3° Domingo do Tempo Comum, Ano A 11
Roteiro Homilético 11: Pe. Franclim Pacheco Diocese de Aveiro
O texto do
evangelho deste domingo desenvolve-se em duas partes: o início da actividade de
Jesus e o chamamento dos primeiros discípulos.
A primeira parte é uma composição
literária típica do evangelista Mateus, com uma nota temporal e outra
geográfica comentada por uma citação bíblica, terminando com a pregação
programática de Jesus.
A prisão de João é para Jesus um
sinal divino para dar início à sua actividade pública. A escolha de Cafarnaum,
segundo o evangelista, entra num projecto divino na linha das promessas
messiânicas de Isaías. Historicamente, o anúncio do profeta referia-se à
libertação das tribos que viviam naquela zona; estavam em trevas, dominadas
pelos assírios, mas iriam ver a luz da liberdade. Agora a Luz vem para aqueles
galileus que os judeus residentes em Jerusalém desprezavam porque os consideravam
pouco instruídos, ignorantes da lei e pouco observantes dos preceitos, além de
serem fruto duma mistura de vários povos.
Com a
confirmação profética de Isaías que agora se realiza completamente na pessoa e
missão de Jesus, está a ser antecipado o tema da salvação dos gentios, além das
«ovelhas perdidas da casa de Israel». Esta perspectiva salvífica conjuga-se com
o motivo da «luz» que caracteriza a missão universal do servo de Yahweh,
chamado a ser a luz dos povos (Is 42,6; 49,6).
Sobre este
amplo fundo teológico adquire significado mais profundo a pequena frase que
condensa a actividade de pregação de Jesus: «Convertei-vos, porque está próximo
o Reino dos Céus». Já sabemos que o evangelista Mateus, que escreve para
cristãos de origem e mentalidade judaicas, usa várias formas para, de algum
modo, «camuflar» o nome de Deus, devido ao respeito que os judeus têm pelo seu
Nome. Por isso, devemos considerar a expressão «Reino dos céus» como
equivalente a «Reino de Deus».
Literariamente,
esta frase é igual à pregação de João Baptista; mas o seu conteúdo é agora
muito mais profundo. O convite à conversão implica uma revolução espiritual que
abraça a mente e o coração como adesão integral a Deus, empenhando-se em fazer
a sua vontade. A urgência e a seriedade deste convite derivam da proclamação:
«O reino dos céus está próximo». Esta proximidade não consiste numa questão de
tempo mas na concentração cristológica do anúncio: o reino dos céus fez-se
próximo na pessoa de Jesus, nas suas palavras e gestos de salvação.
A narração do chamamento dos primeiros
discípulos apresenta-se de modo simétrico, em díptico, compreendendo três
momentos: o encontro de Jesus com dois irmãos (designados pelos nomes e
apresentados nas suas tarefas quotidianas e no contexto das suas relações
familiares); a palavra-convite a seguir Jesus; pronta adesão dos chamados (que
deixam a situação anteriormente descrita e seguem Jesus).
Esta narração de chamamento
reproduz, de forma estereotipada e estilizada, um processo histórico mais
complexo que levou quatro pescadores a seguir Jesus, abandonando os seus
vínculos familiares e a sua actividade. Na origem desta narração está a relação
original e irreversível que se estabeleceu entre Jesus e alguns pescadores do
«mar da Galileia».
O ponto focal
das duas cenas paralelas é a palavra de Jesus. O seu convite soa como proposta
duma nova tarefa e como promessa: «farei de vós pescadores de homens». É um
convite que comporta uma partilha da sua própria missão e destino messiânico
como anunciador do reino de Deus.
Existe uma
semelhança profunda com o chamamento de Deus aos profetas, pois é Jesus que
toma a iniciativa, apresentando-se como um mestre diferente dos outros. Este
Mestre escolhe os discípulos e não vice-versa; a sua palavra é mais actuada que
explicada ou memorizada; o seguimento comporta solidariedade com o seu destino
pessoal, mesmo na situação crítica da ameaça de morte. Ao longo da narração do
evangelho, torna-se claro que na palavra de Jesus que chama os homens se
manifesta a palavra decisiva de Deus.