Roteiro Homilético 7: Exegese
(http://www.presbiteros.com.br/)
EPÍSTOLA (2 Tm
2,8-13)
(Pe. Ignácio,
dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO:
Paulo exorta Timóteo a ser fiel à palavra do evangelho, que em Jesus vê o
Cristo Ressuscitado. Paulo espera que seus sofrimentos por ter sido ministro
dessa palavra, sejam a causa de sua glória com Cristo; pois declara que
compadecer com Cristo é a base de ser glorificado com Ele. E finaliza dizendo
que apesar de sermos desleais, Ele nunca pode ser igual a nós, pois não pode se
negar a si mesmo. Logo sua palavra permanece imutável e nela devemos confiar.
JESUS CRISTO:
Lembra-te de Jesus Cristo, tendo sido levantado dentre os mortos, da semente de
Davi, segundo o meu evangelho (8). Memor esto Iesum Christum resurrexisse a
mortuis ex semine David secundum evangelium meum. LEMBRA-TE: O judaísmo era uma
religião de lembranças, que tinha suas festas como recordação dos fatos, em que
a mão de Jahveh foi vista claramente em favor de seu povo eleito. Tal é a
Páscoa, Pentecostes e Tabernáculos. Era também uma religião de testemunhas,
pois os profetas recebiam as visões e palavras de Jahveh como declarações e
atestados em que o povo devia acreditar para a sua salvação. Assim mesmo o
cristianismo é uma religião de memórias, a começar pela Eucaristia [fazei isto
em minha memória], de fatos em que o amor divino se manifestou de modo
insuperável em contra do ódio satânico como na cruz; e sua onipotência triunfou
sobre o poder supremo da morte com a ressurreição. Também é uma religião de
testemunhos em que visões e revelações têm existido em todos os tempos,
inclusive nos mais próximos, como Paray le Monial, Lourdes e Fátima para citar
os últimos, aceitos pela Igreja universal. Deus não é um Deus longínquo, mas
próximo do homem, que se revela e se apresenta em formas que o homem pode ver e
das quais ser testemunha a outros homens. A memória, pois, da revelação e dos
fatos experimentados constitui a base da fé e Paulo acentua de modo especial a
da Ressurreição como alvo derradeiro da vida: Se Cristo ressuscitou, nós também
poderemos ressuscitar com Ele, pois se a morte entrou por um homem, também por
um homem a ressurreição dos mortos (1 Cor 15, 21). E como todos morrem em Adão,
assim também todos serão vivificados em Cristo (1 Cor 15, 22). LEVANTADO: Assim
o fato principal, do qual a memória tem sido a base testemunhal fundamental, é
a Ressurreição de Cristo. De maneira que se Cristo não ressuscitou é vã a nossa
fé e ainda permanecemos em nossos pecados (1 Cor 15,17). Nada de estranho que
Paulo lembrasse a Timóteo desse fato essencial. Ao traduzir em passiva o verbo
egeirö [<1453>=surgere], a tradução seria ser levantado o que implica a
ação divina na ressurreição de Jesus. SEMENTE: [sperma <4690>=semen] é a
semente de uma planta; também o sêmen viril que, segundo o pensar antigo, era
como uma semente que continha o novo ser, semeado no ventre materno que fazia
ocasião de terra fértil até o nascimento. Daí que seja também prole ou
descendência, como é no caso atual. É a palavra usada por Lucas em 1, 55: como
falou a nossos pais, para Abraão e sua
posteridade [spermati] para sempre.
ACORRENTADO:
No qual estou padecendo até correntes como um malfeitor; mas a palavra de (o)
Deus não está acorrentada (9). In quo laboro usque ad vincula quasi male
operans sed verbum Dei non est alligatum. CORRENTES
[desmoi<1199>=vincula] Uma das testemunhas fundamentais da ressurreição
de Cristo era Paulo. Sua autenticidade e veracidade tinham uma base facilmente
verificável: as correntes que todo preso especial carregava como testemunho de
sua culpabilidade. De Pedro lemos em At 12, 6-7 que estava preso com duas
cadeias, que à vista do anjo cairam-lhe das mãos. O latim vincula como o grego
desmoi significa ligações, e em particular, em plural, significa prisão ou
cárcere, pois nestes casos as ligações eram cadeias ou correntes de ferro [em
grego alusis<254>=catena] que nas mãos se traduz por algemas e nos pés no
plural por grilhões e em grego pedë [<3976>=compedes]. Temos o exemplo de
At 16, 24: Paulo estava sujeito aos pés por um cepo de madeira [seguros os pés
no madeiro é a tradução literal]. Num mundo em que o preso era encerrado com
duas correntes que amarravam as mãos à parede e por vezes com um cepo nos pés
numa cela sem luz, tudo por pensar que o detento era culpado até que se
provasse sua inocência, o carcereiro tomava todas as precauções para que o
preso não pudesse se soltar; pois a falha condenava o carcereiro a uma morte
extremamente dolorosa e humilhante. Foi por isso que, o carcereiro de Paulo em
Filipos tentou se matar ao ver as portas do xadrez abertas e pensar que os
presos tinham escapado (At 16, 27). Que
Paulo estava encadeado o sabemos por 2 Tm 1, 16 : O Senhor conceda misericórdia
à casa de Onesíforo, porque muitas vezes me recreou e não se envergonhou das
minhas cadeias [alusin]. A PALAVRA [o logos<3056>=verbum] com artigo,
pode significar a segunda pessoa da Trindade, segundo João 1, 1; mas no NT em
geral, é a palavra de Deus, testemunhada pelos apóstolos e escrita nos
evangelhos. Essa palavra é agora também lida nos evangelhos e interpretada e
testemunhada pelos novos sucessores dos apóstolos, Papa, bispos em comunhão e fiéis em observância.
