26º Domingo do Tempo Comum - Ano B
Roteiro
Homilético cnbbleste2.org.br
Por Dom Emanuel Messias de Oliveira
1ª LEITURA - Nm 11,25-29
O Contexto
O capítulo 11 do livro dos Números nos
mostra o povo a caminho com suas queixas e reclamações. Moisés já está
esgotado, à beira da estafa, sente-se sozinho e prefere a morte. É nesse
contexto que Javé manda Moisés escolher 70 anciãos ou 70 representantes do povo
para partilhar a liderança com eles. Assim, Moisés não ficará sozinho na
direção desse povo exigente e rebelde.
O Senhor partilha o espírito profético
de Moisés ( v. 25)
Para isso Javé desceu na nuvem sobre a
tenda da reunião, ao redor da qual os 70 anciãos estavam. Aí o Senhor falou com
Moisés e separou uma parte do espírito profético que Moisés possuía e a colocou
nos 70 anciãos. Então todos começaram a profetizar, por um tempo.
Não se pode monopolizar o espírito (vv.
26-29)
Eldad e Medad estavam também na lista,
mas não tinham ido à tenda, não estavam fazendo, portanto, parte da instituição
dos 70. Mas o espírito pousa também sobre eles e começam igualmente a
profetizar no meio do povo. Quem pode monopolizar o espírito de Javé? Josué
pede a Moisés para proibi-los. E aqui vem o grande ensinamento de Moisés: “Tens
ciúmes por mim? Quem dera que todo o povo do Senhor fosse profeta e que o
Senhor lhe concedesse o seu espírito!”. Este desejo profético de Moisés vai ser
anunciado pelo profeta Joel (3,1-2) e vai realizar-se plenamente no Pentecostes
cristão (cf. At 2).
2ª
LEITURA - Tg 5,1-6
Tiago condena os ricos com veemência
profética. Suas palavras se aproximam das palavras do profeta Amós. Basta
conferir Am 5,10-13 e 6,1-7.
Com que termos Tiago condena os
ricos? (vv.1-3)
Suas expressões são terríveis: “E,
agora, vós, os ricos, chorai e gemei, por causa das desgraças que estão para
cair sobre vós”. Os ricos vão ficar desesperados com as desgraças que cairão
sobre eles. A traça e a ferrugem consumirão seus bens. O fogo lhes devorará a
carne. O desmoronamento do império dos ricos servirá de testemunho contra eles
no fim dos tempos. O v. 5b sintetiza a sorte dos latifundiários, comparando-os
a bois de engorda: “engordando a vós mesmos no dia da matança”.
Por que tanta veemência? A riqueza é
pecado?
O pressuposto é que a base da riqueza é
imposta. Os ricos amontoaram egoisticamente, ao invés de partilhar. Com o v. 4
ficamos sabendo que estes ricos são latifundiários. Eles são injustos, pois
eles retêm; eles roubam o salário dos seus ceifeiros. Eles ficam cada vez mais
ricos à custa dos pobres, que ficam cada vez mais pobres. Esse salário lesado é
que clama contra eles. Os protestos dos cortadores chegam aos ouvidos do Senhor
dos exércitos. Eles não apenas retêm o salário violando a lei (cf. Dt 24,14).
Não apenas acumulam para o luxo egoístico, mas também condenam os justos
empobrecidos e lesados nos tribunais, subornando os juízes e deixando os
justos, embora justos, sem defesa. Como ajudar os pobres para não morrerem de
fome e como libertar os ricos da condenação eterna? Os pobres só podemos
ajudá-los organizando-os; os ricos só se salvarão com a partilha.
EVANGELHO - Mc 9,38-43.45.47-48
O nome de Jesus não é monopólio da
Igreja católica (vv. 38-40)
É curiosa a autoridade dos discípulos.
Um homem expulsava demônios em nome de Jesus e os discípulos o proíbem. Eles se
acham donos do nome de Jesus. Será por quê? Excesso de zelo ou elevado grau de
ciúme? É discípulo de Jesus quem está associado a um grupo que traz o seu nome
ou quem faz o que Jesus fazia? Os discípulos, um pouco antes, não conseguiam
expulsar um demônio (cf. 9,14-29) por falta de oração. Em seguida, discutiam
ambiciosamente quem seria o maior no grupo (cf. 9,33-37): quer dizer, os discípulos
não tinham aprendido ainda quase nada do mestre, mas, mesmo assim, já se acham
donos de Jesus. O ensinamento de Jesus ainda é atual: não podemos monopolizar o
seu nome. Quem faz o que Jesus fez está ao lado dele. Oxalá todo o mundo
pudesse se empenhar como Jesus o fez na libertação do ser humano.
Importância da partilha e da
solidariedade (v. 41)
Jesus garante recompensa para quem der
um copo de água aos discípulos, porque eles são de Cristo. O primeiro
ensinamento é a partilha e ajuda, mesmo nas coisas mais insignificantes. O que
vale um copo de água? O gesto de doar, partilhar, acolher é muito mais valioso
que o conteúdo da doação. O segundo ensinamento está na motivação do gesto:
“Pelo fato de vocês serem de Cristo”. O texto não fala serem de “Jesus”, mas de
“Cristo”. Cristo = Messias: é uma referência à realização das promessas
salvíficas de Deus anunciadas no Primeiro Testamento. O Cristo, Ungido ou
Messias tinha essa missão libertadora. Usando a expressão “de Cristo” o
evangelista quer fazer alusão à missão de Jesus. Jesus está a caminho de
Jerusalém, onde dará a vida para a libertação dos homens. Essa é sua missão.
Talvez estivesse atravessando a Samaria (cf. 9,30-10,1). Os samaritano negavam
água a um judeu que, passando pela Samaria, estivesse se dirigindo a Jerusalém.
Neste contexto dar um copo de água tem grande significado político e
libertador: significa comprometer-se a cooperar com a missão libertadora de
Jesus e seus discípulos.
É preciso cortar o mal pela raiz (vv.
42-48)
“Pequeninos” são os que creem. “Escandalizar” significa conduzir alguém ao
pecado, à perda da fé, ao descompromisso com o Messias libertador.
Jesus cita três membros do corpo (mão,
pé e olho) com três sentenças simbólicas igualmente construídas, mostrando o
contraste entre o entrar na vida, ou no Reino de Deus, e ser jogado na geena (=
lugar onde se queima o lixo da cidade e onde o fogo estava sempre aceso,
símbolo da destruição e do castigo futuro). Mão que executa as ações, pé que
conduz e olho que cobiça eram a sede dos impulsos pecaminosos e da
concupiscência. Com estas três sentenças, Jesus nos ensina a salvar nossa vida
através do domínio da cobiça e da ganância. Ele nos ensina a romper,
radicalmente, com tudo o que conduz ao pecado, ou seja, a cortar o mal pela
raiz.
Roteiro
Homilético 1 - Liturgia: Mensagem franciscanos.org
Ser
discípulo sem rivalidade
Antes,
Mc falou em acolher pequenos “em nome de Jesus”. Encadeando outras sentenças no
mesmo item, passa agora ao assunto do exorcizar “em nome de Jesus” (associação
verbal, muito comum na tradição oral dos primeiros cristãos) (evangelho).
Logo
nos albores da comunidade cristã, milagreiros e exorcistas não cristãos,
notando a força do “nome de Jesus” (cf. At 3,6.16; 4, 10), tentavam usar esse
nome
em seus “trabalhos”. Mas os cristãos exigiam direitos autorais. Como resposta,
Mc traz uma sentença de Jesus: “Quem não é contra nós, é por nós”. Resposta de
bom senso e desapego évangélico, pois o importante é que o nome de Jesus seja
honrado. Mas quem considera o grupo mais importante que o nome de Jesus fica
indisposto. Não aceita que os dons cristãos floresçam fora da Igreja.
