3° Domingo do Tempo Comum, Ano A 2
Roteiro Homilético 2: Dehonianos de Portugal
(http://www.dehonianos.org/)
Tema do 3º
Domingo do Tempo Comum
A liturgia
deste domingo apresenta-nos o projecto de salvação e de vida plena que Deus tem
para oferecer ao mundo e aos homens: o projecto do “Reino”.
Na primeira
leitura, o profeta/poeta Isaías anuncia uma luz que Deus irá fazer brilhar por
cima das montanhas da Galileia e que porá fim às trevas que submergem todos
aqueles que estão prisioneiros da morte, da injustiça, do sofrimento, do
desespero.
O Evangelho
descreve a realização da promessa profética: Jesus é a luz que começa a brilhar
na Galileia e propõe aos homens de toda a terra a Boa Nova da chegada do
“Reino”. Ao apelo de Jesus, respondem os discípulos: eles serão os primeiros
destinatários da proposta e as testemunhas encarregadas de levar o “Reino” a
toda a terra.
A segunda
leitura apresenta as vicissitudes de uma comunidade de discípulos, que
esqueceram Jesus e a sua proposta. Paulo, o apóstolo, exorta-os veementemente a
redescobrirem os fundamentos da sua fé e dos compromissos assumidos no
baptismo.
LEITURA I – Is
8,23b-9,3
Leitura do
Livro de Isaías
Assim como no
tempo passado
foi humilhada
a terra de Zabulão e de Neftali,
também no
futuro será coberto de glória
o caminho do
mar, o Além do Jordão, a Galileia dos gentios.
O povo que
andava nas trevas viu uma grande luz;
para aqueles
que habitavam nas sombras da morte
uma luz se
levantou.
Multiplicastes
a sua alegria,
aumentastes o
seu contentamento.
Rejubilam na
vossa presença,
como os que se
alegram no tempo da colheita,
como exultam
os que repartem despojos.
Vós
quebrastes, como no dia de Madiã,
o jugo que
pesava sobre o povo,
o madeiro que
ele tinha sobre os ombros
e o bastão do
opressor.
AMBIENTE
O Livro do
profeta Isaías propõe-nos um conjunto de oráculos ditos “messiânicos”, que
alimentam a esperança do Povo nesse mundo de justiça e de paz que Deus, num
futuro sem data marcada, vai oferecer aos seus. Há quem defenda, no entanto,
que esses textos messiânicos não provêm de Isaías, mas são oráculos
posteriores, enxertados no texto original do profeta pelo editor final da obra
isaiana.
O nosso texto
pertence, provavelmente, à fase final da vida do profeta. Estamos no final do
séc. VIII a.C.. Os assírios (que em 721 a .C. conquistaram Samaria, a antiga capital
do reino de Israel) oprimem e humilham as tribos do Povo de Deus instaladas na
região norte do país (Zabulão e Neftali); as trevas da desolação e da morte
cobrem toda a região setentrional da Palestina.
No sul, em
Jerusalém, reina Ezequias. O rei, desdenhando as indicações do profeta (para
quem as alianças políticas com os povos estrangeiros são sintoma de grave
infidelidade para com Jahwéh, pois significam colocar a confiança e a esperança
nos homens), envia embaixadas ao Egipto, à Fenícia e à Babilónia, procurando
consolidar uma frente contra a maior e mais ameaçadora potência da época – a
Assíria. A resposta de Senaquerib, rei da Assíria, não se faz esperar: tendo
vencido sucessivamente os membros da coligação, volta-se contra Judá, devasta o
país e põe cerco a Jerusalém (701
a .C.). Ezequias tem de submeter-se e fica a pagar um
pesado tributo aos assírios.
Por essa
época, desiludido com os reis e com a política, o profeta teria começado a
sonhar com uma intervenção de Deus para oferecer ao seu Povo um mundo novo, de
liberdade e de paz sem fim. Este texto pode ser dessa época.
MENSAGEM
O nosso texto
está construído sobre um jogo de oposições: “humilhar/cobrir de glória”, “trevas/luz”,
“caminhar nas sombras da morte (desolação, desespero)/alegria e contentamento”.
