2° Domingo do Tempo Comum, Ano A 2
Roteiro Homilético 2: Dehonianos de Portugal
(http://www.dehonianos.org/)
Tema do 2º
Domingo do Tempo Comum
A liturgia
deste domingo coloca a questão da vocação; e convida-nos a situá-la no contexto
do projecto de Deus para os homens e para o mundo. Deus tem um projecto de vida
plena para oferecer aos homens; e elege pessoas para serem testemunhas desse
projecto na história e no tempo.
A primeira
leitura apresenta-nos uma personagem misteriosa – Servo de Jahwéh – a quem Deus
elegeu desde o seio materno, para que fosse um sinal no mundo e levasse aos
povos de toda a terra a Boa Nova do projecto libertador de Deus.
A segunda
leitura apresenta-nos um “chamado” (Paulo) a recordar aos cristãos da cidade
grega de Corinto que todos eles são “chamados à santidade” – isto é, são
chamados por Deus a viver realmente comprometidos com os valores do Reino.
O Evangelho
apresenta-nos Jesus, “o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Ele é o
Deus que veio ao nosso encontro, investido de uma missão pelo Pai; e essa
missão consiste em libertar os homens do “pecado” que oprime e não deixa ter
acesso à vida plena.
LEITURA I – Is
49,3.5-6
Leitura do
Livro de Isaías
Disse-me o Senhor:
«Tu és o meu
servo, Israel,
por quem
manifestarei a minha glória».
E agora o
Senhor falou-me,
Ele que me
formou desde o seio materno,
para fazer de
mim o seu servo,
a fim de lhe
reconduzir Jacob e reunir Israel junto d’Ele.
Eu tenho
merecimento aos olhos do Senhor
e Deus é a
minha força.
Ele disse-me
então:
«Não basta que
sejas meu servo,
para
restaurares as tribos de Jacob
e reconduzires
os sobreviventes de Israel.
Vou fazer de
ti a luz das nações,
para que a
minha salvação chegue até aos confins da terra».
AMBIENTE
O
Deutero-Isaías (o autor do texto que nos é hoje proposto e que mais uma vez nos
aparece como veículo da Palavra de Deus) é um profeta da época do exílio, que
desenvolveu o seu ministério na Babilónia, entre os exilados (como, aliás, já dissemos
no passado domingo). A sua mensagem – de consolação e de esperança – aparece
nos capítulos 40-55 do Livro de Isaías.
Contudo, há
nesses capítulos quatro textos (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12)
que se distinguem – quer em termos literários, quer em termos temáticos – do
resto da mensagem… São os quatro cânticos do Servo de Jahwéh. Apresentam um
misterioso servo de Deus, a quem Jahwéh confiou uma missão. A missão do Servo
cumpre-se no sofrimento e no meio das perseguições; mas do sofrimento do Servo
resultará a redenção para o Povo. No fim, o Servo será recompensado por Jahwéh
e será exaltado.
A primeira
leitura de hoje propõe-nos parte do segundo cântico do Servo de Jahwéh. Aqui,
esse Servo é explicitamente identificado com Israel (embora alguns autores
suponham que a determinação “Israel” não é original no texto e que foi aqui
acrescentada como uma interpretação): seria a figura do Povo de Deus, chamado a
ser testemunha de Jahwéh no meio dos outros povos.
MENSAGEM
O nosso texto
apresenta-se como uma declaração solene do Servo (Israel) “às ilhas” e “às
cidades longínquas” (vers. 1).
Na sua
declaração, o Servo manifesta, em primeiro lugar, a consciência da eleição: ele
foi escolhido por Deus desde o seio materno (vers. 5a.b). A expressão põe em
relevo a origem de toda a vocação profética: é Deus que escolhe, que chama, que
envia. Referindo-se a Israel, a expressão faz alusão às origens do Povo, à
eleição e à aliança: Israel existe porque Deus o escolheu entre todos os povos,
revelou-lhe o seu rosto, constituiu-o como Povo, libertou-o da escravidão,
conduziu-o através do deserto e estabeleceu com ele uma relação especial de
comunhão e de aliança.
