Roteiro Homilético 5: Franciscanos.org
Quando o
trabalho era ainda um valor, certas pessoas escandalizavam-se com a parábola
dos lírios do campo (evangelho), porque supostamente propagava uma mentalidade
de sombra e água fresca… Para consolo de tais pessoas, podemos dizer que Jesus
não está pregando a desocupação nem a despreocupação, mas apenas apontando a
“pré-ocupação”, aquilo que precede toda ocupação. Pois, se a “pré-ocupação” não
está bem acertada, as nossas ocupações são todas elas em vão. E a
“pré-ocupação” deve ser “o Reino de Deus e sua justiça”, ou seja, todo o bem
que Deus quer para sua gente e para toda a criação. Se essa for a
“pré-ocupação”, podemos labutar à vontade; se não, tudo estará desfocado.
Podemos
aprender muita coisa das criaturas que vivem conforme as regras do seu instinto
natural, pois, sem inventar todas as nossas complicações, passam melhor do que
nós. Inventamos muitas preocupações mal-aplicadas (em dinheiro, comida, bebida,
vestuário, carro, apartamento…). Índio no mato vive também – às vezes, melhor
do que os “civilizados” da cidade industrial.
Comer e beber
deveriam ser ocupações tão naturais que a gente nem precisaria fazer delas uma
“pré-ocupação”, algo que preside a todas as nossas ações. Não deveríamos criar
problemas de antemão com relação a tudo isso – cada dia já traz ocupação que
chega. Mas, tudo está distorcido, exatamente porque alguns fazem dessas coisas
sua única preocupação, em detrimento do bem-estar dos outros… Há algo que
sempre de novo esquecemos e que, no entanto, determina o sentido de tudo que
fizermos: procurar a vontade de Deus. Esta deve ser a verdadeira
“pré-ocupação”, o desejo que preside a todas as nossas ocupações. Então,
pensaremos também naqueles que não conseguem alimentar-se ou vestir-se…
Portanto, não
entendamos este evangelho na mentalidade de sombra e água fresca: o
sombra-e-água-fresca não se preocupa com o que vai comer amanhã, mas também não
faz nada pelo coitado que morre de fome a seu lado. Não quer nada com nada…
Quando o seguidor de Jesus não pergunta prioritariamente se vai ter o
suficiente para amanhã, não toma essa atitude por desleixo, mas porque reparte
aquilo que tem com seu irmão, que está precisando disso hoje. Procura primeiro
o que Deus deseja.
Para chegar a
tal atitude de “imprudente” doação, a gente precisa de muita confiança em Deus.
Por isso, a 1ª leitura nos lembra o que Isaías disse aos israelitas,
desesperados, no exílio babilônico: “Pode uma mãe esquecer a criança que
amamentou? Deus nos “criou” – ele não nos esquece!
É verdade que
certas pessoas entendem essa confiança de maneira mágica ou leviana. A
confiança nunca dispensa a colaboração inteligente. Ora, se nós nos esgotarmos
em fazer o bem para os outros filhos de Deus, será que não encontraremos nosso
bem nele? Afinal, mesmo prolongar um pouco a nossa vida não é o mais importante
(*). Mais vale uma vida desprotegida, esgotada antes do tempo, mas rica em
doação, do que um século de egoísmo.
A 2ª leitura
continua a leitura de 1Cor. Paulo, trocando de assunto, fala da autenticidade
do seu ministério. Mas nem por isso ele se acha justificado. Paulo sabe que
toda sua história pessoal foi movida pela graça de Deus. Tudo é graça.
As orações
ajudam para entrar no espírito deste domingo: pedimos a Deus a “paz” para
melhor lhe servirmos, para não estarmos divididos entre dois senhores (oração
do dia); e lembramo-nos, na Eucaristia, de que ele nos alimenta na terra, como
antecipação do carinho que nos quer dispensar na eternidade (oração final).
(*) Lc faz
preceder a parábola do rico insensato (Lc 12,13-21) imediatamente à dos lírios
do campo (Lc 12,22s).
Confiança na
Providência
Dizem que se
deve escolher entre a tecnologia e a divina Providência. Quem tem a coragem de
viajar de avião não deve pensar na Providência, e sim na segurança da
tecnologia… Deus não deve intervir a qualquer momento, as leis da ciência e
suas aplicações é que devem estas seguras… Não diminui a fé na providência a
responsabilidade humana?
A 1ª leitura
ensina a jogar-nos com toda a confiança nos braços de Deus: seu amor não
desiste de cuidar de nós. E no evangelho, Jesus dirige nosso olhar para os
pássaros do céu e os lírios do campo. Mas ele não ensina a despreocupação. Ele
nos ensina a atitude certa para o serviço do Reino de Deus: procurar primeiro o
reino e sua justiça. Então, podemos contar com a providência de Deus, para que
possamos cumprir a missão que ele nos confia. Não a despreocupação, mas a liberdade
e a simplicidade no serviço do Reino é a mensagem da parábola dos lírios. Quem
procurar estar a serviço do Reino receberá como graça de Deus as coisas
necessárias para viver.
Tal atitude é
totalmente contrária à atitude dos que procuram antes de tudo riqueza,
propriedades, prestígio, poder, prazer… Será difícil conseguir tudo isso e além
disso “ter Deus”! Melhor é procurar primeiro Deus e receber, além dele, o
resto… Assim, o evangelho se opõe também aos despreocupados, que deixam tudo
correr para não se incomodarem e por isso se tornam cúmplices daqueles que
querem tudo para si.
O certo é
primeiro empenhar-se pelo serviço de Deus, da justiça e do amor que Jesus nos
ensina. Então, sempre teremos a certeza de ter feito o que devíamos fazer. Se
Deus nos concede uma vida longa e materialmente sucedida, para assim servi-lo,
tudo bem; e se ele nos conduz ao sacrifício, não teremos nada a reclamar.
A confiança na
Providência assim entendida não é contrária à responsabilidade e ao
engajamento. É sua condição necessária. Pois quem sempre está calculando como
salvará seus interesses próprios, nunca se engajará com liberdade evangélica.
Neste sentido, a confiança na Providência não é alienante, mas libertadora! Não
tira a nossa responsabilidade, mas nos dá maior liberdade e coragem para
assumir nossa responsabilidade na construção do reino. Quanto mais confiamos em
Deus, tanto mais cresce nossa responsabilidade. Devemos confiar como se tudo
dependesse de Deus e nos empenhar como se tudo dependesse de nós (cf. Sto,
Inácio de Loyola) .