30º domingo do tempo comum, Ano C 4
Roteiro Homilético 4: Dom Henrique
No Domingo
passado, a Palavra de Deus nos falava da oração. Vimos, naquela ocasião, que
rezar nos coloca diante de Deus com toda a nossa vida: a oração é a atitude
fundamental do homem de fé. Quem não reza é ateu, fechado em si, na sua
auto-suficiência. Para quem não reza – ou não reza de verdade, com espírito de
orante -, Deus na passa de um objeto. Neste sentido, Santo Agostinho dizia que
“a fé não é para os soberbos, mas para os humildes”. Somente aquele que se sabe
pequeno e frágil, imperfeito e limitado diante de Deus reza de verdade. Por
isso o Eclesiástico afirma que “a prece do humilde atravessa as nuvens”. E aqui
não se trata simplesmente de uma oração de momento, mas de uma atitude de vida:
atravessa as nuvens os desejos do coração daquele que vive a vida diante de
Deus e não fechado em si mesmo: “Bendirei o Senhor Deus em todo tempo, seu
louvor estará sempre em minha boca!” – Vejam: é este o verdadeiro orante,
porque é este o verdadeiro crente: aquele que sabe bendizer a Deus em todo o
tempo – seja no tempo bom, seja no mau. “Seu louvor estará sempre em minha
boca!”
Pensando
nisso, meditemos na parábola de Jesus, sobre a atitude dos dois homens que
sobem ao Templo para rezar… Por que Jesus a contou? Contou-a “para alguns que
confiavam na sua própria justiça, isto é, na sua própria retidão, nos seus
próprios méritos, na sua própria santidade e desprezavam os outros”. Como reza
o fariseu? Santo Agostinho explica que ele nem sequer reza: “Procura nas suas
palavras o que ele pediu. Não encontras nada! Foi para rezar, mas não rezou a
Deus; só louvou a si próprio! Mais ainda: não lhe bastou não rezar, não lhe
bastou louvar a si próprio e ainda insultou aquele que rezava de verdade!” O
fariseu, na verdade, é incapaz de uma verdadeira comunhão com Deus: ele somente
tem a si próprio ante seus olhos, ele é o seu próprio Deus, a sua própria
satisfação e, quando se mede com os outros, é para insultar e desprezar
interiormente… Bem diferente de Jesus, que tinha tudo para nos acusar e, no
entanto, quando nos olha, é para ter compaixão, para perdoar, para nos estender
a mão.
E o publicano?
Qual a sua atitude? “Ficou à distância, e nem se atrevia a levantar os olhos
para o céu; mas batia no peito, dizendo: ‘Meu Deus, tem piedade de mim que sou
pecador!”’ De modo poético, diz Santo Agostinho que “o remorso o afastava, mas
a piedade o aproximava; o remorso o rebaixava; mas a esperança o elevava”. Eis
a atitude do homem aberto para Deus, daquele que se vê na luz do Senhor: tem
consciência do seu nada, da sua miséria, do seu pecado, mas sabe que é amado
por Deus; sabe que o que de bom possui e faz é dom da graça do Senhor! E porque
assim vive e assim procede, esse pobre pecador experimenta a misericórdia de
Deus, daquele que, como diz o Salmo, “volta sua face contra os maus, para da
terra apagar sua lembrança. Do coração atribulado ele está perto e conforta os
de espírito abatido” . Como termina a parábola? Deixem-me ainda citar Santo
Agostinho: “Escutaste o contraste entre o fariseu e o publicano; escuta agora a
sentença. Escutaste o soberbo acusador e o réu humilde. Escuta, agora, o Juiz:
‘Em verdade eu vos digo: aquele publicano saiu do templo justificado, não o
fariseu’. Senhor, dize-nos o motivo! Perguntas o por quê? Eis: ‘ Porque quem se
exalta, será humilhado, e quem se humilha, será exaltado’. Ouviste a sentença;
guarda-te bem de caíres no motivo; ouviste a sentença; preserva-te da soberba!”
Meus caros,
não é esta a nossa grande tentação? Achar que somos bons, que somos justos
diante de Deus, que mereceríamos um prêmio de honra ao mérito. E, ainda mais:
do alto da nossa auto-suficiência, quantas e quantas vezes julgamos, condenamos
e executamos os outros! No entanto, se nos recordássemos os nossos pecados com
sinceridade, como o publicano, não nos acharíamos grandes diante de Deus e não
julgaríamos nem condenaríamos, como o fariseu. Pensemos nos tantos benefícios
que do Senhor recebemos, pensemos nos nossos pecados e na nossa preguiça para
amá-lo como ele deve ser amado, pensemos nas nossas incoerências e
infidelidades, pensemos nas nossas fraquezas… Se assim o fizermos, não teremos
a pretensão de merecer nada diante de Deus, seremos humildes e também mais
compreensivos com as fraquezas dos irmãos. Nunca percamos de vista o seguinte:
aquele que se acha merecedor diante do Senhor, merece, na verdade somente a sua
repreensão, pois ainda não compreendeu de fato que Deus nos amou primeiro e não
só nos chamou à vida, como também deu-nos o seu Filho quando ainda estávamos
nos nossos pecados! Estejamos atentos ao exemplo de São Paulo, na segunda
leitura de hoje. Ele, que tinha tanto de se gloriar, porque combateu o bom
combate, com toda humildade esperou do Senhor o prêmio da coroa da justiça. Que
diferença do fariseu! Este, confiava na sua própria justiça; o Apóstolo esperou
na justiça do Senhor. Por isso, na fraqueza experimentou a força do Senhor e,
na tribulação, experimentou que o Senhor lutou por ele…
Que este mesmo
Senhor nos dê a graça de um coração humilde, que coloque somente nele a
confiança, o repouso e a esperança da salvação. Assim, seremos livres da
soberba e justos diante de Deus. Amém.