A eleição e a
aliança pressupõem, contudo, a missão e o testemunho. A missão deste Servo a
quem Deus chamou é, em primeiro lugar, “reconduzir Jacob e reunir Israel” a
Jahwéh (vers. 5c.d). Aqui faz-se referência, provavelmente, ao regresso do Povo
à órbita da aliança (considerada rompida pelo pecado do Povo), à reunião de
todos os exilados e ao regresso à Terra Prometida.
A missão do
Servo é, depois, ampliada “às nações” (vers. 6): Israel deve dar testemunho da
salvação de Deus, de forma a que a proposta salvadora e libertadora chegue, por
intermédio do Servo/Povo aos homens e mulheres de toda a terra. Não deixa de
impressionar a grandiosidade da missão confiada, em contraste com a situação de
opressão, de apagamento, de fragilidade em que vivem os exilados… Aqui
afirma-se o jeito de Deus, que age no mundo, salva e liberta recorrendo a
instrumentos frágeis e indignos.
ACTUALIZAÇÃO
Para a
reflexão e partilha, podem ser considerados os seguintes elementos:
• A leitura
propõe à nossa reflexão esse tema sempre pessoal, mas sempre enigmático que é a
vocação. Somos convidados, na sequência, a tomar consciência da vocação a que
somos chamados e das suas implicações. Não se trata de uma questão que apenas
atinge e empenha algumas pessoas especiais, com um lugar à parte na comunidade
eclesial (os padres, as freiras…); mas trata-se de um desafio que Deus faz a
cada um dos seus filhos, que a todos implica e que a todos empenha.
• A figura do
Servo de Jahwéh convida-nos, em primeiro lugar, a tomar consciência de que na
origem da vocação está Deus: é Ele que elege, que chama e que confia a cada um
uma missão. A nossa vocação é sempre algo que tem origem em Deus e que só se
entende à luz de Deus. Temos consciência de que somos escolhidos por Deus desde
o seio materno, isto é, desde o primeiro instante da nossa existência? Temos
consciência de que é Deus que alimenta a nossa vocação e o nosso compromisso no
mundo? Temos consciência de que só a partir de Deus a nossa vocação faz sentido
e o nosso empenhamento se entende? Temos consciência de que a vocação implica
uma relação de comunhão, de intimidade, de proximidade com Deus?
• A vocação
não se esgota, contudo, na aproximação do homem a Deus, mas é sempre em ordem a
um testemunho e a uma intervenção no mundo (mesmo que se trate de uma vocação
contemplativa). O homem chamado por Deus é sempre um homem que testemunha e que
é um sinal vivo de Deus, dos seus valores e das suas propostas diante dos
outros homens. Sinto que a minha vocação se realiza no testemunho da salvação e
da libertação de Deus aos meus irmãos? A vocação a q
ue Deus me
chama leva-me a ser uma luz de esperança no mundo? A salvação de Deus atinge o
mundo e torna-se uma realidade concreta no meu testemunho e no meu ministério?
• Ao
reflectirmos na lógica da vocação, é preciso estarmos cientes de que toda a
vocação tem origem em Deus, é alimentada por Deus, e de que Deus se serve,
muitas vezes, da nossa fragilidade, caducidade e indignidade para actuar no
mundo. Aquilo que fazemos de bom e de bonito não resulta, portanto, das nossas
forças ou das nossas qualidades, mas de Deus. O coração do profeta não tem,
portanto, qualquer razão para se encher de orgulho, de vaidade e de
auto-suficiência: convém ter consciência de que por detrás de tudo está Deus, e
que só Deus é capaz de transformar o mundo, a partir dos nossos pobres gestos e
das nossas frágeis forças.
SALMO RESPONSORIAL
– Salmo 39(40)
Refrão: Eu
venho, Senhor, para fazer a vossa vontade.
Esperei no
senhor com toda a confiança
e Ele
atendeu-me.
