Roteiro Homilético 2: Dehonianos de Portugal
(http://www.dehonianos.org/)
Tema do 7º
Domingo do Tempo Comum
A liturgia do
sétimo Domingo do Tempo Comum convida-nos à santidade, à perfeição. Sugere que
o “caminho cristão” é um caminho nunca acabado, que exige de cada homem ou
mulher, em cada dia, um compromisso sério e radical (feito de gestos concretos
de amor e de partilha) com a dinâmica do “Reino”. Somos, assim, convidados a
percorrer o nosso caminho de olhos postos nesse Deus santo que nos espera no
final da viagem.
A primeira
leitura que nos é proposta apresenta um apelo veemente à santidade: viver na
comunhão com o Deus santo, exige o ser santo. Na perspectiva do autor do nosso
texto, a santidade passa também pelo amor ao próximo.
No Evangelho,
Jesus continua a propor aos discípulos, de forma muito concreta, a sua Lei da
santidade (no contexto do “sermão da montanha”). Hoje, Ele pede aos seus que
aceitem inverter a lógica da violência e do ódio, pois esse “caminho” só gera
egoísmo, sofrimento e morte; e pede-lhes, também, o amor que não marginaliza nem
discrimina ninguém (nem mesmo os inimigos). É nesse caminho de santidade que se
constrói o “Reino”.
Na segunda
leitura, Paulo convida os cristãos de Corinto – e os cristãos de todos os
tempos e lugares – a serem o lugar onde Deus reside e Se revela aos homens.
Para que isso aconteça, eles devem renunciar definitivamente à “sabedoria do
mundo” e devem optar pela “sabedoria de Deus” (que é dom da vida, amor gratuito
e total).
LEITURA I – Lv
19, 1-2.17-18
Leitura do
Livro do Levítico
O Senhor
dirigiu-Se a Moisés nestes termos:
«Fala a toda a
comunidade dos filhos de Israel e diz-lhes:
‘Sede santos,
porque Eu, o
Senhor, vosso Deus, sou santo’.
Não odiarás do
íntimo do coração os teus irmãos,
mas corrigirás
o teu próximo,
para não
incorreres em falta por causa dele.
Não te
vingarás,
nem guardarás
rancor contra os filhos do teu povo.
Amarás o teu
próximo como a ti mesmo.
Eu sou o
Senhor».
AMBIENTE
O Livro do
Levítico (assim chamado porque trata de questões preferencialmente relacionadas
com o culto, que era incumbência dos sacerdotes, considerados membros da tribo
de Levi) apresenta-se como um discurso de Jahwéh, no qual este explica ao seu
Povo o que deve fazer para viver sempre em comunhão com Deus. Apresenta um
conjunto de leis, de preceitos, de ritos, quase sempre relacionados com o
culto, que o Povo deve praticar, para viver como Povo de Deus.
Fundamentalmente, o Levítico preocupa-se em instilar na consciência dos fiéis
que a comunhão com o Deus vivo é a verdadeira vocação do homem.
O texto que
nos é proposto pertence à quarta parte do Livro do Levítico (cf. Lv 17-26),
conhecida como “lei da santidade”. O nome provém do refrão insistentemente
repetido: “sede santos porque Eu, o vosso Deus, sou santo” (Lv 19,2; 20,7;
21,8; 22,16…).
Na teologia de
Israel, Jahwéh é o Deus “santo”, quer dizer, transcendente, incomparável,
inefável, inatingível, perfeito. Este Deus santo elegeu Israel, chamou-o,
distinguiu-o entre todos os povos da terra, fez aliança com Ele. Introduzido na
comunhão com Deus, Israel participa da santidade de Deus. É, portanto, um Povo
à parte, separado dos outros, cuja vocação consiste na comunhão com o Deus
santo.
Esta “eleição”
conduz, necessariamente, à exigência de santidade: o Povo tem de viver de
acordo com determinadas regras para manter esta comunhão de vida com Deus. Daí
que o Levítico apresente as leis que devem orientar a vida do Povo, a fim de
que ele possa manter-se na órbita do Deus santo e testemunhar a santidade de
Deus no mundo.
