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Tema do 12º
Domingo do Tempo Comum
As leituras
deste domingo põem em relevo a dificuldade em viver como discípulo, dando
testemunho do projecto de Deus no mundo. Sugerem que a perseguição está sempre
no horizonte do discípulo… Mas garantem também que a solicitude e o amor de
Deus não abandonam o discípulo que dá testemunho da salvação.
A primeira
leitura apresenta-nos o exemplo de um profeta do Antigo Testamento – Jeremias.
É o paradigma do profeta sofredor, que experimenta a perseguição, a solidão, o
abandono por causa da Palavra; no entanto, não deixa de confiar em Deus e de
anunciar – com coerência e fidelidade – as propostas de Deus para os homens.
No Evangelho,
é o próprio Jesus que, ao enviar os discípulos, os avisa para a inevitabilidade
das perseguições e das incompreensões; mas acrescenta: “não temais”. Jesus
garante aos seus a presença contínua, a solicitude e o amor de Deus, ao longo
de toda a sua caminhada pelo mundo.
Na segunda
leitura, Paulo demonstra aos cristãos de Roma como a fidelidade aos projectos
de Deus gera vida e como uma vida organizada numa dinâmica de egoísmo e de
auto-suficiência gera morte.
LEITURA I –
Jer 20,10-13
Leitura do
Livro de Jeremias
Disse
Jeremias:
“Eu ouvia as
invectivas da multidão:
‘Terror por
toda a parte! Denunciai-o, vamos denunciá-lo!’
Todos os meus
amigos esperavam
que eu desse
um passo em falso:
‘Talvez ele se
deixe enganar
e assim
poderemos dominar e nos vingaremos dele’.
Mas o Senhor
está comigo como herói poderoso
e os meus
perseguidores cairão vencidos.
Ficarão cheios
de vergonha pelo seu fracasso,
ignomínia
eterna que não será esquecida.
Senhor do
Universo,
que sondais o
justo e perscrutais os rins e o coração,
possa eu ver o
castigo que dareis a essa gente,
pois a Vós
confiei a minha causa.
Cantai ao
Senhor, louvai o Senhor,
que salvou a
vida do pobre das mãos dos perversos”.
AMBIENTE
Jeremias, o
profeta nascido em Anatot por volta de 650 a .C., exerceu a sua missão profética desde
627/626 a.C., até depois da destruição de Jerusalém pelos Babilónios (586 a .C.). O cenário da
actividade do profeta é, em geral, o reino de Judá (e, sobretudo, a cidade de
Jerusalém).
A primeira
fase da pregação de Jeremias abrange parte do reinado de Josias. Este rei –
preocupado em defender a identidade política e religiosa do Povo de Deus – leva
a cabo uma impressionante reforma religiosa, destinada a banir do país os
cultos aos deuses estrangeiros. A mensagem de Jeremias, neste período,
traduz-se num constante apelo à conversão, à fidelidade a Jahwéh e à aliança.
No entanto, em
609 a .C.,
Josias é morto em combate contra os egípcios. Joaquim sucede-lhe no trono. A
segunda fase da actividade profética de Jeremias abrange o tempo de reinado de
Joaquim (609-597 a .C.).
O reinado de
Joaquim é um tempo de desgraça e de pecado para o Povo, e de incompreensão e
sofrimento para Jeremias. Nesta fase, o profeta aparece a criticar as
injustiças sociais (às vezes fomentadas pelo próprio rei) e a infidelidade
religiosa (traduzida, sobretudo, na busca das alianças políticas: procurar a
ajuda dos egípcios significava não confiar em Deus e, em contrapartida, colocar
a esperança do Povo em exércitos estrangeiros). Jeremias está convencido de que
Judá já ultrapassou todas as medidas e que está iminente uma invasão babilónica
que castigará os pecados do Povo de Deus. É sobretudo isso que ele diz aos
habitantes de Jerusalém… As previsões funestas de Jeremias concretizam-se: em 597 a .C., Nabucodonosor
invade Judá e deporta para a Babilónia uma parte da população de Jerusalém.
