Roteiro Homilético 11: Pe. Franclim Pacheco Diocese de Aveiro
Após o ciclo
litúrgico e festivo do Natal, a Igreja entra no tempo comum e propõe que
voltemos ao que foi celebrado e aprofundemos a sua relação com a nossa vida, o
seu alcance para o cuidado da criação, o seu sentido para a história da
humanidade. Isto é, que nos familiarizemos com Jesus Cristo e a sua mensagem.
João Baptista
surge, hoje, a dar o seu primeiro testemunho a respeito de Jesus. Fá-lo, ao ver
que Ele vem ao seu encontro e se aproxima. Recorre a metáforas bíblicas
conhecidas pelos ouvintes: O cordeiro e a pomba. Ambas de grande simbolismo. O
cordeiro pela mansidão, ternura, vulnerabilidade, relação com o rebanho e o
pastor. A pomba pela inocência e pela paz, pelo amor puro e pela esperança
anunciada.
O livro
bíblico «Cantico dos Cânticos» desenha muito bem a riqueza das metáforas para
expressar o amor humano, reflexo do amor divino: “Pomba minha… deixa-me ver a
tua face, ouvir a tua voz, pois a tua face é tão formosa e tão doce a tua voz”
(2, 14). “Abre, minha irmã, minha amada, pomba minha sem defeito” (5, 2). E o
rosto do masculino e do feminino, em harmonia deslumbrante, faz surgir a beleza
do amor fontal e da torrente criadora. Esta metáfora torna-se recorrente na
revelação do amor de Deus por nós e alcança em Jesus e na sua relação com a
Igreja a realização plena.
Por isso, o
papa Francisco pode dizer: “A alegria do amor que se vive nas famílias é também
o júbilo da Igreja”. (AL 1). E apresenta uma bela e exigente meditação sobre
este amor quotidiano no capítulo quarto da sua exortação apostólica. Exigência
impregnada de paciência e atenção ao outro, de abnegação e sacrifício.
O cordeiro de
que fala João Baptista é Jesus. A paixão e morte do Calvário são interpretadas
na sequência da imolação dos cordeiros no Templo de Jerusalém. Não como
propiciação a um Deus cruel que necessita do sangue do Filho para se acalmar e
refazer a aliança. Seria um Pai sanguinário, um Senhor justiceiro. Dá medo
pensar num Deus deste tipo. O “derramamento de sangue” (Heb 9, 22) exigido para
o perdão dos pecados, é a manifestação do amor vivido até ao fim por Jesus e o
resultado da convergência de factores humanos, religiosos e políticos dos
judeus e romanos. É mais a confiança de Deus Pai na generosidade do Filho, a
sua condescendência e o seu respeito pela liberdade humana. E após a paixão,
surge a ressurreição. E do madeiro verde, a cruz florida. O ser humano
manifesta a sua dignidade integral!
João prossegue
a narração do que aconteceu com a confissão humilde da sua missão: Não sou quem
pensais; vim preparar o caminho; não conhecia aquele que vai chegar e passa à
minha frente; baptizo para ele se manifestar; vi o Espírito Santo em forma de
pomba descer e permanecer sobre ele; dou testemunho de que é o Filho de Deus.
(Jo 1, 29-34). E deu, agora e em muitas outras ocasiões, na vida pública e na
prisão, suscitando a adesão de uns e o ódio de outros, de que se destaca
Herodíades pela turbulenta e infiel vida conjugal.
Jesus, pela
sua doação incondicional e sem limites, tira o pecado do mundo, não apenas nas
manifestações, mas nas próprias raízes: o egoísmo que fecha a pessoa em si
mesma, a vontade de dominar a sabedoria do bem e do mal, a ganância da posse, a
satisfação a curto prazo, o calar a voz da consciência e negar a finitude da
humanidade, o corte da relação com Deus amor, fonte de vida e de amor.
A fé da Igreja
proclama esta certeza, repetindo na celebração da eucaristia: ”Felizes os
convidados para a ceia do Senhor. Eis o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo”. E a comunhão, feita a seguir, sela a sua aliança connosco para
erradicar as forças do mal que desumanizam as pessoas, perturbam e amarguram a
convivência na sociedade, fazem passar por verdade aquilo que objectivamente é
mentira e manipulação; numa palavra, promovem uma cultura de indiferença, de
vazio, de morte.
A fé é a
melhor “herança” que os pais podem dar aos seus filhos, afirma o Papa Francisco
após o baptismo de 32 crianças na Capela Sistina do Vaticano. E prossegue: “Vós
sois aqueles que transmitem a fé, tendes o dever de transmitir a fé a estas
crianças: é a mais bela herança que lhes deixareis, a fé!” O Papa recordou que
o Batismo foi um mandato explícito de Jesus, que enviou os seus discípulos a
baptizar “por todo o mundo”, e que até hoje esta é uma “cadeia ininterrupta”
que segue de geração em geração. E desta maravilha, nós somos testemunhas.