Roteiro Homilético 5: Franciscanos.org
Intrépida
profissão de fé
Para ser povo
sacerdotal e profético (tema de domingo passado), a Igreja deverá enfrentar a
sorte dos profetas; pois morrer ou ser rejeitado pelos próprios destinatários
da mensagem é uma constante na vida dos profetas. É o que ocorreu a Jeremias,
embora tivesse certeza de que, em última instância, Deus estava com ele (Jr
20,10.13,1ª leitura; o salmo responsorial fala no mesmo sentido). A Igreja
conhecerá perseguições, mas não deve ter medo: na tentação, Deus estará com
ela. É um tema preferido de Mt, que forma a moldura de seu evangelho: “Emanuel,
Deus conosco” (1,23) – “Estarei convosco até o fim do mundo” (28,20). Quando a
Igreja cumprir sua missão profética, não deverá recear os que matam o corpo,
pois Deus cuida até de um par de pardais (evangelho). Não estão os cabelos de
nossa cabeça contados?
Por outro
lado, quem confessar o Cristo diante dos homens, Cristo o confessará diante de
Deus (dará um palavrinha de recomendação). Mas, quem se envergonhar por causa
do Cristo, o Filho do Homem terá vergonha dele também diante do Pai. Isso aí
não é uma espécie de revanche de Jesus, mas a mais pura lógica: ele veio para
ser o servo e profeta da justiça, da vontade salvadora do Pai. Ele nos associou
a sua obra (cf dom. passado). Então, se nós o renegamos, que fazemos da missão
que ele nos confiou? Como poderíamos ainda ter parte com ele? Se ele não pode
contar com nossa adesão – ainda que frágil -, nós também não podemos contar com
ele, pois somos seus amigos, e amizade é recíproca por natureza.
A primeira
Igreja era muito severa quanto à desistência da fé, a “apostasia”. Tinha
consciência de que não se pode ser amigo pela metade, fiel um dia, outro não.
Os que vacilavam eram severamente censurados e, se recaíssem, excomungados,
entregues ao juízo de Deus. Por não termos bem presente a origem de nossa fé,
nós já não somos mais tão exigentes; mas a amizade com Jesus continua exigente
de per si, independentemente de nossa atmosfera sócio-religiosa.
A 2ª leitura –
um tema à parte – será explicada no 1° dom. da Quaresma. Continua a meditação
sobre a revelação da graça de Deus, que é o tema central de Rm. Na leitura de
hoje, este tema chega ao auge: onde abundou o pecado, aí superabundou a graça.
Tudo quanto foi lido nos domingos anteriores sobre a fé na salvação gratuita de
Deus era preparação para ouvir as palavras do Apóstolo hoje: o pecado estragou
tudo, não podíamos mais nada por nós mesmos, mas a graça de Deus superou tudo
isso: “Se pela falta de um só todos morreram, com quanta maior profusão a graça
de Deus e o dom gratuito de um só homem, Jesus Cristo, se derramaram sobre
todos”.
Assim, o
espírito fundamental deste domingo é de profundo reconhecimento e gratidão pela
graça de Deus, manifestada no dom da vida de Jesus Cristo. Este reconhecimento
nos leva a uma convicta profissão de que Jesus é o Salvador de nossa vida. E,
apesar da ameaça ou escárnio que este testemunho encontra, sabemos que ele está
conosco. Vivemos numa sociedade na qual testemunhar Cristo significa
testemunhar a justiça, contra os que fazem do lucro seu ídolo. Desistir de
testemunhar a justiça é apostasia, é ceder à idolatria. O cristão sabe que Deus
deu seu Filho por ele, por mera graça.
Por isso,
empenha-se para que a graça, encarnada em estruturas de justiça, afaste a
desgraça dos ídolos do poder. Professa sua fé mediante a prática da
transformação social em nome de Cristo e de seu Reino.
Perseguição e
firmeza
Inúmeros são
os que foram perseguidos e até morreram por terem defendido a justiça e a
solidariedade. Quem é o profeta, é perseguido, mas, se permanece fiel à sua
missão, Deus não o abandona. Quem luta
por Deus pode contar com ele (1ª leitura).
Jesus enviou
seus discípulos para anunciar e implantar o Reino de Deus (cf. dom. passado).
No evangelho de hoje, ensina-lhes a firmeza profética. Ensina-lhes a não ter
medo daqueles que matam o corpo, mas a viver em temor diante d’Aquele que tem
poder para destruir corpo e alma no inferno, o
Juiz supremo!
Há uma relação
de representatividade entre Jesus e o Pai. Quem for testemunha fiel de Cristo,
será por ele recomendado a Deus. Isso era válido no tempo em que o evangelho
foi escrito, quando se apresentavam as perseguições e as deserções. Continua
válido hoje. Se Cristo nos associa à sua obra e nós lhe somos fiéis, podemos
confiar que Deus mesmo não nos deixa afundar; Jesus se responsabiliza por nós.
Mas, se deixarmos de dar nosso testemunho e cedermos diante dos ídolos (poder,
lucro etc), espera-nos a sorte dos ídolos: o vazio, o nada… É uma questão de
opção.
Proclamar o
Reino em solidariedade com Cristo significa, hoje, empenho pela justiça.
Empenho colocado à prova por forças externas (perseguições, matanças de agentes
pastorais sindicais) e internas (desânimo, acomodação etc.). No nosso
engajamento, podemos confiar em Deus e sua providência; e por causa de Deus podemos
confiar em nosso engajamento, permanecer firmes naquilo que assumimos, mesmo
correndo perigo de vida – pois é melhor morrer do que desistir do sentido de
nossa vida. É melhor morrer em solidariedade com Cristo, do que viver separado
dele.
A mensagem
principal deste evangelho, todavia, talvez não seja exortação que ele nos
proporciona, mas a posição central de Jesus que ele nos ensina. É segundo nossa
fé professa em Jesus ou segundo nossa negação dele que Deus nos julga. Isso não
é ambição desmedida de Jesus, mas mero realismo. O caminho de Jesus nos mostra
e a respeito do qual ele pede nosso testemunho, é o caminho da vida. Não
podemos, diante do mundo, professar o contrário, pois então negamos diante de
Deus o caminho de vida que, em Jesus, ele nos proporciona. Em outros termos, é
uma questão que diz respeito a Deus, referência última do nosso viver.