Jesus
presta pouca atenção a esse tipo de objeções. Os que por ele foram reunidos não
devem pensar que eles são os únicos em quem possa operar seu espírito. Ser
reunido por Cristo é uma graça, mas não um monopólio. Pelo contrário, devemos desejar
que seus beneficios sejam espalhados o mais amplamente possível. Já Moisés deu
aos hebreus uma lição neste sentido. No momento da assembléia dos setenta
anciãos que receberam “algo do espírito de Moisés”, dois tinham ficado no
acampamento; porém, receberam também o espírito profético. Josué quer
impedi-los, mas Moisés retruca: “Oxalá o povo todo recebesse assim o espírito”
(1ª leitura).
Estas
idéias escandalizam aqueles para quem o grupo é tudo. Ora, não a Igreja em si,
mas Cristo e seu espírito são o mais importante. (Não se alegue o velho adágio:
“Extra Ecclesiam nulla salus”, pronunciado contra os que abandonavam a Igreja.)
Mas escandalizam-se também os que só conhecem aquela outra sentença de Jesus:
“Quem não é comigo, é contra mim” (Mt 12,30 = Lc 11,23), pronunciada num
contexto de inimizade (os escribas acusam Jesus de expulsar demônios pela força
de Beelzebu); pois em tal contexto, é preciso escolher: quem não se coloca do
lado de Jesus se coloca do outro. Mas isso nada tem a ver com o caso de alguém
que recebe os dons do Cristo fora da Igreja.
Sempre
no item do “nome”, Jesus promete recompensa pelo mínimo benefício feito a
alguém “em nome de ser do Cristo” (9,41). E já que se estava falando também de
“pequenos” (cf. v. 37), cabe dizer algo sobre o escândalo dado aos pequenos
(9,42). E, continuando com o item “escândalo”: a gente tem que erradicar de sua
vida as raízes do escândalo, as causas das fraquezas na fé, assim como se
amputa uma mão quando ela põe o corpo em perigo (ou como se extrai um dente
quando causa enxaqueca) (9,43-48).
O
evangelho trata, portanto, de assuntos diversos. Ora, o conjunto da liturgia
acentua o tema da ação de Deus fora da assembléia “oficial”. Este ponto deve
reter a atenção da catequese litúrgica, e é muito importante em nosso ambiente,
onde macumbistas e espíritas fazem “trabalhos” em nome de Jesus (e com
sucesso). Existe uma mentalidade de combater o sincretismo religioso. Talvez
seria mais evangélico ponderar – sem esconder os problemas – o bem que
eventualmente façam e reconhecer que lá também Deus pode levar alguém a colocar
em obra o seu amor. Tal atitude mostrará a face compreensiva da Igreja,
procurando reconhecer em tudo o bem – e levaria menos pessoas a procurar a
umbanda por não encontrar resposta humana num catolicismo formalizado e ríspido
(11).
11.
Pensando no diálogo em torno de problemas econômicos e ecológicos de nosso
mundo, devemos pensar nas coisas boas que podem ser feitas “em nome de Jesus”
mediante pensamentos que não nasceram no âmbito da cristandade.
Do
livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Pensamento
inclusivo
A
cristandade tradicional caracterizava-se por atitudes exclusivistas. Só a
Igreja católica estava certa… Dizia-se que quem morre fora da Igreja católica
vai ao inferno. (Deveria ser mandado ao inferno quem fala assim…)
O
evangelho conta um episódio que nos ensina o contrário. Os discípulos ficam
nervosos porque alguém anda expulsando demônios no nome de Jesus, sem fazer
parte do grupo deles. Naquele tempo, todo tipo de tratamento sugestivo estava
na moda, como hoje. Visto que Jesus era o sucesso do momento, alguns que não
eram de seu grupo usavam seu nome para expulsar uns demoniozinhos. Que mal
havia nisso? Nenhum, mas os discípulos queriam direitos autorais!
A
liturgia ilustra o problema com outro episódio. O povo de Israel andando pelo
deserto, o Espírito desce sobre a assembléia dos anciãos. Mas dois não foram à
assembléia e receberam o Espírito assim mesmo. Os outros reclamam. Então,
Moisés responde: “Oxalá todo o povo de Deus profetizasse e Deus infundisse a
todos o seu espírito” (1ª leitura).
Nem
todos os cristãos são tão mesquinhos assim que pretendem reservar para a
própria agremiação os dons de Deus. Desde o Humanismo, bem antes do Concílio
Vaticano II, os educadores cristãos ensinavam que os pagãos Platão e Virgílio
eram profetas, pois anunciaram coisas que, depois, se verificaram em Jesus.
Houve até quem chamasse Karl Marx de profeta (com menos mérito, pois viveu bem
depois de Jesus e repetiu muita coisa que Jesus e a Bíblia disseram antes
dele…). As coisas boas que esses pagãos falaram não deixaram de ser um
testemunho a favor de Jesus.
“Quem
não é contra nós está em nosso favor” (Mc 9,40). Esta é a lição (Jesus disse
também: “Quem não está comigo é contra mim”, Mt 12,30, mas isso, em caso de
conflito e perseguição).
O
nome de Jesus representa o Reino do Pai. O nome de Jesus se liga a uma
realidade nova, a vontade de Deus. “Ninguém que faz milagres em meu nome poderá
logo depois sair falando mal de mim” (Mc 9,39). Por tudo aquilo que ele disse e
fez, pelo dom da própria vida, Jesus ligou a seu nome a nova realidade que se
chama o “Reino de Deus”. Quem consegue usar o nome de Jesus como força positiva
certamente colabora de alguma maneira com o Reino.
Não
é preciso ser católico batizado para colaborar com os valores do evangelho. Os
primeiros missionários no Brasil ficaram cheios de admiração porque os índios
pagãos pareciam ter mais valores evangélicos que os colonos portugueses
escravocratas. O testemunho do evangelho pode existir fora da comunidade
cristã, e nós devemos alegrar-nos por causa disso.
Então,
em vez de dizer que fora da Igreja não há salvação, vamos dizer: tudo o que salva
expande o que esamos fazendo na Igreja. Pensamento inclusivo.
Do
livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes
Roteiro
Homilético 2 - Liturgia: Dehonianos de Portugal
Tema do 26º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 26º Domingo do Tempo Comum
apresenta várias sugestões para que os crentes possam purificar a sua opção e
integrar, de forma plena e total, a comunidade do Reino. Uma das sugestões mais
importantes (que a primeira leitura apresenta e que o Evangelho recupera) é a
de que os crentes não pretendam ter o exclusivo do bem e da verdade, mas sejam
capazes de reconhecer e aceitar a presença e a acção do Espírito de Deus
através de tantas pessoas boas que não pertencem à instituição Igreja, mas que
são sinais vivos do amor de Deus no meio do mundo.
A primeira leitura, recorrendo a um
episódio da marcha do Povo de Deus pelo deserto, ensina que o Espírito de Deus
sopra onde quer e sobre quem quer, sem estar limitado por regras, por
interesses pessoais ou por privilégios de grupo. O verdadeiro crente é aquele
que, como Moisés, reconhece a presença de Deus nos gestos proféticos que vê
acontecer à sua volta.
No Evangelho temos uma instrução,
através da qual Jesus procura ajudar os discípulos a situarem-se na órbita do
Reino. Nesse sentido, convida-os a constituírem uma comunidade que, sem
arrogância, sem ciúmes, sem presunção de posse exclusiva do bem e da verdade,
procura acolher, apoiar e estimular todos aqueles que actuam em favor da
libertação dos irmãos; convida-os também a não excluírem da dinâmica
comunitária os pequenos e os pobres; convida-os ainda a arrancarem da própria
vida todos os sentimentos e atitudes que são incompatíveis com a opção pelo
Reino.
A segunda leitura convida os crentes a
não colocarem a sua confiança e a sua esperança nos bens materiais, pois eles
são valores perecíveis e que não asseguram a vida plena para o homem. Mais: as
injustiças cometidas por quem faz da acumulação dos bens materiais a finalidade
da sua existência afastá-lo-ão da comunidade dos eleitos de Deus.