No trono de
Judá, fica então Sedecias (597-586
a .C.). A terceira fase da missão profética de Jeremias
desenrola-se precisamente durante este reinado.
Após alguns
anos de calma submissão à Babilónia, Sedecias volta a experimentar a velha
política das alianças com o Egipto. Jeremias não está de acordo que se confie
em exércitos estrangeiros mais do que em Jahwéh. Mas nem o rei nem os notáveis
lhe prestam qualquer atenção à opinião do profeta. Considerado um amargo
“profeta da desgraça”, Jeremias apenas consegue criar o vazio à sua volta.
Em 587 a .C., Nabucodonosor põe
cerco a Jerusalém; no entanto, um exército egípcio vem em socorro de Judá e os
babilónios retiram-se. Nesse momento de euforia nacional, Jeremias aparece a
anunciar o recomeço do cerco e a destruição de Jerusalém (cf. Jer 32,2-5).
Acusado de traição, o profeta é encarcerado (cf. Jer 37,11-16) e corre,
inclusive, perigo de vida (cf. Jer 38,11-13). Enquanto Jeremias continua a
pregar a rendição, Nabucodonosor apossa-se, de facto, de Jerusalém, destrói a
cidade e deporta a sua população para a Babilónia (586 a .C.).
Jeremias é o
paradigma dos profetas que sofrem por causa da Palavra. De natureza sensível e
cordial, homem de paz, que anseia pelo sossego da família e pelo convívio com
os amigos, Jeremias não foi feito para o confronto, a agressão, a violência das
palavras ou dos gestos; mas Jahwéh chamou-o para “arrancar e destruir, para
exterminar e demolir” (Jer 1,10), para predizer desgraças e anunciar, com
violência, destruição e morte (cf. Jer 20,8). Como consequência, foi
continuamente objecto de desprezo e de irrisão e todos o maldiziam. Os
familiares, os amigos, os reis, os sacerdotes, os falsos profetas, o povo
inteiro, todos se afastavam, mal ele abria a boca. E esse homem bom, sensível e
delicado sofria terrivelmente pelo abandono e pela solidão a que a missão
profética o condenava.
Jeremias
estava verdadeiramente apaixonado pela Palavra de Jahwéh e sabia que não teria
descanso se não a proclamasse com fidelidade. Mas nos momentos mais negros de
solidão e de frustração, o profeta deixou, algumas vezes, que a amargura que lhe
ia no coração lhe subisse à boca e se transformasse em palavras. Dirigia-se a
Deus e censurava-o asperamente por causa dos problemas que a missão lhe trazia.
Chegou a comparar-se a uma jovem inocente e ingénua, de quem Deus se apoderou e
a quem forçou a fazer algo que o profeta não queria (cf. Jer 20,7-9).
No Livro de
Jeremias aparecem, a par e passo, queixas e lamentos do profeta, condenado a
essa vida de aparente fracasso. Alguns desses textos são conhecidos como
“confissões de Jeremias” e são verdadeiros desabafos em que o profeta expõe a
Jahwéh, com sinceridade e rebeldia, a sua desilusão, a sua amargura e a sua
frustração (cf. Jer 11,18-23; 12,1-6; 15,10.15-20; 17,14-18; 18,18-23;
20,7-18). O texto que hoje nos é proposto faz parte de uma dessas “confissões&rdq
uo;.
MENSAGEM
O profeta
começa por descrever o quadro que o rodeia… A multidão, farta de escutar
anúncios de castigos e de terrores, resolve pôr um ponto final no derrotismo de
Jeremias e prepara-se para o calar. Jeremias, o “terror por toda a parte” (é
dessa forma irónica que a multidão o designa, parodiando uma expressão de que o
profeta se servia para anunciar as desgraças que estavam para chegar), vai ser
preso, julgado e silenciado. Todo o ambiente faz pensar na montagem de um
esquema de julgamento sumário e de linchamento popular. O profeta corre,
portanto, sérios riscos de vida… No entanto, aquilo que mais dói a Jeremias é
que até os seus amigos mais íntimos lhe voltaram as costas e juntaram-se aos
que maquinavam a sua perda. O profeta – que nunca pretendeu magoar ninguém, mas
somente anunciar com fidelidade a Palavra de Deus – sente-se só, abandonado,
marginalizado, perdido na mais negra solidão (vers. 10).
