Ano A Solenidade de Santa Maria Mãe de Deus 12

Solenidade de Santa Maria, Mãe de Deus 12


Roteiro Homilético 12: Ordem do Carmo Portugual
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Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas (Lc 2, 1-21)

1Por aqueles dias, saiu um édito da parte de César Augusto para ser recenseada toda a terra. 2Este recenseamento foi o primeiro que se fez, sendo Quirino governador da Síria.

3Todos iam recensear-se, cada qual à sua própria cidade. 4Também José, deixando a cidade de Nazaré, na Galileia, subiu até à Judeia, à cidade de David, chamada Belém, por ser da casa e linhagem de David, 5a fim de se recensear com Maria, sua esposa, que se encontrava grávida. 6E, quando eles ali se encontravam, completaram-se os dias de ela dar à luz 7e teve o seu filho primogénito, que envolveu em panos e recostou numa manjedoura, por não haver lugar para eles na hospedaria.

8Na mesma região encontravam-se uns pastores que pernoitavam nos campos, guardando os seus rebanhos durante a noite. 9Um anjo do Senhor apareceu-lhes, e a glória do Senhor refulgiu em volta deles; e tiveram muito medo. 10O anjo disse-lhes: «Não temais, pois anuncio-vos uma grande alegria, que o será para todo o povo: 11Hoje, na cidade de David, nasceu-vos um Salvador, que é o Messias Senhor. 12Isto vos servirá de sinal: encontrareis um menino envolto em panos e deitado numa manjedoura.»

13De repente, juntou-se ao anjo uma multidão do exército celeste, louvando a Deus e dizendo: 14«Glória a Deus nas alturas e paz na terra aos homens do seu agrado.»

15Quando os anjos se afastaram deles em direcção ao Céu, os pastores disseram uns aos outros: «Vamos a Belém ver o que aconteceu e que o Senhor nos deu a conhecer.» 16Foram apressadamente e encontraram Maria, José e o menino deitado na manjedoura. 17Depois de terem visto, começaram a divulgar o que lhes tinham dito a respeito daquele menino. 18Todos os que ouviram se admiravam do que lhes diziam os pastores. 19Quanto a Maria, conservava todas estas coisas, ponderando-as no seu coração. 20E os pastores voltaram, glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido, conforme lhes fora anunciado.

21Quando se completaram os oito dias, para a circuncisão do menino, deram-lhe o nome de Jesus indicado pelo anjo antes de ter sido concebido no seio materno.

Chave de leitura

O motivo que levou José e Maria a ir a Belém foi um censo imposto pelo imperador de Roma (Lc 2, 17). Periodicamente, as autoridades romanas decretavam estes censos nas diversas regiões do imenso império. Tratava-se de controlar a população e saber quantas pessoas deviam pagar os impostos. Os ricos pagavam os impostos sobre os terrenos e bens que possuíam. Os pobres pelo número de filhos que tinham. Às vezes o imposto total superava  50% do rendimento da pessoa.

No evangelho de Lucas notamos uma diferença significativa entre o nascimento de Jesus e o nascimento de João Baptista. João nasce em sua casa, na sua terra, no meio dos seus parentes e vizinhos e é acolhido por todos (Lc 1, 57-58). Jesus nasce desconhecido, fora do ambiente familiar e dos vizinhos, fora da sua terra. “Não havia lugar para eles na hospedaria”. Teve que ser deixado num presépio (Lc 2, 7).

Procuremos colocar e comentar o nosso texto (Lc 2, 16-21) no amplo contexto da visita dos pastores (Lc 2,8-20).

Comentário do texto

Lucas 2, 8-9: os primeiros convidados. Os pastores eram pessoas marginalizadas e pouco apreciadas. Viviam junto com os animais, separados do resto da humanidade. Por causa do contacto permanente com os animais eram considerados impuros. Nunca ninguém os tinha convidado para visitar um recém-nascido. Mas é precisamente a estes pastores que aparece o Anjo do Senhor para lhes transmitir a grande notícia do nascimento de Jesus. Perante a aparição dos anjos encheram-se de temor.