Neste “código
da santidade”, encontramos os temas mais diversos. Uma parte significativa das
leis aqui propostas dizem respeito à vida cultual (cf. Lv 17-18; 21-22); mas
outras dizem respeito à vida social (cf. Lv 19).
MENSAGEM
O nosso texto
começa com o refrão posto na boca de Deus: “sede santos porque Eu, o vosso
Deus, sou santo” (vers. 2). A comunhão com o Deus santo exige que o Povo
cultive, por sua vez, a santidade. Ora, ser santo significa o quê?
Na “lei da
santidade”, temos disposições que dizem respeito às mais variadas dimensões da
vida; mas neste caso, em concreto, liga-se a questão da santidade com o
comportamento “justo” para com os irmãos, membros da comunidade do Povo de
Deus. Os membros do Povo santo são convidados a arrancar as raízes do mal que
crescem no íntimo do homem, de forma a que nos seus corações não haja ódio, nem
rancor contra o irmão (vers. 17-18).
A expressão
final “amarás o teu próximo como a ti mesmo” (vers. 18) resume o comportamento
que a santidade exige, quanto à vida fraterna. É, na opinião do rabbi Aqiba
(que viveu entre 50 e 135 d.C.), “um princípio fundamental da Lei”. Jesus
retomará esta afirmação (combinada com a de Dt 6,5) para exprimir o essencial
da Lei de Moisés (cf. Mt 22,37-39).
ACTUALIZAÇÃO
• “Sede santos
porque Eu, o vosso Deus, sou santo”. Porque é que o convite à santidade soa
como algo de estranho para os homens de hoje? Porque uma certa mentalidade
contemporânea vê os santos como extra-terrestres, seres estranhos que pairam um
pouco acima das nuvens sem se misturar com os outros seus irmãos e que passam
ao lado dos prazeres da vida, ocupados em conquistar o céu a golpes de
renúncia, de sacrifício e de longos trabalhos ascéticos… No entanto, a
santidade não é uma anormalidade, mas uma exigência da comunhão com Deus. É o
“estado normal” de quem se identifica com Cristo, assume a sua filiação divina
e pretende caminhar ao encontro da vida plena, do Homem Novo. A santidade é
algo que está no meu horizonte diário e que eu procuro construir, minuto a
minuto, sem dramas nem exaltações, com simplicidade e naturalidade, na fidelidade
aos meus compromissos?
• Como o nosso
texto deixa claro, ser santo não significa viver de olhos voltados para Deus
esquecendo os homens; mas a santidade implica um real compromisso com o mundo.
Passa pela construção de uma vida de verdadeira relação com os irmãos; e isso
implica o banimento de qualquer tipo de agressividade, de vingança, de rancor;
implica uma preocupação real com a felicidade e a realização do outro
(“corrigirás o teu próximo”); implica amar o outro como a si mesmo. Tenho
consciência de que não posso ser santo se o amor não se derramar dos meus
gestos e das minhas palavras? Tenho consciência de que não posso ser santo se
vivo fechado em mim mesmo, na indiferença para com os meus irmãos (ainda que
reze muito)?
• Para que a
santidade não seja uma miragem, temos de ter o cuidado de viver num contínuo
processo de conversão,
que elimine do
nosso coração as raízes do mal, responsáveis pelo egoísmo, pelo ódio, pela
injustiça, pela exploração.
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 102 (103)
Refrão: O Senhor
é clemente e cheio de compaixão.
Ou: Senhor,
sois um Deus clemente e compassivo.
Bendiz, ó
minha alma, o Senhor
e todo o meu
ser bendiga o seu nome santo.
Bendiz, ó
minha alma, o Senhor
e não esqueças
nenhum dos seus benefícios.
Ele perdoa
todos os teus pecados
e cura as tuas
enfermidades;
salva da morte
a tua vida
e coroa-te de
graça e misericórdia.
O Senhor é
clemente e compassivo,
paciente e
cheio de bondade;
não nos tratou
segundo os nossos pecados,
nem nos
castigou segundo as nossas culpas.
Como Oriente
dista do Ocidente,
assim Ele
afasta de nós os nossos pecados;
como um pai se
compadece dos seus filhos,
assim o Senhor
Se compadece dos que O temem.
