4° Domingo do Tempo Comum, Ano A 2
Roteiro Homilético 2: Dehonianos de Portugal
(http://www.dehonianos.org/)
Tema do 4º
Domingo do Tempo Comum
As leituras
deste domingo propõem-nos uma reflexão sobre o “Reino” e a sua lógica. Mostram
que o projecto de Deus – o projecto do “Reino” – roda em sentido contrário à
lógica do mundo… Nos esquemas de Deus – ao contrário dos esquemas do mundo –
são os pobres, os humildes, os que aceitaram despir-se do egoísmo, do orgulho,
dos próprios interesses que são verdadeiramente felizes. O “Reino” é para eles.
Na primeira
leitura, o profeta Sofonias denuncia o orgulho e a auto-suficiência dos ricos e
dos poderosos e convida o Povo de Deus a converter-se à pobreza. Os “pobres”
são aqueles que se entregam nas mãos de Deus com humildade e confiança, que
acolhem com amor as suas propostas e que são justos e solidários com os irmãos.
Na segunda
leitura, Paulo denuncia a atitude daqueles que colocam a sua esperança e a sua
segurança em pessoas ou em esquemas humanos e que assumem atitudes de orgulho e
de auto-suficiência; e convida os crentes a encontrar em Cristo crucificado a
verdadeira sabedoria que conduz à salvação e à vida plena.
O Evangelho
apresenta a magna carta do “Reino”. Proclama “bem-aventurados” os pobres, os
mansos, os que choram, os que procuram cumprir fielmente a vontade de Deus,
porque já vivem na lógica do “Reino”; e recomenda aos crentes a misericórdia, a
sinceridade de coração, a luta pela paz, a perseverança diante das
perseguições: essas são as atitudes que correspondem ao compromisso pelo
“Reino”.
LEITURA I –
Sof 2, 3; 3, 12-13
Leitura da
Profecia de Sofonias
Procurai o
Senhor, vós todos os humildes da terra,
que obedeceis
aos seus mandamentos.
Procurai a
justiça, procurai a humildade;
talvez
encontreis protecção no dia da ira do Senhor.
Só deixarei
ficar no meio de ti um povo pobre e humilde,
que buscará
refúgio no nome do Senhor.
O resto de
Israel não voltará a cometer injustiças,
não tornará a
dizer mentiras,
nem mais se
encontrará na sua boca uma língua enganadora.
Por isso,
terão pastagem e repouso,
sem ninguém
que os perturbe.
AMBIENTE
O profeta
Sofonias pregou em Jerusalém na época do rei Josias (Josias reinou entre 639 e 609 a .C.). Os comentadores
costumam situar a profecia de Sofonias durante o tempo de menoridade de Josias
(que subiu ao trono aos oito anos); durante esse tempo, foi um Conselho real
que presidiu aos destinos de Judá.
Trata-se de
uma época difícil para o Povo de Deus. Judá está – há cerca de um século –
submetida aos assírios (desde que Acaz pediu ajuda a Tiglat-Pileser III contra
Damasco e a Samaria, no ano 734
a .C.); a influência estrangeira sente-se em todos os
degraus da vida nacional e a nação sofre as consequências da invasão de
costumes estranhos e de práticas pagãs. Por outro lado, o país acaba de sair do
reinado do ímpio Manassés (698-643
a .C.), que reconstruiu os lugares de culto aos deuses
estrangeiros, levantou altares a Baal, ofereceu o próprio filho em holocausto, dedicou-se
à adivinhação e à magia, colocou no Templo de Jerusalém a imagem de Astarte
(cf. 2 Re 21,3-9).
Aos pecados
contra Jahwéh e contra a aliança, somam-se as injustiças que, todos os dias,
atingem os mais pobres e desprotegidos. Os príncipes e ministros abusam da sua
autoridade e cometem arbitrariedades, os juízes são corruptos e os comerciantes
especulam com a miséria…
Sofonias está
consciente de que Jahwéh não pode continuar a pactuar com o pecado do seu Povo;
vai chegar o dia do Senhor, isto é, o dia da intervenção de Deus em que os maus
serão castigados e a injustiça será banida da terra. Da ira do Senhor
escaparão, contudo, os humildes e os pobres, os que se mantiveram fiéis à
aliança. O fim da pregação de Sofonias não é, contudo, anunciar o castigo; mas
é provocar a conversão, passo fundamental para chegar à salvação.