LEITURA I – Nm 11,25-29
Leitura do Livro dos Números
Naqueles dias,
o Senhor desceu na nuvem e falou com
Moisés.
Tirou uma parte do Espírito que estava
nele
e fê-lo poisar sobre setenta anciãos do
povo.
Logo que o Espírito poisou sobre eles,
começaram a profetizar;
mas não continuaram a fazê-lo.
Tinham ficado no acampamento dois
homens:
um deles chamava-se Eldad e o outro
Medad.
O Espírito poisou também sobre eles,
pois contavam-se entre os inscritos,
embora não tivessem comparecido na
tenda;
e começaram a profetizar no acampamento.
Um jovem correu a dizê-lo a Moisés:
«Eldad e Medad estão a profetizar no
acampamento».
Então Josué, filho de Nun,
que estava ao serviço de Moisés desde a
juventude,
tomou a palavra e disse:
«Moisés, meu senhor, proíbe-os».
Moisés, porém, respondeu-lhe:
«Estás com ciúmes por causa de mim?
Quem dera que todo o povo do Senhor
fosse profeta
e que o Senhor infundisse o seu Espírito
sobre eles!»
AMBIENTE
O Livro dos Números (assim chamado na
versão grega, pelo facto de o livro começar com uma lista de recenseamento onde
são dados os números de membros de cada tribo do Povo de Deus) apresenta um
conjunto de tradições – sem grande preocupação de coerência e de lógica – sobre
a estadia no deserto dos hebreus libertados do Egipto. São tradições de origem
diversa, que os teólogos das escolas jahwista, elohista e sacerdotal utilizaram
com fins catequéticos.
No seu estado actual, o livro está
dividido em três partes. A primeira narra os últimos dias da estadia do Povo de
Deus no Sinai (cf. Nm 1,1-10,10); a segunda apresenta, em várias etapas, a
caminhada do Povo pelo deserto, desde o Sinai à planície de Moab (cf. Nm
10,11-21,35); a terceira apresenta a comunidade dos filhos de Israel instalada
na planície de Moab, preparando a sua entrada na Terra Prometida (cf.
11,1-36,13).
Mais do que uma crónica de viagem do
Povo de Deus desde o Sinai, até às portas da Terra Prometida, o Livro dos
Números é um livro de catequese. Pretende mostrar que a essência de Israel é
ser um Povo reunido à volta de Jahwéh e da Aliança. Com algum idealismo, os
autores do Livro dos Números vão descrevendo como, por acção de Jahwéh, esse
grupo informe de nómadas libertado do Egipto foi ganhando progressivamente uma
consciência nacional e religiosa, até chegar a formar a “assembleia santa de
Deus”. Ao longo do percurso geográfico pelo deserto, Israel vai fazendo também
uma caminhada espiritual, durante a qual se vai libertando da mentalidade de escravo,
para adquirir uma cultura de liberdade e de maturidade. O autor mostra como,
por acção de Deus (que está sempre presente no meio do Povo), Israel vai
progressivamente amadurecendo, renovando-se, transformando-se, alargando os
horizontes, tornando-se um Povo mais responsável, mais consciente, mais adulto
e mais santo.
O episódio que hoje nos é proposto
acontece pouco depois da partida do Sinai. Num lugar chamado Tabera (cf. Nm
11,3), o Povo revoltou-se por não ter comida em abundância e murmurou contra
Jahwéh. Moisés, cansado e desiludido, queixou-se ao Senhor de não conseguir
aguentar o fardo da condução deste Povo rebelde (cf. Nm 11,11-15); então,
Jahwéh propôs a Moisés escolher setenta anciãos que, depois de ungidos pelo
Espírito de Deus, ajudariam Moisés na tarefa de conduzir o Povo pelo deserto
(cf. Nm 11,16-24). É precisamente neste ponto que começa o nosso texto.
MENSAGEM
Os “anciãos” (em hebraico: “tzequenîm”)
são uma instituição no universo político e social de Israel. São os “cabeças de
família” que formavam, em cada cidade, uma espécie de “conselho” e que
presidiam à comunidade. O nosso texto faz remontar a Moisés e ao deserto a
instituição dos anciãos. Na perspectiva do catequista bíblico, eles recebem o
Espírito de Deus para colaborar na governação do Povo de Deus.
A forma como o nosso autor descreve o
dom do Espírito é a seguinte: Deus tirou “uma parte” do Espírito que estava em
Moisés e derramou-o sobre os setenta anciãos. Na perspectiva do autor, a
explicação é esta: Moisés possuía a plenitude do Espírito enquanto dirigiu
sozinho o Povo de Deus; porém, quando a responsabilidade da governação foi
dividida com os setenta anciãos, também o Espírito que repousava em Moisés foi
repartido por todos. A descrição, ainda que bizarra, dá a ideia, por um lado,
da unidade do Espírito e, por outro, da partilha do mesmo Espírito por todos
aqueles que Deus chama a uma missão.
A presença do Espírito de Deus nos
anciãos manifesta-se na capacidade de profetizar. O “profetismo” de que aqui se
fala não tem nada a ver com o “profetismo” dos grandes profetas pregadores e
escritores que Israel conhecerá mais tarde; mas designa um estado de entusiasmo
ou frenesim, de êxtase e delírio colectivo, destinados a criar um clima de
fervor e de exaltação religiosa. Nesta altura, manifestações deste tipo são
vistas como sinais da presença do Espírito de Deus.
A história tem, contudo, um epílogo
inesperado: Eldad e Medad, dois anciãos que estariam na lista dos setenta
escolhidos, mas que não estavam presentes no momento da recepção do Espírito,
começaram também a profetizar. Josué crê que se trata de um abuso intolerável,
que põe em causa as competências da hierarquia estabelecida e propõe a Moisés
que lhe ponha cobro… A resposta de Moisés é a resposta de um homem livre, magnânimo,
de espírito aberto, que não está preocupado com o controle dos mecanismos de
poder, mas com a vida e a felicidade do seu Povo: “Estás com ciúmes por causa
de mim? Quem me dera que todo o Povo fosse profeta e que o Senhor infundisse o
seu Espírito sobre eles” (vers. 29).
A resposta de Moisés será um anúncio
profético do dia do Pentecostes, quando o Espírito de Deus se derramou sobre a
totalidade do Povo da Nova Aliança (cf. Act 2,16-21).
ACTUALIZAÇÃO
• A comunidade do Povo de Deus é a
comunidade do Espírito. O Espírito não é privilégio dos membros da hierarquia;
mas está bem vivo e bem presente em todos aqueles que abrem o coração aos dons
de Deus e que aceitam comprometer-se com Jesus e com o seu projecto de vida.
Mesmo o irmão mais humilde, mais pobre, menos considerado da nossa comunidade
possui o Espírito de Deus.
• O episódio ensina também que o
Espírito de Deus é livre e actua onde quer e como quer. Não está limitado por
fronteiras, nem por regras, nem por interesses pessoais, nem por privilégios de
grupo. Nenhuma Igreja tem o monopólio do Espírito, nenhuma instituição pode
controlá-lo ou acorrentá-lo. Por vezes, somos testemunhas da acção do Espírito
no mundo através de pessoas que não pertencem à nossa instituição religiosa…
Não temos que sentir-nos melindrados ou ciumentos se Deus age no mundo através
de pessoas que não pertencem à nossa Igreja; temos é de reconhecer a presença
de Deus nos gestos de amor, de paz, de justiça, de solidariedade, de partilha
que todos os dias testemunhamos (mesmo naqueles que se dizem ateus) e agradecer
ao nosso Deus a sua presença, a sua acção, o seu amor pelos homens e pelo
mundo.
• A certeza de que ninguém tem o
exclusivo do Espírito obriga-nos a pôr de lado qualquer atitude de fanatismo,
de intransigência ou de intolerância face às perspectivas diferentes com que
somos confrontados. Os preconceitos, os esquemas egoístas, as condenações à
priori, os julgamentos apressados, podem fazer-nos perder os desafios que o
Espírito, pela voz dos irmãos, nos apresenta.
