Roteiro Homilético 2: Dehonianos de Portugal
(http://www.dehonianos.org/)
Tema do 8º
Domingo do Tempo Comum
A liturgia
deste 8º Domingo do Tempo Comum propõe-nos uma reflexão sobre as nossas prioridades.
Recomenda que dirijamos o nosso olhar para o que é verdadeiramente importante e
que libertemos o nosso coração da tirania dos bens materiais. De resto, o
cristão não vive obcecado com os bens mais primários, pois tem absoluta
confiança nesse Deus que cuida dos seus filhos com a solicitude de um pai e o
amor gratuito e incondicional de uma mãe.
O Evangelho
convida-nos a buscar o essencial (o “Reino”) por entre a enorme bateria de
coisas secundárias que, dia a dia, ocupam o nosso interesse. Garante-nos,
igualmente, que escolher o essencial não é negligenciar o resto: o nosso Deus é
um pai cheio de solicitude pelos seus filhos, que provê com amor às suas
necessidades.
A primeira
leitura sublinha a solicitude e o amor de Deus, desta vez recorrendo à imagem
da maternidade: a mãe ama o filho, com um amor instintivo, avassalador, eterno,
gratuito, incondicional; e o amor de Deus mantém as características do amor da
mãe pelo filho, mas em grau infinito. Por isso, temos a certeza de que Ele
nunca abandonará os homens e manterá para sempre a aliança que fez com o seu
Povo.
Na segunda
leitura, Paulo convida os cristãos de Corinto a fixarem o seu olhar no
essencial (a proposta de salvação/libertação que, em Jesus, Deus fez aos
homens) e não no acessório (os veículos da mensagem).
LEITURA I – Is
49, 14-15
Leitura do
Livro do Êxodo
Sião dizia:
«O Senhor
abandonou-me, o Senhor esqueceu-Se de mim».
Poderá a
mulher esquecer a criança que amamenta
e não ter
compaixão do filho das suas entranhas?
Mas ainda que
ela se esqueça,
Eu não te
esquecerei.
AMBIENTE
A primeira
leitura apresenta-nos, hoje, um trecho do Deutero-Isaías, o profeta da
esperança. O Deutero-Isaías é um profeta que exerce a sua missão entre os
exilados judeus na Babilónia, na fase final do Exílio (por volta de 550/540
a.C.); a sua missão consiste em consolar um povo decepcionado e desiludido,
porque a libertação tarda. Os capítulos que recolhem a sua mensagem (Is 40-55)
chamam-se, por isso, “Livro da Consolação”.
A mensagem de
“consolação” do Deutero-Isaías desenrola-se à volta de duas grandes
coordenadas: na primeira (cap. 40-48), o profeta anuncia a libertação do
cativeiro e um “novo êxodo” do Povo de Deus em direcção à Terra Prometida; na
segunda (cap. 49-55), o profeta fala aos exilados da reconstrução e da
restauração de Jerusalém.
O nosso texto
pertence à segunda parte. Faz parte de um quadro com três cenas (cf. Is
49,14-26), nas quais Jahwéh responde às questões postas por Jerusalém (aqui
apresentada na figura de uma mulher). Na primeira (Is 49,14-20), Jahwéh procura
demonstrar que não esqueceu nem abandonou Sião; na segunda (Is 49,21-23),
Jahwéh promete o regresso dos exilados; na terceira (Is 49,24-26), respondendo
à questão da viabilidade desse projecto, Jahwéh, o poderoso de Jacob, o “goel”
(“vingador”) de Israel, garante a sua concretização.
O Exílio na
Babilónia representa uma experiência bem dramática, que abala a fé e as
convicções mais profundas do Povo de Deus. O drama nem reside tanto na derrota
e no exílio em si; mas reside, sobretudo, no desmoronamento de todas as
certezas e de todas as convicções em que o Povo se apoiava. Porque é que Deus
permitiu a derrota e o exílio? Jahwéh abandonou o seu Povo? O Senhor rompeu a
aliança que fizera com Israel? Ainda mais: Jerusalém, a cidade do Templo e,
portanto, o lugar da residência de Deus no meio do seu Povo, foi reduzida a um
montão de ruínas. Pode, ainda, confiar-se em Jahwéh? Porque é que Ele não
protegeu nem salvou a sua morada? Ele não tinha feito uma aliança eterna com o
seu Povo? A aliança continua válida, ou Deus abandonou para sempre o seu Povo?