Pôs em meus
lábios um cântico novo,
um hino de
louvor ao nosso Deus.
Não Vos
agradaram sacrifícios nem oblações,
mas abristes-me
os ouvidos;
não pedistes
holocaustos nem expiações,
então clamei:
«Aqui estou».
«De mim está
escrito no livro da Lei
que faça a
vossa vontade.
Assim o quero,
ó meu Deus,
a vossa lei
está no meu coração».
Proclamei a
justiça na grande assembleia,
não fechei os
meus lábios, Senhor, bem o sabeis.
Não escondi a
vossa justiça no fundo do coração,
proclamei a
vossa fidelidade e salvação.
LEITURA II – 1
Cor 1,1-3
Início da
primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Paulo, por
vontade de Deus
escolhido para
Apóstolo de Cristo Jesus
e o irmão
Sóstenes,
à Igreja de
Deus que está em Corinto,
aos que foram
santificados em Cristo Jesus,
chamados à
santidade,
com todos os
que invocam, em qualquer lugar,
o nome de
Nosso Senhor Jesus Cristo, Senhor deles e nosso:
A graça e a
paz de Deus nosso Pai e do Senhor Jesus Cristo
estejam
convosco.
AMBIENTE
Nos próximos
seis domingos, a liturgia vai propor-nos a leitura da primeira carta de Paulo
aos cristãos da comunidade de Corinto. Para entendermos cabalmente a mensagem,
convém determo-nos um pouco sobre o ambiente em que o texto nos situa.
No decurso da
sua segunda viagem missionária, Paulo chegou a Corinto, depois de atravessar
boa parte da Grécia, e ficou por lá cerca 18 meses (anos 50-52). De acordo com
Act 18,2-4, Paulo começou a trabalhar em casa de Priscila e Áquila, um casal de
judeo-cristãos. No sábado, usava da palavra na sinagoga. Com a chegada a
Corinto de Silvano e Timóteo (2 Cor 1,19; Act 18,5), Paulo consagrou-se
inteiramente ao anúncio do Evangelho. Mas não tardou a entrar em conflito com
os judeus e foi expulso da sinagoga.
Corinto era
uma cidade nova e muito próspera. Servida por dois portos de mar, possuía as
características típicas das cidades marítimas: população de todas as raças e de
todas as religiões. Era a cidade do desregramento para todos os marinheiros que
cruzavam o Mediterrâneo, ávidos de prazer, após meses de navegação. Na época de
Paulo, a cidade comportava cerca de 500.000 pessoas, das quais dois terços eram
escravos. A riqueza escandalosa de alguns contrastava com a miséria da maioria.
Como resultado
da pregação de Paulo, nasceu a comunidade cristã de Corinto. A maior parte dos
membros da comunidade eram de origem grega, embora em geral, de condição
humilde (cf. 1 Cor 11,26-29; 8,7; 10,14.20; 12,2); mas também havia elementos
de origem hebraica (cf. Act 18,8; 1 Cor 1,22-24; 10,32; 12,13).
De uma forma
geral, a comunidade era viva e fervorosa; no entanto, estava exposta aos
perigos de um ambiente corrupto: moral dissoluta (cf. 1 Cor 6,12-20; 5,1-2),
querelas, disputas, lutas (cf. 1 Cor 1,11-12), sedução da sabedoria filosófica
de origem pagã que se introduzia na Igreja revestida de um superficial verniz
cristão (cf. 1 Cor 1,19-2,10).
Tratava-se de
uma comunidade forte e vigorosa, mas que mergulhava as suas raízes em terreno
adverso. Na comunidade de Corinto, vemos as dificuldades da fé cristã em
inserir-se num ambiente hostil, marcado por uma cultura pagã e por um conjunto
de valores que estão em profunda contradição com a pureza da mensagem
evangélica.