Os conceitos negativos (“humilhar”, “trevas”, “caminhar nas sombras da morte”)
definem a situação actual; os conceitos positivos (“cobrir de glória”, “luz”,
“alegria e contentamento”) definem a situação futura.
Como se
passará da actual situação de opressão, de frustração, de desespero, à situação
futura de alegria, de contentamento, de esperança?
O profeta fala
de “uma luz” que irá começar a brilhar por cima dos montes da Galileia e que
irá iluminar toda a terra. Essa luz eliminará “as trevas” que mantinham o Povo
oprimido e sem esperança e inaugurará o dia novo da alegria e da paz sem fim. O
jugo da opressão que pesava sobre o Povo será, então, quebrado e a paz deixará
de ser uma miragem para se tornar uma realidade. Para descrever a alegria que,
nesse novo quadro, encherá o coração do Povo, o profeta utiliza duas imagens
extremamente sugestivas: é como quando, no fim das colheitas, toda a gente
dança feliz, celebrando a abundância dos alimentos; é como quando, após a
caçada, os caçadores dividem a presa abundante.
Qual a origem
dessa luz libertadora e recriadora? O sujeito dos verbos do versículo 3 é,
indubitavelmente, Deus: será Deus quem quebrará a vara do opressor, quem
levantará o jugo que oprime o Povo de Deus, quem triturará o bastão de comando
que gera escravidão e humilhação. O mundo novo de alegria e de paz sem fim é um
dom de Deus.
O nosso texto
fica por aqui; mas, na sequência, o oráculo de Isaías ainda fala num “menino”,
enviado por Deus para restaurar o trono de David e para reinar no direito e na
justiça (cf. Is 9,5-6). É a promessa messiânica em todo o seu esplendor.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão e a
partilha da Palavra podem fazer-se a partir dos seguintes elementos:
• É Jesus, a
luz que ilumina o mundo com uma aurora de esperança, que dá sentido pleno a
esta profecia messiânica de Isaías. Ele é “Aquele que veio de Deus” para vencer
as trevas e as sombras da morte que ocultavam a esperança e instaurar o mundo novo
da justiça, da paz, da felicidade. No entanto, a luz de Jesus é, hoje, uma
realidade instituída, viva, actuante na história humana? Porquê?
• Acolher
Jesus é aceitar esse projecto de justiça e de paz que Ele veio propor aos
homens. Esforçamo-nos por tornar realidade o “Reino de Deus”? Como lidamos com
as situações de injustiça, de opressão, de conflito, de violência: com a
indiferença de quem sente que não tem nada a ver com isso enquanto essas
realidades não nos atingem directamente, ou com a inquietação de quem se sente
responsável pela instauração do “Reino de Deus” entre os homens?
• Em que, ou
em quem, coloco eu a minha esperança e a minha segurança: nos políticos que me
prometem tudo e se servem da minha ingenuidade para fins próprios? No dinheiro que
se desvaloriza e que não
serve para
comprar a paz do meu coração? Na situação sólida da minha empresa, que pode
desfazer-se diante das próximas convulsões sociais ou durante a próxima crise
energética? Isaías sugere que só podemos confiar em Deus e na sua decisão de
vir ao nosso encontro para nos apresentar uma proposta de vida e de paz.
SALMO
REPONSORIAL – Salmo 26 (27)
Refrão 1: O
Senhor é minha luz e salvação.
Refrão 2: O
Senhor me ilumina e me salva.
O Senhor é
minha luz e salvação:
a quem hei-de
temer?
O Senhor é
protector da minha vida:
de quem hei-de
ter medo?
Uma coisa peço
ao Senhor, por ela anseio:
habitar na
casa do Senhor todos os dias da minha vida,
para gozar da
suavidade do Senhor
e visitar o
seu santuário.
Espero vir a
contemplar a bondade do Senhor
na terra dos
vivos.
Confia no
Senhor, sê forte.
Tem confiança
e confia no Senhor.