MENSAGEM
O
profeta/poeta põe na boca da “mulher” Jerusalém (o nome “Sião” é sinónimo de
Jerusalém; e a mulher/Jerusalém representa, na linguagem profética, a
mulher/Povo de Deus) um lamento sentido porque, depois de quarenta anos,
continua reduzida a ruínas e Jahwéh não parece ter qualquer plano para trazer
de novo à sua cidade o esplendor antigo.
“O Senhor
abandonou-me, o Senhor esqueceu-Se de mim” (vers. 14). Tanto o verbo
“abandonar” como o verbo “esquecer” situam-nos no âmbito da aliança: são
utilizados na literatura profética para definir o quadro da infidelidade de
Israel em relação a Deus (cf. Jr 22,9; Os 2,15; 8,14; 13,6; Is 17,10; Jr 2,32;
13,25…). Sugerem, portanto, que Jahwéh abandonou a aliança e repudiou a sua
esposa (Israel). A ideia que está por detrás deste versículo parece ser a
seguinte: já que Israel abandonou Jahwéh e enveredou por caminhos de pecado e
de injustiça, Deus repudiou o seu Povo e rompeu definitivamente a aliança. Isto
será verdade? É desta forma que as coisas se passam? O amor de Deus segue a
lógica do “olho por olho, dente por dente”?
Ao lamento de
Sião, Deus responde de forma dramática: pode uma mãe abandonar a criança que
amamenta e a quem ama ternamente? (vers. 15).
Para definir o
amor da mãe pelo filho, o profeta utiliza o verbo “raham” (“amar ternamente”).
Ele expressa o apego quase instintivo de um ser a outro, um amor que vem das
“entranhas” (“rehem”: “entranhas”), um amor especial e gratuito que nenhuma
vicissitude pode destruir e que é feito de ternura, de misericórdia, de
compaixão, de fidelidade, de eternidade. Este amor encontra, de facto, a sua
expressão mais feliz no amor que a mãe tem pelo seu filho, pois da unidade que
liga a mãe ao filho, brota uma particular ligação com ele, um amor especial que
é total, absoluto, único, avassalador, gratuito e não fruto de qualquer
merecimento.
A pergunta é,
portanto, retórica: é evidente que uma mãe que ama o filho não o pode esquecer…
No entanto, mesmo que por hipótese absurda isso acontecesse, Deus não
esqueceria o seu Povo e a sua cidade. A conclusão é óbvia: Deus ama o seu Povo,
ainda mais do que uma mãe ama o seu filho. Como o amor da mãe, também o amor de
Deus é ternura, misericórdia, compreensão, bondade, amor inquebrantável e
eterno, apego instintivo e gratuito; mas o amor de Deus por Israel é tudo isso
em grau infinito.
O amor total,
inquebrantável, eterno, que Deus tem pelo seu Povo traduz-se, concretamente, na
aliança. Não têm, portanto, qualquer razão de ser os lamentos da cidade/Povo: a
aliança não acabou nem acabará, pois Jahwéh não cessou nem cessará nunca de
amar o seu Povo.
ACTUALIZAÇÃO
A refle
xão pode
partir das seguintes pistas:
• A um Povo
que vive numa situação dramática de frustração, de desorientação, de total
incerteza em relação ao futuro, que olha à volta e não vê Deus presente na sua
caminhada, que começa a duvidar do amor e da fidelidade de Deus, o profeta diz:
“não desanimeis: apesar da aparente ausência, Deus ama-vos ainda mais do que
uma mãe ama o filho; por isso, Ele continua comprometido convosco, continua a
percorrer convosco esse caminho histórico que, dia a dia, vos leva ao encontro
da vida plena”. É uma mensagem eterna, consoladora e repousante… Num mundo em
que as referências se alteram rapidamente, em que o futuro é incerto e a
humanidade não sabe exactamente para onde caminha, em que o terrorismo, a
guerra, as ameaças ambientais, o totalitarismo dos bens materiais ameaçam o
frágil equilíbrio da humanidade, somos convidados a descobrir o amor materno de
Deus, a sua solicitude nunca desmentida, a sua presença protectora. Temos medo
de quê, se Deus é a mãe que nos ama de forma absoluta, que vigia o berço onde
nós dormimos, que vela e nos serena com a sua presença e a sua solicitude maternal?