MENSAGEM
Paulo começa
esta carta com a saudação e a acção de graças, típicas das cartas paulinas. Na
saudação, carregada de conteúdo teológico, Paulo reivindica a sua condição de
escolhido por Deus (de apóstolo), sugerindo que está revestido de autoridade
para proclamar com plena garantia o Evangelho. Esta reivindicação sugere que,
no contexto coríntio, havia quem punha em causa a sua autoridade apostólica e o
seu testemunho. Os destinatários da carta são, evidentemente, os membros da
comunidade cristã de Corinto; no entanto, a mensagem serve para os cristãos de
todas as épocas e de todas as latitudes.
Neste
parágrafo inicial, o vocábulo chamado assume um lugar especial: Paulo foi
chamado por Deus a ser apóstolo e os coríntios são uma comunidade de chamados à
santidade. Transparece aqui, como na primeira leitura, a convicção de que Deus
tem um projecto para os homens e para o mundo e que todos – quer Paulo, quer os
cristãos de Corinto, são chamados a um compromisso efectivo com esse projecto.
O que é que
significa ser chamado à santidade? No contexto paulino, os santos são todos
aqueles que acolheram a proposta libertadora de Jesus e aceitaram os valores do
Evangelho. Os “santos” são os “separados”: os coríntios são “santos” porque, ao
aceitar a proposta de Jesus, escolheram viver “separados” do mundo. “Separados”
não significa “alheados”; mas significa viver de acordo com valores e esquemas
diferentes dos valores e esquemas consagrados pelo mundo.
A palavra
“klêtos” (“chamado”), aqui usada, supõe Deus como sujeito: foi Deus que chamou
Paulo; é Deus que chama os coríntios. Mais uma vez fica claro que o chamamento
provém da iniciativa divina e que só se compreende a partir de Deus e à luz da
acção de Deus.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão
pode partir dos seguintes dados:
• Deus chama
os homens e as mulheres à santidade. Tenho consciência do apelo que Deus, nesta
linha, me faz também a mim? Estou disponível e bem disposto para aceitar esse
desafio?
• Realizar a
vocação à santidade não implica seguir caminhos impossíveis de ascese, de
privação, de sacrifício; mas significa, sobretudo, acolher a proposta
libertadora que Deus oferece em Jesus e viver d
e acordo com
os valores do Reino. É dessa forma que concretizo a minha vocação à santidade?
Tenho a coragem de viver e de testemunhar, com radicalidade, os valores do
Evangelho, mesmo quando a moda, o orgulho, a preguiça, os interesses
financeiros, o “politicamente correcto”, a opinião dominante me impõem outras
perspectivas?
• Convém ter
sempre presente que a Igreja, a comunidade dos “chamados à santidade”, é
constituída por “todos os que invocam, em qualquer lugar, o nome de Nosso
Senhor Jesus Cristo”. É importante termos consciência de que, para além da cor
da pele, das diferenças sociais, das distâncias sociais ou culturais, das
perspectivas diferentes sobre as questões secundárias da vivência da religião,
o essencial é aquilo que nos une e nos faz irmãos: Jesus Cristo e o
reconhecimento de que Ele é o Senhor que nos conduz pela história e nos oferece
a salvação.
ALELUIA – Jo
1,14a.12a
Aleluia.
Aleluia.
O Verbo fez-Se
carne e habitou entre nós.
Àqueles que O
receberam
deu-lhes o
poder de se tornarem filhos de Deus.
EVANGELHO – Jo
1,29-34
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São João
Naquele tempo,
João Baptista
viu Jesus, que vinha ao seu encontro,
e exclamou:
«Eis o
Cordeiro de Deus, que tira o pecado do mundo.
Era d’Ele que
eu dizia:
“Depois de mim
virá um homem,
que passou à
minha frente, porque existia antes de mim”.
Eu não O
conhecia,
mas para Ele
Se manifestar a Israel
é que eu vim
baptizar em água».
João deu mais
este testemunho:
«Eu vi o
Espírito Santo
descer do Céu
como uma pomba e repousar sobre Ele.