LEITURA II – 1
Cor 1,10-13.17
Leitura da
Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Rogo-vos, pelo
nome de Nosso Senhor Jesus Cristo,
que faleis
todos a mesma linguagem
e que não haja
divisões entre vós,
permanecendo
bem unidos,
no mesmo
pensar e no mesmo agir.
Eu soube, meus
irmãos, pela gente de Cloé,
que há
divisões entre vós, que há entre vós quem diga:
«Eu sou de
Paulo», «eu de Apolo»,
«eu de Pedro»,
«eu de Cristo».
Estará Cristo
dividido?
Porventura
Paulo foi crucificado por vós?
Foi em nome de
Paulo que recebestes o Baptismo?
Na verdade,
Cristo não me enviou para baptizar,
mas para
anunciar o Evangelho;
não, porém,
com sabedoria de palavras,
a fim de não
desvirtuar a cruz de Cristo.
AMBIENTE
Após ter
abandonado a cidade de Corinto, Paulo continuou em contacto com a comunidade
cristã. Mesmo distante, continuava a acompanhar a vida da comunidade e
inteirava-se regularmente das dificuldades e problemas que os seus queridos
filhos de Corinto tinham de enfrentar.
Quando
escreveu a primeira carta aos Coríntios, Paulo estava em Éfeso. De Corinto
haviam chegado, entretanto, notícias alarmantes. Após a partida de Paulo, tinha
aparecido na cidade um pregador cristão – um tal Apolo, judeu de Antioquia,
convertido ao cristianismo. Era eloquente, versado nas Escrituras e foi de
grande utilidade para a comunidade na polémica com os judeus. Era mais
brilhante do que Paulo – conhecido pela sua falta de eloquência (cf. 2 Cor
10,10). Formaram-se partidos na comunidade (embora Apolo não favorecesse essa
divisão, segundo parece): uns admiravam Paulo, outros Cefas (Pedro), outros
Apolo (cf. 1 Cor 1,12). Formaram-se “partidos”, à imagem do que acontecia nas
escolas filosóficas da cidade, que tinham os seus mestres, à volta dos quais
circulavam os adeptos ou simpatizantes: o cristianismo tornava-se, dessa forma,
mais uma escola de sabedoria, na qual era possível optar por mestres distintos.
A situação
preocupou enormemente Paulo: além dos conflitos e rivalidades que a divisão
provocava, estava em causa a essência da fé. O cristianismo corria, dessa
forma, o perigo de se tornar mais uma escola de sabedoria, cuja validade
dependia do brilho dos mestres que apresentavam a ideologia e do seu poder de
convicção.
MENSAGEM
Para Paulo,
contudo, o cristianismo não era a escolha de uma determinada filosofia de vida,
defendida mais ou menos brilhantemente por um mestre qualquer; mas era a adesão
a Jesus Cristo, o único e verdadeiro mestre.
Paulo não mede
as palavras: a Cristo e unicamente a Cristo os cristãos, todos, foram
consagrados pelo baptismo. É Cristo e só Cristo a única fonte de salvação. Ser
baptizado é entrar a fazer parte do corpo de Cristo e participar no
acontecimento salvador do qual Cristo é o único mediador. Dizer que se é de
Paulo, ou de Cefas, ou de Pedro é, portanto, desvirtuar gravemente a essência
da fé cristã. Foi Paulo quem foi crucificado em benefício dos coríntios? O
baptismo significou uma adesão à doutrina de Paulo, ou de outro qualquer
mestre?
Deve ficar bem
claro que o importante não é quem baptizou ou quem anunciou o Evangelho: o
importante é Cristo, do qual Paulo, Cefas e Apolo são simples e humanos
instrumentos. Os coríntios são, portanto, intimados a não fixar a sua atenção
em mestres humanos e a redescobrir Cristo, morto na cruz para dar vida a todos,
como a essência da sua fé e do seu compromisso. Dessa forma, a comunidade será
uma verdadeira família de irmãos, que recebe vida de Cristo, que vive em unidade
e comunhão.