No entanto, o
lamento de Jeremias é bruscamente cortado por um inesperado hino de louvor a
Jahwéh, expressão extraordinária da confiança no Deus que não falha (vers.
11-13). É preciso dizer que estes versículos estão aqui um tanto ou quanto
deslocados: provavelmente, eles foram pronunciados por Jeremias noutro contexto
e aqui inseridos pelo editor final do livro (no texto original, aos vers. 7-10
seguir-se-iam os vers. 14-18). De qualquer forma, este hino reproduz a certeza
de que, apesar do sofrimento e da incompreensão que tem de enfrentar, o profeta
não está só: ele confia em Deus, no seu poder, na sua justiça, no seu amor; e
sabe que Deus nunca abandona o pobre que n’Ele confia (aqui “pobre” não deve
ser lido em sentido material, mas no sentido de desprotegido, perseguido
injustamente pelos poderosos).
ACTUALIZAÇÃO
Considerar, na
reflexão, as seguintes questões:
• Ser profeta
não é um caminho fácil: o exemplo de Jeremias é elucidativo (como também o é o
testemunho de Óscar Romero, Luther King, Gandhi e tantos outros profetas do
nosso tempo). O “mundo” não gosta de ver ser posta em causa a sua “paz podre”,
não está disposto a aceitar que se questionem os esquemas de exploração e
injustiça instituídos em favor dos poderosos, nem que se critiquem os “valores”
de alguns “iluminados” fazedores da opinião pública. O “caminho do profeta” é,
portanto, um caminho onde se lida permanentemente com a incompreensão, com a
solidão, com o risco… É, no entanto, um caminho que Deus nos chama a percorrer,
na fidelidade à sua Palavra. Temos a coragem de seguir esse caminho? As “bocas”
dos outros, as críticas injustas, a solidão que dói mais do que tudo, alguma
vez nos impediram de cumprir a missão que o nosso Deus nos confiou?
• No baptismo,
fomos ungidos como “profetas”, à imagem de Cristo. Estamos conscientes dessa
vocação a que Deus, a todos, nos convocou? Temos a noção de que somos a “boca”
através da qual a Palavra de Deus ressoa no mundo e Se dirige aos homens?
• A
experiência profética é um caminho de luta, de sofrimento, muitas vezes de
solidão e de abandono; mas é também um caminho onde Deus está. O testemunho de
Jeremias confirma que Deus nunca abandona aqueles que procuram testemunhar no
mundo, com coragem e verdade, as suas propostas. Esta certeza deve trazer ânimo
e dar esperança a todos aqueles que assumem, com coerência, a sua missão profética.
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 68 (69)
Refrão: Pela
vossa grande misericórdia, atendei-me, Senhor.
Por Vós tenho
suportado afrontas,
cobrindo-se
meu rosto de confusão.
Tornei-me um
estranho para os meus irmãos,
um
desconhecido para a minha família.
Devorou-me o
zelo pela vossa casa
e recaíram
sobre mim os insultos contra Vós.
A Vós, Senhor,
elevo a minha súplica,
no momento
propício, meu Deus.
Pela vossa
grande bondade, respondei-me,
em prova da
vossa salvação.
Tirai-me do
lamaçal, para que não me afunde,
livrai-me dos
que me odeiam e do abismo das águas.
Vós, humildes,
olhai e alegrai-vos,
buscai o
Senhor e o vosso coração se reanimará.
O Senhor ouve
os pobres
e não despreza
os cativos.
Louvem-n’O o
céu e a terra,
os mares e
quanto neles se move.
LEITURA II –
Rom 5,12-15
Leitura da
Epístola do apóstolo São Paulo aos Romanos
Irmãos:
Assim como por
um só homem entrou o pecado no mundo
e pelo pecado
a morte,
assim também a
morte atingiu todos os homens,
porque todos
pecaram.
De facto, até
à Lei, existia o pecado no mundo.