• Moisés, o líder do processo de
libertação que trouxe os hebreus da terra da escravidão para a Terra da
liberdade, foi capaz de reconhecer a sua debilidade e a sua incapacidade de
“fazer tudo” e aceitou a ajuda da comunidade. Não teve ciúmes, nem inveja, nem
medo de perder o controle do processo, nem dificuldade em aceitar a partilha
das tarefas que o Senhor lhe confiou. Com o seu exemplo, ele ensina os
responsáveis das nossas comunidades a aceitar a ajuda dos irmãos, a partilhar
com outros o peso da responsabilidade de conduzir a comunidade do Povo de Deus.
Por vezes, temos a convicção de que só nós somos capazes de fazer as coisas bem
e evitamos aceitar a ajuda dos outros; por vezes, sentimos que a intervenção de
outras pessoas é uma ameaça ao nosso poder e rejeitamos qualquer ajuda; por
vezes, queremos controlar o caminho da comunidade, porque não estamos dispostos
a renunciar aos nossos sonhos, aos nossos projectos pessoais… Já pensámos que,
quando não aceitamos partilhar responsabilidades, estamos a impedir os outros
de crescer? Já pensámos que, quando somos nós a conduzir todo o processo, sem
nos deixarmos confrontar com perspectivas diferentes, podemos estar a calar os
desafios do Espírito?
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 18 (19)
Refrão: Os preceitos do Senhor alegram o
coração.
A lei do Senhor é perfeita,
ela reconforta a alma.
As ordens do Senhor são firmes,
dão sabedoria aos simples.
O temor do Senhor é puro
e permanece eternamente;
Os juízos do Senhor são verdadeiros,
todos eles são rectos.
Embora o vosso servo se deixe guiar por
eles
e os observe com cuidado,
quem pode, entretanto, reconhecer os
seus erros?
Purificai-me dos que me são ocultos.
Preservai também do orgulho o vosso
servo,
para que não tenha poder algum sobre
mim:
então serei irrepreensível
e imune de culpa grave.
LEITURA II – Tg 5,1-6
Leitura da Epístola de São Tiago
Agora, vós, ó ricos, chorai e
lamentai-vos,
por causa das desgraças que vão cair
sobre vós.
As vossas riquezas estão apodrecidas
e as vossas vestes estão comidas pela
traça.
O vosso ouro e a vossa prata
enferrujaram-se,
e a sua ferrugem vai dar testemunho
contra vós
e devorar a vossa carne como fogo.
Acumulastes tesouros no fim dos tempos.
Privastes do salário os trabalhadores
que ceifaram as vossas terras.
O seu salário clama;
e os brados dos ceifeiros
chegaram aos ouvidos do Senhor do
Universo.
Levastes na terra uma vida regalada e
libertina,
cevastes os vossos corações para o dia
da matança.
Condenastes e matastes o justo
e ele não vos resiste.
AMBIENTE
A Carta de Tiago termina com dois blocos
de exortações onde o autor recorda aos seus interlocutores alguns dos aspectos
que elencou anteriormente e que, na sua perspectiva, devem ser tidos em séria
conta por parte de quem está interessado em viver a vida cristã autêntica. Para
o autor, o acesso à vida plena depende das opções que o homem faz enquanto
caminha nesta terra.
O primeiro bloco (cf. Tg 4,11-5,6)
contém um elenco de atitudes negativas, que os crentes devem evitar a todo o custo:
falar mal dos irmãos (cf. Tg 4,11-12), viver no orgulho e na auto-suficiência
face a Deus (cf. Tg 4,13-17), viver para os bens materiais e praticar
injustiças contra os pobres (cf. Tg 5,1-6). O segundo bloco (cf. Tg 5,7-20)
contém uma lista de atitudes positivas que os crentes devem assumir enquanto
esperam a vinda do Senhor: paciência, perseverança e firmeza no falar (cf. Tg
5,7-12), oração (cf. Tg 5,1-18) e preocupação em reconduzir ao bom caminho o
irmão que anda afastado (cf. Tg 5,19-20).
O texto que nos é proposto é um grito
profético de denúncia dos ricos, do seu orgulho e auto-suficiência, da sua
obsessão pelos bens materiais. Este texto deve ser colocado no quadro geral de
uma época de profundas desigualdades: ao lado de uma riqueza desmesurada e sem
limites, vive e sofre a miséria mais aguda. A exploração do pobre e a violência
contra os humildes eram, na época, fenómenos demasiado frequentes e que os
cristãos conheciam bem.
MENSAGEM
A primeira parte do nosso texto (vers.
1-3) trata do problema da acumulação da riqueza. O autor, como numa visão
profética, contempla o final dos tempos e descreve, com violência, a sorte que
espera aqueles cujo objectivo principal na vida foi o acumular bens. Será que
os bens, o poder, a consideração que eles gozaram neste mundo lhes servirá de
alguma coisa, quando chegar o juízo final, o momento em que se joga o destino
definitivo do homem?
Obviamente que não. Esses bens nos quais
os ricos depositam agora toda a sua segurança e esperança perderão todo o valor
(“as vossas riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela
traça. O vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se…” – vers. 2-3a); ou, pior
ainda, serão uma testemunha de acusação, que denunciará o amor descontrolado
dos bens materiais, o orgulho e a auto-suficiência, as injustiças praticadas
contra os pobres. O destino final dos bens perecíveis é a destruição; e quem
tiver os bens materiais como o seu deus, a sua referência fundamental, não terá
acesso à vida plena e eterna (vers. 3b.c).
Na segunda parte do nosso texto (vers.
4-6), o autor refere-se à origem desses bens acumulados pelos ricos. Para o
autor, não há dúvidas nem meios-termos: a riqueza provém sempre da exploração
dos pobres. Como exemplo, o autor cita o não pagamento dos salários devidos aos
trabalhadores que ceifaram os campos dos ricos (vers. 4). Trata-se de um pecado
que a Lei condena de forma veemente e que Deus castigará duramente (cf. Lv
19,13; Dt 24,15). Não pagar o salário ao trabalhador é condená-lo à morte, bem
como a toda a sua família (vers. 6). Os luxos e os prazeres dos ricos vivem
assim da morte dos pobres.
Naturalmente, Deus não pode pactuar com
a injustiça e, por isso, não ficará indiferente ao sofrimento do pobre e do
oprimido. O clamor dos injustiçados sobe da terra até junto de Deus e faz com
que Deus actue. Com ironia mordaz, o autor compara o rico ao cevado que,
engordando, apressa o dia da sua própria matança (vers. 5): os ricos, vivendo
no luxo e nos prazeres à custa do sangue dos pobres, estão a preparar para si
próprios um caminho de desgraça e de castigo.
A linguagem do autor da Carta de Tiago é
violenta e colorida, bem ao gosto dos pregadores da época. Para além da
veemência das palavras deve ficar, contudo, esta mensagem: quem vive para os
bens materiais e coloca neles o sentido da sua existência, dificilmente terá
disponibilidade para acolher os dons de Deus e para acolher essa vida plena que
Deus quer oferecer aos homens. Por outro lado, Deus não tolera a exploração, a
opressão do pobre; e quem conduzir a sua vida por caminhos de injustiça, não
poderá fazer parte da família de Deus.
ACTUALIZAÇÃO
• O autor da Carta de Tiago critica os
ricos, em primeiro lugar porque eles vivem apenas para acumular bens materiais,
negligenciando os verdadeiros valores. Fazem do ouro e da prata os seus deuses
e centram toda a sua existência em valores caducos e perecíveis. No final da
sua existência vão perceber que gastaram a vida a correr atrás de algo que não
dá felicidade nem conduz o homem à vida plena; a sua existência terá sido,
então, um dramático equívoco. O “aviso” do autor da Carta de Tiago conserva uma
espantosa actualidade… A acumulação de bens materiais tornou-se, para tantos
homens do nosso tempo, o único objectivo da vida e o critério único para
definir uma vida de sucesso. Contudo, aqueles que apostam tudo nos bens
perecíveis facilmente constatam como essa opção não responde, em definitivo, à
sua sede de felicidade e de vida plena. O ouro, a conta bancária, o carro de
luxo, a casa de sonho, dão-nos satisfações imediatas e, talvez, um certo
estatuto aos olhos do mundo; mas não saciam a nossa sede de vida eterna. Nós,
os cristãos, somos chamados a testemunhar que a vida verdadeira brota dos
valores eternos – esses valores que Deus nos propõe.