ACTUALIZAÇÃO
Para
reflectir, considerar os seguintes dados:
• O texto
recorda que a experiência cristã é, fundamentalmente, um encontro com Cristo; é
d’Ele e só d’Ele que brota a salvação. A vivência da nossa fé não pode,
portanto, depender do carisma da pessoa tal, ou estar ligada à personalidade
brilhante deste ou daquele indivíduo que preside à comunidade. Para além da
forma mais ou menos brilhante, mais ou menos coerente como tal pessoa anuncia
ou testemunha o Evangelho, tem de estar a nossa aposta em Cristo; é n’Ele e só
n’Ele que bebemos a salvação; é a Ele e só a Ele que o nosso compromisso
baptismal nos liga. Cristo é, de facto, a minha referência fundamental? É à
volta d’Ele e da sua proposta de vida que a minha experiência de fé se
constrói? Em concreto: que sentido é que faz, neste contexto, dizer que só se
vai à missa se for tal padre a presidir? Que sentido é que faz afastar-se da
comunidade porque não gostamos da atitude ou do jeito de ser deste ou daquele
animador?
• Neste contexto,
ainda, que sentido fazem os ciúmes, os conflitos, os partidos, que existem, com
frequência, nas nossas comunidades cristãs? Cristo pode estar dividido? Os
conflitos e as divisões não serão um sinal claro de que, algures durante a
caminhada, os membros da comunidade perderam Cristo? As guerras e rivalidades
dentro de uma comunidade não serão um sinal evidente de que o que nos move não
é Cristo, mas os nossos interesses, o nosso orgulho, o nosso egoísmo?
• Há casos em
que as pessoas com responsabilidade de animação nas comunidades cristãs
favorecem, consciente ou inconscientemente, o culto da personalidade. Não se
preocupam em levar as pessoas a descobrir Cristo, mas em conduzir o olhar e o
coração dos fiéis para a sua própria e brilhante personalidade. Tornam-se
imprescindíveis e inamovíveis, são incensadas e endeusadas e potenciam grupos
de pressão que as admiram, que as apoiam e que as seguem de olhos fechados. Que
sentido é que isto faz, à luz daquilo que Paulo nos diz, neste texto?
ALELUIA – cf.
Mt 4,23
Aleluia.
Aleluia.
Jesus
proclamava o Evangelho do reino
e c
urava todas as
doenças entre o povo.
EVANGELHO – Mt
4,12-23
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Quando Jesus
ouviu dizer
que João
Baptista fora preso,
retirou-Se
para a Galileia.
Deixou Nazaré
e foi habitar em Cafarnaum,
terra à
beira-mar, no território de Zabulão e Neftali.
Assim se
cumpria o que o profeta Isaías anunciara, ao dizer:
«Terra de
Zabulão e terra de Neftali,
estrada do
mar, além do Jordão, Galileia dos gentios:
o povo que
vivia nas trevas viu uma grande luz;
para aqueles
que habitavam na sombria região da morte,
uma luz se
levantou».
Desde então,
Jesus começou a pregar:
«Arrependei-vos,
porque o reino de Deus está próximo».
Caminhando ao
longo do mar da Galileia,
viu dois
irmãos:
Simão, chamado
Pedro, e seu irmão André,
que lançavam
as redes ao mar, pois eram pescadores.
Disse-lhes
Jesus: «Vinde e segui-Me
e farei de vós
pescadores de homens».
Eles deixaram
logo as redes e seguiram-n’O.
Um pouco mais
adiante, viu outros dois irmãos:
Tiago, filho
de Zebedeu, e seu irmão João,
que estavam no
barco, na companhia de seu pai Zebedeu,
a consertar as
redes.
Jesus
chamou-os
e eles,
deixando o barco e o pai, seguiram-n’O.
Depois começou
a percorrer toda a Galileia,
ensinando nas
sinagogas,
proclamando o
Evangelho do reino
e curando
todas as doenças e enfermidades entre o povo.
AMBIENTE
O texto que
nos é proposto como Evangelho funciona um pouco como texto-charneira, que
encerra a etapa da preparação de Jesus para a missão (cf. Mt 3,1-4,16) e que
lança a etapa do anúncio do Reino.