MENSAGEM
O nosso texto
começa com um apelo à conversão (cf. Sof 2,3). Para Sofonias, “conversão”
significa, objectivamente, justiça e humildade. Os “humildes”, no contexto de
Sofonias, são aqueles se entregam confiadamente nas mãos de Deus, que seguem os
caminhos de Deus, que aceitam as propostas de Deus e que não se colocam contra
Ele; são, também, aqueles que praticam a justiça para com os irmãos, que
respeitam os direitos dos mais débeis, que não cometem arbitrariedades…
Equivalem aos “pobres” das bem-aventuranças: não são uma categoria sociológica,
mas aqueles que estão numa certa atitude espiritual de abertura a Deus e aos
irmãos. No lado oposto estão os orgulhosos e auto-suficientes, que ignoram as
propostas de Deus, exploram, são injustos, corruptos e arbitrários. Só uma
verdadeira conversão à humildade permitirá encontrar protecção no “dia da ira
do Senhor” que se aproxima e que vai atingir os orgulhosos, os prepotentes e os
injustos.
Em seguida,
Sofonias apresenta o resultado do “dia da ira do Senhor”: o surgimento do
“resto de Israel” (cf. Sof 3,12-13). Os orgulhosos, arrogantes e prepotentes
serão banidos do meio do Povo de Deus (cf. Sof 3,11); ficará um “resto” humilde
e pobre”, que se entregará nas mãos do Senhor, não cometerá iniquidades nem
dirá mentiras e será uma espécie de viveiro de reflorescimento da nação.
A partir
daqui, ser “pobre” não é uma categoria sociológica, mas uma atitude espiritual
de quem tem o coração aberto às propostas de Deus e é justo na relação com os
outros. Na boa tradição bíblica (que está presente neste texto), os pobres são,
portanto, pessoas pacíficas, humildes, piedosas, simples, que confiam em Deus,
que obedecem às suas propostas e que são justos e solidários com os irmãos.
ACTUALIZAÇÃO
Considerar,
para a reflexão, os seguintes pontos:
• O Deus que
Se revela na palavra e na interpelação de Sofonias é o Deus que não pactua com
os orgulhosos e prepotentes que dominam o mundo e que pretendem moldar a
história com a sua lógica. A primeira indicação que a Palavra de Deus hoje nos
fornece é esta: o nosso Deus não está onde se cultiva a violência e a lei da
força, nem apoia a política dos dominadores do mundo – mesmo que eles pretendam
defender os valores de Deus e da civilização cristã. Os valores de Deus não se
defendem com uma lógica de imposição, de violência, de apelo à força. Atenção à
história e aos acontecimentos: sempre que alguém se apresenta em nome de Deus a
impor ao mundo um
a determinada
lógica, temos de desconfiar; Deus nunca esteve desse lado e esses nunca foram
os métodos de Deus. Sofonias garante: para os prepotentes e orgulhosos, chegará
o dia da ira de Deus; e, nesse dia, serão os humildes e os pobres que se
sentarão à mesa com Deus.
• A nossa
civilização ocidental diz-se cristã, mas está ainda longe de assimilar a lógica
de Deus. A lógica da nossa sociedade exalta os que têm poder, os que triunfam
por todos os meios, os poderosos, os que vergam a história e os homens a golpes
de poder, de esperteza e de força… Hoje, como ontem, a sociedade exalta os que
triunfam e marginaliza e rejeita os pobres, os débeis, os simples, os
pacíficos, os que não se fazem ouvir nos areópagos do poder e dos mass-media,
aqueles que recusam impor-se e mandar nos outros, aqueles que estão à margem
dos acontecimentos sociais que reúnem a fina-flor do jet-set, aqueles que não
aparecem nas páginas das revistas da moda. Podemos deixar que a sociedade se
construa na base destes pressupostos? Que podemos fazer para que o nosso mundo
se construa de acordo com os valores de Deus?