• A fotografia
de Deus que o profeta nos apresenta convida-nos a descobrir um Deus que não é
interesseiro, chantagista, negociante… O nosso Deus é um Deus que nos ama,
gratuitamente, de forma absoluta e eterna – como uma mãe ama o filho, mesmo
quando ele é rebelde. Qual é, na verdade, o Deus em quem acreditamos?
• O amor de
Deus não é condicional e não espera nada em troca. É este amor desinteressado
que procuramos testemunhar, ou os nossos gestos de bondade, de amizade, de
misericórdia são um negócio em que esperamos ganhar?
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 61 (62)
Refrão: Só em
Deus descansa, ó minha alma.
Só em Deus
descansa a minha alma,
d’Ele me vem a
salvação.
Ele é meu
refúgio e salvação,
minha
fortaleza: jamais serei abalado.
Minha alma, só
em Deus descansa:
d’Ele vem a
minha esperança.
Ele é meu
refúgio e salvação,
minha
fortaleza: jamais serei abalado.
Em Deus está a
minha salvação e a minha glória,
o meu abrigo,
o meu refúgio está em Deus.
Povo de Deus,
em todo o tempo ponde n’Ele a vossa confiança,
desafogai em
sua presença os vossos corações.
LEITURA II – 1
Cor 4, 1-5
Leitura da
Primeira Epístola do apóstolo São Paulo aos Coríntios
Irmãos:
Todos nos
devem considerar como servos de Cristo
e
administradores dos mistérios de Deus.
Ora o que se
requer nos administradores é que sejam fiéis.
Quanto a mim,
pouco me importa
ser julgado
por vós ou por um tribunal humano;
nem sequer me
julgo a mim próprio.
De nada me
acusa a consciência,
mas não é por
isso que estou justificado:
quem me julga
é o Senhor.
Portanto, não
façais qualquer juízo antes do tempo,
até que venha
o Senhor,
que há-de
iluminar o que está oculto nas trevas
e manifestar
os desígnios dos corações.
E então cada
um receberá da parte de Deus
o louvor que
merece.
AMBIENTE
O texto que
nos é proposto como segunda leitura é a parte final da argumentação de Paulo
sobre a questão das divisões na comunidade de Corinto (cf. 1 Cor 1,10-4,21). Os
coríntios transportaram para a comunidade cristã os esquemas das escolas
filosóficas gregas, elegeram os seus mestres preferidos (seduzidos pelo brilho
do discurso e pela elegância das palavras), dividiram-se em grupos, cada um
deles com o seu guia e o seu mentor… Dessa forma, a fé cristã corria o risco de
se transformar numa aposta em pessoas, em linguagens, em filosofias, em lugar
de se tornar uma adesão a uma proposta de salvação apresentada por Jesus.
Diante disto, Paulo sente que tem de dar um “murro na mesa”, pois é a essência
da experiência cristã que está a ser adulterada.
MENSAGEM
Paulo não
utiliza meias palavras: os mensageiros do Evangelho são apenas “servos de
Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (vers. 1). Eles não são os
protagonistas da mensagem; são, apenas, os veículos de que Deus se serve, a fim
de que a sua Boa Nova chegue aos homens. A missão destes veículos da Palavra
não é colocar-se no centro do palco e atrair sobre si próprios a atenção das
multidões; mas é levar os homens a aderir ao Evangelho e a acolher a proposta
de salvação que, em Jesus, Deus lhes faz.
De resto, os
mensageiros da Palavra não devem estar preocupados com a forma como as pessoas
os vêem, mas devem apenas preocupar-se em transmitir, com fidelidade, a
proposta de Deus (vers. 2).