Mas o pecado
não é levado em conta, se não houver lei.
Entretanto, a
morte reinou desde Adão até Moisés,
mesmo para
aqueles que não tinham pecado
por uma
transgressão à semelhança de Adão,
que é figura
d’Aquele que havia de vir.
Mas o dom
gratuito não é como a falta.
Se pelo pecado
de um só pereceram muitos,
com muito mais
razão a graça de Deus,
dom contido na
graça de um só homem, Jesus Cristo,
se concedeu
com abundância a muitos homens.
AMBIENTE
No final da
década de 50 (a carta aos Romanos apareceu por volta de 57/58), a “crise” entre
os cristãos oriundos do mundo judaico e os cristãos oriundos do mundo pagão
acentua-se. Os cristãos de origem judaica consideravam que, além da fé em Jesus
Cristo, era necessário cumprir as obras da Lei de Moisés, a fim de ter acesso à
salvação; mas os cristãos de origem pagã recusavam-se a aceitar a
obrigatoriedade das práticas judaicas. Era uma questão “quente”, que ameaçava a
unidade da Igreja.
Neste cenário,
Paulo procura mostrar a todos os crentes a unidade da revelação e da história
da salvação: judeus e não judeus são, de igual forma, chamados por Deus à
salvação; o essencial não é cumprir a Lei de Moisés – que nunca assegurou a
ninguém a salvação; o essencial é acolher a oferta de salvação que Deus faz a
todos, por Jesus.
O texto que
nos é proposto faz parte da primeira parte da Carta aos Romanos (cf. Rom
1,18-11,36). Depois de demonstrar que todos (judeus e não judeus) vivem
mergulhados no pecado (cf. Rom 1,18-3,20) e que é a justiça de Deus que a todos
salva, sem distinção (cf. Rom 3,21-5,11), Paulo ensina que é através de Jesus
Cristo que a vida de Deus chega aos homens e que se faz oferta de salvação para
todos (cf. Rom 5,12-8,39).
MENSAGEM
Para deixar
bem claro que a salvação foi oferecida por Deus aos homens através de Jesus
Cristo, Paulo recorre aqui a uma figura literária que aparece, com alguma
frequência, nos se
us escritos: a
antítese. Em concreto, Paulo vai expor o seu raciocínio através de um jogo de
oposições entre duas figuras: Adão e Jesus.
Adão é a
figura de uma humanidade que prescinde de Deus e das suas propostas e que
escolhe caminhos de egoísmo, de orgulho e de auto-suficiência. Ora, essa
escolha produz injustiça, alienação, desarmonia, pecado. Porque a humanidade
preferiu, tantas vezes, esse caminho, o mundo entrou numa economia de pecado; e
o pecado gera morte. A morte deve ser entendida, neste contexto, em sentido
global – quer dizer, não tanto como morte físico-biológica, mas sobretudo como
morte espiritual e escatológica que é afastamento temporário ou definitivo de
Deus (que é a fonte da vida autêntica).
Cristo propôs
um outro caminho. Ele viveu numa permanente escuta de Deus e das suas
propostas, na obediência total aos projectos do Pai. Esse caminho leva à
superação do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência e faz nascer um Homem
Novo, plenamente livre, que vive em comunhão com o Deus que é fonte de vida
autêntica (a vitória de Cristo sobre a morte é a prova provada de que a
comunhão com Deus produz vida definitiva). Foi essa a grande proposta que
Cristo fez à humanidade… Assim, Cristo libertou os homens da economia de pecado
e introduziu no mundo uma dinâmica nova, uma economia de graça que gera vida
plena (salvação).
Não é claro
que Paulo se esteja a referir aqui àquilo que a teologia posterior designou
como “pecado original” (ou seja, um pecado histórico cometido pelo primeiro
homem, que atinge e marca todos os homens que nascerem em qualquer tempo e
lugar). O que é claro é que, para Paulo, a intervenção de Cristo na história
humana se traduziu num dinamismo de esperança, de vida nova, de vida autêntica.