• O apelo à
conversão significa objectivamente, na perspectiva de Sofonias, a renúncia ao
orgulho, à prepotência, ao egoísmo e um regresso à comunhão com Deus e com os
irmãos. Estamos dispostos, pessoalmente, a este caminho de conversão? Estamos
dispostos a renunciar a uma lógica de imposição, de prepotência, de orgulho, de
autoritarismo, de auto-suficiência, quer na nossa relação com Deus, quer na
nossa relação com os outros homens?
SALMO RESPONSORIAL
– Salmo 145 (146), 7.8-9a.9bc-10
Refrão 1:
Bem-aventurados os pobres em espírito,
porque deles é
o reino dos Céus.
Refrão 2:
Aleluia.
O Senhor faz
justiça aos oprimidos,
dá pão aos que
têm fome
e a liberdade
aos cativos.
O Senhor
ilumina os olhos dos cegos,
o Senhor
levanta os abatidos,
o Senhor ama
os justos.
O Senhor
protege os peregrinos,
ampara o órfão
e a viúva
e entrava o
caminho aos pecadores.
O Senhor reina
eternamente.
O teu Deus, ó
Sião,
é Rei por
todas as gerações.
LEITURA II – 1
Cor 1, 26-31
Leitura da
Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Vede quem sois
vós, os que Deus chamou:
não há muitos
sábios, naturalmente falando,
nem muitos
influentes, nem muitos bem-nascidos.
Mas Deus
escolheu o que é louco aos olhos do mundo
para confundir
os sábios;
escolheu o que
é vil e desprezível,
o que nada
vale aos olhos do mundo,
para reduzir a
nada aquilo que vale,
a fim de que
nenhuma criatura se possa gloriar diante de Deus.
É por Ele que
vós estais em Cristo Jesus,
o qual Se tornou
para nós sabedoria de Deus,
justiça,
santidade e redenção.
Deste modo,
conforme está escrito,
«quem se
gloria deve gloriar-se no Senhor».
AMBIENTE
Vimos, na
passada semana, que um dos graves problemas da comunidade cristã de Corinto era
a identificação da experiência cristã com uma escola de sabedoria: os cristãos
de Corinto – na linha do que acontecia nas várias escolas de filosofia que
infestavam a cidade – viam várias figuras proeminentes do cristianismo
primitivo como mestres de uma doutrina e aderiam a essas figuras, esperando
encontrar nelas uma proposta filosófica credível, que os conduzisse à plenitude
da sabedoria e da realização humana. É de crer que os vários adeptos desses
vários mestres se confrontassem na comunidade, procurando demonstrar a
excelência e a superior sabedoria do mestre escolhido. Ao saber isto, Paulo
ficou muito alarmado: esta perspectiva punha em causa o essencial da fé. Paulo
vai esforçar-se, então, por demonstrar aos coríntios que entre os cristãos não
há senão um mestre, que é Jesus Cristo; e a experiência cristã não é a busca de
uma filosofia coerente, brilhante, elegante, que conduza à sabedoria, entendida
à maneira dos gregos. Aliás, Cristo não foi um mestre que se distinguiu pela
elegância das suas palavras, pela sua arte oratória ou pela lógica do seu
discurso filosófico… Ele foi o Deus que, por amor, veio ao encontro dos homens
e lhes ofereceu a salvação, não pela lógica do poder ou pela elegância das
palavras, mas através do dom da vida.
O caminho
cristão não é uma busca de sabedoria humana, mas uma adesão a Cristo
crucificado – o Cristo do amor e do dom da vida. N’Ele manifesta-se, de forma
humanamente desconcertante, mas plena e definitiva, a força salvadora de Deus.
É aí e em mais nenhum lado que os coríntios devem procurar a verdadeira
sabedoria que conduz à vida eterna.
