Solenidade de Nossa Senhora Aparecida 3

Roteiro Homilético 3: Dom Total

1ª leitura: (Est 5,1b-2; 7,2b-3) O pedido de Ester: “Salva meu povo” – Se é verdade que Deus encarna seu amor, deve encarná-lo também na realidade que é uma nação. No Antigo Testamento, a consciência desta encarnação praticamente não ultrapassa as fronteiras de Israel. Um dos momentos em que se notificou esse amor encarnado na proteção de uma nação foi a história da rainha Ester, judia que, graças às suas reais qualidades e à presença de Deus em sua vida, conseguiu proteção para o povo dominado. É um símbolo do amor que Deus dedica a qualquer povo que expressa sua confiança nele e toma sua vontade e justiça como rumo de seu caminho. – Para nós, a “rainha” por excelência é Maria, mediadora junto a Deus e solidária com o povo.



2ª leitura: (Ap 12,1.5.13a.15.16a) O sinal da Mulher  – Da alegoria da Mulher-Povo de Deus utilizam-se hoje aqueles versículos que sublinham a grandeza e realiza da Mulher-Maria (Mãe do Messias), como também a solidariedade da “terra” com sua luta (12,16a).



Evangelho: (Jo 2,1-11) Intercessão de Maria nas bodas de Caná – Já que seu filho com seus amigos estão presentes à festa, Maria se sente responsável pela carência de vinho. Conhecendo seu filho, intercede junto a ele, e quando este dá a conhecer que ainda não é a “hora” (de sua grande obra), encaminha os serventes da festa aos cuidados dele, que realizará um sinal de sua missão. – Nós pedimos hoje a intercessão de Maria para ver sinais da obra que Deus está realizando conosco. * Jo 19,25-27; 7,30; 8,20.



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A liturgia de hoje é marcada pela ideia da intercessão de Maria, padroeira principal do Brasil. A 1ª leitura lembra a intervenção da rainha Ester junto ao rei Assuero em favor de povo judeu, ao qual ela mesma pertencia. Ao mesmo tempo, menciona-se a graciosa beleza desta “flor de seu povo”.



O evangelho é escolhido em função da ideia da intervenção de Maria no milagre do vinho, nas bodas de Caná. Convém observar que Maria aí aparece como a “senhora mãe” – o tratamento hebraico “Mulher” significa isso –, que se sente responsável pelo que diz respeito à sua família: a presença de Jesus e seus amigos a fez sentir-se responsável pelo abastecimento de vinho. Ora, este evangelho não é propriamente mariológico, mas cristológico. Mostra Jesus dando início aos sinais da sua grande obra (Jo 2,11), antes que se realize a sua “hora” (cf. 2,4). A abundância de vinho é um sinal de que Jesus vem cumprir a missão messiânica (cf. a abundância de vinho no tempo messiânico, Am 9,13-14 etc.), mas esta missão só é levada a termo na “hora” da morte e glorificação (cf. Jo 13,1ss; 17,5 etc.).

Temos aqui um ensejo para explicar o sentido do costume de pedir “graças” a Deus pela intercessão de Nossa Senhora. Geralmente, pedem-se benefícios materiais. Mas Deus e Maria não têm como tarefa específica resolver nossos problemas materiais. As graças materiais são apenas sinais de que Deus nos quer bem. Ora, ele nos quer bem sempre, também no sofrimento e na ausência de benefícios materiais! Por outro lado, nem todo benefício material pode ser interpretado como sinal do bem-querer de Deus, pois há muita gente materialmente bem provida cujo coração está longe de Deus! Reflitamos, pois, a partir do presente evangelho, sobre o sentido do pedir graças mediante a intercessão de Nossa Senhora. Em Caná, Maria pede uma intervenção material, e esta se realiza, porém não como um fim em si, mas como sinal da grande obra do Cristo, sua morte, na “hora” que naquele momento ainda não havia chegado (2,4). Assim também, o que nós pedimos pela intervenção de Nossa Senhora, sendo atendidos conforme o pedido ou de outro modo, se torna sinal do amor até morrer, que seu Filho nos dedica. É assim que devem ser interpretadas as preces de súplica: “Dai-nos, Senhor, um sinal de vosso amor”.