O texto
situa-nos na Galileia, a região setentrional da Palestina, zona de população
mesclada e ponto de encontro de muitos povos. Refere, ainda, a cidade de
Cafarnaum: situada no limite do território de Zabulão e de Neftali, na margem
noroeste do lago de Genezaré, no enfiamento do “caminho do mar” (que ligava o
Egipto e a Mesopotâmia), era considerada a capital judaica da Galileia
(Tiberíades, a capital política da região, por causa dos seus costumes
gentílicos e por estar construída sobre um cemitério, era evitada pelos
judeus). A sua situação geográfica abria-lhe, também, as portas dos territórios
dos povos pagãos da margem oriental do lago.
MENSAGEM
Na primeira
parte (cf. Mt 4,12-16), Mateus refere como Jesus abandona Nazaré, o seu lugar
de residência habitual, e se transfere para Cafarnaum. Mateus descobre nesse
facto um significado profundo, à luz de Is 8,23-9,1: a “luz” que havia de
eliminar as trevas e as sombras da morte de que fala Isaías é, para Mateus, o
próprio Jesus. Na terra humilhada de Zabulão e Neftali, vai começar a brilhar a
luz da libertação; e essa libertação vai atingir, também, os pagãos que
acolherem o anúncio do Reino (para Mateus, é bem significativo que o primeiro
anúncio ecoe na Galileia, terra onde os gentios se misturam com os judeus e,
concretamente, em Cafarnaum, a cidade que, pela sua situação geográfica, é uma
ponte para as terras dos pagãos). O anúncio libertador de Jesus apresenta,
desde logo, uma dimensão universal.
Na segunda
parte (cf. Mt 4,17-23), Mateus apresenta o lançamento da missão de Jesus:
define-se o conteúdo básico da pregação que se inicia, mostra-se o “Reino” como
realidade viva actuante, apresentam-se os primeiros discípulos que acolhem o
apelo do “Reino” e que vão acompanhar Jesus na missão.
Qual é, em
primeiro lugar, o conteúdo do anúncio? O versículo 17 di-lo de forma clara:
Jesus veio trazer “o Reino”. A expressão “Reino de Deus” (ou “Reino dos céus”,
como prefere dizer Mateus) refere-se, no Antigo Testamento e na época de Jesus,
ao exercício do poder soberano de Deus sobre os homens e sobre o mundo.
Decepcionado com a forma como os reis humanos exerceram a realeza (no discurso
profético aparecem, a par e passo, denúncias de injustiças cometidas pelos reis
contra os pobres, de atropelos ao direito orquestrados pela classe dirigente,
de responsabilidades dos líderes no abandono da aliança, de graves omissões no
que diz respeito aos compromissos assumidos para com Jahwéh), o Povo de Deus
começa a sonhar com um tempo novo, em que o próprio Deus vai reinar sobre o seu
Povo; esse reinado será marcado – na perspectiva dos teólogos de Israel – pela
justiça, pela misericórdia, pela preocupação de Deus em relação aos pobres e
marginalizados, pela abundância e fecundidade, pela paz sem fim.
Jesus tem
consciência de que a chegada do “Reino” está ligada à sua pessoa. O seu
primeiro anúncio resume-se, para Mateus, no seguinte slogan: “arrependei-os
(‘metanoeite’) porque o Reino dos céus está a chegar”.
O convite à
conversão (“metanoia”) é um convite a uma mudança radical na mentalidade, nos
valores, na postura vital. Corresponde, fundamentalmente, a um reorientar a
vida para Deus, a um reequacionar a vida, de modo a que Deus e os seus valores
passem a estar no centro da existência do homem; só quando o homem aceita que
Deus ocupe o lugar que Lhe compete, está preparado para aceitar a realeza de
Deus… Então, o “Reino” pode nascer e tornar-se realidade no mundo e nos
corações.