MENSAGEM
É verdade,
considera Paulo, que é difícil encontrar – do ponto de vista do raciocínio
humano – num pobre galileu condenado a uma morte infamante (“escândalo para os
judeus e loucura para os gentios” – 1 Cor 1,23) uma proposta credível de
salvação. Mas a lógica de Deus não é exactamente igual à lógica dos homens. “O
que é loucura de Deus é mais sábio que os homens; e o que é fraqueza de Deus é
mais forte do que os homens” (1 Cor 1,25).
Como exemplo
da lógica de Deus, Paulo apresenta o caso da própria comunidade cristã de
Corinto: entre os coríntios não abundavam os ricos, nem os poderosos, nem os de
boas famílias, nem os intelectuais, nem os aristocratas; ao contrário, a
maioria dos membros da comunidade eram escravos, trabalhadores, gente simples e
pobre. Apesar disso, Deus escolheu-os e chamou-os; e a vida de Deus
manifestou-se nessa comunidade de desclassificados. Para a consecução dos seus
projectos, os homens escolhem normalmente os mais ricos, os mais fortes, os
mais bem preparados intelectualmente, os que provêm de boas famílias, os que
asseguram maiores hipóteses de êxito do ponto de vista humano… Mas Deus escolhe
os pobres, os débeis, aqueles que aos olhos do mundo são ignorados ou desprezados
e, através deles, manifesta o seu poder e intervém no mundo. Portanto, se esta
é a lógica de Deus (como ficou provado pelo exemplo), não surpreende que o
poder salvador de Deus se tenha manifestado na cruz de Cristo.
Os coríntios
são convidados a não colocar a sua esperança e a sua segurança em pessoas (por
muito brilhantes e cheias de qualidades humanas que elas sejam) ou em esquemas
humanos de sabedoria (por muito sedutores e fascinantes que eles possam
parecer): a sabedoria humana é incapaz, por si só, de salvar; e, ao produzir
orgulho e auto-suficiência, leva o homem a prescindir de Deus e a resvalar por
caminhos que conduzem à morte e à desgraça… Em contrapartida, os coríntios são
convidados a colocar a sua esperança e segurança em Jes
us Cristo, que
na cruz deu a vida por amor: é na “loucura da cruz” – isto é, na vida dada até
às últimas consequências, que se manifesta a radicalidade do amor de Deus, a
profundidade do seu desejo de ofertar ao homem a salvação. Para Paulo, a cruz
manifesta a “sabedoria de Deus”; e é essa sabedoria que deve atrair o olhar e
apaixonar o coração dos coríntios.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão e a
partilha podem considerar as seguintes questões:
• Uma
percentagem significativa dos homens do nosso tempo está convencida de que o
segredo da realização plena do homem está em factores humanos (preparação
intelectual, êxito profissional, reconhecimento social, bem-estar económico,
poder político, etc.); mas Paulo avisa que apostar tudo nesses elementos é
jogar no “cavalo errado”: o homem só encontra a realização plena, quando
descobre Cristo crucificado e aprende com Ele o amor total e o dom da vida.
Para mim, qual destas duas propostas faz mais sentido?
• A teologia
aqui apresentada por Paulo diz-nos que o Deus em quem acreditamos não é o Deus
que só escolhe os ricos, os poderosos, os influentes, os de “sangue azul”, para
realizar a sua obra no mundo; mas que o nosso Deus é o Deus que não faz acepção
de pessoas e que, quase sempre, se serve da fraqueza, da fragilidade, da
finitude para levar avante o seu projecto de salvação e libertação.
• Não se
trata, aqui, de valorizar romanticamente a pobreza, ou de apresentar Deus como
o chefe de um sindicato da classe operária, a reivindicar o poder para as
classes desfavorecidas; trata-se de revelar o verdadeiro rosto de um Deus que
Se solidariza com os pobres, com os humilhados, com os ofendidos, com os
explorados de todos os tempos e a todos oferece, sem distinção, a salvação.
ALELUIA – Mt
5, 12a
Aleluia.
Aleluia.