Eu não O
conhecia,
mas quem me
enviou a baptizar em água é que me disse:
“Aquele sobre quem
vires o Espírito Santo descer e repousar
é que baptiza
no Espírito Santo”.
Ora eu vi e
dou testemunho de que Ele é o Filho de Deus».
AMBIENTE
A perícopa que
nos é proposta integra a secção introdutória do Quarto Evangelho (cf. Jo
1,19-3,36). Aí o autor, com consumada mestria, procura responder à questão:
“quem é Jesus?”
João dispõe as
peças num enquadramento cénico. As diversas personagens que vão entrando no
palco procuram apresentar Jesus. Um a um, os actores chamados ao palco por João
vão fazendo afirmações carregadas de significado teológico sobre Jesus. O
quadro final que resulta destas diversas intervenções apresenta Jesus como o
Messias, Filho de Deus, que possui o Espírito e que veio ao encontro dos homens
para fazer aparecer o Homem Novo, nascido da água e do Espírito.
João Baptista,
o profeta/percursor do Messias, desempenha aqui um papel especial na
apresentação de Jesus (o seu testemunho aparece no início e no fim da secção –
cf. Jo 1,19-37; 3,22-36). Ele vai definir aquele que chega e apresentá-lo aos
homens. Ao não assinalar-se o auditório, sugere-se que o testemunho de João é
perene, dirigido aos homens de todos os tempos e com eco permanente na
comunidade cristã.
MENSAGEM
João é,
portanto, o apresentador oficial de Jesus. De que forma e em que termos o vai
apresentar?
A catequese
sobre Jesus que aqui é feita expressa-se através de duas afirmações com um
profundo impacto teológico: Jesus é o Cordeiro de Deus que tira o pecado do
mundo; e é o Filho de Deus que possui a plenitude do Espírito.
A primeira
afirmação (“o Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo” – Jo 1,29) evoca,
provavelmente, duas imagens tradicionais extremamente sugestivas. Por um lado,
evoca a imagem do “servo sofredor”, o cordeiro levado para o matadouro, que
assume os pecados do seu Povo e realiza a expiação (cf. Is 52,13-53,12); por
outro lado, evoca a imagem do cordeiro pascal, símbolo da acção libertadora de
Deus em favor de Israel (cf. Ex 12,1-28). Qualquer uma destas imagens sugere
que a pessoa de Jesus está ligada à libertação dos homens.
A ideia é,
aliás, explicitada pela definição da missão de Jesus: Ele veio para tirar
(“eliminar”) “o pecado do mundo”. A palavra “pecado” aparece, aqui, no
singular: não designa os “pecados” dos homens, mas um “pecado” único que oprime
a humanidade inteira; esse “pecado” parece ter a ver, no contexto da catequese
joânica, com a recusa da proposta de vida com que Deus, desde sempre, quis
presentear a humanidade (é dessa recusa que resulta o pecado histórico, que
desfeia o mundo e que oprime os homens). O “mundo” designa, neste contexto, a
humanidade que resiste à salvação, reduzida à escravidão e que recusa a
luz/vida que Jesus lhe pretende oferecer… Deus propôs-se tirar a humanidade da
situação de escravidão em que esta se encontra; enviou ao mundo Jesus, com a
missão de realizar um novo êxodo, que leve os homens da terra da escravidão
para a terra da liberdade.
A segunda
afirmação (o “Filho de Deus” que possui a plenitude do Espírito Santo e que
baptiza no Espírito – cf. Jo 1,32-34) completa a anterior. Há aqui vários
elementos bem sugestivos: o “cordeiro” é o Filho de Deus; Ele recebeu a
plenitude do Espírito; e tem por missão baptizar os homens no Espírito.
Dizer que
Jesus é o Filho de Deus é dizer que Ele é o Deus que se faz pessoa, que vem ao
encontro dos homens, que monta a sua tenda no meio dos homens, a fim de lhes
oferecer a plenitude da vida divina. A sua missão consiste em eliminar “o
pecado” que torna o homem escravo e que o impede de abrir o coração a Deus.