Na sequência,
Mateus apresenta Jesus a construir activamente o “Reino” (vers. 23-24): as suas
palavras anunciam essa nova realidade e os seus gestos (os milagres, as curas,
as vitórias sobre tudo o que rouba a vida e a felicidade do homem) são sinais
evidentes de que Deus começou já a reinar e a transformar a escravidão em vida
e liberdade.
Finalmente,
Mateus descreve o chamamento dos primeiros discípulos (vers. 18-22). Não se
trata, segundo parece (a comparação deste relato, que Mateus toma de Marcos,
com os relatos paralelos de Lucas e João, mostra que estamos diante de um
relato estilizado, cujo objectivo é pôr em relevo os passos fundamentais da
vocação) de um relato jornalístico de acontecimentos, mas de uma catequese
sobre o chamamento e a adesão ao projecto do “Reino”. Através da resposta pronta
de Pedro e André, Tiago e João, propõe-se um exemplo da conversão radical ao
“Reino” e de adesão às suas exigências.
O relato
sublinha uma diferença fundamental entre os chamados por Jesus e os discípulos
que se juntavam à volta dos mestres do judaísmo: não são os discípulos que
escolhem o mestre e pedem para entrar no seu grupo, como acontecia com os
discípulos dos “rabbis”; mas a iniciativa é de Jesus, que chama os discípulos
que Ele próprio escolheu, que os convida a segui-l’O e lhes propõe uma missão.
A resposta dos
quatro discípulos ao chamamento é paradigmática: renunciam
à família, ao
seu trabalho, às seguranças instituídas e seguem Jesus sem condições. Esta
ruptura (que significa não só uma ruptura afectiva com pessoas, mas também a
ruptura com um quadro de referências sociais e de segurança económica) indicia
uma opção radical pelo “Reino” e pelas suas exigências.
Uma palavra
para a missão que é proposta aos discípulos que aceitam o desafio do “Reino”:
eles serão pescadores de homens. O mar é, na cultura judaica, o lugar dos
demónios, das forças da morte que se opõem à vida e à felicidade dos homens; a
tarefa dos discípulos que aceitam integrar o “Reino” será, portanto, libertar
os homens dessa realidade de morte e de escravidão em que eles estão
mergulhados, conduzindo-os à liberdade e à realização plenas.
Estes quatro
discípulos representam todo o grupo dos discípulos, de todos os tempos e
lugares… Eles devem responder positivamente ao chamamento, optar pelo “Reino” e
pelas suas exigências e tornarem-se testemunhas da vida e da salvação de Deus
no meio dos homens e do mundo.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão e a
partilha da Palavra que nos é proposta podem partir dos seguintes dados:
• Jesus é o
Deus que vem ao nosso encontro para realizar os nossos sonhos de felicidade sem
limites e de paz sem fim. N’Ele e através d’Ele (das suas palavras, dos seus
gestos), o “Reino” aproximou-se dos homens e deixou de ser uma quimera, para se
tornar numa realidade em construção no mundo. Contemplar o anúncio de Jesus é abismar-se
na contemplação de uma incrível história de amor, protagonizada por um Deus que
não cessa de nos oferecer oportunidades de realização e de vida plena.
Sobretudo, o anúncio de Jesus toca e enche de júbilo o coração dos pobres e
humilhados, daqueles cuja voz não chega ao trono dos poderosos, nem encontram
lugar à mesa farta do consumismo, nem protagonizam as histórias balofas das
colunas sociais. Para eles, ouvir dizer que “o Reino chegou” significa que Deus
quer oferecer-lhes essa vida plena e feliz que os grandes e poderosos insistem
em negar-lhes.
• Para que o
“Reino” seja possível, Jesus pede a “conversão”. Ela é, antes de mais, um
refazer a existência, de forma a que só Deus ocupe o primeiro lugar na vida do
homem. Implica, portanto, despir-se do egoísmo que impede de estar atento às
necessidades dos irmãos; implica a renúncia ao comodismo, que impede o
compromisso com os valores do Evangelho; implica o sair do isolamento e da
auto-suficiência, para estabelecer relação e para fazer da vida um dom e um
serviço aos outros… O que é que nas estruturas da sociedade ainda impede a
efectivação do “Reino”? O que é que na minha vida, nas minhas opções, nos meus
comportamentos constitui um obstáculo à chegada do “Reino”?