Essa palavra não está acorrentada, e por isso, hoje a Igreja tem o direito e
dever de iluminar com a verdade revelada, o Cristo (Jo 14, 6), o destino final
do homem e a felicidade e modo de viver para obter a mesma na terra. Existem na
Igreja duas maneiras de evangelizar: ministerial e carismática. A tradição se
complementa com a ação do Espírito que age com poder [sobrenatural] como afirma
Paulo. Porém a pergunta essencial de todo homem é não tanto o para que, mas o
para quem. Daí que Paulo explica o porquê de sua prisão: a palavra não pode
estar acorrentada, embora seus propagadores o sejam.
A SALVAÇÃO:
Por isso, todas as coisas suporto, por causa dos escolhidos, a fim de que
também eles obtenham a salvação, a de em Cristo Jesus com glória sem fim (10).
Ideo omnia sustineo propter electos ut et ipsi salutem consequantur quae est in
Christo Iesu cum gloria caelesti. SUPORTO [ypomenö<5278>=sustineo] do
grego significa permanecer, continuar, tolerar, suportar, aguentar. É neste
sentido de tolerar, padecer e sofrer sem se render, que Paulo usa o verbo. E a
razão é a SALVAÇÃO [söteria<4991>=salus]. A tradução de söteria é
libertação, resgate, salvação, especialmente do inimigo, por uma ação de
terceira pessoa. O inimigo é o pecado e o seu instigador o diabo. A Escritura
descreve quatro diferentes modos de salvação do pecado: da pena, do poder, da
presença e do prazer. A moderna Teologia toma a libertação como um ato de
salvação de condições materiais escravizantes. A Teologia tradicional coloca o
inimigo no pecado. É verdade que temos em Lucas, capítulo 1, no cântico de
Zacarias ambas as interpretações: 1) A salvação dos inimigos materiais no
versículo 69: levantou uma força [corno no original] de salvação [söterias] na
casa de e Davi, seu servo, inimigos que declara no versículo 71: salvação
[söterian] de todos os nossos inimigos e da mão e todos os que nos odeiam. 2) E
a salvação espiritual do pecado no versículo 77: Para dar ao seu povo
conhecimento da salvação [söterias], na remissão dos seus pecados. Em todos os
casos, a tradução latina de söteria é salus,tis, de onde se origina a palavra
salvação. Já em Paulo unicamente encontramos a palavra söteria com o
significado de remissão dos pecados através da redenção [lytron<3083> ou
apolytrösis<629>] (1 Tm 2, 6) que é o preço do sangue de Jesus em resgate
nas palavras de Jesus: o filho do homem não veio para ser servido mas para
servir e dar sua vida em resgate [lytron] de muitos (Mt 20, 28). A única
diferença é que Paulo emprega apolutrösis no lugar de lytron. E a mais clara
citação sobre a redenção [apolytrösis] é Ef 1, 7: Em quem [Jesus] temos a
redenção [apolytrösin] pelo seu sangue, a remissão das ofensas, segundo a
riqueza da sua graça. Ideia que repete em Cl 1, 14, de modo que não podemos
afirmar seja um apax casualmente encontrado em Efésios. Sem, pois, rejeitar a
ideia do AT de uma salvação de inimigos materiais, a verdadeira redenção é a
salvação dos pecados mediante o sangue de Jesus na cruz, fato confirmado por
Lucas o escrevente do seu evangelho em 22, 20: Este cálice é o novo testamento
no meu sangue, que é derramado por vós, que Mateus afirmará para remissão dos
pecados (26, 23). GLÓRIA SEM FIM [doxës<1391> aiöviou<166>=gloria
coelesti]. Doxa é o esplendor, magnificência e majestade divinas, das quais
seremos partícipes, os salvados pelo sangue de Jesus. Essa glória será sem fim,
palavra que tem a mesma raiz que aei [sempre] de modo que a tradução seja
glória sempiterna, ou seja, definitiva, sem fim.
UM CÂNTICO:
Fiel a palavra: Se, pois, morremos com ele também viveremos com ele (11).
Fidelis sermo nam si conmortui sumus et convivemus. Parece que Paulo cita um
velho hino cristão que se inicia com a frase seguinte, que acompanha a palavra.