• O autor da Carta de Tiago critica os
ricos, em segundo lugar, porque frequentemente a riqueza resulta da exploração
e da injustiça. Acumular bens à custa da miséria e da exploração dos irmãos é,
na perspectiva do autor do nosso texto, um crime abominável e que Deus não
deixará impune. Não é cristão quem não paga o salário justo aos seus operários,
mesmo que ofereça depois somas chorudas para a construção de uma igreja; não é
cristão quem especula com os bens de primeira necessidade, mesmo que vá todos
os domingos à missa e pertença a vários grupos paroquiais; não é cristão quem
inventa esquemas para não pagar impostos, mesmo que seja muito amigo do padre
da paróquia; não é cristão quem se aproveita da ignorância e da miséria para
realizar negócios altamente rentáveis, mesmo que pense repartir com Deus os
frutos das suas rapinas…
• Uma coisa deve ficar clara: Deus não
apoia nunca quem vive fechado em si próprio, no açambarcamento egoísta desses
bens que Deus nos concedeu para serem postos ao serviço de todos os homens; e
qualquer crime cometido contra os pobres é um crime contra Deus, que afasta o
homem da vida plena da comunhão com Deus.
ALELUIA – cf. Jo 17,17b.a
Aleluia. Aleluia.
A vossa palavra, Senhor, é a verdade;
santificai-nos na verdade.
EVANGELHO – Mc 9,38-43.45-47-48
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo
segundo São Marcos
Naquele tempo,
João disse a Jesus:
«Mestre,
nós vimos um homem a expulsar os
demónios em teu nome
e procurámos impedir-lho, porque ele não
anda connosco».
Jesus respondeu:
«Não o proibais;
porque ninguém pode fazer um milagre em
meu nome
e depois dizer mal de Mim.
Quem não é contra nós é por nós.
Quem vos der a beber um copo de água,
por serdes de Cristo,
em verdade vos digo que não perderá a
sua recompensa.
Se alguém escandalizar algum destes
pequeninos
que crêem em Mim,
melhor seria para ele que lhe atassem ao
pescoço
uma dessas mós movidas pró um jumento
e o lançassem ao mar.
Se a tua mão é para ti ocasião de
escândalo, corta-a;
porque é melhor entrar mutilado na vida
do que ter as duas mãos e ir para a
Geena,
para esse fogo que não se apaga.
E se o teu pé é para ti ocasião de
escândalo, corta-o;
porque é melhor entrar coxo na vida
do que ter os dois pés e ser lançado na
Geena.
E se um dos teus olhos é para ti ocasião
de escândalo,
deita-o fora;
porque é melhor entrar no reino de Deus
só com um dos olhos
do que ter os dois olhos e ser lançado
na Geena,
onde o verme não morre e o fogo não se
apaga».
AMBIENTE
Estamos ainda em Cafarnaum (cf. Mc
9,33), a cidade de pescadores situada junto do Lago de Tiberíades. Jesus está
“em casa” rodeado pelos discípulos. A ida para Jerusalém está próxima e os
discípulos estão conscientes de que se aproximam tempos decisivos para esse
projecto em que estão envolvidos.
Apesar da sua opção inequívoca por
Jesus, os discípulos continuam a dar mostras de não terem ainda conseguido
absorver os valores do Reino. Para eles, o seguimento de Jesus é uma opção que
deverá traduzir-se na concretização de determinados sonhos de poder, de
grandeza e de prestígio… Por isso, sentem-se inquietos e ciumentos quando
encontram algo que possa colocar em causa os seus interesses, a sua autoridade,
os seus “privilégios”.
Jesus vai, com paciência, tentando
formar os discípulos na lógica do Reino. O texto que a liturgia deste domingo
nos propõe como Evangelho é mais uma instrução que Jesus dirige aos discípulos
no sentido de lhes mostrar os valores que eles devem interiorizar, se quiserem
integrar a comunidade messiânica.
Marcos juntou aqui uma série de “ditos”
de Jesus, inicialmente independentes entre si e pronunciados em contextos
diversos. Estes “ditos” apresentam, contudo, exigências várias que os
discípulos de Jesus devem considerar e que, em última análise, definem a
pertença ou a não pertença à comunidade do Reino.
MENSAGEM
Sendo o Evangelho deste domingo
constituído por um conjunto de “ditos” de Jesus – originariamente independentes
uns dos outros e versando questões diversas – temos vários temas a cruzar o
nosso texto. O tema principal (uma vez que é também o tema da primeira leitura)
aparece na primeira parte do Evangelho… Refere-se à necessidade de a comunidade
cristã ser uma comunidade aberta, acolhedora, tolerante, capaz de aceitar como
sinais de Deus os gestos libertadores que acontecem no mundo.
Nos primeiros versículos deste texto,
João (desta vez o porta-voz do grupo) queixa-se pelo facto de terem encontrado
alguém a “expulsar demónios” em nome de Jesus, embora não pertencesse ao grupo
dos discípulos; considerando um abuso a utilização do nome de Jesus por parte
de alguém que não fazia parte da comunidade messiânica, os discípulos
procuraram impedi-l’O de actuar (vers. 38-41).
A atitude dos discípulos mostra, antes
de mais, arrogância, sectarismo, intransigência, intolerância, ciúmes,
mesquinhez, pretensão de monopolizar Jesus e a sua proposta, presunção de serem
os donos exclusivos do bem e da verdade… Mas, por detrás da reacção dos
discípulos, deve estar também uma grande preocupação com a concretização dos
projectos pessoais de prestígio e grandeza que quase todos eles alimentavam.
Pouco tempo antes, eles tinham estado a discutir uns com os outros acerca de
quem seria o maior e de quem iria herdar os postos mais importantes no Reino
que, com Jesus, ia nascer (cf. Mc 9,33-37); agora, eles estão inquietos e
preocupados, porque apareceu alguém de fora do grupo que pretende actuar em
nome de Jesus e que pode, num futuro próximo, disputar-lhes os lugares de
relevo na estrutura política do Reino.
Jesus procura levar os discípulos a
ultrapassar esta visão sectária e egoísta da missão. Na perspectiva de Jesus,
quem luta pela justiça e faz obras em favor do homem, está do lado de Jesus e
vive na dinâmica do Reino, mesmo que não esteja formalmente dentro da estrutura
eclesial. A comunidade de Jesus não pode ser uma comunidade fechada,
exclusivista, monopolizadora, que amua e sente ciúmes quando alguém de fora faz
o bem; nem pode sentir-se atingida nos seus privilégios e direitos pelo facto
de o Espírito de Deus actuar fora das fronteiras da Igreja… A comunidade de
Jesus deve ser uma comunidade que põe, acima dos seus interesses, a preocupação
com o bem do homem; e deve ser uma comunidade que sabe acolher, apoiar e
estimular todos aqueles que actuam em favor da libertação dos irmãos.
Na segunda parte do nosso texto (vers.
42-48), temos outros “ditos” de Jesus que abordam outros temas. Constituem
também indicações aos discípulos sobre as atitudes a assumir para integrar
plenamente a comunidade do Reino. Nesses “ditos”, são usadas imagens fortes,
expressivas, hiperbólicas, bem ao gosto dos pregadores da época, destinadas a
impressionar profundamente os ouvintes. Não são expressões para traduzir à
letra; mas são expressões que pretendem marcar a necessidade de fazer escolhas
acertadas, de optar com radicalidade pelos valores do Reino.