Dizer que o
Espírito desce sobre Jesus e permanece sobre Ele sugere que Jesus possui
definitivamente a plenitude da vida de Deus, toda a sua riqueza, todo o seu
amor. Por outro lado, a descida do Espírito sobre Jesus é a sua investidura
messiânica, a sua unção (“messias” = “ungido”). O quadro leva-nos aos textos do
Deutero-Isaías, onde o “Servo” aparece como o eleito de Jahwéh, sobre quem Deus
derramou o seu Espírito (cf. Is 42,1), a quem ungiu e a quem enviou para
“anunciar a Boa Nova aos pobres, para curar os corações destroçados, para
proclamar a libertação aos cativos, para anunciar aos prisioneiros a liberdade”
(Is 61,1-2).
Jesus é,
finalmente, aquele que baptiza no Espírito Santo. O verbo “baptizar” aqui
utilizado tem, em grego, duas traduções: “submergir” e “empapar (como a chuva
empapa a terra)”; refere-se, em qualquer caso, a um contacto total entre a água
e o sujeito. “Baptizar no Espírito” significa, portanto, um contacto total
entre o Espírito e o homem, uma chuva de Espírito que cai sobre o homem e lhe
empapa o coração. A missão de Jesus consiste, portanto, em derramar o Espírito
sobre o
homem; e o
homem que adere a Jesus, “empapado” do Espírito e transformado por essa fonte
de vida que é o Espírito, abandona a experiência da escuridão (“o pecado”) e
alcança o seu pleno desenvolvimento, a plenitude da vida.
A declaração
de João convida os homens de todas as épocas a voltarem-se para Jesus e a
acolherem a proposta libertadora que, em nome de Deus, Ele faz: só a partir do
encontro com Jesus será possível chegar à vida plena, à meta final do Homem
Novo.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão
pessoal e comunitária pode tocar os seguintes pontos:
• Em primeiro
lugar, importa termos consciência de que Deus tem um projecto de salvação para
o mundo e para os homens. A história humana não é, portanto, uma história de
fracasso, de caminhada sem sentido para um beco sem saída; mas é uma história
onde é preciso ver Deus a conduzir o homem pela mão e a apontar-lhe, em cada
curva do caminho, a realidade feliz do novo céu e da nova terra. É verdade que,
em certos momentos da história, parecem erguer-se muros intransponíveis que nos
impedem de contemplar com esperança os horizontes finais da caminhada humana;
mas a consciência da presença salvadora e amorosa de Deus na história deve
animar-nos, dar-nos confiança e acender nos nossos olhos e no nosso coração a
certeza da vida plena e da vitória final de Deus.
• Jesus não
foi mais um “homem bom”, que coloriu a história com o sonho ingénuo de um mundo
melhor e desapareceu do nosso horizonte (como os líderes do Maio de 68 ou os
fazedores de revoluções políticas que a história absorveu e digeriu); mas Jesus
é o Deus que Se fez pessoa, que assumiu a nossa humanidade, que trouxe até nós
uma proposta objectiva e válida de salvação e que hoje continua presente e
activo na nossa caminhada, concretizando o plano libertador do Pai e
oferecendo-nos a vida plena e definitiva. Ele é, agora e sempre, a verdadeira
fonte da vida e da liberdade. Onde é que eu mato a minha sede de liberdade e de
vida plena: em Jesus e no projecto do Reino ou em pseudo-messias e miragens
ilusórias de felicidade que só me afastam do essencial?
• O Pai
investiu Jesus de uma missão: eliminar o pecado do mundo. No entanto, o
“pecado” continua a enegrecer o nosso horizonte diário, traduzido em guerras,
vinganças, terrorismo, exploração, egoísmo, corrupção, injustiça… Jesus falhou?