MORREMOS é o primeiro versículo. A palavra morrer com Cristo tem dois
significados; 1º) Comum a todos os cristãos como é ilustrado em Rm 6, 3-5:
todos quantos fomos batizados em Cristo
fomos batizados na sua morte, de sorte que fomos sepultados com ele pelo batismo
na morte…porque se fomos plantados juntamente com ele na semelhança de sua
morte, também o seremos na da sua ressurreição. 2º) O martírio que é
provavelmente o significado com o qual Paulo apresenta o hino, pois ele estava
numa situação em que seu testemunho era vital e que ele afirmaria mais tarde
com a sua própria morte.
SEGUNDO
VERSÍCULO: Se suportamos, também reinaremos com ele; se negamos, também ele nos
negará (12). Si sustinemus et conregnabimus si negabimus et ille negabit nos.
SUPORTAR [ypomenö <5278>=
sustinere] permanecer, ficar, tolerar, suportar, aguentar, esperar, resistir,
manter-se firme, padecer, aguentar, sofrer com perseverança. Este último
significado é o que melhor se acomoda às circunstâncias em que Paulo escreve a
sua carta. O sofrimento de uma prisão romana era particularmente grave: sem
luz, sem movimento, acorrentado às paredes da minúscula cela, malcheirosa e
fria, como dá a entender ao pedir a capa (4, 13). O sofrimento é causa de
mérito, pois o Reino é a resposta dEle, como indicou nas bemaventuranças (Mt 5,
10-12). NEGAR [arneomai<720>=negare] negar, abjurar, rechaçar, recusar,
renegar. Também Jesus o afirmava: Qualquer que me negar diante dos homens eu o
negarei diante de meu Pai que está nos céus (Mt 10, 33).
FINAL: Se não
somos fiéis, ele permanece fiel: não pode negar-se a si mesmo (13). Si sustinemus
et conregnabimus si negabimus et ille negabit nos. INFIEL
[apisteö<569>=não credere] com o significado de trair a confiança,
infiel, não acreditar. Não é o mesmo negar que ser infiel. Pedro negou e os
outros apóstolos foram infiéis. A
negação está no testemunho de boca; a infidelidade, na conduta imprópria e na
covardia de quem cala ante a maldade, que é contrária à bondade para a qual
fomos escolhidos. É o pecado de todo aquele que for contrário à máxima que diz
ama o próximo e tenta fazer agradável a vida do mesmo. A vida verdadeira –cuja
consequência é a vida eterna- só se logra lutando por fazer profunda e
limpamente o bem aos outros. NEGAR-SE [arnësasthai<720>=negare se], Deus
não pode negar-se a si mesmo: Ele é puro amor, entrega, sem ódios nem
rejeições. Isso implica que Deus sempre será fiel como vemos em (Rm 3, 3): Se
alguns foram incrédulos, a sua incredulidade aniquilará a fidelidade de Deus?
Estas palavras nos lembram a parábola do filho pródigo. O pai abandonado não
deixa de esperar a volta do pródigo e o recebe em triunfo, como se nada tivesse
acontecido. Essa fidelidade divina é a essência de sua natureza. Deus é sempre
fiel. Deus é sempre Amor. Porém é o homem que voluntariamente se separa de
Deus. É o homem que quer controlar Deus e ter assim o poder de frear sua
justiça quando se separa da ordem estabelecida. O homem que pensa que Deus é só
Pai e, portanto não existe o castigo, esquece que o maior castigo é o da
consciência, juiz que obriga o culpado a não aceitar o amor do pai e rejeitar a
misericórdia do ofendido, como vemos em Judas, após sua traição. Pelo
contrário, nunca melhor vivemos, mais felizes, que quando a consciência está
tranquila. O Inferno existe e é escolhido voluntariamente pelos que não querem
admitir o amor como supremo dirigente de suas vidas. Seremos julgados [nos
julgaremos a nós mesmos] pelo que temos sido capazes de amar, não pelo que nos
tenham amado os outros e especialmente o Outro que é Deus, cujo amor [e perdão]
é definitivamente rejeitado. Realmente a condenação, segundo esta norma
substancial, não depende de Deus, mas de nossa conduta errada e consciência
culpável. Um exemplo: Pode ser perdoado um ladrão que se nega a devolver o
roubado? A quem ajudará a justiça divina: ao ladrão, por ser pai, ou ao espoliado,
por ser justo? Poderá amar mais o ladrão que o injustamente privado dos seus
bens? Nossa conduta não é indiferente à sua justiça; porque o amor não pode se
opor ao injustamente ofendido. Sempre a conduta humana tem consequências que
implicam a justiça pelo mal feito ao próximo.
EVANGELHO (Lc
17, 11-19)
OS DEZ
LEPROSOS
(Pe. Ignácio,
dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO: Os
milagres de Jesus são sinais da presença salvadora do Reino de Deus e parte
integrante da boa nova que o Cristo anunciou com suas palavras e confirmou com
suas obras. A limpeza dos leprosos, além do fato em si, tem um simbolismo
extra: Jesus não cura unicamente os corpos, mas limpa de impurezas as almas,
fato que no caso nosso aponta o sacramento da reconciliação por intermédio do sacerdote.