Cristo veio propor à humanidade um caminho de comunhão com Deus e de obediência
aos seus projectos; é esse caminho que conduz o homem em direcção à vida plena
e definitiva, à salvação.
ACTUALIZAÇÃO
• A história
do nosso tempo está cheia de exemplos de homens e mulheres que entregaram a
vida para realizar o projecto libertador de Deus no mundo e que foram
considerados pela cultura dominante gente vencida e fracassada (embora, com
alguma frequência, depois de mortos sejam “recuperados” e apresentados como
heróis). Jesus Cristo mostra, contudo, que fazer da vida um dom a Deus aos
homens não é um caminho de fracasso e de morte, mas é um caminho libertador,
que introduz no mundo dinamismos de vida nova, de vida autêntica, de vida
definitiva. Eu estou disposto a arriscar, a fazer da minha vida um dom, para
que a vida plena atinja e liberte os meus irmãos?
• Alguns
acontecimentos que marcam o nosso tempo confirmam que uma história construída à
margem de Deus e das suas propostas é uma história marcada pelo egoísmo, pela
injustiça e, portanto, é uma história de sofrimento e de morte. Quando o homem
deixa de dar ouvidos a Deus, dá ouvidos ao lucro fácil, destrói a natureza, explora
os outros homens, torna-se injusto e prepotente, sacrifica em proveito próprio
a vida dos seus irmãos. Qual o nosso papel de crentes neste processo? O que
podemos fazer para que Deus volte a estar no centro da história e as suas
propostas sejam acolhidas?
• A
modernidade ensinou-nos que a fonte da salvação não é Deus, mas o homem e as
suas conquistas. Exaltou o individualismo e a auto-suficiência e ensinou-nos
que só nos realizaremos totalmente se formos nós – orgulhosamente sós – a
definir o nosso caminho e o nosso destino. No entanto, onde nos leva esta
cultura que prescinde de Deus e das suas sugestões? A cultura moderna tem feito
surgir um homem mais feliz, ou tem potenciado o aparecimento de homens perdidos
e sem referências, que muitas vezes apostam tudo em propostas falsas de
salvação e que saem dessa experiência de busca mais fragilizados, mais
dependentes, mais alienados?
ALELUIA – Jo
15,26b.27a
Aleluia.
Aleluia.
O Espírito da
verdade dará testemunho de Mim, diz o Senhor,
e vós também
dareis testemunho de Mim.
EVANGELHO – Mt
10,26-33
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Mateus
Naquele tempo,
disse Jesus aos seus apóstolos:
“Não tenhais
medo dos homens,
pois nada há
encoberto que não venha a descobrir-se,
nada há oculto
que não venha a conhecer-se.
O que vos digo
às escuras, dizei-o à luz do dia;
e o que
escutais ao ouvido proclamai-o sobre os telhados.
Não temais os
que matam o corpo,
mas não podem
matar a alma.
Temei antes
Aquele que pode lançar na geena a alma e o corpo.
Não se vendem
dois passarinhos por uma moeda?
E nem um deles
cairá por terra
sem
consentimento do vosso Pai.
Até os cabelos
da vossa cabeça estão todos contados.
Portanto, não
temais:
valeis muito
mais do que os passarinhos.
A todo aquele
que se tiver declarado por Mim
diante dos
homens
também Eu Me
declararei por ele
diante do meu
Pai que está nos Céus.
Mas àquele que
me negar diante dos homens,
também Eu o
negarei
diante do meu
Pai que está nos Céus”.
AMBIENTE
Continuamos no
mesmo ambiente em que o Evangelho do passado domingo nos situava. Os discípulos
– que Jesus chamou e que responderam positivamente a esse chamamento, que
escutaram os ensinamentos e que testemunharam os sinais de Jesus – vão ser
enviados ao mundo, a fim de continuarem a obra libertadora e salvadora de
Jesus. Contudo, antes de partir, recebem as instruções de Jesus: é o “discurso
da missão”, que se prolonga de 9,36
a 11,1.
