Roteiro Homilético 1: Vida Pastoral
I. INTRODUÇÃO GERAL
Celebrar a festa de Nossa Senhora
da Conceição Aparecida, padroeira do Brasil, significa contemplar aquela que
soube orientar sua vida na fidelidade ao projeto de Deus, defendendo e
promovendo a vida do povo sofredor. O seu protagonismo está explicitado nas
três leituras da liturgia de hoje. A primeira apresenta Ester. Atenta à difícil
situação na qual se encontrava o povo, com sua originalidade e ousadia, ela se
propõe ser mediadora eficaz para salvá-lo da opressão e da morte. . O Evangelho
de João revela que o primeiro sinal público de Jesus foi realizado com a
mediação de Maria, atenta às necessidades dos convidados de uma festa de
casamento. O livro do Apocalipse apresenta a mulher como geradora de vida nova
num contexto de perseguição violenta. A mulher, nos textos de hoje, retrata a
comunidade de fé que se mobiliza a favor do povo em situação de necessidade,
proporcionando-lhe condições de vida com paz e alegria. Tudo a ver com a
celebração de Nossa Senhora Aparecida, a nossa Mãe negra, que apareceu a pobres
pescadores em 1717 num contexto de escravidão dos negros. O povo brasileiro
guarda-lhe profunda veneração. A solidariedade de Maria com as pessoas
necessitadas e excluídas é importante indicativo para todos os que desejam
caminhar na vida como discípulos e missionários de Jesus.
II. COMENTÁRIO DOS TEXTOS
BÍBLICOS
1. I leitura (Est 5,1b-2;
7,2b-3): A mulher que salvou um povo
O livro de Ester, em sua forma
atual, situa-se pelo II século a.C. Os judeus encontram-se sob o domínio grego.
Os autores, porém, fazem uso de personagens da época da dominação persa (538-333 a .C.), como Assuero (ou
Xerxes), rei da Pérsia no séc. V a.C. Na verdade, o livro é uma novela bíblica
que reflete a situação do povo judeu num contexto de opressão estrangeira. A
identidade da nação judaica está sob ameaça de destruição. Sabemos que a
influência da ideologia grega no interior do judaísmo foi grande e provocou
resistências radicais, até com métodos violentos como o da guerrilha dos
macabeus. Também provocou grande dispersão de judeus para fora da Palestina,
obrigados a conviver num mundo com valores estranhos à sua tradição de fé.
A história de Ester atualiza a
proposta do Êxodo. O povo oprimido pode mudar a história. Existem caminhos de
libertação que precisam ser abertos com inteligência e organização. Deus age
por meio das pessoas aparentemente fracas. Ester é uma das mulheres que, ao
longo da história de Israel, foram protagonistas de movimentos populares
capazes de transformação social: as parteiras do Egito, Míriam, Débora, Judite…
Leve-se em conta que, na época da redação do livro de Ester, as mulheres eram
oficialmente excluídas de qualquer estância decisória. Pertenciam à categoria
das pessoas impuras, conforme estabelecia o sistema sacerdotal de pureza. No
entanto, por essas pessoas, Deus suscita projetos de vida e salvação para o
povo.
Ester, fazendo uso de seus
atributos femininos, com sabedoria e coragem, toma a iniciativa de enfrentar o
poder que mata. O que a move não são interesses pessoais, mas a libertação do
povo. Sua estratégia demonstra maturidade e consciência. Mesmo após conquistar
a simpatia e a confiança do rei, a ponto de tornar-se rainha, não se deixa
arrastar pelas tentativas de cooptação da parte de quem domina. Não aceita a
oferta de riquezas; pelo contrário, usa agora de seu poder para garantir a vida
de seu povo. Ester encarna a liderança que não trai o seu povo. Doa-se por
inteiro e arrisca a vida para salvá-lo.
2. Evangelho (Jo 2,1-11): A
mulher da nova aliança
O relato das bodas de Caná constitui
uma releitura da aliança que Deus realizou com o povo de Israel. O compromisso
de amor mútuo foi rompido por sucessivas infidelidades por parte de Israel,
desde a opção pela monarquia até a organização do sistema sacerdotal de pureza.
Não é por acaso que, logo após as bodas de Caná, Jesus se dirige ao Templo,
onde, profeticamente, denuncia a exploração ali instalada e anuncia um novo
Templo, que é ele próprio.
Na festa de casamento, Jesus é
apresentado como o esposo da nova humanidade. O sistema judaico, organizado
segundo os interesses de uma elite religiosa, esvaziou o sentido da antiga
aliança; já não responde ao amor de Deus. A imposição de um legalismo
excludente criou imenso vazio no coração do povo. Os seis potes vazios
representam as festas judaicas (o Evangelho de João apresenta seis delas), que
deveriam ser expressão de plena alegria pela presença amorosa e salvadora de
Deus. No entanto, estão vazias, perderam o verdadeiro conteúdo que saciaria a
sede que o povo tem de Deus.