Ao mesmo tempo que Jesus cumpre a lei do Levítico, exige a fé dos doentes, que
devem abandonar sua aldeia, para se dirigir a Jerusalém. Jesus sente o
agradecimento do samaritano, ao mesmo tempo que nota, com certa amargura, a
falta de reconhecimento por parte dos outros nove que eram galileus. Jesus
expressa, como homem, um sentimento que poderíamos encontrar em Deus, ao
contemplar muitas condutas humanas que vivem esquecendo os muitos e grandes
benefícios recebidos do alto.
DE CAMINHO:
Então sucedeu ao caminhar ele para Jerusalém que também ele passava pelo meio
da Samaria e da Galileia(11). Et factum est dum iret in Hierusalem transiebat
per mediam Samariam et Galilaeam. AO CAMINHAR: É a terceira vez que, nesta
parte do seu evangelho, Lucas cita, como circunstância temporal e geográfica,
Jerusalém (9, 51; 13, 22 e esta de hoje). É o ambiente de viagem para seu
último destino que dirige os atos e as palavras do grande Mestre, segundo a
forma de relato escolhido pelo evangelista. Parece, como se quisesse pintar a
vida humana de Deus, dependendo do seu último destino, que é um sacrifício
final, não sem antes fazer o bem e se mostrar como mestre único da verdade e da
solidariedade. TAMBÉM ELE: A frase é um pouco misteriosa. Provavelmente se
refere à rota comum que os peregrinos usavam para se trasladar do Norte até
Jerusalém, no Sul. PELO MEIO DA SAMARIA E DA GALILEIA: Como alguns autores
declaram, a frase é um caso típico da inaptidão geográfica de Lucas. A tradução
da vulgata per médium Samariam et Galilaeam é a escolhida pela VA evangélica. A
não ser que o grego seja usado de forma irregular e pudéssemos traduzir através
da Galileia e da Samaria (nessa ordem) ou atravessando a Samaria e a Galileia,
e não pelo meio delas na ordem em que as encontramos no texto grego, como se a
Samaria estivesse mais afastada de Jerusalém do que a Galileia. A geografia não
é tema dominado por Lucas. O texto português moderno traduz: passava entre a
Samaria e a Galileia. Das diferentes bíblias somente três: a latino-americana,
a francesa e a inglesa traduzem pelos
confins [frontieres [Fr] ou border [Ing]} entre, a Samaria e a Galileia.
Supostamente, a menção imprecisa entre as duas regiões só serve para justificar
a presença do personagem principal entre os leprosos, ou seja, a daquele que
era samaritano, cuja presença só poderia ser possível por estar Jesus passando
entre os limites de ambos os territórios.
OS DEZ
LEPROSOS: E, entrando Ele numa vila,
saíram ao seu encontro dez homens leprosos os quais plantaram-se de longe(12).
Et cum ingrederetur quoddam castellum occurrerunt ei decem viri leprosi qui
steterunt a longe. A LEPRA: Não podemos logicamente obter da escritura e dos
evangelhos uma definição, nem mesmo uma descrição, tão acurada como as atuais,
da doença de pele, que tanto discriminava os enfermos nas sociedades antigas. A
doença era um castigo tanto social como religioso. Ela é descrita nos capítulos
13 e 14 do livro do Levítico. Seu nome hebraico tsaraat<06883>[3014 lepra] serve para
designar afecções impuras. Este termo foi traduzido por lepra, ou seu
equivalente, nos diferentes idiomas, apesar de não ser possível afirmar, com
certeza, o seu significado preciso no texto original. Naturalmente, em virtude
da falta de meios para um diagnóstico exato, eram provavelmente chamados
leprosos, não apenas os portadores da hanseníase, mas também portadores de
outras doenças crônicas de pele, muitas das quais, com certeza, não seriam
menos contagiosas para o que hoje chamamos de leucodermia [pele branca]. Também
existia a palavra parah
<06509>que podemos traduzir por surgir uma erupção. Outrossim,
encontramos a palavra negah <05061> significando surto, erupção ou praga
(Lv 13, 12). Pois não existia uma clara ideia do que era a lepra. A sua
descrição, a impureza a ela subsequente e o rito de sua cura com os sacrifícios
correspondentes, estão descritos no Levítico nos capítulos 13 e 14. Quem
distinguia entre lepra e outra dermatose mais ou menos grave, como herpes e até
a tinha, era o sacerdote. Era um exame experimental. Se se formar na pele um
dartro [tipo de herpes] ou uma mancha e, no lugar enfermo, o pelo se tornar
branco e a enfermidade se tornar mais profunda na pele, o sacerdote declarará a
doença como lepra (Lv 13, 3). Em caso de dúvida, o doente deveria permanecer em
quarentena de sete a quatorze dias, que podia ser repetido até ter certeza da
natureza da doença. Mas se o sacerdote
declarasse que a doença era lepra, o doente era declarado impuro. Deveria,
portanto, morar fora do acampamento ou da aldeia, rasgar suas vestes, soltar
seus cabelos, ou seja, sem os cobrir e, no entanto, cobrir o bigode e gritar
impuro cada vez que alguém se aproximasse. A impureza era devida principalmente
às úlceras que se formavam. O rito de purificação, caso fosse declarado puro o
sujeito, antes leproso, exigia duas aves, madeira de cedro, púrpura
carmesim e hissopo. (Lv 14, 4). Temos
visto no domingo do pobre Lázaro, como existiam duas classes de púrpura: a
violácea, a mais cara, e a carmesim ou escarlata. O hissopo era uma planta ou
arbusto de até 60 cm
de altura de folhas aromáticas. Vários pequenos galhos juntos serviam para
aspergir sangue ou água nos ritos religiosos. Atualmente usa-se com o mesmo
nome um instrumento de metal com buracos na parte oposta do mango que serve para
sugar água benta e aspergir com ela objetos e pessoas. O rito da purificação do
leproso era espetacular e parece que estava em vigor no tempo de Jesus desde a
época da construção do tabernáculo no deserto. LEPROSOS CÉLEBRES: O primeiro
foi Moisés a quem Javé mandou por a mão no peito e ao retirá-la apareceu como
coberta de neve, para depois reintroduzi-la e ficar normal de novo (Ex 4, 6-7).