LEITURA II – 1
Cor 3, 16-23
Leitura da
Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Não sabeis que
sois templo de Deus
e que o
Espírito de Deus habita em vós?
Se alguém
destrói o templo de Deus, Deus o destruirá.
Porque o
templo de Deus é santo, e vós sois esse templo.
Ninguém tenha
ilusões.
Se alguém
entre vós se julga sábio aos olhos do mundo,
faça-se louco,
para se tornar sábio.
Porque a
sabedoria deste mundo é loucura diante de Deus,
como está
escrito:
«Apanharei os
sábios na sua própria astúcia».
E ainda:
«O Senhor sabe
como são vãos os pensamentos dos sábios».
Por isso,
ninguém deve gloriar-se nos homens.
Tudo é vosso:
Paulo, Apolo e Pedro,
o mundo, a
vida e a morte, as coisas presentes e as futuras.
Tudo é vosso;
mas vós sois de Cristo, e Cristo é de Deus.
AMBIENTE
Continuamos no
contexto da comunidade cristã de Corinto. Depois de apresentar a “sabedoria de
Deus”, revelada em Jesus Cristo (sobretudo através da “loucura da cruz”) e
oferecida aos homens (cf. 1 Cor 1,18-2,16), Paulo constata que os coríntios
ainda não acolheram essa sabedoria: mantêm-se na dimensão do homem carnal (isto
é, do homem fraco, limitado, pecador, escravo das suas paixões e apetites),
imaturos na fé; cultivam as divisões e os conflitos, em flagrante contradição
com o que Jesus lhes ensinou; correm atrás de mestres humanos como se eles
tivessem a chave da felicidade e da realização plena, esquecendo que, por
detrás de Paulo ou de Apolo, está Deus (cf. 1 Cor 3,1-15). Ao viverem, ainda,
de acordo com a “sabedoria do mundo”, os coríntios estão a ser infiéis à sua
vocação: não dão testemunho de Deus e não o tornam presente no mundo.
MENSAGEM
É por isso que
Paulo pergunta: “Não sabeis que sois Templo de Deus e que o Espírito de Deus
habita em vós?” O Templo de Jerusalém é, no contexto do Antigo Testamento, a
residência de Deus, o lugar por excelência da presença de Deus no meio do seu
Povo. É aí que Israel encontra o seu Deus e estabelece comunhão com Ele.
Mas agora,
considera Paulo, é a comunidade cristã que é o verdadeiro Templo da nova
aliança, isto é, o lugar onde Deus reside, onde ele se manifesta aos homens e
onde ele oferece a salvação. Ora, ser Templo de Deus (lugar onde Deus reside no
mundo e onde os homens encontram Deus) será compatível com uma existência onde
a preocupação fundamental é procurar a “sabedoria do mundo”? A comunidade de
Corinto pode ser Templo de Deus onde reside o Espírito e viver no conflito, na
divisão, no ciúme, no confronto?
Na segunda
parte deste texto (vers. 18-23), Paulo exorta os coríntios a deixarem,
definitivamente, a “sabedoria do mundo” e a pautarem a sua existência pela
“sabedoria de Deus” (que é amor até ao extremo, que é dom da vida, que é cruz).
E Paulo volta a recordar: a “sabedoria de Deus” parece ser loucura aos olhos do
mundo; mas é nessa “loucura” que reside o segredo da vida em plenitude.
Atenção: estas
afirmações de Paulo não significam que ele seja adversário de todos os valores
humanos, ou que ele imponha a renúncia à ciência e ao conhecimento; significa
que, para Paulo, o verdadeiro segredo da felicidade e da realização do homem
não está na ciência, na técnica, na elegância dos discursos, na definição de um
esquema filosófico que explique coerentemente a vida do homem; mas está em
Jesus que, ao longo de toda a sua vida e, de forma privilegiada na cruz, nos
mostrou que só o amor, a doação, a entrega, o serviço, geram vida plena e fazem
nascer o Homem Novo.
