Roteiro Homilético 5: Franciscanos.org
Ser bom como
Deus: amar de graça
O evangelho de
hoje continua com a interpretação da Lei que Jesus propõe no Sermão da Montanha
(cf. dom. passado). Jesus supera a justiça do A.T., que se guiava pela lei do
“talião” (do “tal qual”), “olho por olho, dente por dente” (uma maneira de
refrear a vingança ilimitada). A posição de Jesus parece compreensível, pois
pagando o mal com o mal nunca se sai do statu quo, da violência, da vingança.
Mas o que Jesus quer é mais do que isso: dar mais do que nos é pedido e até
amar os inimigos. Como é que se pode gostar de quem não se gosta?
Novamente,
Jesus não pergunta se é possível. Só diz que deve ser assim, pois Deus é assim
mesmo! Deus faz o sol surgir sobre bons e maus e a chuva descer sobre justos e
injustos. Pois todos são os seus filhos. “Mas, dirá alguém, eu não sou Deus”. E
a resposta de Jesus: “Não és Deus, mas procura ser como ele: perfeito como teu
Pai celeste é perfeito; então, serás realmente seu filho!”
Jesus não veio
para facilitar nossa vida, mas para nos tomar semelhantes a Deus, mesmo se
ficamos sempre devendo e sabemos que, por nossa própria força, nunca chegaremos
a isso. Também não é uma questão de esforço, mas de amor e de graça. Uma vez
conscientes de que Deus nos ama de graça (cf. Rm 5,6-8 e 1104,10.19), já não
vamos achar estranho amar de graça os que não nos amam (mesmo se devemos
combatê-los quando oprimem os mais fracos … ). Se entendermos o amor gratuito,
não vamos achar absurdo convidar os que não nos podem retribuir (cf. Lc
14,12-14). O amor de Deus é criador: cria uma situação nova, que não existia
antes. Quando nos sabemos envolvidos nesse amor paterno criador e gratuito,
seremos capazes de imitá-lo um pouco. Seremos, não por nosso esforço, mas por
saber-nos amados, realmente os seus filhos. E almejaremos o dia em que a morte
porá fim às nossas incoerências, para que Ele nos acolha plena e
definitivamente.
Na 1ª leitura,
encontramos juntos, já no Antigo Testamento, os mandamentos de não guardar
rancor e do amor ao próximo (Lv 19,17-18; cf. Lv 19,35, o amor ao estrangeiro).
Todos esses mandamentos se baseiam na mesma verdade: todas as pessoas são
filhos do mesmo Pai. Poderíamos acrescentar o amor ao insignificante, ao pobre,
ao marginal, amor este que serve de critério para ver se a nossa vida é
compatível com a eterna companhia de Deus, nosso Pai (Mt 25,31-46).
A liturgia de
hoje supõe, portanto, que estejamos imbuídos da consciência filial com relação
a Deus. “Bendize, ó minha alma, o Senhor, e jamais te esquece de todos os seus
benefícios” (salmo responsorial).
Na 2ª leitura
continua a polêmica de Paulo com a sabedoria do mundo, por ocasião da divisão
que a vanglória, o partidarismo e outras atitudes demasiadamente humanas
causaram na comunidade de Corinto. Tal divisão é o contrário daquilo que o
evangelho ensina. Reconhecendo o evangelho como única sabedoria válida, devemos
dizer, com Paulo, que os critérios humanos são loucura diante de Deus. Paulo
ironiza os coríntios, dos quais uns diziam: “Eu sou de Paulo”, ou “de Apolo”,
“de Cefas” ou até “de Cristo” … “Ainda bem que quase não batizei ninguém”,
observa Paulo, brincando (lCor 1,14). E mais adiante conclui: “Todos nós, apóstolos,
somos vossos; e não só nós, toda a realidade da criação é vossa … mas vós sois
de Cristo, e Cristo de Deus” (3,21-23). Hoje ouvimos: “Eu sou de tal movimento,
de tal ‘teologia’, de tal tradição”. Mas não faz diferença: somos de Cristo, e
Cristo, de Deus. Por isso devemos ser como Cristo e como Deus. Isto, porém, não
o conseguiremos por um vaidoso esforço de nossa vontade, mas somente se nos
deixarmos envolver no amor gratuito que Deus nos testemunhou em Jesus, dado por
nós até o fim.
O prefácio dos
domingos do tempo comum VII focaliza o amor gratuito de Deus para conosco. Os
cantos (entrada, meditação, comunhão opção I) expressam louvor e gratidão por
este amor de Deus. A oração do dia nos suscita o desejo de nos conformarmos com
ele.
Ser perfeito
como Deus!
Quem hoje
pretendesse querer ser perfeito como Deus granjearia alguns sorrisos irônicos …
E, contudo, é o que Jesus ensina no Sermão da Montanha (evangelho). A vocação à
perfeição “como Deus” é um tema fundamental para a vida de todo cristão – não só
para os santos e beatos.
Na primeira
página da Bíblia está que Deus criou o homem à sua imagem e semelhança (Gn
1,26). Ele quer ver sua imagem em seu povo eleito, Israel: “Sede santos, porque
eu, vosso Deus, sou santo” (1ª leitura). Pela aliança, os israelitas “são de
Deus”. Ora, Deus não quer envergonhar-se de sua gente. Por isso, quer que sejam
irrepreensíveis, e uma das suas exigências é que eles não briguem entre si, não
se matem em eternas vinganças etc. Numa palavra: que amem seus “próximos” (= compatriotas)
como a si mesmos (Lv 19,18). Ora, ninguém entende como Jesus, o que exige essa
pertença a Deus. Deus é o Pai de todos, de bons e maus, e ama a todos como a
seus filhos. Então nós, seu povo, devemos também amar a todos, inclusive os
inimigos! Assim nos mostraremos semelhantes a Deus e realizaremos a vocação de
nossa criação.
O homem
moderno (como o de todos os tempos) gosta de ser seu próprio deus. Em vez de
querer ser semelhante a Deus, só olha no espelho … Será por isso que existem
inimizades tão cruéis em nosso mundo, a violência descarada das bombas
atômicas, a violência “limpa” das “guerras cirúrgicas”, a cínica exploração das
massas populares? No mundo reina divisão, entre nações, religiões, classes
sociais; até na Igreja ricos e pobres vivem separados. Onde existe esse amor ao
inimigo que Jesus ensina? Pois bem, exatamente por causa dessas divisões, o
amor ao inimigo é indispensável. Se todos estivéssemos perfeitamente de acordo,
não precisaríamos desse ensinamento de Jesus! As lutas e divisões que são a
matéria da História e que têm reflexos mesmo entre os fiéis não devem excluir o
amor à pessoa, ainda que se lute contra sua ideia ou posição. As divergências
tornam ainda mais necessário o amor – que consistirá talvez em mostrar ao
“inimigo” que ele defende um projeto errado ou injusto …
O ser humano
realiza sua vocação de ser semelhante a Deus, quando ama a todos com o amor
gratuito de Deus, sem procurar qualquer compensação. Por essa razão, deve
empenhar-se de modo especial pelos pobres, estranhos etc. – e também amar os
inimigos.