Por sua parte,
Paulo está de consciência tranquila. Ele nunca usou o Evangelho para servir
interesses próprios ou para promover a sua pessoa. Não lhe interessa se os
coríntios acharam ou não brilhantes as suas palavras. Ele apenas procurou
anunciar o Evangelho com integridade, com verdade e sem adoçar a mensagem. A
este respeito, os coríntios podem julgá-lo da forma que entenderem; a Paulo só
interessa o juízo de Deus.
ACTUALIZAÇÃO
Para a
reflexão, considerar os seguintes dados:
• A reflexão
de Paulo convida-nos, em primeiro lugar, a tomar consciência daquilo que é
essencial na nossa fé: a proposta de salvação/libertação que, em Jesus, Deus
oferece aos homens. É isso e apenas isso que deve atrair o nosso olhar e encher
o nosso coração. Não convém perder isto de vista: o cristianismo não é a adesão
a uma determinada filosofia ou estilo de vida, nem a aceitação de uma moda que
agora está “in” mas a qualquer momento pode ficar “out”; mas é o abrir o
coração à oferta de salvação que, em Jesus, Deus nos faz.
• Portanto,
não interessam muito os “invólucros”, através dos quais a proposta de salvação
de Deus nos chega: se o padre é simpático ou não, se o seu discurso é cativante
ou não, se temos razões de queixa contra ele ou não, se ele tem muitos defeitos
ou muitas virtudes… O essencial é a mensagem; os mensageiros são apenas
veículos mais ou menos imperfeitos dessa mensagem eterna.
• Os veículos
da mensagem – sejam eles padres ou leigos – devem ter consciência de que não
estão a anunciar-se a si próprios… Por isso, devem evitar atrair sobre si as
luzes da ribalta; devem apresentar a proposta salvadora de Deus com fidelidade
e coerência – sem adoçar as palavras e sem procurar fazer jogos de “charme”;
devem assumir-se como discretos e fiéis “servos de Cristo e administradores dos
mistérios de Deus”.
• Paulo refere
o seu desinteresse em relação ao julgame
nto dos
homens; só lhe interessa o julgamento de Deus. Estas palavras, no entanto, não
podem servir para justificar comportamentos arbitrários ou prepotentes por
parte dos animadores das comunidades cristãs (“faço o que me apetece e não
tenho de dar satisfações a ninguém”…). Devem ser entendidas no contexto em que
se apresentam: Paulo está, apenas, a dizer que não lhe interessam os juízos dos
homens acerca do seu jeito para brilhar com as palavras; só lhe interessa ser
fiel à missão que Deus lhe confiou.
ALELUIA – Heb
4, 12
Aleluia.
Aleluia.
A palavra de
Deus é viva e eficaz,
conhece os
pensamentos e intenções do coração.
EVANGELHO – Mt
6, 24-34
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo,
disse Jesus
aos seus discípulos:
«Ninguém pode
servir a dois senhores,
porque ou
há-de odiar um e amar o outro,
ou se dedicará
a um e desprezará o outro.
Vós não podeis
servir a Deus e ao dinheiro.
Por isso vos
digo:
«Não vos
preocupeis, quanto à vossa vida,
com o que
haveis de comer ou de beber,
nem, quanto ao
vosso corpo, com o que haveis de vestir.
Não é a vida
mais do que o alimento
e o corpo mais
do que o vestuário?
Olhai para as
aves do céu:
não semeiam
nem ceifam nem recolhem em celeiros;
o vosso Pai
celeste as sustenta.
Não valeis vós
muito mais do que elas?
Quem de entre
vós, por mais que se preocupe,
pode
acrescentar um só côvado à sua estatura?
E porque vos
inquietais com o vestuário?
Olhai como
crescem os lírios do campo:
não trabalham
nem fiam;
mas Eu vos
digo:
nem Salomão,
em toda a sua glória,
se vestiu como
um deles.
Se Deus assim
veste a erva do campo,
que hoje
existe e amanhã é lançada ao forno,
não fará muito
mais por vós, homens de pouca fé?
