Roteiro Homilético 9: Padre Françoá Costa
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Justificados
pela fé
Na semana
passada, refletimos sobre a fé. Gostaria de continuar com o mesmo tema, mas
dessa vez desde outra perspectiva. O que acontece é que eu também, como você,
escutei na passagem do Evangelho oferecido pela liturgia de hoje o seguinte:
“Levanta-te a tua fé te salvou” (Lc 17,10). Ou seja, a fé salva!
Martinho
Lutero foi um sacerdote agostiniano alemão que viveu no século XVI, homem de
grande inteligência e de uma fina sensibilidade. Atormentado pelos seus
escrúpulos de consciência e sentindo-se oprimido pelas normas da religião,
passou por uma experiência que mudaria a sua vida. Leu Rm 1,17: “o justo viverá
da fé”. Lutero entendeu que bastaria a fé, somente a fé, para salvar-se; as
obras não contariam para nada nesse processo de salvação. A partir daquele
momento, seria clássico o tripé luterano: Sola fides! Sola gratia! Sola
Scriptura! A tradução é fácil: Somente a fé! Somente a graça! Somente a Bíblia!
Com exclusão das obras, do esforço ascético e da Tradição da Igreja. Logicamente,
a partir daquele momento, Lutero já não se sentia ligado à autoridade da Igreja
Católica para interpretar a Sagrada Escritura. Curiosamente, parece que Lutero
não leu muito bem o seguinte capítulo da Carta aos Romanos que, entre outras
coisas, nos diz que Deus “retribuirá a cada um segundo as suas obras” (Rm 2,6),
nem tampouco o que escreveu o mesmo Apóstolo aos gálatas: que a fé “opera pela
caridade” (Gl 5,6).
Enfim, o
Concilio de Trento teve que tratar dessa questão e fê-lo magistralmente no ano
1547. O fruto daquela Sessão VI do Concilio foi o valiosíssimo Decreto sobre a
justificação. É interessante observar que, desde o começo, o Concilio não se
preocupou em dar uma interpretação imediata a uma passagem concreta, como
poderia ser Rm 1,17, mas primeiramente quis conhecer profundamente o que
significa ser justificado, ser justo, o que quer dizer “justificação”. Depois
de deixar claro até que ponto chegou o drama do ser humano – pecador, imundo,
separado de Deus, com uma vontade e uma liberdade enfermas, incapaz de
salvar-se a si mesmo –, nos explica que a salvação nos vem de Jesus Cristo. Ele
nos salvou, mas cada de um nós tem que deixar-se lavar pelo seu sangue
purificador. Finalmente, o Concilio nos diz que a justificação não é somente
remissão dos pecados, mas também santificação e renovação do homem interior
pela voluntária recepção da graças e dos dons. E qual é o papel da fé na
justificação já que a Escritura afirma que o somos justificados pela fé (cfr.
Rm 1,17; 3,28)? O Concilio interpreta essas palavras da Escritura com outras:
“sem fé é impossível agradar a Deus, pois para se achegar a ele é necessário
que se creia primeiro que ele existe e que recompensa os que o procuram” (Hb
11,6). Ser justificado pela fé, ser salvado e santificado pela fé, significa
que para ser justo diante de Deus é preciso antes crer que ele existe e que é a
causa da nossa santificação. Com efeito, como estar inserido em Cristo se não
cremos nele e se não permitimos, livremente, que ele entre nas nossas vidas?
Deus é muito cortês, se nós não permitimos que ele entre na nossa casa, ele não
entrará, mas continuará insistindo.
“Levanta-te a
tua fé te salvou” (Lc 17,10). Abracemos cada vez mais a salvação doada por
Cristo a cada um de nós, mas não nos esqueçamos de que é importante voltar para
agradecer com obras e na verdade. Aquele samaritano, que antes era leproso como
os outros, quis percorrer o caminho de volta para agradecer a Jesus
pessoalmente prostrando-se aos seus pés. A sua fé foi acompanhada por umas
quantas obras que mereceram um elogio e uma exclamação de Jesus: “Não se achou
senão este estrangeiro que voltasse para agradecer a Deus?!” (Lc 17,18).
Agradeçamos ao Senhor “opere et veritate”, com obras e na verdade, pois,
salvados em Cristo Jesus, “esforçai-vos quanto possível por unir à vossa fé a
virtude, à virtude a ciência, à ciência a temperança, à temperança a paciência,
à paciência a piedade, à piedade o amor fraterno, e ao amor fraterno a
caridade. (…) Portanto, irmãos, cuidai cada vez mais em assegurar a vossa
vocação e eleição” (2 Pd 1,5-10). Sim, a nossa fé nos salvou, mas é preciso
continuar cuidando – por uma vida santa – essa salvação para que aumente em nós
e para que um dia seja eterna e vejamos, face a face, a Deus Pai e Filho e
Espírito Santo.
Pe. Françoá
Costa