Roteiro Homilético 3: Vida Pastoral
A gratuidade
do amor
I. Introdução
geral
A Palavra de
Deus deste domingo nos convida a olhar os lírios do campo, para ver na
fragilidade das ervas, que de manhã florescem e à tarde secam, a providência
divina, ou seja, a gratuidade do seu amor.
Na primeira
leitura, o segundo Isaías proclama o amor entranhado de Deus, que nunca se
esquece de nenhum de seus filhos. Na primeira carta de Paulo aos Coríntios, o
apóstolo chama a atenção das lideranças cristãs para não esquecerem a
gratuidade de ser cristãs. A tarefa do líder consiste em colocar-se a serviço
da comunidade e ser administrador do plano de amor de Deus. Qualquer outra
postura gera divisão no interior da comunidade. No evangelho, Jesus nos convida
a uma única ocupação: o Reino de Deus. Todas as outras preocupações são
grilhões que nos impomos e que acabam nos desviando de nós mesmos, dos outros e
de Deus. O convite para contemplar os lírios do campo se traduz no chamado para
ver, nas pequenas coisas, a gratuidade divina. Se abrirmos o nosso coração ao
amor gratuito do Pai, experimentamos a vida como dom!
II. Comentário
dos textos bíblicos
Evangelho: Mt
6,24-34
Jesus exalta a
gratuidade do amor do Pai. Amor que cuida até das menores criaturas, como os lírios
do campo, cuja existência se apresenta tão ínfima: “que de manhã nascem e à
tarde secam”; amor providente: “que não deixa nenhum passarinho morrer de
fome”. Desse modo é que Jesus Cristo sente e vê o Pai e nos convida a permitir
que ele cuide de nós.
a) Dois
senhores
Jesus adverte
os seus discípulos de que não podemos servir a dois senhores. Essa impossibilidade decorre do fato de que o
nosso coração não se deixa guiar por dois amores: “ou odiará um e amará o
outro, ou aderirá a um e desprezará o outro” (v. 24).
O coração, no
Segundo Mandamento, salvo as atribuições fisiológicas que ainda persistem,
apresenta-se como o nosso ser mais profundo, a nossa consciência moral. Não se
trata, portanto, de um órgão do corpo humano, mas de uma faculdade espiritual.
Ora, o nosso ser naturalmente busca o seu bem. Aplicamos o nosso amor, cuja
sede é o coração, àquilo que julgamos ser um bem para nós. Disso decorre que
tudo o que não concorrer ao nosso bem, nós o excluímos. A busca natural do
nosso bem nos coloca diante de uma escolha: a qual bem meu coração adere? “Onde
está teu tesouro aí estará teu coração.”
b) Deus ou
dinheiro
“Não podeis
servir a Deus e ao dinheiro” (v. 24). Deus e o dinheiro se excluem. Enquanto o
Pai, por sua absoluta gratuidade, deixa-nos livres de todas as preocupações
cotidianas, uma vez que se desdobra em cuidados, o dinheiro nos aprisiona.
Quanto mais temos, mais queremos ter. Nessa busca desenfreada, não medimos
esforços para acumular. Toda a nossa segurança e, portanto, confiança estão na
conta bancária.
O dinheiro,
invenção humana para representar valores, passou a ser em si mesmo um valor, a
tal ponto que o próprio valor da pessoa humana passou a ser relativo: o ter é
exaltado em detrimento do ser! Julga-se pelo que se tem e não pelo que se é!
Ora, o ter
distancia-nos de Deus por três razões principais: 1) o ter é fruto do nosso
esforço (na melhor das hipóteses), logo não é dom (gratuidade); 2) o ter embota
no ser humano a imagem e semelhança de Deus, pois apaga nele a gratuidade (dom).
Só o ser pode ser dom, jamais o ter; enfim, 3) o ter tira do ser humano a
liberdade, portanto nega nele a filiação divina!