Não vos
inquieteis, dizendo:
‘Que havemos
de comer? Que havemos de beber?
Que havemos de
vestir?’
Os pagãos é
que se preocupam com todas estas coisas.
Bem sabe o
vosso Pai celeste que precisais de tudo isso.
Procurai
primeiro o reino de Deus e a sua justiça,
e tudo o mais
vos será dado por acréscimo.
Portanto, não
vos inquieteis com o dia de amanhã,
porque o dia
de amanhã tratará das suas inquietações.
A cada dia
basta o seu cuidado».
AMBIENTE
Estamos,
ainda, no contexto do “sermão da montanha” (cf. Mt 5-7). Jesus continua aqui a
apresentar a “nova Lei” (como, no Antigo Testamento, Deus apresentou ao seu
Povo, na montanha do Sinai a antiga Lei) que deve guiar a comunidade cristã na
sua caminhada histórica.
O Evangelho
que hoje nos é proposto começa com um “dito” de Jesus (vers. 24) que, em rigor,
faz parte da secção anterior (cf. Mt 6,19-24: é aí que aparecem os “ditos” ou
“sentenças” de Jesus que advertem os discípulos para o uso das riquezas).
Depois, na sequência, Mateus apresenta uma “instrução” (vers. 25-34), na qual
se procura definir (a partir das lições das “sentenças” anteriores) a atitude
vital e o caminho do cristão.
MENSAGEM
O “dito” do
vers. 24 afirma a incompatibilidade entre o amor a Deus e o amor aos bens
materiais (o termo utilizado por Mateus – “mamonas” – personifica o dinheiro
como um poder que domina o mundo). Qual a razão dessa incompatibilidade?
Em primeiro
lugar, Deus deve ser o centro à volta do qual o homem constrói a sua
existência, o valor supremo do homem… Mas, sempre que a lógica do “ter” domina
o coração, o dinheiro ocupa o lugar de Deus e passa a ser o ídolo a quem o homem
tudo sacrifica. O verdadeiro Deus passa, então, a ocupar um lugar perfeitamente
secundário na vida do homem; e o dinheiro – ídolo exigente, ciumento,
exclusivo, que não deixa espaço para qualquer outro valor – é promovido à
categoria de motor da história e de referência fundamental para o homem.
Em segundo
lugar, o amor do dinheiro fecha totalmente o coração do homem num egoísmo
estéril e não deixa qualquer espaço para o amor aos irmãos. O homem deixa de
ter lugar, na sua vida, para aqueles que o rodeiam; e, por amor do dinheiro,
torna-se injusto, prepotente, corrupto, explorador, auto-suficiente…
Na “instrução”
(vers. 25-34) que se segue aos “ditos” sobre a riqueza, Mateus procura
responder às seguintes questões: como deve ser ordenada a hierarquia de valores
dos discípulos de Jesus? Os membros da comunidade cristã não se devem preocupar
minimamente com as suas necessidades básicas?
Para os
discípulos de Jesus, o “Reino” deve ser o valor mais importante, a principal
prioridade, a preocupação mais séria, aquilo que dia a dia “faz correr” o homem
e que domina todo o seu horizonte (“procurai primeiro o Reino de Deus e a sua
justiça”).
E as
preocupações mais “primárias” da vida do homem: a comida, a bebida, a roupa, a
segurança? São valores secundários, que não devem sobrepor-se ao “Reino”. De
resto, não precisamos de viver obcecados com essas coisas, pois o próprio Deus
Se encarregará de suprir as necessidades materiais dos seus filhos (“tudo o
mais vos será dado por acréscimo” – ver. 33). Aliás, quem aceita o desafio do
“Reino” descobre rapidamente que Deus é esse Pai bondoso que preside à história
humana, que cuida dos seus filhos, que vela por eles com amor, que conhece as
suas necessidades: se Deus, cada dia, veste de cores os lírios do campo e
alimenta quotidianamente as aves do céu, não fará o mesmo – ou até mais – pelos
homens?
O crente que
escolheu o “Reino” passa, então, a viver nessa serena tranquilidade que resulta
da confiança absoluta no Deus que não falha.