• A história
do compromisso de Pedro e André, Tiago e João com Jesus e com o “Reino” é uma
história que define os traços essenciais da caminhada de qualquer discípulo… Em
primeiro lugar, é preciso ter consciência de que é Jesus que chama e que propõe
o Reino; em segundo lugar, é preciso ter a coragem de aceitar o chamamento e
fazer do “Reino” a prioridade essencial (o que pode implicar, até, deixar para
segundo plano os afectos, as seguranças, os valores humanos); em terceiro
lugar, é preciso acolher a missão que Jesus confia e comprometer-se
corajosamente na construção do “Reino” no mundo. É este o caminho que eu tenho
vindo a percorrer?
• A missão dos
que escutaram o apelo do “Reino” passa por testemunhar a salvação que Deus tem
para oferecer a todos os homens, sem excepção. Nós, discípulos de Jesus,
comprometidos com a construção do “Reino”, somos testemunhas da libertação e
levamos a Boa Nova da salvação aos homens de toda a terra? Aqueles que vivem
condenados à marginalização (por causa do fraco poder económico, por causa da
doença, por causa da solidão, por causa do seu inexistente poder de
reivindicação), já receberam, através do nosso testemunho, a Boa Nova do
“Reino”?
• Em certos
momentos da história, procura vender-se a ideia de que o mundo novo da justiça
e da paz se constrói a golpes de poder militar, de mísseis, de armas
sofisticadas, de instrumentos de morte… Atenção: a lógica do “Reino” não é uma
lógica de violência, de vingança, de destruição; mas é uma lógica de amor, de
doação da vida, de comunhão fraterna, de tolerância, de respeito pelos outros.
A tentação da violência é uma tentação diabólica, que só gera sofrimento e
escravidão: aí, o “Reino” não está.
ALGUMAS
SUGESTÕES PRÁTICAS
PARA O 3º
DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de
“Signes d’aujourd’hui”)
Ao longo dos
dias da semana anterior ao Domingo do 3º Domingo do Tempo Comum, procurar
meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em
cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária
da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos
eclesiais, numa comunidade religiosa…
2. ORAÇÃO PARA
A UNIDADE DOS CRISTÃOS.
Este domingo
situa-se no centro da Semana de Oração pela Unidade dos Cristãos (18-25 de
Janeiro). Pode-se associar a assembleia a esta intenção fundamental da Unidade.
Pode ser proposta uma caminhada no momento do Credo: lamparinas ou pequenas
velas são distribuídas aos fiéis à entrada da igreja e acesas para a profissão
de fé; terminada esta, todos vão em procissão e colocam-nas junto a uma grande
Cruz perto do altar. Antes da profissão de fé, uma introdução apresenta o gesto
como o reconhecimento da luz da Cruz, única fonte de Unidade.
3. BILHETE DE
EVANGELHO: UNIDADE E PAZ…
Estamos quase
a terminar o mês de Janeiro, celebrando duas dimensões marcantes da caminhada
neste mês: a Paz (Natal e primeiro dia do ano) e a Unidade (Semana de Oração
que estamos a viver). Nestes dias, rezamos pela Unidade, em comunhão com todos
os nossos irmãos cristãos que a história separou. Em Dezembro e início do ano,
rezámos pela Paz, em comunhão com todos os crentes que erguem os olhos para
Aquele que chamam Deus. Devemos desejar esta Unidade e esta Paz, porque
sofremos todos da separação e dos conflitos de vária ordem. Mas se a Unidade e
a Paz permanecem apenas como votos, quem os realizará? É preciso decidir e
fazer a Unidade. Há palavras, gestos, caminhadas que unem, que congregam. Isso
tem um nome: Reconciliação. É preciso decidir e fazer a Paz: há mãos
estendidas, olhares benevolentes, escutas atentas, palavras apaziguadoras,
julgamentos compreensíveis. Isso tem um nome: Perdão. A Unidade e a Paz:
podemos desejá-las! A Reconciliação e o Perdão: devemos decidi-los!