A comunidade de João manifesta
sua fé em Jesus como Deus-esposo que vem resgatar (Caná significa “adquirir”)
sua esposa e oferecer-lhe o vinho do amor e da alegria. Essa festa de
casamento, portanto, é a celebração da nova aliança. A esposa é o novo povo de
Deus, formado pelas comunidades cristãs. A esposa é representada pela mãe de
Jesus. Por isso Jesus se dirige a ela chamando-a de “mulher”. Ela executa um
papel muito especial: percebe que naquela festa falta o essencial. Dirige-se a
Jesus, pois sabe que dele vem a solução: “Eles não têm mais vinho”. Jesus lhe
responde que sua hora ainda não chegou. O texto supõe que aquela
mãe-mulher-comunidade entendeu perfeitamente e, por isso, confia em Jesus:
“Fazei tudo o que ele disser”. Na cena seguinte, vemos Jesus-esposo dizendo de
modo imperativo aos que serviam: “Enchei os potes de água”, e depois: “Tirai e
levai ao mestre-sala”. Este provou sem saber de onde viera o melhor vinho.
Porém, “os que serviam estavam sabendo”. O vinho em abundância simboliza o dom
do amor de Deus para a humanidade. É a volta da plena alegria oferecida por
Deus, que celebra com seu povo a aliança definitiva.
João faz questão de dizer que
“esse foi o princípio dos sinais… e os discípulos acreditaram nele”. Até a
“hora de Jesus” – o momento de sua morte e glorificação –, vários outros sinais
serão por ele realizados. O tema da aliança contemplado no primeiro sinal serve
como chave de interpretação para todos os demais. No final do evangelho, João
vai dizer: “Esses sinais foram escritos para que vocês acreditem que Jesus é o
Messias, o Filho de Deus. E para que, acreditando, vocês tenham a vida em seu
nome” (20,31). Nesse mesmo evangelho, Jesus declarou: “Eu vim para que todos
tenham vida e vida em abundância” (10,10).
A mãe de Jesus, que aparece nas
bodas de Caná como representante do novo povo de Deus, indica como podemos ser
fiéis à aliança com Deus: permanecendo atentos às necessidades do povo,
contando com a graça de Jesus presente no meio de nós e pondo-nos a serviço do
seu projeto de vida em abundância para todos.
3. II leitura (Ap
12,1.5.13a.15-16a): A mulher geradora de vida nova
O capítulo 12 do Apocalipse
apresenta a situação de sofrimento pela qual passam as comunidades cristãs no
final do século I, sob a opressão do imperador Domiciano. A mulher e o dragão
representam dois projetos antagônicos: o de Jesus com as comunidades cristãs e
o do império romano. Percebe-se aqui uma evocação do texto de Gênesis: “Porei
hostilidade entre ti e a mulher, entre tua descendência e a descendência dela.
Ela te esmagará a cabeça e tu lhe ferirás o calcanhar” (3,15).
A mulher é descrita como “um
grandioso sinal no céu, vestida com o sol, tendo a lua sob os seus pés e, sobre
a cabeça, uma coroa de doze estrelas”. São símbolos com profundo significado. A
mulher aparece no céu, irradiando a gloriosa luz divina, revestida de grande
poder cósmico. A coroa de doze estrelas tem relação com as tribos de Israel e o
novo povo de Deus nascido da féem Jesus Cristo.Amulher também representa Maria,
a mãe de Jesus, o verdadeiro rei de toda a humanidade que subiu ao céu e está
junto do trono de Deus.
O dragão é a antiga serpente,
isto é, aquele que introduz o mal e a morte no mundo. Persegue a mulher e
procura matá-la. O vômito do dragão atrás da mulher, tentando afogá-la, é o
império romano, que, com força e poder, faz submergir todo o povo com sua
ideologia. Não admite outros projetos. Por isso persegue especialmente os
seguidores de Jesus. A terra, porém, engole o vômito do dragão, salvando a
mulher. É a própria história que “engole” os impérios. Eles não são eternos;
não são absolutos. Dentro de si carregam o germe da própria destruição.
A mulher, portanto, representa os
pequeninos e fracos pelos quais Deus se manifesta ao mundo, oferecendo vida e
salvação. Maria de Nazaré gerou o Filho de Deus, nosso salvador. As comunidades
cristãs, seguidoras de Jesus, têm a missão de gerar vida e dignidade no mundo.
Essa missão contrapõe-se aos projetos de morte impostos pelos poderosos. A
mulher que, na fé e confiança em Deus, vence o dragão é símbolo de todas as
pessoas empenhadas na defesa e promoção da vida contra todo tipo de opressão e
exclusão.
III. PISTAS PARA REFLEXÃO
– Maria-mulher-mãe-esposa
promotora da vida. Os textos bíblicos que a Igreja apresenta nessa liturgia
especial em homenagem a Nossa Senhora Aparecida revelam o protagonismo da
mulher na defesa e promoção da vida do povo. Contra toda submissão e
passividade diante dos sistemas que oprimem, as mulheres se posicionam, agindo
em favor das vítimas do poder e abrindo caminhos de libertação. Elas
representam as comunidades cristãs e todas as pessoas de boa vontade que se
entregam pela causa da justiça, da fraternidade e da paz no mundo contra toda
opressão, mentira, corrupção… É oportuno refletir sobre os projetos antagônicos
no Brasil, caracterizando a ação do “dragão” e da “mulher” hoje.
– Deus se revela aos pequeninos e
age por meio deles… Nossa Senhora apareceu em 1717 a humildes pescadores,
num tempo de escravidão dos negros. Solidária com os escravos, ela assumiu sua
cor, sua dor e sua causa. Mãe de Deus, nossa mãe e companheira de caminhada,
Maria continua indicando a missão que devemos assumir para que não venha a
faltar o vinho do amor, do pão e da plena alegria para todas as famílias
brasileiras: “Fazei tudo o que ele vos disser”. O que esse apelo de Nossa
Senhora significa para nossas comunidades eclesiais?