A proposta de
Jesus será um convite a viver na alegre despreocupação, na inconsciência, na
passividade, no comodismo, na indiferença? Não. As palavras de Jesus são um
convite a pôr em primeiro lugar as coisas verdadeiramente importantes (o
“Reino”), a relativizar as coisas secundárias (as preocupações exclusivamente
materiais) e, acima de tudo, a confiar totalmente na bondade e na solicitude
paternal de Deus. De resto, viver na dinâmica do “Reino” não é cruzar os braços
à espera que Deus faça chover do céu aquilo de que necessitamos; mas é viver comprometido,
trabalhando todos os dias, a fim de que o sonho de Deus – o mundo novo da
justiça, da verdade e da paz – se concretize.
ACTUALIZAÇÃO
A actualização
da Palavra pode fazer-se a partir das seguintes linhas de reflexão:
• A primeira
grande questão que, neste texto, Jesus nos coloca é a questão das nossas
prioridades. Di
a a dia somos
bombardeados com um conjunto de propostas mais ou menos aliciantes, que nos
oferecem a chave da felicidade e da vida plena: o dinheiro, o êxito
profissional, a progressão na carreira, a beleza física, os aplausos das
multidões, o poder… E estes ou outros valores semelhantes – servidos por
técnicas de publicidade enganosa – tornam-se o “objectivo final” na vida de
tantos dos nossos contemporâneos. No entanto, Jesus garante-nos que a vida
plena não está aqui e que, se estes valores se tornam a nossa prioridade
fundamental, a nossa vida terá sido um tremendo equívoco. Para Jesus, é no
“Reino” – isto é, na aposta incondicional em Deus e no acolhimento do seu
projecto de salvação/libertação – que está o segredo da nossa realização plena.
Quais são as minhas prioridades? Em que é que eu tenho apostado
incondicionalmente a minha vida?
• As propostas
equívocas de felicidade criam, muitas vezes, desorientação e confusão. Ao encherem
o coração do homem de ídolos com pés de barro, afastam o homem de Deus e
deixam-no perdido e sem referências, só diante de um mundo hostil – como
criança perdida, indefesa, impotente. Jesus lembra-nos, porém, que Deus é um
Pai cheio de solicitude e de amor, permanentemente atento às necessidades dos
filhos (Ele até veste os lírios do campo e alimenta as aves do céu…). Ele
convida-nos a colocar a nossa confiança e a nossa esperança nesse Pai que nos
ama e a enfrentar o dia a dia com essa serena confiança que nos vem da certeza
de que Deus é nosso Pai, conhece as nossas dores e necessidades e nos pega ao
colo nos momentos mais dramáticos da nossa caminhada.
• A referência
à incompatibilidade entre Deus e o dinheiro convida-nos a uma particular
reflexão neste campo… O dinheiro é, hoje, o verdadeiro centro do poder no
mundo. Ele compra consciências, poder, bem-estar, projecção social,
reconhecimento e até compra amor. Por ele mata-se, calcam-se aos pés os valores
mais fundamentais, renuncia-se à própria dignidade, envenena-se o ambiente (que
interessa o buraco do ozono, a poluição dos rios, o desaparecimento das
florestas, se isso fizer mais ricos os donos do mundo…), escravizam-se os
irmãos. Quando a lógica do “ter mais” entra no coração do homem e o domina, o
homem torna-se escravo e, por sua vez, leva a escravidão aos outros homens.
Torna-se injusto, prepotente e explorador, passa indiferente ao lado dos irmãos
que vivem abaixo do limiar da dignidade humana, deixa de ter tempo para gastar
com aqueles que ama (o amor do dinheiro sobrepõe-se a todos os outros amores),
relega Deus para a lista dos valores secundários, acha o “Reino” proposto por
Jesus “uma absurda quimera”. Como nos situamos face a isto? Se tivermos que
optar (não em termos teóricos, mas nas situações concretas da vida) entre o
dinheiro e os valores do “Reino”, qual é que escolhemos?
A LITURGIA
MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos
dias da semana anterior ao 8º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a
Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia,
por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra:
num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais,
numa comunidade religiosa…