Com o termo
“dinheiro”, Jesus quer nos alertar sobre tudo aquilo que nos escraviza, ou, em
outras palavras, tudo o que nos leva a excluir Deus e os nossos irmãos de nossa
vida. Assim, um elemento bastante atual que podemos associar ao termo
“dinheiro”, entre outras coisas, é o eu como fruto do próprio egoísmo. Este eu,
enfeitamos com qualidades que apreciamos e que os outros também apreciam. É um
eu imaginário, não o nosso eu verdadeiro. Conscientes de que a exibição de um
pequeno defeito de nosso eu leva os outros a não o estimar, escondemos dos
outros e de nós mesmos todas as nossas fraquezas. Preocupados em embelezar o
nosso eu imaginário, esquecemos o nosso eu verdadeiro. Consumimos toda a nossa
vida em função desse eu que é fruto da nossa imaginação.
Assim como o
dinheiro, o eu imaginário é tirânico. Sua tirania consiste em exigir de nós
dedicação exclusiva e, por isso, desvia-nos de nós mesmos, dos outros e de
Deus.
c) O que tem
valor maior?
“A vida não é
mais que o alimento, e o corpo, mais que a roupa?” (v. 25). Ocupamo-nos com
tantas coisas no nosso dia a dia que acabamos invertendo o real valor das
coisas. A preocupação com os alimentos nos desvia de nos atermos ao verdadeiro
valor da vida; a preocupação com a roupa faz com que esqueçamos a importância
do corpo: ocupamo-nos previamente com algumas coisas e negligenciamos o
essencial.
Evidentemente,
Jesus não está dizendo que não devemos nos preocupar com alimento e vestuário.
Devemos nos ocupar também dessas coisas, mas sem jamais ater toda a nossa vida
a elas. Pois se assim fizermos, vamos nos asfixiar no mundo da necessidade
(trabalho, preocupações cotidianas) e não o transcenderemos para abraçar o
Reino destinado aos filhos e filhas de Deus. Por ser um ser espiritual, o ser
humano só se realiza transcendendo o mundo da necessidade. Somente nesse
transcender podemos encontrar o real valor das coisas. Jesus apresenta o que de
fato tem sentido na vida!
d) O Reino de
Deus
“Os pagãos
vivem preocupados com o que comer e com o que vestir. Vosso Pai que está nos
céus sabe que precisais de tudo isso” (v. 32). Os pagãos de hoje são todos os
que se prendem ao mundo da necessidade, os que encontram segurança no que
possuem, os que estabelecem com os outros uma relação mercantil, e não uma
relação de gratuidade, os que só valorizam o que for útil, os que rejeitam a
Providência porque seus celeiros estão cheios, enfim, os que veem a vida como
propriedade e não como dom. O Pai cuidador, porque ama gratuitamente, nos dá
tudo do que precisamos. Mas de que modo Deus nos dá? Como entender sua
Providência?
“Buscai o
Reino de Deus e sua justiça, e todas essas coisas vos serão dadas por acréscimo”
(v. 33). Quando entendermos que a vida é dom de Deus, pura gratuidade, e, por
ser assim, defendermos toda forma de vida: humana, animal e vegetal, sem impor
condições, fruto dos nossos preconceitos; quando as nossas relações
inter-humanas se pautarem pelo princípio da fraternidade, na qual todos são
inclusos: o pobre ser convidado à mesa – do pão, da educação, da saúde, da
dignidade – e o rico partilhar, e não ser escravo do dinheiro; quando, enfim,
Deus for o nosso único Senhor, então nos deixaremos conduzir pela providência
divina. Onde há fraternidade, onde Deus reina como único Senhor, ninguém ficará
sem comida ou sem o que vestir.
Todos poderão
contemplar a gratuidade divina na beleza dos lírios do campo e o cuidado de
Deus com as aves do céu. Todos aprenderão o que é a gratuidade, pois
experimentarão, no recebimento e na doação, a providência divina!
I leitura: Is
49,14-15
Após tanto
tempo no exílio da Babilônia, o povo perdera a esperança de retornar a Israel.