A última frase
do nosso texto é muito rica: “tudo é vosso; mas vós sois de Cristo, e Cristo é
de Deus” (vers. 23). Deve ser compreendida em função de 1 Cor 1,12: “cada um de
vós diz: ‘eu sou de Paulo; e eu de Apolo; e eu de Cefas’”… “Não é assim”,
esclarece Paulo. “Vós não pertenceis a estes pregadores; eles é que vos
pertencem a vós, pois são vossos servidores. Eles estão ao vosso serviço para
que vós descubrais Cristo e a ‘loucura da cruz’ e, para que por Cristo, o mediador
da salvação, chegueis a Deus”.
ACTUALIZAÇÃO
• Os cristãos
são Templo de Deus, onde reside o Espírito. Isso quer dizer, em concreto, que,
animados pelo Espírito, eles têm de ser o sinal vivo de Deus e as testemunhas
da sua salvação diante dos homens do nosso tempo. O testemunho que damos,
pessoalmente, fala de um Deus cheio de amor e de misericórdia, que tem um
projecto de salvação e libertação para oferecer – sobretudo aos pobres e
marginalizados, aqueles que mais necessitam de salvação? No nosso ambiente
familiar, no nosso espaço de trabalho, no nosso círculo de amigos, somos o
rosto acolhedor e alegre de Deus, as mãos fraternas de Deus, o coração bondoso
e terno de Deus?
• A nossa
comunidade paroquial ou religiosa é uma comunidade fraterna, solidária, e que
dá testemunho da “loucura da cruz” com gestos concretos de amor, de partilha,
de doação, de serviço, ou é uma comunidade fragmentada, dividida, cheia de
contradições, onde cada membro puxa para o seu lado, ao sabor dos interesses
pessoais?
• O que é que
preside à minha vida: a “sabedoria de Deus” que é amor e dom da vida, ou a
“sabedoria do mundo”, que é luta sem regras pelo poder, pela influência, pelo
reconhecimento social, pelo bem estar económico, pelos bens perecíveis e
secundários?
ALELUIA – 1 Jo
2, 5
Aleluia.
Aleluia.
Quem observa a
palavra de Cristo,
nesse o amor
de Deus é perfeito.
EVANGELHO – Mt
5, 38-48
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo,
disse Jesus
aos seus discípulos:
«Ouvistes que
foi dito aos antigos:
‘Olho por olho
e dente por dente’.
Eu, porém,
digo-vos:
Não resistais
ao homem mau.
Mas se alguém
te bater na face direita,
oferece-lhe
também a esquerda.
Se alguém
quiser levar-te ao tribunal,
para ficar com
a tua túnica,
deixa-lhe
também o manto.
Se alguém te
obrigar a acompanhá-lo durante uma milha,
acompanha-o
durante duas.
Dá a quem te
pedir
e não voltes
as costas a quem te pede emprestado.
Ouvistes que
foi dito:
‘Amarás o teu
próximo e odiarás o teu inimigo’.
Eu, porém,
digo-vos:
Amai os vossos
inimigos
e orai por
aqueles que vos perseguem,
para serdes
filhos do vosso Pai que está nos Céus;
pois Ele faz
nascer o sol sobre bons e maus
e chover sobre
justos e injustos.
Se amardes
aqueles que vos amam, que recompensa tereis?
Não fazem a
mesma coisa os publicanos?
E se saudardes
apenas os vossos irmãos,
que fazeis de
extraordinário?
Não o fazem
também os pagãos?
Portanto, sede
perfeitos,
como o vosso
Pai celeste é perfeito».
AMBIENTE
Continuamos
com o “discurso da montanha” e com a apresentação da “nova Lei” que deve
conduzir a caminhada cristã.
Vimos, no
passado domingo, como Mateus estava preocupado em definir, para os cristãos
vindos do judaísmo, a relação entre Cristo e a Lei de Moisés. Os cristãos
continuam obrigados a cumprir a Lei de Moisés? Jesus não aboliu a Lei antiga? O
que há de verdadeiramente novo na mensagem de Jesus?
A perspectiva
de Mateus é que Jesus não veio abolir a Lei, mas levá-la à plenitude. No
entanto, considera Mateus, a Lei tornou-se um conjunto de prescrições que são
cumpridas mecanicamente, dentro de uma lógica casuística que, tantas vezes, não
tem nada a ver com o coração e com a vida. É preciso que a Lei deixe de ser um
conjunto de preceitos externos a cumprir para conquistar a salvação, para se
tornar expressão de um verdadeiro compromisso com Deus e com o “Reino”.