Alegrai-vos e
exultai,
porque é
grande nos Céus a vossa recompensa.
EVANGELHO – Mt
5,1-12
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo,
ao ver as
multidões, Jesus subiu ao monte e sentou-Se.
Rodearam-n’O
os discípulos
e Ele começou
a ensiná-los, dizendo:
«Bem-aventurados
os pobres em espírito,
porque deles é
o reino dos Céus.
Bem-aventurados
os que choram,
porque serão
consolados.
Bem-aventurados
os humildes,
porque
possuirão a terra.
Bem-aventurados
os que têm fome e sede de justiça,
porque serão
saciados.
Bem-aventurados
os misericordiosos,
porque
alcançarão misericórdia.
Bem-aventurados
os puros de coração,
porque verão a
Deus.
Bem-aventurados
os que promovem a paz,
porque serão
chamados filhos de Deus.
Bem-aventurados
os que sofrem perseguição por amor da justiça,
porque deles é
o reino dos Céus.
Bem-aventurados
sereis, quando, por minha causa,
vos
insultarem, vos perseguirem
e, mentindo,
disserem todo o mal contra vós.
Alegrai-vos e
exultai,
porque é
grande nos Céus a vossa recompensa».
AMBIENTE
Depois de
dizer quem é Jesus (Mt 1,1-2,23) e de definir a sua missão (cf. Mt 3,1-4,16),
Mateus vai apresentar a concretização dessa missão: com palavras e com gestos,
Jesus propõe aos discípulos e às multidões o “Reino”. Neste enquadramento,
Mateus propõe-nos hoje um discurso de Jesus sobre o “Reino” e a sua lógica.
Uma
característica importante do Evangelho segundo Mateus reside na importância
dada pelo evangelista aos “ditos” de Jesus. Ao longo do Evangelho segundo
Mateus aparecem cinco longos discursos (cf. Mt 5-7; 10; 13; 18; 24-25), nos
quais Mateus junta “ditos” e ensinamentos provavelmente proferidos por Jesus em
várias ocasiões e contextos. É provável que o autor do primeiro Evangelho visse
nesses cinco discursos uma nova Lei, destinada a substituir a antiga Lei dada
ao Povo por meio de Moisés e escrita nos cinco livros do Pentateuco.
O primeiro
discurso de Jesus – do qual o Evangelho que nos é hoje proposto é a primeira
parte – é conhecido como o “sermão da montanha” (cf. Mt 5-7). Agrupa um
conjunto de palavras de Jesus, que Mateus coleccionou com a evidente intenção
de proporcionar à sua comunidade uma série de ensinamentos básicos para a vida
cristã. O evangelista procurava, assim, oferecer à comunidade cristã um novo
código ético, uma nova Lei, que superasse a antiga Lei que guiava o Povo de
Deus.
Mateus situa
esta intervenção de Jesus no cimo de um monte. A indicação geográfica não é
inocente: transporta-nos à montanha da Lei (Sinai), onde Deus Se revelou e deu
ao seu Povo a antiga Lei. Agora é Jesus, que, numa montanha, oferece ao novo
Povo de Deus a nova Lei que deve guiar todos os que estão interessados em
aderir ao “Reino”.
As
“bem-aventuranças” que, neste primeiro discurso, Mateus coloca na boca de
Jesus, são consideravelmente diferentes das “bem-aventuranças” propostas por
Lucas (cf. Lc 6,20-26). Mateus tem nove “bem-aventuranças”, enquanto que Lucas
só apresenta quatro; além disso, Lucas prossegue com quatro “maldições”, que
estão ausentes do texto mateano; outras notas características da versão de Mateus
são a espiritualização (os “pobres” de Lucas são, para Mateus, os “pobres em
espírito”) e a aplicação dos “ditos” originais de Jesus à vida da comunidade e
ao comportamento dos cristãos. É muito provável que o texto de Lucas seja mais
fiel à tradição original e que o texto de Mateus tenha sido mais trabalhado.