É o nosso testemunho que está a falhar? Deus propõe ao homem o seu projecto de
salvação, mas não impõe nada e respeita absolutamente a liberdade das nossas
opções. Ora, muitas vezes, os homens pretendem descobrir a felicidade em
caminhos onde ela não está. De resto, é preciso termos consciência de que a
nossa humanidade implica um quadro de fragilidade e de limitação e que,
portanto, o pecado vai fazer sempre parte da nossa experiência histórica. A
libertação plena e definitiva do “pecado” acontecerá só nesse novo céu e nova
terra que nos espera para além da nossa caminhada terrena.
• Isso não
significa, no entanto, pactuar com o pecado, ou assumir uma atitude passiva diante
do pecado. A nossa missão – na sequência da de Jesus – consiste em lutar
objectivamente contra “o pecado” instalado no coração de cada um de nós e
instalado em cada degrau da nossa vida colectiva. A missão dos seguidores de
Jesus consiste em anunciar a vida plena e em lutar contra tudo aquilo que
impede a sua concretização na história.
ALGUMAS
SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 2º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de
“Signes d’aujourd’hui”)
Ao longo dos
dias da semana anterior ao 2º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a
Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia,
por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra:
num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais,
numa comunidade religiosa…
2. DAR ATENÇÃO
ÀS PROCISSÕES.
Ao longo dos
domingos que precedem o tempo da Quaresma, pode-se dar uma atenção particular
ao desenrolar das procissões na missa. Por exemplo, a procissão de entrada, que
não é apenas para o presidente da assembleia acompanhado de um ou outro
acólito… Podem entrar nesta procissão: um leigo com a cruz, os acólitos ou
leigos que vão servir ao altar (podem levar cada um uma vela), os que vão fazer
a primeira e a segunda leitura (um deles leva o leccionário), assim como o
leitor da oração dos fiéis. Para acolher a procissão, enquanto se canta, a
assembleia dirige o olhar para o fundo da igreja e acompanha com o olhar o
movimento da procissão. Chegados ao altar, depois da inclinação ou genuflexão,
colocam o livro e as velas, tomando os seus lugares. A celebração continua…
3. ORAÇÃO NA
LECTIO DIVINA.
Na meditação
da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das
leituras com a oração.
No final da primeira
leitura:
Deus, Pai do
teu povo, nós Te bendizemos pelo envio de salvadores, os profetas, os juízes e
os reis, mas sobretudo pelo envio do teu Filho, o teu eleito, em quem puseste
toda a tua alegria, e que Se manifestou como a luz das nações.
Nós Te confiamos
as vítimas das inumeráveis angústias da nossa terra, todos os infelizes que
aspiram a reencontrar a luz, a liberdade e a paz.
No final da
segunda leitura:
Cristo Jesus,
Tu que és o Senhor de todos e que revestiste a nossa condição humana, Tu que o
Pai revelou como o Messias e encheu com a sua força, nós Te damos graças pela
tua obra de salvação.
Nós Te
confiamos os nossos irmãos e irmãs que procuram a luz e a verdade, como fazia
outrora o centurião Cornélio. Dá-nos a coragem de ir ao seu encontro, como
outrora o apóstolo Pedro.
No final do
Evangelho:
Pai de Jesus e
nosso Pai, nós Te damos graças pelo baptismo de Jesus no Jordão, porque nele
nos revelaste a nova humanidade, da qual Jesus é a cabeça. Faz de nós também
teus filhos bem-amados e cumula-nos com o teu Espírito.
Nós Te pedimos
pelos novos baptizados, pelos padrinhos e madrinhas, pelos pais e pelas equipas
que asseguram a preparação para o baptismo.
4. ORAÇÃO
EUCARÍSTICA.
Pode-se
escolher a Oração Eucarística II para as Missas da Reconciliação.
5. PALAVRA
PARA O CAMINHO.
Testemunho… A
palavra “Servidor” regressa hoje em força, em Isaías, enquanto João nos convida
a contemplar o Cordeiro de Deus investido da Força do Espírito, ao qual dá
testemunho. E nós? O nosso testemunho ficará limitado a estas palavras do Credo
proclamado ao domingo? Ou leva-nos a empenharmo-nos em acções concretas no
seguimento do Servidor?