Vimos como
Mateus apresentava um conjunto de exemplos, destinados a tornar mais clara e
concreta esta perspectiva. Dos seis exemplos apresentados por Mateus, quatro
apareceram no Evangelho do passado domingo; para hoje, ficam os dois últimos
exemplos dessa lista.
MENSAGEM
O primeiro
exemplo que o Evangelho de hoje nos propõe (o quinto da lista) refere-se à
chamada “lei de talião” (vers. 38-42). A “lei de talião”, consagrada na
conhecida fórmula “olho por olho, dente por dente”, aparece em vários textos
vétero-testamentários (cf. Ex 21,24; Lv 24,20; Dt 19,21). Em si, é uma lei
razoável, destinada a evitar as vinganças excessivas, brutais, indiscriminadas…
Jesus, no
entanto, não se dá por satisfeito com uma lei que apenas limita os excessos na
vingança, e propõe uma lógica inteiramente nova. Na sua perspectiva, não chega
manter a vingança dentro de fronteiras razoáveis, mas é preciso acabar com a
espiral de violência de uma vez por todas; para isso, Jesus propõe que os membros
do “Reino” sejam capazes de interromper o curso da violência, assumindo uma
atitude pacífica, de não resistência, de não resposta às provocações.
Para tornar
mais clara a sua proposta, Jesus apresenta quatro casos concretos. No primeiro
(vers. 39), pede que não se responda com a mesma moeda àquele que nos agride
fisicamente, mas que se desarme o violento oferecendo a outra face; no segundo
(vers. 40), recomenda que, diante de uma exigência exorbitante (entrega da
túnica, isto é, da peça de roupa mais fundamental, que não era tirada senão
àquele que era vendido como escravo – cf. Gn 37,23), se responda entregando
ainda mais (a entrega da capa, vestimenta que servia para proteger dos rigores
da noite e que, por isso, a própria Lei não admitia que fosse retida, senão por
um dia – cf. Ex 22,25; Dt 24,12-13); no terceiro (vers. 41), exige que se
acompanhe por duas milhas aquele que quer forçar-nos a acompanhá-lo por uma
(provavelmente, haverá aqui uma referência a uma prática frequente das
patrulhas romanas que, desorientadas, requisitavam os habitantes da Palestina
para que as guiassem durante algum tempo); no quarto (vers. 42), Jesus
recomenda que não se ignore, nem se deixe sem atender aquele que pede dinheiro
emprestado… Este conjunto de exemplos concretos aponta numa única direcção: os
membros da comunidade de Jesus devem manifestar a todos um amor sem medida, que
vai muito além daquilo que é humanamente exigido. Dessa forma, eles inauguram
uma nova era de relações entre os homens.
O segundo
exemplo que o Evangelho de hoje nos apresenta (o sexto da lista) refere-se ao
amor aos inimigos (vers. 43-48). Jesus afirma que a Lei antiga recomendava:
“ama o teu próximo e odeia o teu inimigo”… No entanto, embora haja na Lei
antiga uma referência ao amor ao próximo (cf. Lv 19,18), não se refere, em lado
nenhum, o ódio aos inimigos (o verbo “odiar” pode significar, nas línguas
semitas, simplesmente “não amar”; no entanto, certos grupos contemporâneos de
Jesus defendiam o ódio aos inimigos: a seita essénia de Qûmran, por exemplo,
pregava o ódio contra os “filhos das trevas” – isto é, contra aqueles que não
pertenciam à comunidade essénia e que estavam, portanto, entregues à vingança
divina).
Em qualquer
caso, o amor ao próximo recomendado pela Lei havia adquirido, na época de
Jesus, um sentido muito restrito: era o amor a esse próximo mais chegado que,
quando muito, chegava a incluir todos os israelitas mas que não atingia, em
nenhum caso, os não membros do Povo eleito. Quando muito, o amor ao próximo
atingia, na visão judaica, o compatriota, aquele que pertencia à comunidade do
Povo de Deus.
O pedido de
Jesus apresenta, portanto, uma verdadeira novidade e exige uma autêntica
revolução das mentalidades. Para Jesus, não chega amar aquele que está próximo,
aquele a quem me sinto ligado por laços étnicos, sociais, familiares ou
religiosos; mas o amor deve atingir todos, sem excepção, inclusive os inimigos.
