31º domingo do tempo comum, Ano C 9
Roteiro Homilético 9: Padre Françoá Costa
(http://www.presbiteros.com.br/)
Atravessando a
cidade
Uma das
expressões que o Evangelho de hoje utiliza parece-me de um grande valor
significativo: Jesus estava “atravessando a cidade” de Jericó. Anos, decênios,
séculos, milênios atrás, outro Jesus atravessou Jericó. Refiro-me a Josué.
Sabe-se que a palavra Jesus é a transcrição grega da palavra Yeschowah, que
significa “O Senhor (Javé) é o Salvador”. Os nomes de Jesus e de Josué são,
portanto, o mesmo nome.
A narração da
conquista de Jericó é grandiloquente. A arca do Senhor presidia aquela
imponente procissão, sete sacerdotes tocavam as trombetas diante da arca e,
diante dos sacerdotes, um exército em ordem de batalha. Durante seis dias, o
Povo de Deus dava uma volta ao redor de Jericó; no sétimo dia, porém, sete
voltas, toque de trombetas, gritos do povo e muralha ao chão. Jericó já estava
derrotada! A Sagrada Escritura no diz que eles “tomaram a cidade e votaram-na
ao interdito, passando a fio de espada tudo o que nela se encontrava, homens,
mulheres, crianças, velhos e até mesmo os bois, as ovelhas e os jumentos” (Js
6,21). Barbaridade!
No Novo
Testamento, o Novo Josué não tinha como objetivo destruir os muros de Jericó, o
que Jesus queria era derrubar os muros do coração de Zaqueu que, por contraste,
“era de baixa estatura” (Lc 19,3). Ademais, Zaqueu não pôs resistência ao
chamado de Jesus. Zaqueu era uma dessas pessoas que podemos chamar “um homem de
boa vontade”: ele queria ver a Jesus; rico como era, fez o esforço de subir a
um sicômoro para ver a um profeta; quando Jesus o chamou, esse bom homem não só
aceita com toda alegria que Jesus entre na sua casa, mas é tão generoso que ao
descobrir o tesouro da amizade de Jesus, relativiza totalmente aquilo que ele
tanto desejou e conquistou durante a sua vida, dinheiro. Jesus votou o coração
de Zaqueu ao interdito, passando a fio de espada os vícios que nele se
encontrava.
Deixemos que
Jesus passe pelas nossas vidas. Ele não quer entrar na nossa cidade interior
como entrou Josué em Jericó, mas à semelhança do que aconteceu com Zaqueu.
Tanto é assim que se nós não deixarmos cair as muralhas do nosso coração, ele
não entrará. Talvez em algum momento também nós, os cristãos, desejamos que
Jesus atue à maneira antiga de pensar: forçando aos pobres mortais a dobrarem
os joelhos diante dele, a reconhecerem que só há um Deus e que devem abandonar
a sua vida de pecado; obrigando a que todos o sirvam; obrigando a que o mundo
seja mais justo, mais solidário, mais fraterno; que ele não permita jamais um
terremoto, um furacão ou uma enchente destruidora das melhores colheitas; que
ele não deixe, por nada do mundo, que tenhamos enfermidades, guerras, matanças,
fome, bombas atômicas, drogas etc. Gostaríamos que Deus fosse mais autoritário,
mais forte, mais rigoroso, que resolvesse de uma vez por todas os graves
problemas da humanidade. Até parece que gostaríamos que Deus suprimisse para
sempre a nossa liberdade, a nossa capacidade de fazer o bem e fazer o mal, de
que nos transformasse em meros robôs e que o mundo fosse uma espécie de jogo de
videogame onde Deus, como é inteligente, sempre ganha a batalha. Mas… como
seria triste! Nós, criaturas inteligentes e com uma capacidade enorme de amar,
transformados em máquinas! Não! Deus não quis que fosse assim, não quis que
fôssemos como pedras ou madeiras. Ele nos amou e o seu amor foi a causa da
nossa existência. Deus nos fez à sua imagem e semelhança para que –
inteligentes, criativos, com vontade e memória, cheios da sua graça –
pudéssemos embelezar esse mundo e a vida dos nossos irmãos.
Permitamos,
portanto, que Jesus passe ao seu estilo, com a sua mansidão, bondade e
generosidade, contando conosco para que lhe ofereçamos um banquete e sejamos
amáveis com os nossos semelhantes. Ele também quer escutar aquilo que queremos
– voluntariamente e movidos por sua graça – dizer-lhe: “Senhor, vou dar a
metade dos meus bens aos pobres e, se tiver defraudado alguém, restituirei o
quádruplo” (Lc 19,8). A resposta de Jesus? É a mesma: “Hoje entrou a salvação
nesta casa” (Lc 19,9). A partir desse momento, veremos de outra maneira a
respiração da terra durante os seus imponentes vulcões; a confiança que Deus
tem no ser humano ao fazê-lo livre; a grandeza da liberdade humana que pode
dirigir-se tanto ao bem quanto ao mal. Ah, e não nos esqueçamos de que também é
bom aceitar os limites da nossa inteligência humana à hora de tentar
compreender os mistérios da natureza, da graça e da glória. Deus é sábio,
entreguemo-nos a ele. Sem dúvida, quanto mais estivermos nas suas mãos, mais
entenderemos quais são os seus planos para o mundo, para a humanidade e para a
nossa própria vida. Somente quem está insertado na vida de Deus pode entender o
que pode vir a ser a vida dos homens.