Outro caso memorável foi o de Miriam, irmã de Moisés, que, como castigo por sua
murmuração, teve que se isolar por sete dias até conseguir a cura por
intercessão de seu irmão (Nm 12, 10). Leproso era Naamã o sírio que foi curado
por Eliseu (2 Rs 5) e Giezi, tornado
leproso por sua avareza (2 Rs 5); e leproso era Simeão, hospedeiro de Jesus (Mt
26, 6). Mateus no cap 8 e Marcos no cap 1, narram a cura de um leproso. Já o
relato de hoje, em número e circunstâncias, é próprio de Lucas. A LEPRA
HOJE: O nome científico é Hanseníase. A
doença era própria da Índia e da África. Os gregos a chamavam de Elefantíase e
o termo lepra foi introduzido por Hipócrates como doença com lesões escamosas
entre as quais podem estar a psoríase e os eczemas crônicos. Durante a idade
Média a hanseníase prevalecia na Europa
e no Oriente Médio. No Concílio de Lião (1245) estabeleceram-se regras para
lidar com a profilaxia [medidas de prevenção] da doença: Isolar o doente da
população sadia. Na França, o isolamento era precedido de um ofício religioso
semelhante ao ofício dos mortos, após o qual o leproso era excluído da
comunidade. O doente era obrigado a usar vestimentas características que o
identificavam como portador da doença e fazer soar uma sineta ou matraca para
avisar a gente sadia de sua doença. Data também da idade Média (Séc XIII) a
criação das primeiras associações religiosas, dedicadas a prestar cuidados aos
doentes de hanseníase. Essas associações foram responsáveis pela criação de
centenas de asilos para abrigar os acometidos pela doença. Nesse século cerca
de 19 mil leprosários existiam no continente. A partir do século XVII foram
desativados muitos desses asilos de modo que por volta de 1870 a hanseníase já havia
praticamente desaparecido em quase todos os países com a exceção da Noruega
onde ainda podia ser considerada endêmica [permanente]. Mantinha-se, porém
inalterada na Ásia e na África e tornou-se gradativamente endêmica na América
Latina. No Brasil foi em 1600 que se notificaram os primeiros casos no Rio de
Janeiro, onde anos mais tarde seria criado o primeiro Lazareto. Sem tratamento
eficiente e sendo uma enfermidade contagiosa, o doente era considerado como uma
cultura ambulante da doença e, portanto, uma ameaça à sociedade. Assim como não
se deixam cadáveres insepultos, não se devem deixar leprosos desamparados.
Era-lhes, pois, permitido viver em asilos e até serem recolhidos em cadeias
públicas. Pensemos na ilha de Molokai em que só entravam os leprosos e dos
quais foi apóstolo o Pe. Damião. Na década de 40 do século XX, com a descoberta
da Sulfona, mudou o tratamento, e o isolamento passou a ser seletivo. Outros
dois remédios, Clofazimina, nos anos 60, e Rifampicina, nos anos 70, trouxeram a cura, muito embora o
tratamento demorasse 5 anos. Hoje em dia, o tratamento com PQT
[poliquimioterapia] demora apenas um dia, seis meses, ou doze meses e o
diagnóstico precoce permite que mais de 90% dos pacientes não apresentem
nenhuma sequela. Atualmente, na primeira dose de tratamento, 99% dos bacilos
são eliminados e não há mais chance de contaminação. O microbacilo de Hansen
ataca normalmente a pele, os olhos e os nervos. A doença é também conhecida
como moreia, mal-de-Lázaro ou mal-do-sangue. Não é uma doença hereditária. As
vias de transmissão são pelas vias aéreas. Porém a infecção dificilmente
acontece depois de um simples encontro social. O contato deve ser íntimo e
frequente. A maioria das pessoas é resistente ao bacilo e de 7 doentes apenas
um oferece risco de contaminação. De 8 pessoas em contato com o paciente,
apenas 2 contraem a doença e desses 2, um torna-se infetante. Ela se apresenta
sob duas formas. O tratamento do tipo paucibalar [poucos bacilos] é mais
rápido: basta uma dose mensal [um coquetel], além da ingestão de um comprimido
diário durante 6 meses. Do tipo multibacilar [muitos bacilos] o tempo para o
tratamento é mais longo: são 12 doses uma por mês e a ingestão de dois remédios
diários durante 2 anos. A maioria da população adulta é resistente à
hanseníase, mas as crianças são mais susceptíveis, geralmente adquirindo a
doença quando há um paciente contaminante na família. O período de incubação
varia de 2 a
7 anos, e entre os fatores predisponentes estão o baixo nível econômico, a