Mateus escreve
durante a década de 80. No império romano reina Domiciano (anos 81 a 96), um imperador que não
está disposto a tolerar o cristianismo. No horizonte imediato das comunidades
cristãs, está uma hostilidade crescente, que rapidamente se converterá em
perseguição organizada contra o cristianismo (no ano 95, por iniciativa de
Domiciano, começa uma terrível perseguição contra os cristãos em todos os
territórios do império romano).
A comunidade
cristã a quem Mateus destina o seu Evangelho (possivelmente, a comunidade
cristã de Antioquia da Síria) é uma comunidade com grande sensibilidade
missionária, verdadeiramente empenhada em levar a Boa Nova de Jesus a todos os
homens. No entanto, os missionários convivem, dia a dia, com as dificuldades e
as perseguições e manifestam um certo desânimo e uma certa frustração. Os
crentes não sabem que caminho percorrer e estão perturbados e confusos.
Neste
contexto, Mateus compôs uma espécie de “manual do missionário cristão”, que é o
nosso “discurso da missão”. Para mostrar que a actividade missionária é um
imperativo da vida cristã, Mateus apresenta a missão dos discípulos como a continua&c
cedil;ão da
obra libertadora de Jesus. Define também os conteúdos do anúncio e as atitudes
fundamentais que os missionários devem assumir, enquanto testemunhas do
“Reino”.
MENSAGEM
O tema central
da nossa leitura é sugerido pela expressão “não temais”, que se repete por três
vezes ao longo do texto (cf. Mt 10,26.28.31). Trata-se de uma expressão que
aparece com alguma frequência no Antigo Testamento, dirigida a Israel (cf. Is
41,10.13; 43,1.5; 44,2; Jer 30,10) ou a um profeta (cf. Jer 1,8). O contexto é
sempre o da eleição: Jahwéh elege alguém (um Povo ou uma pessoa) para o seu
serviço; ao eleito, confia-lhe uma missão profética no mundo; e porque sabe que
o “eleito” se vai confrontar com forças adversas, que se traduzirão em
sofrimento e perseguição, assegura-lhe a sua presença, a sua ajuda e protecção.
É precisamente
neste contexto que o Evangelho deste domingo nos situa. Ao enviar os discípulos
que elegeu, Jesus assegura-lhes a sua presença, a sua ajuda, a sua protecção, a
fim de que os discípulos superem o medo e a angústia que resultam da
perseguição. As palavras de Jesus correspondem à última bem-aventurança:
“bem-aventurados sereis quando, por minha causa, vos insultarem, vos
perseguirem e, mentindo, disserem todo o mal contra vós” (Mt 5,12).
Este convite à
superação do medo vai acompanhado por três desenvolvimentos.
No primeiro
desenvolvimento (vers. 26.27), Jesus pede aos discípulos que não deixem o medo
impedir a proclamação aberta da Boa Nova. A mensagem libertadora de Jesus não
pode correr o risco de ficar – por causa do medo – circunscrita a um pequeno
grupo, cobarde e comodamente fechado dentro de quatro paredes, sem correr
riscos, nem incomodar a ordem injusta sobre a qual o mundo se constrói; mas é
uma mensagem que deve ser proclamada com coragem, com convicção, com coerência,
de cima dos telhados, a fim de mudar o mundo e tornar-se uma Boa Nova
libertadora para todos os homens e mulheres.
No segundo
desenvolvimento (vers. 28), Jesus recomenda aos discípulos que não se deixem
vencer pelo medo da morte física. O que é decisivo, para o discípulo, não é que
os perseguidores o possam eliminar fisicamente; mas o que é decisivo, para o
discípulo, é perder a possibilidade de chegar à vida plena, à vida definitiva…
Ora, o cristão sabe que a vida definitiva é um dom, que Deus oferece àqueles
acolheram a sua proposta e que aceitaram pôr a própria vida ao serviço do
“Reino”. Os discípulos que procuram percorrer com fidelidade o caminho de Jesus
não precisam, portanto, de viver angustiados pelo medo da morte.