Lc 2, 10-12: o primeiro anúncio da Boa Nova. A primeira palavra do anjo é: Não temais! A segunda é: Alegria para todo o povo! A terceira é: Hoje! Em seguida dá três nomes a Jesus querendo indicar-nos quem é ele: Salvador, Cristo e Senhor! Salvador é aquele que a todos liberta do que os prende. Aos governantes daquele tempo gostava de se lhes dar o nome de “Salvador”. Eles mesmos se atribuíam o título de Soter (= Salvador). Cristo significa ungido ou messias. No Antigo Testamento este era o título que se dava aos reis e aos profetas. Era também o título do futuro Messias que cumprirá as promessas de Deus relativamente ao povo. Isto significa que o recém-nascido, que jaz num presépio, vem realizar a esperança do povo. Senhor era o nome que se dava ao próprio Deus! Temos aqui os três títulos maiores que se possa imaginar. A partir deste anúncio do nascimento de Jesus Salvador Cristo Senhor, imagina alguém com uma categoria mais elevada. O anjo diz-te: “Atenção! Dou-te este sinal de reconhecimento: encontrarás um menino num presépio, no meio dos pobres!”. Acreditarias? O modo como Deus actua é diferente do nosso!

Lucas 2, 13-14: louvor dos anjos. Glória a Deus no mais alto do céu, Paz aos homens do seu agrado. Uma multidão de anjos aparece e desce do céu. É o céu que desce sobre a terra. As duas frases do versículo resumem o projecto de Deus, o seu plano. O primeiro diz que acontece no mundo de cima: Glória a Deus no mais alto do céu. A segunda diz o que sucederá no mundo daqui de baixo: Paz na terra aos homens que Ele ama! Se as pessoas pudessem experimentar o que verdadeiramente significa ser amados por Deus, tudo mudaria e a paz habitaria na terra. E seria esta a maior glória de Deus que vive no mais alto.

Lucas 2, 15-18: os pastores vão a Belém e contam a visão dos anjos. A palavra de Deus não é um som produzido pela boca. É sobretudo um acontecimento! Os pastores dizem literalmente: “Vamos ver esta palavra que aconteceu e que o Senhor nos manifestou”. Em hebraico DABAR pode significar ao mesmo tempo palavra e coisa (acontecimento), gerado pela palavra. A Palavra de Deus tem força criadora. Cumpre o que diz. Na Criação disse Deus: “Faça-se a luz! E a luz foi feita”! (Gen 1, 3). A palavra do anjo aos pastores é o acontecimento do nascimento de Jesus.

Lucas 2, 19-20: Conduta de Maria e dos pastores perante os factos e as palavras. Lucas acrescenta em seguida que “Maria conservava estas palavras (acontecimentos) meditando-os em seu coração”. São dois modos de perceber e acolher a Palavra de Deus: 1) Os pastores levantam-se e vão ver os factos e verificar neles o sinal que lhes foi dado pelo anjo, e depois, voltam para os seus rebanhos glorificando e louvando a Deus por tudo o que tinham visto e ouvido. 2) Maria, por sua vez, conservava com cuidado todos os acontecimentos na memória e meditava-os no seu coração. Meditar as coisas significa ruminá-las, iluminá-las com a luz da Palavra de Deus, para assim chegar a entender melhor todo o significado para a vida.