4. ATENÇÃO ÀS
CRIANÇAS.
A primeira
leitura e o Evangelho mencionam nomes de lugares. Para os concretizar junto das
crianças, pode-se preparar um mapa (foto, desenho ou projecção) da terra de
Jesus. Nele podemos inscrever o nome dos lugares mencionados, mas também alguns
pontos de referência: o Mediterrâneo, Jerusalém, Belém. O objectivo é ajudar as
crianças a perceber que este país existe e que há, como no nosso país, cidades,
aldeias, regiões, montanhas, lagos, etc. Este mapa pode ser apresentado durante
a introdução às leituras. Os lugares de referência estão já são escritos
anteriormente. Os que são mencionados nas leituras são colocados pelas crianças
no momento em que são citados pelo leitor.
5. ORAÇÃO NA
LECTIO DIVINA.
Na meditação
da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das leituras
com a oração.
No final da
primeira leitura:
Deus de luz e
de glória, nós Te damos graças pela tua constante presença ao lado do teu povo.
Depois da saída do Egipto até hoje, Tu nos visitas sempre que estamos nas
trevas.
Nós Te pedimos
pelos nossos irmãos que habitam a terra das trevas, e por nós mesmos, que nos
envias a levar-lhes a luz.
No final da
segunda leitura:
Deus nosso
Pai, nós Te bendizemos pelo Espírito de unidade que revelas às tuas Igrejas em
todo o tempo e lugar, desde a época de São Paulo até aos nossos dias.
Nós Te pedimos
pelas comunidades e pelas famílias cristãs: que não haja divisão entre nós, que
estejamos em perfeita harmonia, para tornar credível o anúncio do Evangelho e a
salvação pela Cruz de Cristo.
No final do
Evangelho:
Nosso Pai, nós
Te louvamos pelo Reino dos céus, do qual manifestaste a presença no meio de
nós, e pelo apelo que diriges a cada um de nós.
Nós Te pedimos
pelas tuas comunidades e por todos nós: Converte os nossos corações à tua
presença nas nossas vidas. Tu nos envias como pescadores de homens. Fortalece a
nossa fé em Ti, que ela seja irradiadora de luz.
6. ORAÇÃO
EUCARÍSTICA.
Pode-se
escolher a Oração Eucarística I, dizendo o nome dos apóstolos referidos no
Evangelho…
7. PALAVRA
EXPLICADA: A ORAÇÃO EUCARÍSTICA.
O Missal
actual propõe, à escolha, uma dezena de orações eucarísticas, enquanto, antes
do Concílio, as liturgias latinas só conheciam uma, o cânone romano, a actual
Oração Eucarística I. Todas as dez orações eucarísticas têm os mesmos
elementos, com importantes variantes, mas a organização do conjunto varia
ligeiramente: na Oração Eucarística I, as intercessões pelos vivos são
colocadas antes da narração da Última Ceia e, nas orações eucarísticas das
assembleias com crianças, são mais numerosas que nas outras. Todas as orações
eucarísticas começam pelo louvor a Deus e a recordação das suas obras, com uma
evocação da liturgia celeste, à qual nos associamos pelo cântico do Três vezes
Santo. O louvor converge para a narração da Última Ceia que é o culminar da
obra da salvação. As palavras que envolvem e seguem esta narração exprimem a
implicação que ela tem para a assembleia: expressão de oferenda, invocação do
Espírito Santo, intercessões pela Igreja, pelos seus membros vivos e defuntos,
e pelo mundo.
8. PALAVRA
PARA O CAMINHO.
Irradiar a
luz… Os textos bíblicos de hoje são atravessados de Luz para o nosso caminho de
trevas. Quantos homens e mulheres andam à procura de sentido e procuram o seu
caminho na noite… As nossas vidas de baptizados estão em coerência com Aquele
de quem nos reclamamos como cristãos? A Luz do Ressuscitado é-nos confiada para
nos juntarmos aos nossos irmãos… Somos focos que irradiam luz ou candeeiros
opacos?