MENSAGEM
As
“bem-aventuranças” são fórmulas relativamente frequentes na tradição bíblica e
judaica. Aparecem, quer nos anúncios proféticos de alegria futura (cf. Is
30,18; 32,20; Dn 12,12), quer nas acções de graças pela alegria presente (cf.
Sl 32,1-2; 33,12; 84,5.6.13), quer nas exortações a uma vida sábia, reflectida
e prudente (cf. Prov 3,13; 8,32.34; Sir 14,1-2.20; 25,8-9; Sl 1,1; 2,12; 34,9).
Contudo, elas definem sempre uma alegria oferecida por Deus.
As
“bem-aventuranças” evangélicas devem ser entendidas no contexto da pregação
sobre o “Reino”. Jesus proclama “bem-aventurados” aqueles que estão numa
situação de debilidade, de pobreza, porque Deus está a ponto de instaurar o
“Reino” e a situação destes “pobres” vai mudar radicalmente; além disso, são
“bem-aventurados” porque, na sua fragilidade, debilidade e dependência, estão
de espírito aberto e coração disponível para acolher a proposta de salvação e
libertação que Deus lhes oferece em Jesus (a proposta do “Reino”).
As quatro
primeiras “bem-aventuranças” referidas por Mateus (vers. 3-6) estão
relacionadas entre si. Dirigem-se aos “pobres” (as segunda, terceira e quarta
“bem-aventuranças” são apenas desenvolvimentos da primeira, que proclama:
“bem-aventurados os pobres em espírito”). Saúdam a felicidade daqueles que se
entregam confiadamente nas mãos de Deus e procuram fazer sempre a sua vontade;
daqueles que, de forma consciente, deixam de colocar a sua confiança e a sua
esperança nos bens, no poder, no êxito, nos homens, para esperar e confiar em
Deus; daqueles que aceitam renunciar ao egoísmo, que aceitam despojar-se de si
próprios e estar disponíveis para Deus e para os outros.
Os “pobres em
espírito” são aqueles que aceitam renunciar, livremente, aos bens, ao próprio
orgulho e auto-suficiência, para se colocarem, incondicionalmente, nas mãos de
Deus, para servirem os irmãos e partilharem tudo com eles.
Os “mansos”
não são os fracos, os que suportam passivamente as injustiças, os que se conformam
com as violências orquestradas pelos poderosos; mas são aqueles que recusam a
violência, que são tolerantes e pacíficos, embora sejam, muitas vezes, vítimas
dos abusos e prepotências dos injustos… A sua atitude pacífica e tolerante
torná-los-á membros de pleno direito do “Reino”.
Os “que
choram” são aqueles que vivem na aflição, na dor, no sofrimento provocados pela
injustiça, pela miséria, pelo egoísmo; a chegada do “Reino” vai fazer com que a
sua triste situação se mude em consolação e alegria…
A quarta
bem-aventurança proclama felizes “os que têm fome e sede de justiça”.
Provavelmente, a justiça deve entender-se, aqui, em sentido bíblico – isto é,
no sentido da fidelidade total aos compromissos assumidos para com Deus e para
com os irmãos. Jesus dá-lhes a esperança de verem essa sede de fidelidade
saciada, no Reino que vai chegar.
O segundo
grupo de “bem-aventuranças” (vers. 7-11) está mais orientado para definir o
comportamento cristão. Enquanto que no primeiro grupo se constatam situações,
neste segundo grupo propõem-se atitudes que os discípulos devem assumir.
Os
“misericordiosos” são aqueles que têm um coração capaz de compadecer-se, de
amar sem limites, que se deixam tocar pelos sofrimentos e alegrias dos outros
homens e mulheres, que são capazes de ir ao encontro dos irmãos e estender-lhes
a mão, mesmo quando eles falharam.
Os “puros de
coração” são aqueles que têm um coração honesto e leal, que não pactua com a
duplicidade e o engano.
Os “que
constroem a paz” são aqueles que se recusam a aceitar que a violência e a lei
do mais forte rejam as relações humanas; e são aqueles que procuram ser – às
vezes com o risco da própria vida – instrumentos de reconciliação entre os
homens.