A ideia da intercessão, na presente liturgia, concerne sobretudo à Pátria brasileira, portanto, uma realidade histórico-material. Pode-se pedir a Maria que ela cuide para que a ninguém faltem as condições para viver dignamente. Mas que neste pedido, então, se traduza também a disponibilidade para colaborar e participar no grande testemunho de amor que Cristo iniciou e assinalou por seu primeiro “sinal” em Caná. Ou seja, que os pedidos exprimam a vontade de colaborar no reino de paz e amor, o meio mais seguro para fazer acontecer a realização do que pedimos. Se pedimos bênçãos pela Pátria, devemos estar dispostos a nos tornarmos instrumentos daquilo que pedimos (integração de todos numa sociedade justa e fraterna etc.).



A 2ª leitura é a mesma da festa da Assunção de Nossa Senhora. Pode-se destacar o papel protetor que a Mulher – simultaneamente Igreja e Maria – exerce com relação ao Filho messiânico. Que a Igreja se lembre, portanto, que a intuição da fé, aplicando esta leitura a Maria, viu a semelhança no papel de ambas. Gerar e levar o Salvador ao mundo, e presenciar sua vitória, eis o que Maria e a Igreja têm em comum. Destacando a figura de Maria, a Igreja assume, até certo grau, o que foi a obra de Maria. Isso vale também com relação à proteção da Pátria, que não é algo mágico, mas algo que se realiza mediante as nossas mãos, nosso empenho por uma Pátria melhor, mas justa, mais conforme à vontade de Deus.




MARIA, MULHER-POVO, MÃE DA IGREJA


 Nossa Senhora da Conceição Aparecida, Padroeira do Brasil. O povo a chama simplesmente de Nossa Senhora Aparecida. Aliás, para a “Imaculada Conceição” temos outra festa, em 8 de dezembro. Mas vale a pena, apoiados na liturgia, estabelecer um nexo entre a eleição de Maria desde a sua concepção e seu papel de intercessora, em virtude do qual ela aparece como padroeira do nosso povo.



A 1ª leitura de hoje destaca o papel da intercessora, mediante a figura bíblica da rainha Ester, que intervém junto ao rei por seu povo, Israel. Na 2ª leitura a Mulher-Povo do Apocalipse protege seu filho messiânico. No evangelho aparece com maior clareza o papel mediador de Maria a favor do povo. É o evangelho das bodas de Caná. Maria presencia uma festa de casamento, e também Jesus e seus companheiros. Quando falta vinho, Maria chama a atenção de Jesus para o impasse. E quando Jesus, misteriosamente, responde que ainda não chegou a sua hora – pois a sua hora mesmo é a da cruz – Maria não deixa de acreditar que Jesus transformará as bodas deste mundo em festa messiânica e plena alegria, vinho novo do tempo novo. Recomenda aos servidores que executem o que Jesus lhes disser. Talvez às cegas, mas confiante no projeto de Deus e no filho que Deus lhe deu, Maria assume sua missão de confiar o mundo a ele.



João, no seu evangelho, menciona Maria apenas duas vezes, aliás, sem chamá-la Maria, mas Mãe de Jesus e Mulher. A primeira menção é quando ela por assim dizer introduz Jesus na sua atividade pública, nas bodas de Caná. A outra é quando ela acompanha Jesus até o fim, ao pé da cruz. No primeiro texto, Jesus diz que sua hora ainda no chegou; é apenas o início dos sinais. O outro texto é quando se realiza “a Hora” de Jesus e sua obra é levada a termo, na cruz. Em ambos os textos, Jesus se dirige a Maria com o tratamento honroso de “Mulher” (nós diríamos: “Senhora”) – termo muitas vezes ligado à imagem do povo. A primeira vez, Jesus pronuncia a perspectiva da hora que deve vir, a segunda vez, confia à sua mãe o seu legado: o discípulo amado, que representa os fiéis. Maria está no início e no fim da obra de Jesus. Ela, a Mulher, a Mãe, é a referência de sua obra. Maria marca o lugar de Jesus neste mundo e está aí como referência do discípulo que toma o lugar do seu Filho.



(O Roteiro Homilético é elaborado pelo Pe. Johan Konings SJ – Teólogo, doutor em exegese bíblica, Professor da FAJE. Autor do livro "Liturgia Dominical", Vozes, Petrópolis, 2003. Entre outras obras, coordenou a tradução da "Bíblia Ecumênica" – TEB e a tradução da "Bíblia Sagrada" – CNBB. Konings é Colunista do Dom Total. A produção do Roteiro Homilético é de responsabilidade direta do Pe. Jaldemir Vitório SJ, Reitor e Professor da FAJE