Lucas 2, 21: A circuncisão e o nome de Jesus. De acordo com a norma da Lei, o menino Jesus é circuncidado no oitavo dia depois do seu nascimento (cf. Gen 17, 12). A circuncisão era um sinal de pertença ao povo. Dava identidade à pessoa. Nesta ocasião cada menino recebia o seu nome (cf. Lc 1, 59-63). O menino recebe o nome de Jesus que lhe tinha sido dado pelo anjo, antes de ter sido concebido. O anjo tinha dito a José que o nome do menino devia ser Jesus pois “ele salvará o seu povo dos seus pecados” (Mt 1, 21). O nome de Jesus é Cristo, que significa Ungido ou Messias. Jesus é o Messias esperado. O terceiro nome é Emanuel, que significa Deus-connosco (Mt 1, 23). O nome completo é Jesus Cristo Emanuel!

Maria no evangelho de Lucas. Chave de leitura

Nos dois primeiros capítulos do seu evangelho, Lucas apresenta Maria como modelo para a vida das comunidades. A chave é-nos dada por aquele episódio em que uma mulher do povo elogia a mãe de Jesus ao dizer: “Felizes as entranhas que te trouxeram e os seios que te amamentaram” (Lc 11, 27). Jesus modifica o elogia e diz: “Felizes, antes, os que escutam a Palavra de Deus e a põem em prática” (Lc 11, 28). Aqui está a grandeza de Maria. É no modo como Maria se refere à Palavra de Deus que as comunidades contemplam a maneira mais correcta de se relacionar com a Palavra de Deus: acolhê-la, encarná-la, vivê-la, aprofundá-la, ruminá-la, fazê-la nascer e crescer, deixar-se plasmar por ela, mesmo quando não se entende ou faz sofrer. É esta a visão que está subjacente nos dois primeiros capítulos do evangelho de Lucas, que falam de Maria, a Mãe de Jesus.

Aplicando a chave aos textos

A Anunciação (Lc 1, 26-38): “Faça-se em mim segundo a tua palavras!”. Saber abrir-se de modo que a Palavra de Deus seja acolhida e encarne.

A Visitação (Lc 1, 39-45): “Feliz aquela que acreditou!”. Saber reconhecer a Palavra de Deus nos acontecimentos da vida.

O Magnificat (Lc 1, 46-56): “O Senhor fez em mim grandes coisas!”. Um canto subversivo de resistência e esperança.

O Nascimento (Lc 2, 1-20): “Ela conservava todas estas coisas, meditando-as no seu coração”. Não havia lugar para eles. Os marginalizados acolhem a Palavra.

A Apresentação (Lc 2, 21-32): “Os meus olhos viram a salvação!”. Os muitos anos purificam o olhar.

Simeão e Ana (Lc 2, 33-38): “Uma espada trespassar-te-à a alma”. Ser cristão quer dizer ser sinal de contradição.

Aos doze anos (Lc 2, 39-52): “Não sabíeis que devo ocupar-me das coisas do meu Pai?”. Eles não entenderam o que lhes dizia.

Os contrastes que mais ressaltam no nosso texto

Nas trevas da noite brilha a luz (Lc 2, 8-9).
O mundo de cima, o céu, parece envolver o nosso mundo daqui de baixo (Lc 2, 13).
A grandeza de Deus manifesta-se na pequenez de um menino (Lc 2, 7).
A glória de Deus faz-se presente num presépio, junto de animais (Lc 2, 16).
O medo provocado pela repentina aparição do anjo converte-se em alegria (Lc 2, 9-10).
As pessoas marginalizadas de tudo são as primeiras convidadas (Lc 2, 8).
Os pastores reconhecem Deus presente num menino (Lc 2, 20). 
Palavra para o caminho


Nas vésperas de um nascimento pensamos na mãe que vai dar à luz. É Natal. Maria, mãe de Jesus, foi pintada e cantada em todas as épocas como a mulher mais bela do mundo. Sê-lo-ia, certamente. Mas a beleza é mais do que traços e equilíbrio da figura. Dizer um sim de risco e de ternura, servir e ir ao encontro do que o outro precisa, aguentar de pé a dor do outro, são esses os gestos que tornam única a beleza de Maria (Vasco P. Magalhães, sj).