Os “que são
perseguidos por causa da justiça” são aqueles que lutam pela instauração do
“Reino” e são desautorizados, humilhados, agredidos, marginalizados por parte
daqueles que praticam a injustiça, que fomentam a opressão, que constroem a
morte… Jesus garante-lhes: o mal não vos poderá vencer; e, no final do caminho,
espera-vos o triunfo, a vida plena.
Na última
“bem-aventurança” (vers. 11), o evangelista dirige-se, em jeito de exortação,
aos membros da sua comunidade que têm a experiência de ser perseguidos por
causa de Jesus e convida-os a resistir ao sofrimento e à adversidade. Esta
última exortação é, na prática, uma aplicação concreta da oitava
“bem-aventurança”.
No seu
conjunto, as “bem-aventuranças” deixam uma mensagem de esperança e de alento
para os pobres e débeis. Anunciam que Deus os ama e que está do lado deles;
confirmam que a libertação está a chegar e que a sua situação vai mudar;
asseguram que eles vivem já na dinâmica desse “Reino” onde vão encontrar a
felicidade e a vida plena.
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão e a
partilha podem fazer-se à volta dos seguintes elementos:
• Jesus diz:
“felizes os pobres em espírito”; o mundo diz: “felizes vós os que tendes
dinheiro – muito dinheiro – e sabeis usá-lo para comprar influências,
comodidade, poder, segurança, bem-estar, pois é o dinheiro que faz andar o
mundo e nos torna mais poderosos, mais livres e mais felizes”. Quem é,
realmente, feliz?
• Jesus diz:
“felizes os mansos”; o mundo diz: “felizes vós os que respondeis na mesma moeda
quando vos provocam, que respondeis à violência com uma violência ainda maior,
pois só a linguagem da força é eficaz para lidar com a violência e a
injustiça”. Quem tem razão?
• Jesus diz:
“felizes os que choram”; o mundo diz: “felizes vós os que não tendes motivos
para chorar, porque a vossa vida é sempre uma festa, porque vos moveis nas
altas esferas da sociedade e tendes tudo para serdes felizes: casa com piscina,
carro com telefone e ar condicionado, amigos poderosos, uma conta bancária
interessante e um bom emprego arranjado pelo vosso amigo ministro”. Onde está a
verdadeira felicidade?
• Jesus diz:
“felizes os que têm ânsia de cumprir a vontade de Deus”; o mundo diz: “felizes
vós os que não dependeis de preconceitos ultrapassados e não acreditais num
deus que vos diz o que deveis e não deveis fazer, porque assim sois mais
livres”. Onde está a verdadeira liberdade, que enche de felicidade o coração?
• Jesus diz:
“felizes os que tratam os outros com misericórdia”; o mundo diz: “felizes vós
quando desempenhais o vosso papel sem vos deixardes comover pela miséria e pelo
sofrimento dos outros, pois quem se comove e tem misericórdia acabará por nunca
ser eficaz neste mundo tão competitivo”. Qual é o verdadeiro fundamento de uma
sociedade mais justa e mais fraterna?
• Jesus diz:
“felizes os sinceros de coração”; o mundo diz: “felizes vós quando sabeis
mentir e fingir para levar a água ao vosso moinho, pois a verdade e a
sinceridade destroem muitas carreiras e esperanças de sucesso”. Onde está a
verdade?
• Jesus diz:
“felizes os que procuram construir a paz entre os homens”; o mundo diz:
“felizes vós os que não tendes medo da guerra, da competição, que sois duros e
insensíveis, que não tendes medo de lutar contra os outros e sois capazes de os
vencer, pois só assim podereis ser homens e mulheres de sucesso”. O que é que
torna o mundo melhor: a paz ou a guerra?
• Jesus diz:
“felizes os que são perseguidos por cumprirem a vontade de Deus”; o mundo diz:
“felizes vós os que já entendestes como é mais seguro e mais fácil fazer o jogo
dos poderosos e estar sempre de acordo com eles, pois só assim podeis subir na
vida e ter êxito na vossa carreira”. O que é que nos eleva à vida plena?