O primeiro desses “ditos” é um aviso
àqueles que “escandalizam” os “pequeninos” (vers. 42). Na nossa cultura,
“escandalizar” é protagonizar um mau exemplo ou um facto revoltante que
melindra ou fere a susceptibilidade daqueles que testemunham essa acção. Na
linguagem de Marcos, no entanto, “escandalizar” tem um significado um tanto
diferente… O verbo grego “scandalidzô” aqui utilizado define, em Marcos, a
acção de desistir de seguir Jesus, de não ter coragem para assumir a proposta
que Jesus veio fazer (cf. Mc 4,17; 8,35.38). Os “pequeninos” de que Jesus fala
são os membros da comunidade que estão numa situação de dependência, de
debilidade, de necessidade… Os membros da comunidade do Reino devem, portanto,
abster-se de qualquer atitude que possa afastar alguém (especialmente os
pequenos, os débeis, os pobres) da adesão a Jesus e ao caminho que Ele veio
propor. Fazer algo que afaste uma dessas pessoas de Cristo e da comunidade é algo
verdadeiramente inadmissível e impensável (a quem fizer isso, “melhor seria que
lhe atassem ao pescoço uma dessas mós movidas por um jumento e o lançassem ao
mar” – vers- 42).
O segundo “dito” de Jesus (vers. 43-48)
refere-se à absoluta necessidade de arrancar da própria vida todos os
sentimentos e atitudes que são incompatíveis com a opção por Cristo e pela sua
proposta. Quando Jesus fala em cortar a mão (a mão é, nesta cultura, o órgão da
acção, através do qual se concretizam os desejos que nascem no coração) ou de
cortar o pé ou de arrancar o olho que é ocasião de pecado (o olho é, nesta
cultura, o órgão que dá entrada aos desejos), está a sublinhar, com toda a
veemência, a necessidade de actuar, lá onde as acções más do homem têm origem e
eliminar na fonte as raízes do mal. Estando em jogo o destino último do homem,
não se pode protelar ou adiar “cortes” importantes nas atitudes de egoísmo e de
auto-suficiência que afastam os homens de Deus e da vida plena.
Há ainda, neste segundo “dito”,
referências sucessivas a um castigo na “Geena”, “onde o verme não morre e o
fogo não se apaga”, para aqueles que recusarem cortar com as atitudes e os
sentimentos incompatíveis com o seguimento de Jesus. A palavra “Geena” vem do
hebraico “Ge Hinnon” (“Vale do Hinnon”). Refere-se a um vale situado a sudoeste
de Jerusalém, onde eram enterrados os mortos e onde, dia e noite, era queimado
o lixo produzido pelos habitantes da cidade. Era considerado, portanto, um
lugar maldito, impuro, tenebroso, que convinha evitar. Jesus usa aqui a imagem
do “Ge Hinnon”, para falar de uma vida perdida, frustrada, destruída, maldita,
sem sentido. Quem não for capaz de cortar com o egoísmo, o orgulho, a
auto-suficiência, é como se, em lugar de viver num lugar livre e feliz,
estivesse condenado a viver no “Ge Hinnon”.
ACTUALIZAÇÃO
• O Evangelho deste domingo
apresenta-nos um grupo de discípulos ainda muito atrasados na aprendizagem do
“caminho do Reino”. Eles ainda raciocinam em termos de lógica do mundo e têm
dificuldade em libertar-se dos seus interesses egoístas, dos seus esquemas
pessoais, dos seus preconceitos, dos seus sonhos de grandeza e poder… Eles não
querem entender que, para seguir Jesus, é preciso cortar com certos sentimentos
e atitudes que são incompatíveis com a radicalidade que a opção pelo Reino
exige. As dificuldades que estes discípulos apresentam no sentido de responder
a Jesus não nos são estranhas: também fazem parte da nossa vida e do caminho
que, dia a dia, percorremos… Assim, a instrução que, neste texto, Jesus dirige aos
seus discípulos serve-nos também a nós. As propostas de Jesus destinam-se aos
discípulos de todas as épocas; pretendem ajudar-nos a purificar a nossa opção e
a integrar, de forma plena, a comunidade do Reino.
• Antes de mais, Jesus mostra aos
discípulos que a comunidade do Reino não pode ser uma seita arrogante, fechada,
intolerante, fanática, que se arroga a posse exclusiva de Deus e das suas
propostas. Tem de ser uma comunidade que sabe qual o seu papel e a sua missão,
mas que reconhece que não tem o exclusivo do bem e da verdade e que é capaz de
se alegrar com os gestos de bondade e de esperança que acontecem à sua volta,
mesmo quando esses gestos resultam da acção de não crentes ou de pessoas que
não pertencem à instituição Igreja. O verdadeiro discípulo não tem inveja do
bem que outros fazem, não sente ciúmes se Deus actua através de outras pessoas,
não pretende ter o monopólio da verdade nem ter o exclusivo de Jesus. O
verdadeiro discípulo esforça-se, cada dia, por testemunhar os valores do Reino
e alegra-se com os sinais da presença de Deus em tantos irmãos com outros
percursos religiosos, que lutam por construir um mundo mais justo e mais
fraterno.
• Os discípulos de que o Evangelho de
hoje nos fala estão preocupados com a acção de alguém que não é do grupo, pois
temem ver postos em causa os seus sonhos pessoais de poder e de grandeza. Por
detrás dessa preocupação dos discípulos não está o bem do homem (aquilo que, em
última análise, devia “mover” os membros da comunidade do Reino), mas a
salvaguarda de certos interesses egoístas. Nas nossas comunidades cristãs ou
religiosas, há pessoas capazes de gestos incríveis de doação, de entrega, de
serviço aos irmãos; mas há também pessoas cuja principal preocupação é proteger
o espaço que conquistaram e continuar a manter um estatuto de poder e de
prestígio… Quando afastamos (com o pretexto de defender a pureza da fé, os
interesses da moralidade, ou tranquilidade da comunidade) aqueles que desafiam
a comunidade a purificar-se e a procurar novos caminhos para responder aos
desafios de Deus, estaremos a proteger os interesses de Deus ou os nossos
projectos, os nossos esquemas interesseiros, as nossas apostas pessoais?
• No nosso texto, Jesus exige dos
discípulos o corte radical com os valores, os sentimentos, as atitudes que são
incompatíveis com a opção pelo Reino. O discípulo de Jesus nunca está
acomodado, instalado, conformado; mas está sempre atento e vigilante,
procurando detectar e eliminar da sua existência tudo aquilo que lhe impede o
acesso à vida plena. Naturalmente, a renúncia ao egoísmo, ao comodismo, ao
orgulho, aos esquemas pessoais, à vontade de poder e de domínio, ao apelo do
êxito, ao aplauso das multidões, é um processo difícil e doloroso; mas é também
um processo libertador e gerador de vida nova. O que é que eu necessito,
prioritariamente, de “cortar” da minha vida, para me identificar mais com
Jesus, para merecer integrar a comunidade do Reino, para ser mais livre e mais
feliz?
• O apelo de Jesus à sua comunidade no
sentido de não “escandalizar” (afastar da comunidade do Reino) os pequenos,
faz-nos pensar na forma como lidamos, enquanto pessoas e enquanto comunidades,
com os pobres, os que falharam, os que têm atitudes moralmente reprováveis,
aqueles que têm uma fé pouco consistente, aqueles que a vida marcou
negativamente, aqueles que a sociedade marginaliza e rejeita… Eles encontram em
nós a proposta libertadora que Cristo lhes faz, ou encontram em nós rejeição,
injustiça, marginalização, mau exemplo? Quem vê o nosso testemunho tem razões para
aderir a Cristo, ou para se afastar de Cristo?
ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 26º
DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)
1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA
SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao
26º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo.
Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia
da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num
grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa…
Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.