No terceiro
desenvolvimento (vers. 29-31), Jesus convida os discípulos a descobrirem a
confiança absoluta em Deus. Para ilustrar a solicitude de Deus, Mateus recorre
a duas imagens: a dos pássaros de que Deus cuida (que revela a tocante ternura
e preocupação de Deus por todas as criaturas, mesmo as mais insignificantes e
indefesas) e a dos cabelos que Deus conta (que revela a forma particular,
única, profunda, como Deus conhece o homem, com a sua especificidade, os seus
problemas, as suas dificuldades). Deus é aqui apresentado como um “Pai”, cheio
de amor e de ternura, sempre preocupado em cuidar dos seus “filhos”, em
entendê-los e em protegê-los. Ora, depois de terem descoberto este “rosto” de
Deus, os discípulos têm alguma razão para ter medo? A certeza de ser filho de
Deus é, sem dúvida, algo que alimenta a capacidade do discípulo em empenhar-se
– sem medo, sem prevenções, sem preconceitos, sem condições – na missão. Nada –
nem as dificuldades, nem as perseguições – conseguem calar esse discípulo que
confia na solicitude, no cuidado e no amor de Deus Pai.
As últimas
palavras (vers. 32-33) da leitura que hoje nos é proposta contêm uma séria
advertência de Jesus: a atitude do discípulo diante da perseguição condicionará
o seu destino último… Aqueles que se mantiveram fiéis a Deus e aos seus
projectos e que testemunharam com desassombro a Palavra encontrarão vida
definitiva; mas aqueles que procuraram proteger-se, comodamente instalados numa
vida morna, sem riscos, sem chatices, e também sem coerência, terão recusado a
vida em plenitude: esses não poderão fazer parte da comunidade de Jesus.
ACTUALIZAÇÃO
Na reflexão,
podem considerar-se as seguintes questões:
• O projecto
de Jesus, vivido com radicalidade e coerência, não é um projecto “simpático”, aclamado
e aplaudido por aqueles que mandam no mundo ou que “fazem” a opinião pública;
mas é um projecto radical, questionante, provocante, que exige a vitória sobre
o egoísmo, o comodismo, a instalação, a opressão, a injustiça… É um projecto
capaz de abalar os fundamentos dessa ordem injusta e alienante sobre a qual o
mundo se constrói. Há um certo “mundo” que se sente ameaçado nos seus
fundamentos e que procura, todos os dias, encontrar formas para subverter e
domesticar o projecto de Jesus. A nossa época inventou formas (menos
sangrentas, mas certamente mais refinadas do que as de Domiciano) de reduzir ao
silêncio os discípulos: ridiculariza-os, desautoriza-os, calunia-os,
corrompe-os, massacra-os com publicidade enganosa de valores efémeros… Como a
comunidade de Mateus, também nós andamos assustados, confusos, desorientados,
interrogando-nos se vale a pena continuar a remar contra a maré… A todos nós,
Jesus diz: “não temais”.
• O medo – de
parecer antiquado, de ficar desenquadrado em relação aos outros, de ser
ridicularizado, de ser morto – não pode impedir-nos de dar testemunho. A
Palavra libertadora de Jesus não pode ser calada, escondida, escamoteada; mas
tem de ser vivamente afirmada com palavras, com gestos, com atitudes
provocatórias e questionantes. Viver uma fé “morninha” (instalada, cómoda, que
não faz ondas, que não muda nada, que aceita passivamente valores, esquemas,
dinâmicas e estruturas desumanizantes), não chega para nos integrar plenamente
na comunidade de Jesus.
• De resto, o
valor supremo da nossa vida não está no reconhecimento público, mas está nessa
vida definitiva que nos espera no final de um caminho gasto na entrega ao Pai e
no serviço aos homens; e Jesus demonstrou-nos que só esse caminho produz essa
vida de felicidade sem fim que os donos do mundo não conseguem roubar.
• A Palavra de
Deus que nos foi hoje proposta convida-nos também a fazer a descoberta desse
Deus que tem um coração cheio de ternura, de bondade, de solicitude. Se nos
entregarmos confiadamente nas mãos desse Deus, que é um pai que nos dá
confiança e protecção e é uma mãe que nos dá amor e que nos pega ao colo quando
temos dificuldade em caminhar, não teremos qualquer receio de enfrentar os
homens.