ALGUMAS
SUGESTÕES PRÁTICAS
PARA O 4º
DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de
“Signes d’aujourd’hui”)
Ao longo dos
dias da semana anterior ao 4º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a
Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia,
por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra:
num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais,
numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno
a Palavra de Deus.
2. PARA A
PROCLAMAÇÃO DAS BEM-AVENTURANÇAS.
Como criar, ao
longo da liturgia da Palavra, uma progressão cujo ponto culminante seria a Boa
Nova? Uma proposta muito simples: o leitor da primeira leitura avança
acompanhado por alguém que leva uma luz (vela) e os dois, depois da leitura
terminada, ficam junto do ambão; os mesmos gestos para o leitor (cantor) do
salmo e para o leitor da segunda leitura; finalmente, o Livro dos Evangelhos é
levado em procissão, também acompanhado por alguém com uma vela acesa, até ao
ambão. Todos ficam à volta do ambão, formando um “povo de luz” e dando uma
solenidade particular à proclamação das Bem-aventuranças de Mateus.
3. BILHETE DE
EVANGELHO.
O “ofertório”,
um acto litúrgico… Quando vimos à missa, os nossos corações estão cheios da
nossa vida e da vida dos nossos irmãos, com as alegrias, os sofrimentos, os
projectos, as questões, as inquietudes, a esperança. Com o pão e o vinho, no
momento do ofertório, é um pouco desta vida que oferecemos concretamente. O
dinheiro é o que nós ganhamos; ele é feito para ser partilhado. O “ofertório”
é, pois, um acto litúrgico. Querer que a comunidade cristã à qual pertencemos
possa viver é uma obra de justiça. Quando beneficiamos dos serviços de uma
associação, a ela aderimos financeiramente. Temos muitas ocasiões para aderir
financeiramente à comunidade cristã – e os cristãos são generosos. Procuremos
valorizar ou revalorizar o nosso “ofertório”…
4. ORAÇÃO NA
LECTIO DIVINA.
Na meditação
da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das
leituras com a oração.
No final da
primeira leitura:
Deus, Pai e
pastor do teu povo, nós Te bendizemos pela tua paciência e pela tua bondade.
Quando Israel se afastava do caminho da justiça, Tu recordava-lo pelos teus
profetas, para o converter e o conduzir para Ti.
Nós procuramos
o teu rosto e Te pedimos: purifica-nos da mentira e do engano, faz-nos procurar
a justiça e a humildade.
No final da
segunda leitura:
Deus de
infinita sabedoria, nós Te damos graças, porque nos chamaste; escolhes aqueles
que são fracos e desprezados, para lhes fazer descobrir a tua sabedoria, no teu
Filho, desprezado no calvário, mas vitorioso na Páscoa.
Pomos em Ti a
nossa confiança e estendemos as mãos para o teu Filho: Ele é a nossa justiça, a
nossa santificação e a nossa redenção.
No final do
Evangelho:
Nosso Pai dos
céus, bendito sejas, Tu que abres ao teu povo a terra prometida e o Reino dos
céus, Tu que o sacias com a tua justiça, Tu que nos chamas teus filhos e
descobres-nos o teu rosto.
Faz-nos estar
entre os pobres, os mansos, os aflitos, os misericordiosos, os famintos da tua
justiça, os corações puros e as testemunhas do teu Reino.
5. ORAÇÃO
EUCARÍSTICA.
Pode-se
escolher a Oração Eucarística II para as Missas com Crianças.
6. PALAVRA
PARA O CAMINHO.
Um pequeno
resto… “Só deixarei ficar no meio de ti um povo pobre e humilde, que buscará
refúgio no nome do Senhor…” Um pequeno “resto” de gente que procura Deus na
verdade, numa Igreja minoritária no seio de uma sociedade que só crê na
riqueza, no poder, nas performances. Gente que procura a justiça, a humildade,
a doçura, a paz, o perdão… Este programa entra na minha vida?
UNIDOS PELA
PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo
Dinamizador: P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província
Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)