2. BILHETE DE EVANGELHO.
Quando Jesus chama, pede para deixar
tudo para O seguir. Quando Jesus fala do Reino, anuncia um mundo totalmente
novo. Quando Jesus pede para amar, propõe um regresso radical. Mas será
necessário tempo aos seus discípulos para compreender tudo isso, e sobretudo
para vivê-lo. Eles conhecerão hesitações, procurarão compromissos, porão
condições. Ora, para Jesus, nada deve ser obstáculo à entrada no Reino de Deus.
Jesus coloca o homem face à sua liberdade, ele deve escolher. Se ele escolheu o
Reino, deve aceitar as suas exigências, que se resumem numa única palavra AMAR.
O homem é convidado a amar com todo o seu ser: as suas mãos para partilhar, os
seus pés para reencontrar, os seus olhos para olhar. Cabe ao homem fazer com
que todo o seu ser responda à sua vontade de amar.
3. À ESCUTA DA PALAVRA.
“Mestre, nós vimos um homem a expulsar
os demónios em teu nome e procurámos impedir-lho, porque ele não anda
connosco»”. João quer delimitar as fronteiras do grupo dos discípulos, pôr em
ordem, classificar os bons de um lado, os maus de outro, separar aqueles que
estão “em regra” daqueles que estão à margem. Esta tentação de erguer barreiras
entre os homens em nome de Deus é uma tentação mortal. É a tentação de todos
aqueles que pretendem agir em nome de Deus, que se declaram, eles e apenas
eles, detentores da Verdade e reivindicam serem eles os únicos verdadeiros
fiéis de Deus. Todos os outros, que não pensam, que não agem como eles devem
ser rejeitados, condenados. Essa tentação gera o fanatismo. Isso não é em vista
do espírito! É uma realidade bem concreta no nosso mundo e também na história,
antiga e actual, de praticamente todas as religiões. Mas Jesus conduz-nos para
além disso. Sem dúvida diz Ele: “Eu sou a Verdade”, mas não reivindica qualquer
poder. Recusa entrar no jogo de João: “Não impeçais este homem de expulsar os demónios
em meu nome”. Porquê? Porque Jesus veio para reunir na unidade os filhos de
Deus dispersos e, como dirá São Paulo, para destruir a barreira que separava os
Judeus e os pagãos, para fazer a paz e reconciliar todos os homens com Deus e
entre eles.
4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Com Maria, humilde serva… Para nos
ajudar a amar sem orgulho, em quase início de mês de Outubro, mês do Rosário:
peçamos o apoio e a intercessão de Maria. Ela que foi a humilde serva do
Senhor, pode ensinar-nos a humildade, o serviço, a disponibilidade, o amor.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A
PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa,
P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do
Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA
– Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
Roteiro
Homilético 3 - Liturgia: Vida Pastoral
Por Celso Loraschi
Os dons de Deus não podem ser
privatizados
Introdução geral
Neste último domingo de setembro,
celebramos o dia da Bíblia. Por meio da Bíblia, temos a oportunidade de
conhecer a Deus e o seu plano de amor. Ele se revela na história humana.
Concede seus dons com liberalidade para o bem de todos. Os dons de Deus não
podem ser privatizados ou restritos a determinadas pessoas ou instituições. A
primeira leitura relata um episódio de efusão do Espírito de Deus não somente
sobre Moisés, o grande líder do êxodo, mas também sobre muitas outras pessoas,
que começaram a profetizar. Diante disso, houve gente que tentou impedi-las. O
Evangelho de Marcos conta como os discípulos tiveram a mesma reação ao
constatar que outras pessoas faziam o bem em nome de Jesus sem pertencer ao
grupo deles. Essas reações revelam a descabida pretensão de privatizar os dons
de Deus. Também os bens materiais são dons de Deus que devem ser administrados
de forma que proporcionem vida digna a todos. A segunda leitura denuncia
veementemente a atitude dos ricos que privatizam esses bens e exploram os
trabalhadores. Deus não deixará de ouvir o grito das pessoas injustiçadas e
pedirá contas a quem retém os recursos que ele destinou a todos.
Comentário dos textos bíblicos
I leitura (Nm 11,25-29): A efusão do
Espírito de Deus
O povo de Israel encontra-se em
caminhada pelo deserto, libertando-se da escravidão do Egito. Moisés foi
chamado por Deus para liderar esse processo de conquista de uma terra de
liberdade e vida. Esse chamado não significa a prática de um poder
centralizado. Acima de tudo, é necessário garantir o projeto de Deus. Moisés é
um dos protagonistas, mas não o único. A sociedade nova é construída com a
participação do povo. Os setenta anciãos representam as lideranças necessárias
para animar a organização social conforme a inspiração divina. Por isso, Deus
lhes concede o seu Espírito, a fim de que cumpram sua missão com fidelidade.
Eles exercem a profecia, isto é, falam e orientam o povo em nome de Deus.
Os setenta anciãos estão na mesma
tenda com Moisés. Pertencem, portanto, ao grupo íntimo do principal líder. A
tenda de Moisés é o espaço oficial das decisões a serem tomadas sobre aquilo
que diz respeito a todo o povo. Os anciãos são oficialmente delegados para
exercer a função de instruir, orientar e julgar o povo. Mas eis que duas
pessoas que não se encontravam na tenda de Moisés também recebem o mesmo dom do
Espírito e começam a profetizar no meio do acampamento. O texto conservou o
nome dos dois: Eldad, que significa “Deus é amigo”, e Medad, “Deus é amor”. Um
jovem corre para informar o fato a Moisés, certamente preocupado com a
autonomia dos dois novos profetas que cumprem sua missão sem uma delegação
oficial. Josué, que será o substituto de Moisés na condução do povo, sugere-lhe
que os proíba. O outro, no entanto, percebe que a tentativa de proibição da
parte de Josué é motivada por ciúme. Por isso o corrige. Moisés não teme ser
ofuscado em sua autoridade. O que importa é que os dons de Deus, distribuídos
conforme sua vontade, sejam acolhidos e administrados para o bem de todos. Os
dons divinos não obedecem aos interesses de instituições oficiais. Deus é
soberano em suas decisões, e sua liberalidade é extraordinária. Oxalá todo o
povo se deixe conduzir pelo Espírito de Deus!
Evangelho (Mc 9,38-43.45.47-48):
Praticar o bem: alguém pode impedir?
No domingo passado, refletimos
sobre o texto do Evangelho de Marcos no qual os discípulos, após discutirem
pelo caminho sobre qual deles seria o maior, recebem em casa uma instrução
especial de Jesus. Tomando uma criança e colocando-a no meio deles, Jesus
mostra qual é a atitude verdadeira que seus discípulos devem ter na vida:
“Ocupar o último lugar e tornar-se servos uns dos outros”. O texto de hoje é a
continuação desse episódio. No caminho, eles não apenas haviam discutido quem
seria o maior, mas também tentaram impedir que alguém não pertencente ao grupo
realizasse boas ações em nome de Jesus. É João quem, dessa vez, representa a
todos: “Mestre, vimos alguém expulsando demônios em teu nome e o impedimos,
porque não nos seguia”.
Essa é mais uma atitude que revela
o alto grau de imaturidade demonstrado pelos discípulos de Jesus. Eles também
já haviam sido enviados por Jesus para pregar o evangelho e “expulsaram muitos
demônios e curaram muitos enfermos” (Mc 6,12). Foi muito bonita essa
experiência missionária, quando numerosas pessoas foram beneficiadas.
Certamente se sentiram privilegiados por serem escolhidos por Jesus e enviados
por ele para tão grande missão. O que não esperavam é que outras pessoas, além
deles, pudessem realizar as mesmas obras. Ficaram aborrecidos e enciumados,
como aconteceu com Josué, conforme ouvimos na primeira leitura. Moisés, cheio
de sabedoria e de grande coração, corrigiu a atitude de Josué. Assim também
Jesus, que veio ao mundo para salvar a todos, procura instruir os discípulos
para que mudem de mentalidade e de atitude: “Não o impeçais… Quem não é contra
nós está a nosso favor”. Com isso, Jesus está advertindo-os de que pode haver
pessoas que, embora pertençam ao círculo íntimo dos discípulos, são contra ele;
está pondo o projeto de vida para todos acima das pretensões pessoais.
