31º domingo do tempo comum, Ano C 5
Roteiro Homilético 5: Franciscanos
O amor de Deus
e a gratidão do pecador
“A glória de
Deus é a vida do homem” (Sto. Ireneu). Quando esse homem é pecador, esta frase
soa: “Deus não quer a morte do pecador, mas sim, que ele se converta e viva”
(Ez 18,23). Deus gosta apaixonadamente de sua criação. Não quer que algo se
perca. Daí, suas incansáveis tentativas para recuperar os homens que – porque
Deus lhes deu a liberdade – se afastaram dele. Quando ele castiga os pecadores,
é com intenção pedagógica: para lhes lembrar o pecado e fazer com que se
convertam, voltem (1ª leitura). Ora, quando o pecador se volta para Deus, já
encontra Deus voltado para ele (Lm 5,21; Lc 15,20). No perdão, conjugam-se o
interesse de Deus, procurando o que estava perdido (Lc 15,4-10.32; 19,10), e o
do homem, procurando a presença do Pai (Lc 15,18). Conjuga-se o amor do
pecador, que se chama contrição, com o amor de Deus, que se chama perdão (cf.
Lc 7,36-8,3; 11° dom.). É o que acontece com Zaqueu, o publicano (como
aperitivo deste episódio, tivemos, domingo passado, a parábola do fariseu e do
publicano). Zaqueu procurou ver Jesus, subindo numa árvore (por duas razões:
porque era “baixinho” – humilde – e porque assim ficaria escondido dos
comentários dos vizinhos, que o detestavam). Mas Jesus estava também à procura
de Zaqueu e de todos os publicanos e pecadores, para lhes oferecer a graça de
Deus. Assim aconteceu o encontro. Jesus se faz acolher pelo pecador! Institui
com ele a amizade marcada pela comunhão da mesa. E Zaqueu responde à comunhão
restituindo o quádruplo do que tiver recolhido desonestamente e dando a metade
de seus bens aos pobres. O Filho do Homem veio para salvar o que estava perdido
(Lc 19,10) (evangelho).
Este episódio
se insere na perspectiva final do evangelho de Lc e de todo o ano litúrgico, a
perspectiva escatológica. Em Mc, a última etapa da viagem de Jesus,
Jericó-Jerusalém, é marcada pela cura do cego, que se torna discípulo. Em Lc,
essa narração é, por assim dizer, geminada com a de Zaqueu. Jesus cura o cego
por causa de sua fé, mas faz mais ainda: cura o pecador por causa de sua procura
de ver Jesus, o enviado do Pai. É a hora em que “toda a terra vê a salvação de
Deus”, enquanto Jerusalém não reconhece a hora de sua visitação (19,44). Jericó
é o lugar da fé, em oposição a Jerusalém, lugar da morte do profeta (embora daí
deva sair a salvação para o mundo inteiro). Por isso, Jesus “visita” Zaqueu, o
convertido da última hora.
Estamos no fim
do ano litúrgico, na hora de acolher aquele que nos visita. Esse acolhimento,
porém, não é espalhafatoso. É o acolhimento no coração esvaziado do orgulho
(cf. dom. pass.) e do pecado. Acolhendo o Salvador, enche-se de alegria (19,9).
Nesta alegria, seremos capazes de realizar o que nosso coração nos inspira;
repartir generosamente tudo o que Deus nos deu. Somos como o povo em dia de
festa: reparte tudo, para nada sobrar…
No fim do ano
litúrgico lêem-se, na 2ª leitura, as cartas escatológicas de Paulo: 1 Ts (ano
A) e 2Ts (ano C). Hoje inicia a leitura da 2Ts. Na 1 Ts, Paulo acentuou a
seriedade da perspectiva escatológica: devemos estar prontos para o Dia do
Senhor, vivendo como de dia, ocupados com as obras justas que Deus nos confiou,
sobretudo, o serviço fraterno. Na 2Ts, critica os que exageram a perspectiva da
Parusia; os fanáticos, que, sob o pretexto da proximidade da Parusia, já não
fazem nada… Usurpam o nome de Paulo para espalhar suas opiniões. Portanto, diz
Paulo: desconfiai de tais notícias. A proximidade da vinda não dispensa o bom
senso! Se “a causa de Deus é a causa do homem”, a proximidade de Deus, em vez
de nos desestimular da construção de um mundo mais humano, deve ser mais um
incentivo para fazer com que Deus, quando vier, encontre uma casa que o possa
acolher como Pai de todos os seus filhos. Mesmo se sabemos que, em última
análise, ele mesmo construirá nossa casa! Pois isso não nos dispensa de lhe
oferecer hospitalidade, transformando o mundo numa digna moradia para os nossos
irmãos, representantes em nosso dia-a-dia. Isso é “a graça de lhe servir como
convém” (oração do dia).
O pecador
encontrando-se com Jesus
“Como eu não
sei rezar, só queria mostrar meu olhar…” diz o romeiro caipira de Pirapora… O
evangelho de hoje nos mostra assim uma pessoa que só quis encontrar, com seu
olhar, o olhar de Jesus: Zaqueu, o chefe dos publicanos, aqueles corruptos que,
por comissão, cobravam taxas para o imperialismo estrangeiro… Ora, encontrando
o seu olhar, Jesus se convida a si mesmo para jantar na casa dele… A vida de
Zaqueu se transforma. Converte-se, doa a metade de seus bens, restitui em
quádruplo o que extorquiu (a lei romana obrigava a restituir o dobro). Jesus
veio para este encontro. Veio procurar o que estava perdido. Foi um grande dia
para ele: Deus se revelou maior que o pecado.
Para nós, este
evangelho traz muita esperança. Significa que as pessoas não devem ser, sem
mais, identificadas com seu pecado, com o sistema injusto no qual estão
funcionando, com o imperialismo romano cobrando impostos por comissão ou
qualquer outro sistema. Sabemos hoje cientificamente o que sempre se soube
intuitivamente: não basta converter as pessoas, é preciso transformar as
estruturas. Ora, Jesus mostra que a conversão da pessoa abala também a
estrutura iníqua, pois esta teve que largar sua presa! A conversão de um
pecador significa que alguém escapou do sistema do mal; é sinal do novo céu e
da nova terra que estão por vir.
Em nossas
comunidades existem dois perigos opostos, ambos muito prejudiciais. Ou se
condena pura e simplesmente os ricaços e burgueses como inúteis para a Igreja
dos pobres, ou se coloca todo o peso nos problemas e nas conversões
individuais, sem que isso chegue a atingir a realidade social. Cada verdadeira
conversão individual, tanto de um pobre como de um ricaço, mexe com as estruturas
do mal e torna o Reino de Deus mais próximo.
E o papel da
comunidade em tudo isso é: provocar o encontro do pecador com Jesus – ajudar
Zaqueu a subir na árvore.