Parecia que Deus os havia esquecido. Aquele que os libertara da escravidão do
Egito dava a impressão de não se importar mais com o seu povo. “O SENHOR me
abandonou, o SENHOR esqueceu-se de mim” (v. 14).
Esse
sentimento de abandono apresentava tão forte entre o povo exilado que nem mesmo
a profecia de Isaías, proclamando a força do Deus de Israel, era capaz de
animá-lo e, assim, restabelecer nele a confiança no Senhor e, consequentemente,
a esperança.
Isaías muda o
seu discurso: deixa de anunciar o poder de Deus e passa a proclamar o seu amor
e a sua ternura como o amor e a ternura de uma mãe para seu filho: “Acaso uma
mulher esquece o seu neném, ou o amor ao filho de suas entranhas? Mesmo que
alguma se esqueça, eu de ti jamais me esquecerei!” (v. 15).
Isaías mostra
que o amor entranhado de Deus o faz sempre envolver seus filhos de ternura e
proteção. Seu amor é memória! Esta se apresenta tão viva, que faz cair no
esquecimento toda a ingratidão do seu povo!
A mudança de
discurso de Isaías tem um sentido preciso: não se trata meramente de animar o
povo exilado. O profeta toma consciência de que o poder de Deus consiste em seu
amor! Jesus Cristo proclama esse poder de Deus! O amor do Pai o leva a cuidar
dos pássaros do céu e dos lírios do campo!
II leitura:
1Cor 4,1-5
Algumas
lideranças da comunidade de Corinto, por se considerarem avançadas no
conhecimento dos mistérios (projetos) de Deus e, por isso, portadoras de uma
sabedoria superior, julgavam o trabalho do apóstolo. Perante essa posição,
Paulo pede à comunidade “que as pessoas nos considerem como ministros de Cristo
e administradores dos mistérios de Deus” (v. 1). A relação do apóstolo com
Cristo como seu servo e, por isso, administrador do projeto salvífico de Deus o
submete ao julgamento somente daquele a quem serve, ou seja, do próprio Cristo.
O apóstolo não é dono da comunidade, é seu ministro (servo). A última palavra
sobre o seu ministério compete somente a Deus.
A preocupação
de Paulo não se aloja no conteúdo do julgamento dos líderes cristãos de
Corinto, mas na sua atitude de julgadores. Ao julgarem, eles esquecem a
gratuidade que se exige do cristão: estar sempre a serviço. Colocar-se como
juiz em uma comunidade fatalmente cria divisão em seu interior. Pois quem julga
aparta-se dos demais, considerando-se superior aos outros. Aqueles que agem
assim esperam o louvor da comunidade.
Paulo adverte
a comunidade de que somente de Deus recebemos o devido louvor. Diante dele, os
projetos do nosso coração se manifestarão, e ele, que conhece as profundezas do
nosso ser, perscruta o coração humano, nos dará a recompensa.
A gratuidade
do amor de Deus, que “alimenta as aves do céu e veste os lírios do campo”,
convida todo cristão a abandonar-se confiantemente à providência dele. E uma
vez que não há como servir a dois senhores, não podemos servir a Deus e ao
nosso próprio egoísmo. Orgulho e gratuidade se excluem, assim como egoísmo e
serviço! A advertência de Paulo se endereça também a nós.
III. Pistas
para reflexão
A busca pelo
Reino de Deus e a sua justiça deve ser a meta de todos os cristãos. Como
buscá-lo? Somente quando Deus for o nosso único Senhor, o Reino de Deus estará
próximo de nós.
A Igreja
apresenta-se como “germe do Reino de Deus” quando gera espaço para que todos
sintam a gratuidade do amor do Pai.
Só poderemos
contemplar os lírios do campo quando nos ocuparmos com a vida e não com o que
comer ou com o que vestir, ou seja, só poderemos ver o essencial quando os
acessórios não prenderem o nosso coração!
Pe. Ivonil
Parraz