Fica, assim, abolida qualquer discriminação; são abatidas todas as barreiras
que separam os homens.
Qual o motivo
desta exigência? É porque Deus também não faz discriminação no seu amor. Ele é
o Pai que não distingue entre amigos e inimigos, que faz brilhar o sol e envia
a chuva sobre bons e maus, que oferece o seu amor a todos, inclusive aos
indignos (vers. 45). O amor universal de Deus é a razão do amor que os membros
do “Reino” devem oferecer a todos os homens e mulheres que Deus coloca no seu
caminho. “Ser filho de Deus” significa dar testemunho do amor de Deus e
parecer-se com Deus no modo de agir.
A expressão
final (&
ldquo;sede
perfeitos como o vosso Pai celeste é perfeito”) parafraseia o refrão da “lei da
santidade” que encontramos na primeira leitura (“sede santos porque Eu, o vosso
Deus, sou santo”) e resume, de forma magnífica, o ensinamento que Mateus
pretende apresentar à sua comunidade com estes seis exemplos (os quatro do
passado domingo e os dois de hoje): viver na dinâmica do “Reino” exige a
superação de uma perspectiva legalista e casuística, para viver em comunhão
total com Deus, deixando que a vida de Deus, que enche o coração do crente, se
manifeste na vida do dia-a-dia, inclusive nas relações fraternas.
ACTUALIZAÇÃO
• Este
Evangelho recorda-me que, ao aceitar o desafio de viver em comunhão com Deus,
eu sou chamado a dar testemunho da vida de Deus diante de todos os meus irmãos
e a ser um sinal vivo de Deus, do seu amor, da sua perfeição, da sua santidade,
no meio do mundo. Aceito esse desafio e estou disposto a corresponder-lhe?
• A leitura
que nos foi proposta coloca, mais uma vez, como cenário de fundo, as exigências
do compromisso com o “Reino”. Sugere que viver na dinâmica do “Reino” implica,
não o cumprimento de ritos ou de leis, mas uma atitude nova, revolucionária,
que resulta de um compromisso interior com Deus verdadeiramente assumido, e
manifestado em atitudes concretas. Exige a superação de uma religião feita de
leis, de códigos, de ritos, de gestos externos e o viver em comunhão com Deus,
de tal forma que a vida de Deus encha o coração do crente e transborde em
gestos de amor para com os irmãos. O que é que define a minha atitude
religiosa: o cumprimento dos ritos, a letra da lei, ou a comunhão com Deus que
enche o meu coração de vida nova e que depois se expressa em atitudes de amor
radical para com os irmãos?
• Jesus pede,
aos que aceitaram embarcar na aventura do “Reino”, a superação de uma lógica de
vingança, de responder na mesma moeda, e o assumir uma atitude pacífica de não
resposta às provocações, que inverta a espiral de violência e que inaugure um
novo espírito nas relações entre os homens. Não é, no entanto, esta a lógica do
mundo, mesmo do mundo “cristão”: em nome do direito de legítima defesa ou do
direito de resposta, as nações em geral e as pessoas em particular recusam
enveredar por uma lógica de paz e respondem ao mal com um mal ainda maior. Como
é que eu vejo a questão da violência, do terrorismo, da guerra? Tenho
consciência de que a lógica da violência, da vingança, não tem nada a ver com
os métodos do “Reino”? O que é que é mais questionante, interpelador e
transformador: a violência das armas, ou a violência desarmada do amor?
• Jesus pede,
também, aos participantes do “Reino” o amor a todos, inclusive aos inimigos,
subvertendo completamente a lógica do mundo. Como é que eu me situo face a
isto? A minha atitude é a de quem não exclui nem discrimina ninguém, mesmo
aqueles de quem não gosto, mesmo aqueles contra quem tenho razões de queixa,
mesmo aqueles que não compreendo, mesmo aqueles que assumem atitudes opostas a
tudo em que eu acredito?
A LITURGIA
MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos
dias da semana anterior ao 7º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a
Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia,
por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra:
num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais,
numa comunidade religiosa…