desnutrição e a superpopulação doméstica. Por isso ainda tem grande incidência
nos países subdesenvolvidos. A hanseníase tem 4 formas de se apresentar:
Indeterminada, como forma inicial que evolui espontaneamente para a cura na
maioria dos casos e para outras formas da doença em 25% dos mesmos. Geralmente
encontra-se apenas uma lesão de cor mais clara que a pele normal, com
diminuição da sensibilidade. Mais comum em crianças. Tuberculoide: Forma mais
benigna e localizada, ocorre em pessoas com alta resistência ao bacilo. As
lesões são poucas [ou única] de limites bem definidos e um pouco elevados e com
ausência de sensibilidade [dormência]. Ocorrem alterações nos nervos próximos à
lesão, podendo causar dor, fraqueza e atrofia muscular. Dimorfa: forma
intermediária que é resultado de uma imunidade também intermediária. O número
de lesões é maior, formando manchas que podem atingir grandes áreas da pele,
envolvendo parte da pele sadia. O acometimento dos nervos é mais extenso.
Lepromatose: Nestes casos, a imunidade é nula e o bacilo se multiplica muito,
levando a um quadro mais grave, com anestesia dos pés e mãos que favorecem os
traumatismos e feridas que podem causar deformidades, atrofia muscular, inchaço
das pernas e surgimento de lesões elevadas na pele [nódulos]. Órgãos internos
também são acometidos pela doença. A IMPUREZA: A lepra não era tão temida como
doença, mas por ser causa de marginalidade total na sociedade antiga. Na realidade,
a impureza que a acompanhava por causa das chagas purulentas era absoluta.
Segundo o modo de pensar do AT, o sangue derramado era uma das fontes de
impureza. O sangue não podia ser derramado porque era considerado como base da
vida, que pertencia diretamente a Deus; daí que o contato com o sangue tinha um
sentido religioso como se fosse um
relacionamento íntimo com a divindade, dona da vida. A perda do sangue
era considerada como perda de vitalidade, a qual deve ser restabelecida através
de certos ritos alcançando sua integridade para se unir com o Deus, fonte da
vida. As leis da impureza estão no Levítico entre os capítulos 11 a 15. Existem animais
impuros no capítulo 11; há uma impureza de nascimento no capítulo 12; fala-se
da impureza da lepra nos capítulos 13 e 14 e a menstruação merece um capítulo à
parte como é o 15. A
impureza de um leproso durava toda a vida e o leproso deveria ser mandado fora
do acampamento pois no meio do povo só habitava o Senhor (Lv 15, 31). A razão
para essa lei era a santidade divina que podia ser maculada por certas ações
entre as quais as principais eram a idolatria e o derramamento de sangue,
especialmente de inocentes como eram as crianças oferecidas aos deuses ou Baals
(Sl 106, 38). A impureza legal, especialmente se ligada com o exercício
sacerdotal, tomou conta da impureza interior ou pecado, de modo que este último
não fosse mais considerado na sua intencionalidade interna, sendo que toda a
lei e seu cumprimento estavam em evitar a impureza externa da qual os fariseus
fugiam como essencialmente contagiante. O pecado estava também unido à miséria
física e econômica (Jo 9, 2). Não somente o leproso era considerado impuro, de
modo que deveria ser afastado e morar à parte; mas também os vestidos cobertos
de mofo eram considerados como tendo lepra e deveriam ser considerados impuros.
Também o mofo ou bolor das casas as tornava impuras e sujeitas à inspeção do
sacerdote como eram as pessoas (Lv 14, 33 ss).
O GRITO: Então
eles elevaram a voz dizendo: Jesus, senhor, tende piedade de nós (13). Et
levaverunt vocem dicentes Iesu praeceptor miserere nostri. Segundo a lei, o
leproso não podia ter contato com as pessoas sãs, e devia chamar a atenção das
mesmas gritando: impuro, impuro. O grito indica que estavam longe e deviam elevar
a voz para serem escutados. SENHOR: A palavra é epistatës [<1988>=praeceptor], que
significa presidente, ou seja, superior, amo, dono, chefe, comandante, e que
temos traduzido por senhor. O inglês tem máster [dono, amo] que é a tradução
mais apropriada da palavra grega. Na linguagem atual seria Doutor, vocábulo com
o qual é reconhecida a superioridade do interlocutor. Eles sabem que Jesus tem
o poder de cura. Por isso eles pedem que olhe para eles com compaixão.
