recumbe. Porém não lhe diz: prepara o jantar e cingindo(te) serve-me enquanto
como e bebo e depois disso comerás e beberás tu? (8). Temos que observar os
antigos costumes e saber distinguir entre o ofício de um escravo e a autoridade
de seu senhor. Este último era precisamente o dono de campos que precisavam ser
arados, e gado ou ovelhas que deveriam ser pastoreados. O trabalho dos escravos
era de sol a sol. Embora a lei judaica mandasse que fossem tratados o mais
humanamente possível, existia uma diferença de classe, que diferenciava o
mandante do servidor. A parábola o indica de modo concreto: Depois de um dia de
trabalho árduo, ao voltar, era o escravo que devia servir e obedecer, não o
amo. Somente após o amo ter satisfeito suas necessidades é que eles poderão
comer e beber a mesma comida e bebida que o dono.
CONCLUSÃO: por
acaso não teria que agradecer aquele servo porque fez o ordenado? Não penso
(9), Assim também vós quando fizerdes todas as coisas as ordenadas, vós dizeis:
somos servos, sem prêmio, que fizemos o que devíamos fazer (10). Numquid
gratiam habet servo illi quia fecit quae sibi imperaverat non puto. sic et vos
cum feceritis omnia quae praecepta sunt vobis dicite servi inutiles sumus quod
debuimus facere fecimus. Um serviço como
o de um escravo não merece nem louvor nem recompensa. O escravo é um simples
servidor. Nisso está sua vida e disso depende sua existência: obedecer aos
mandatos e caprichos do seu senhor. O grego usa a palavra achreios
[desnecessário] sem utilidade, para indicar a posição do escravo, que os
modernos traduzem por ao qual nada se deve, sem prêmio ou salário. Isso porque
havia servos aos quais o amo dava uma paga ou recompensa para que trabalhassem
melhor abrigando a esperança de que sua poupança poderia, no futuro, comprar
sua liberdade. Por isso os discípulos
devem estar dispostos a obedecer aos mandatos sem esperar recompensas ou aplausos
e aclamações pelo serviço feito.
PISTAS: 1) A
fé: Seu sentido primeiro e principal é uma adesão vital a Deus, um abandonar-se
nas mãos de Deus, enquanto o homem renuncia a si mesmo e confia totalmente na
palavra divina. Dessa fé confidencial Abraão é o modelo, de modo que esteve
disposto a sacrificar o filho único, confiado na palavra de Deus. Por isso é a
fonte e fundamento religioso da vida toda. Embora seja um dom do Pai (Ef 2, 8),
a fé requer a não resistência por parte do homem e essa falta de oposição tem
um ponto positivo: colaboração (Mt 7, 21).
2) Por isso,
somente os servos que obedecem exatamente os mandatos do Senhor são os que
realmente têm fé e poderão realizar obras portentosas. Ao querer humano se deve
somar o poder divino que é Quem, em definitivo, realiza a obra.
3) O traslado
miraculoso do sicômoro pela fé já é efetuado desde o momento em que o homem
traslada seu mundo ao plano espiritual desde o plano puramente consumista e
temporal. O maior milagre não é o do sicômoro, mas a conversão que a fé efetua
no homem. A fé transforma um cego num homem de luz (Mt 15, 14), um morto num
homem de vida (Cl 2, 13),
4) A paga que
pensamos Deus nos deve, por nossas boas obras, transformaria nossa religião em
um mercado de compra-venda. Deus não nos deve nada; nem pela lei do nascimento,
como pensavam os judeus, nem pela lei da compensação pelas boas obras
realizadas. Serão precisamente os homens ao quais temos feito o bem que se
considerarão impelidos a pedir e solicitar uma recompensa por nós, como os
hebreus pediram em favor do centurião (Lc 7, 4), ou como os pobres o farão como
amigos na vida futura.
5) Por ser a
lei do amor a que deve guiar nossa relação com Deus não podemos negar nada a
sua vontade e esperamos que Ele recompense, muito mais do que pensamos, pedimos
ou esperamos, o pouco de bem que temos feito em Seu Nome.