Roteiro Homilético 5: Franciscanos.org
Vocação de
Filhos de Deus
Os domingos do
tempo comum seguem, em grandes linhas, os passos da vida pública de Jesus,
desde seu batismo por João (Batismo do Senhor, fim do tempo de Natal) até o
conflito final em Jerusalém e o anúncio do Último Juízo (cf 32°-34° dom, com.).
Em regra, segue-se a leitura contínua do evangelho de Mt. Hoje, porém, é
intercalado um trecho de Jo (que normalmente não é lido no tempo comum).
Na festa do
Batismo do Senhor figurou o relato mateano deste fato. Hoje, o evangelho traz
como que a “interpretação” por Jo do mesmo fato (Jo 1,29-34). Enquanto Mt conta
o acontecimento sob o ângulo do cumprimento da vontade de Deus, Jo o considera
sob o ângulo da revelação: João Batista veio para que o “Cordeiro de Deus” seja
conhecido por Israel (Jo é o evangelho da manifestação de Deus em Jesus Cristo
e atribui ao Batista o papel de testemunha; cf. Jo 1,6-8.15; cf. v. 34).
No testemunho
do Batista segundo Jo podemos destacar dois elementos: 1) A antítese”batizar
com água” – “batizar com o Espírito Santo” (cf. Mt3, 11 = Mc 1,7-8 Lc 3,16).
Mas, enquanto para os evangelhos sinóticos (Mt, Mc e Lc) isso significa que em
Jesus vem até nós o batismo escatológico (“em espírito santo e fogo”; Mt 3,11),
Jo reinterpreta isso a partir de sua experiência eclesial: desde a morte e
ressurreição de Cristo, a Igreja é guiada por seu Espírito. Cristo é aquele que
dá o Espírito como dom permanente: o espírito desce sobre Jesus e permanece. 2)
0 evangelho de Jo atribui a Jesus o título bem particular de Cordeiro de Deus.
É uma alusão ao Servo de Deus, que, tal um cordeiro, não abre a boca e dá sua
vida em prol dos seus irmãos. Mas isso parece relacionar-se com o cordeiro
pascal e com o dom do Espírito (cf. os cânticos do Servo de Deus, esp. Is
42,1). Pois tirar o pecado do mundo é precisamente o legado que Jesus, com o
dom do Espírito, deixa aos seus quando de sua ressurreição (Jo 20,19-23; cf.
Pentecostes).
É nesta
perspectiva que devemos ler a 1ª leitura, o 2° Canto do Servo de Deus (Is
49,3.5-6). Ele é chamado, desde o seio de sua mãe, para reerguer Israel e –
conforme a teologia específica do Segundo Isaías – ser uma luz diante das
nações, no meio dos quais o povo vivia disperso. O Servo é também o protótipo
veterotestamentário do “Filho” de Deus, como Jesus é proclamado na hora de seu
batismo. O salmo responsorial mostra a prontidão do justo para assumir o
chamamento do Senhor.
A 2ª leitura
se une às duas outras mediante o tema da vocação – vocação de Paulo como
apóstolo, vocação dos fiéis de Corinto (e de toda a Igreja) à santidade. Toda
vocação participa da vocação que Deus suscitou nos seus “filhos”, desde
antigamente; participa, especialmente e de maneira incomparável, da vocação de
Cristo.
A oração do
dia reza por todos os que se empenham pela justiça de Deus, os “servos” e
“filhos” de Deus, pois o tema de hoje é a vocação a ser filho de Deus, conforme
o modelo de Jesus Cristo, proclamado tal na ocasião de seu batismo. A nossa
vocação é uma participação na do Cristo, mediante o Espírito que permanece nele
e nos faz permanecer nele, para que nós, como novos servos de Deus, tiremos de
todos os modos possíveis o pecado do mundo, empenhando-nos pela justiça de
Deus. A oração final pede que este Espírito, dom permanente de Cristo, nos faça
viver unidos no amor do Pai.
O Cordeiro de
Deus
Terminado o
tempo natalino, a liturgia dominical inicia uma primeira série de “domingos
comuns”nos quais os evangelhos descrevem a vida pública de Jesus, depois de seu
batismo por João. No Brasil, o 1º domingo comum é substituído pela festa do
Batismo do Senhor. No 2º domingo, o evangelho conta como João Batista apresenta
Jesus a seus discípulos chamando-o de “cordeiro de Deus”. Este título é
estranho para nós e certamente não suscita muita simpatia entre os jovens.
Nesta época de super-homens, nenhum jovem gostaria de ser chamado de
“cordeiro”.
O pano de
fundo deste título é a imagem do Servo do Senhor, que se encontra nos “Cânticos
do Servo”da profecia de Isaías. Domingo passado (Batismo do Senhor) foi-nos
lido o 1º Cântico do Servo (Is 42 1-4): Deus coloca no Servo o seu Espírito.
Hoje, a 1ª leitura nos faz ouvir o 2º Cântico: o Servo (Israel) deve reunir o
povo de Deus e ser a luz das nações (Is 49, 3.5-6). O 3º e 4º Cântico (Is 50 e
53) serão lidos na Semana Santa, e é precisamente no 4º Cântico que o Servo
Sofredor é comparado com o cordeiro levado ao matadouro, imagem que estende sua
força também sobre os três primeiros cânticos.
Se Jesus, ao
ser batizado por João, aparece como o Servo do Senhor (cf. dom passado), João o
chama, mais explicitamente, “o cordeiro que tira o pecado do mundo”, “aquele
sobre quem o Espírito permanece” e que “batiza com o Espírito”. Tudo isso para
dizer que Jesus é enviado por Deus para libertar o mundo do pecado e comunicar
o Espírito de Deus aos fiéis. Ambas as coisas, ele as realiza por sua morte por
amor a nós. Ele morre como o cordeiro redentor e, quando de sua “exaltação” (na
cruz e na glória), confere-nos o Espírito (Jô 7,39), para libertar o mundo do
pecado (cf. ev. De Pentecostes).
Se combinarmos
essas idéias, parece que este “cordeiro”não é tão passivo assim. Somos
batizados no Espírito conferido pelo cordeiro libertador, para libertar o mundo
do mal. Somos chamados a realizar a mesma missão do Servo e Cordeiro: dar a
nossa vida, para que o pecado seja derrotado. É o sentido profundo do martírio
cristão, que sempre acompanha a caminhada da comunidade de Jesus, até hoje.
Martírio significa testemunho. Sempre haverá cristãos que representando o povo
de Deus inteiro, darão sua vida para desfazer a força do pecado, para desarmar
o mal do mundo (não apenas os atos maldosos de cada um, mas também as
estruturas do mal, que devem ser combatidas com o empenho radical de nossa
própria postura social). Tudo isso faz parte de nossa “vocação a sermos
santos”, ou seja, a pertencermos a Deus (cf. 2ª leitura).