A RESPOSTA DE
JESUS: E tendo visto, disse-lhes: marchando, apresentai-vos aos sacerdotes, e
sucedeu ao irem eles, foram curados. A CURA: Não foi imediata como quando disse
ao leproso: quero, fica limpo (Mt 8,3), mas respeitando as regras da lei,
mandou que fossem aos sacerdotes para que estes os declarassem curados. A
reação dos leprosos foi diferente da de Naamã, que resistiu em obedecer; os
nossos doentes seguiram a ordem de Jesus e, no caminho, é que eles se sentiram
curados. O SACERDOTE: Como temos visto a impureza, que tem como razão o derramamento
do sangue, liga a lepra ao sentido religioso e por isso era o sacerdote quem
deveria declarar sua existência, da qual dependia a vida social do indivíduo.
Por isso a reintegração do leproso deveria ser feita com um sacrifício
semelhante ao sacrifício pelo pecado (Lv 14, 1-31. 49-53), pois era um atentado
à virtude vivificante do Deus de Israel. O rito de purificação abrangia
detalhes que hoje parecem ridículos, mas que, sem dúvida, tinham seu
significado nos costumes da época. Um detalhe importante é que assim como na
purificação do dia do Yom Kippur um dos dois bodes do sacrifício era deixado no
deserto para o demônio Azazel que com esse bode recebia as impurezas do povo,
também havia dois pássaros na purificação do leproso e um deles era solto após receber
a infusão do sangue do pássaro sacrificado. Assim ele levaria a impureza longe
do povo e do doente. Uma questão à parte é por que Jesus, neste caso, não cura
de imediato, mas manda respeitar a lei que nos outros casos não impõe. Talvez
seja pelo número dos enfermos que se curados de imediato, seria um fato tão
notável que poderia meter em uma enrascada o messiado de Jesus. Assim, longe
das turbas e de toda comoção social, os leprosos são curados enquanto se
dirigiam a Jerusalém.
O AGRADECIDO:
Um, pois, dentre eles, tendo visto que fora curado, voltou com grande voz
louvando a(o) Deus(15). Unus autem ex illis ut vidit quia mundatus est
regressus est cum magna voce magnificans Deum. Um samaritano [único ou havia
mais da mesma etnia?] foi o único que voltou
dando graças a Deus, como veremos no parágrafo seguinte. O nome de Deus era El,
muitas vezes usado no plural Elohim, e que receberá segundo situações
determinadas diversos atributos como El-Elyon= Deus Altíssimo (Gn 14, 22).
El-Roi=Deus da visão (Gn 16, 13), El Shadai= Deus da montanha (Gn 17, 1),
El-Olam= Deus eterno (Gn 31, 33), El- Betel=Deus de Betel (Gn 35, 7); mas, sem
dúvida, o NOME [Hashem ou Hashem Yitbarah, nome oculto] era o de JAVÉ [YHWH]
(Êx 3, 13) que na língua hebraica é traduzido por o Eterno e que alguns
modernos traduzem por o que existe, o vivente e daí o verdadeiro, o único. Os
setenta traduziram por Ego eimi ho on= eu sou o é [o que existe]. O apocalipse
dirá: Aquele que é, aquele que era Aquele que vem, o Todo-poderoso (Ap 1,8). Este
Deus era a quem o samaritano dava glória com grandes vozes. Sabia muito bem que
um homem não podia realizar semelhante cura e que, se ela se fazia através da
ordem de um homem, era porque o tal falava em nome de Deus, era sua voz, seu
profeta.
O SAMARITANO:
E caiu sobre o rosto aos pés dEle dando-lhe
graças. E o tal era samaritano(16). Et cecidit in faciem ante pedes eius
gratias agens et hic erat Samaritanus. Ao chegar a Jesus, prostrou-se com o
rosto em terra aos pés de Jesus. É a proskynesis, forma de submissão ao rei
oriental. O Grande, Rei dos persas, que Alexandre o Grande quis exigir depois
de seu regresso da Índia em 324
aC para ser reconhecido como deus. Jesus é, pois
homenageado como Rei, no mínimo (Mt 2,2) e talvez como representante de Deus
(Jo 4, 20) e intermediário da ação divina. Deu-lhe graças. É a única passagem
dos evangelhos em que a ação-de-graças (eucharisteuo) é dada a Jesus e não a
Deus. O estrangeiro, como Jesus o chama para evitar o sobrenome de samaritano
que era um insulto porque era sinônimo de herege, louva a Deus por sua cura e
agradece a Jesus, causa próxima da mesma, venerando-o como um profeta do
Altíssimo, e representante do poder deste último na terra.
A QUEIXA:
Tendo respondido Jesus disse: não foram limpos os dez? Os nove, pois, onde
(estão)?(17). Não foram encontrados (sic) os que regressaram para dar glória
a(o ) Deus senão este estrangeiro?(18). Respondens autem Iesus dixit nonne
decem mundati sunt et novem ubi sunt. Non est inventus qui rediret et daret
gloriam Deo nisi hic alienígena. A queixa de Jesus é causada pela repercussão
de unicamente contemplar, como curado, um dos dez. Implicitamente Ele afirma
que também os ausentes foram limpos da lepra. E logo claramente afirma que dar
glória a Deus é agradecer sua pessoa. Esta parte é a nossa função principal
como cristãos ou discípulos de Jesus. Adorá-lo no verdadeiro sentido de ver
nEle a divindade, é a maior glória que uma criatura humana pode dar ao Deus
único. O versículo 18 é um tanto incorreto em grego e temos deixado assim mesmo
a tradução literal. Ao Deus: sempre que se referem a YHVH os evangelistas usam
o grego Theos <2316> com artigo
determinado, para distingui-lo dos outros deuses pagãos.
A FÉ: E
disse-lhe: Levanta, vai embora: tua fé te salvou (19). Et ait illi surge vade
quia fides tua te salvum fecit. O grego muito propriamente usa o levanta em
aoristo e o vai em presente para indicar uma ação passada pontual e a outra
atual contínua. A fé: É importante observar como todos os evangelistas
apresentam a fé como um requisito antes da cura. Mutatis mutandis podemos dizer
que é também o requisito para a salvação da alma. O maior e talvez único
obséquio que o homem pode oferecer ao Deus que deseja salvá-lo é a fé, a
entrega, com plena confiança, nas mãos que o podem ajudar como confia um filho
na bondade do pai. Nada temos a oferecer a um Deus absolutamente pleno que nada
necessita; mas deixamos que Ele atue livremente em nós: é aí onde estão
coincidindo as duas liberdades: a do homem que confia plenamente e se entrega,
e a de Deus que atua com total permissão. A obediência dos leprosos à palavra
de Jesus consegue a cura; mas aparentemente, sua falta de agradecimento os
desvia de quem foi seu salvador. Em Jesus, o samaritano, infiel e herege
segundo os judeus, encontrou o Deus verdadeiro e o seu representante na terra.
Daí a proskynesis como fez o cego a quem Jesus pediu fé em sua pessoa: Crês no
Filho do Homem? (Jo 9, 38). Por isso dirá Jesus ao samaritano: Tua fé te salvou
(19). Há, pois um contraste entre cura e salvação que o mundo atual não
percebe, porque os bens imediatos, embora não sejam tudo, são os únicos que
interessam e preocupam a maioria. E uma
vez obtidos estes, não nos preocupamos com a salvação, que é a posse de Jesus
como fim de nossas vidas.
PISTAS: 1) Os
marginalizados se aproximam de Jesus. Apesar de sua total culpabilidade perante
Deus e os homens, eles têm esperança. Sua cura dependia daquele Mestre
[epistates= chefe, ou líder], de quem tinham ouvido falar como grande médico e
curandeiro. O seu grito pode ser também o nosso, quando a esperança só tem como
base a bondade divina: eleeson ymas, compadece-te de nós. Como pensamos que
Deus vê nossas vidas? Limpos e puros ou tão terrivelmente marcados pelo mal que
parecemos monstruosos leprosos cheios de imundície? Somos diante de Deus
malditos e assim se tornou seu Filho, não unicamente maldito, mas maldição para
nos salvar (Gl 3, 13).
2) O ponto de
partida para a ação divina é a súplica. Jesus não os busca. São eles que o
buscam, que sabem que Jesus tem poder para curar. O resto é um mandato:
conformem-se com a lei se é que querem viver em sociedade de novo. Naamã foi
mandado a se lavar no Jordão. Os dez leprosos foram enviados para o sacerdote.
Nada há de anormal ou extraordinário em ambas as ocasiões. É a obediência que
atrai a ação de Deus e transforma o homem em seu filho amado no qual encontra
satisfação (Mt , 17).
3) O
agradecimento é essencial nas relações com Deus. Todos nós somos semelhantes
aos nove leprosos curados. Incapazes de uma súplica que não seja uma petição de
ajuda. Uma vez obtida a mesma, esquecemos o louvor, o elogio, a ação-de-graças.
Nossa religiosidade tem muito de magia, de oportunismo, de interesse, de
ingratidão. Conformamo-nos com o nosso bem-estar e esquecemos o muito que temos
recebido como dom e como presente. O pouco mal que nos atinge não nos permite
enxergar o muito de bem que nos rodeia. Por isso, a queixa é mais abundante do
que o louvor.
4) Por esse
egoísmo próprio de quem só olha seu próprio bem, esquecemos que os bens são
fruto de uma dádiva divina. Nos servimos de Deus, não servimos a Deus. E a
melhor maneira de servi-lo é agradecê-lo e obedecê-lo. Esquecemos que os bens,
agora possuídos, são uma simples amostra do que nos espera se a gratidão tomar
conta de nossas vidas. O canto às misericórdias de Deus nesta vida é só o
começo do canto sem fim que será o modus vivendi na eternidade. Desde já devemos
aprender a recitá-lo, caso queiramos vivê-lo como experiência existencial.
5) Não temos
lepra que nos separa socialmente, mas a Aids, etnia, e pobreza, marginalizam
muita gente neste mundo, que se gloria de sua globalização. Quem não tem ouvido
falar dos ciganos, dos negros, dos indígenas? E eles não são contagiosos, o
contágio, pelo contrário, é a ideia de que existem classes e diferenças.