Não se pode fazer uso do nome de Deus ou
da religião para satisfazer interesses pessoais ou para disputas de poder. Essa
atitude seria escândalo para os pequeninos, que olham para seus líderes
esperando verdadeiro testemunho de fé e de amor. O escândalo existe quando
alguém na comunidade pretende ser maior que os outros; ao invés de servir, quer
ser servido. Jesus é enfático: melhor seria que essa pessoa se afogasse
definitivamente no fundo do mar. E diz mais: é preciso cortar a mão que
escandaliza, isto é, o mau agir; cortar o pé, que significa corrigir a direção
ou a conduta errada na vida; arrancar o olho, ou seja, o modo de ver as coisas
com cobiça, ciúme, inveja, ambição… Portanto, há necessidade de vigiar o modo
de viver e exercer as funções comunitárias. É preciso extirpar tudo o que
contradiz o evangelho e causa dano aos que querem entender e praticar
verdadeiramente o que Jesus pede. A missão de promover a vida digna de todos
constitui serviço abnegado e humilde, e não uma forma de projeção social, de
exploração do sentimento religioso dos pequeninos ou de realização de outras
intenções egoísticas.
II leitura (Tg 5,1-6): O grito dos
injustiçados
A realidade contemplada pelos
autores da carta de Tiago, conforme se deduz desse texto, é de terrível
injustiça social. Não sabemos se esses ricos exploradores fazem parte das
comunidades cristãs. Provavelmente não, pois seria explícita contradição da fé
que professam. Ou seriam aqueles cristãos cuja fé é morta, como já foi alertado
anteriormente nessa mesma carta? Dizem que têm fé, mas não têm obras (2,14-17).
O fato é que Tiago, com palavras
duras e contundentes, denuncia a situação social em que os pobres estão sendo
oprimidos. Percebe-se que os ricos são grandes proprietários de terras que se
aproveitam da mão de obra dos pobres trabalhadores, pagando um salário
irrisório (ou o retendo) e reduzindo-os à condição de escravos. A riqueza
acumulada nas mãos desses senhores, fruto do suor e do sangue dos oprimidos,
tornar-se-á motivo de sua própria condenação. Todo o seu ouro e prata, apesar
de serem metais naturalmente consistentes, estão corroídos pela ferrugem. Os bens
acumulados à custa de injustiça carregam a “ferrugem” da maldade. Eles serão
usados como testemunhas contra os seus donos, pois o grito dos injustiçados
sempre é acolhido por Deus, que é justo e verdadeiro.
Ao longo da Bíblia, encontramos
frequentes alusões ao uso dos bens materiais. Desde o episódio do maná no
deserto, pelo qual Deus alimentou o seu povo, é-nos dada a orientação de que
não se pode acumular, pois o acúmulo apodrece (Ex 16,19). Os profetas
condenaram a injustiça social como enorme ofensa a Deus, a ponto de ele
rejeitar qualquer tipo de manifestação religiosa enquanto não houvesse
conversão (Am 5,21-24; Is 58,6-9). Nos evangelhos, encontramos vários textos
que se referem ao perigo da riqueza e da insensibilidade social: um exemplo é o
do homem rico e do pobre Lázaro (Lc 16,19-31). Chama a atenção o fato de que a
salvação ou a condenação estão ligadas ao modo pelo qual cada um administra os
bens. Não podemos reter ou privatizar o que Deus concedeu para a vida de todos.
III. Pistas para reflexão
– A Bíblia nos revela a bondade e a
generosidade de Deus. Ele concede os dons e carismas com liberalidade. Cada
pessoa que os recebe deve pô-los a serviço da vida. Não podem ser considerados
bens privativos, pois são de Deus. Não podem ser usados como motivo de
vanglória pessoal, e sim como expressão da bondade divina. Todas as pessoas
recebem dons para a alegria e a felicidade de todos, independentemente da
instituição ou da tradição religiosa a que pertencem. Portanto, não tem sentido
o ciúme ou a competição. O que importa é que todos os dons sejam aplicados
verdadeiramente no projeto de “vida em abundância” para todas as pessoas.
Assim, cada pessoa e cada religião, a política e a economia, a arte, a ciência
e a tecnologia devem visar ao bem social. Pode-se refletir sobre os efeitos
sociais de uma vida ou atividade (mão, pé e olho) orientada pela ética e pelo
amor, diferente da que busca objetivos egoísticos…
– Os bens materiais são dons de Deus
para a vida de todos os seus filhos e filhas. Ofendemos a Deus quando os
administramos de forma egoísta. A privatização da riqueza nas mãos de poucos
denuncia o sistema social injusto em que vivemos. “Perdemos a capacidade de
sentir. Essa é uma das causas de nossa miséria” (Herbert de Souza, o Betinho).
Jesus preveniu: “Não ajunteis para vós tesouros na terra, onde a traça e o
caruncho os corroem… Ajuntai para vós tesouros no céu, onde nem a traça nem o
caruncho correm…” (Mt 6,19-21). Podem-se levantar os desafios sociais que
existem na paróquia e no município e incentivar nosso compromisso de cristãos
na construção do mundo justo, fraterno e solidário…
Celso Loraschi
Mestre em Teologia Dogmática com
Concentração em Estudos Bíblicos pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da
Assunção, São Paulo, professor de Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos na
Faculdade Católica de Santa Catarina (Facasc) e assessor do Cebi, SC. E-mail:
loraschi@facasc.edu.br
Roteiro
Homilético 4 - Liturgia: Dom Henrique
Hoje, a Palavra de Deus apresenta alguns
elementos importantes que nos precisam ser continuamente recordados. Tanto a
primeira leitura quanto o Evangelho, recordam-nos que Deus não é propriedade de
ninguém. Ante o zelo mesquinho de João, Jesus afirma:
“Quem não é contra nós é a nosso favor”.
É preciso compreender bem a afirmação do Senhor. Certamente, ele é o Caminho e
a Verdade da humanidade; certamente ele fundou a Igreja, comunidade de seus
discípulos; dotou essa Igreja do seu Espírito, de pastores e de toda uma
estrutura visível. Esta Igreja de Cristo, nós cremos que permanece de modo
pleno na Igreja católica. Isto significa que os elementos essenciais da Igreja
de Cristo permanecem, por graça e fidelidade do Senhor, naquela Comunidade que
ele fundou desde o início, a Igreja una, santa, católica e apostólica. Quais
são esses elementos essenciais? A Palavra de Deus, pregada e interpretada
segundo a Tradição apostólica, a Eucaristia como banquete e sacrifício, os sete
sacramentos, o ministério de Pedro, presente nos seus sucessores, os Papas de
Roma, o ministério episcopal, no qual se concretiza a sucessão apostólica, a
caridade fraterna, os vários dons e carismas da comunidade, o sentido da missão
de anunciar Jesus ao mundo como Senhor e Salvador, o martírio como testemunho
máximo de Cristo, a presença materna da Virgem Maria e dos Santos, amigos de
Cristo. A Igreja católica é, portanto, Igreja de Cristo, pertence a Cristo e,
por graça de Cristo, conserva e conservará sempre, sem poder perder, estes
elementos. Mas, isso não significa que a Igreja seja proprietária de Cristo.
Aqui é preciso dizer claramente: a Igreja pertence a Cristo, mas Cristo não é
propriedade da Igreja! De fato, na força do seu Espírito Santo, ele manifesta
sua ação também fora da estrutura visível da Igreja católica. Pensemos nos
nossos irmãos separados, de tradição protestante. Eles têm tantos elementos da
Igreja de Cristo: a Palavra de Deus, a confissão de Jesus como Senhor e
Salvador, tantos dons e carismas, o amor sincero a Jesus, a caridade fraterna,
o ela missionário. Tudo isso deve ser, para nós, católicos, causa de alegria.
Ainda que não estejam em comunhão plena com a Igreja de Cristo e falte-lhe
elementos essenciais da Igreja de Cristo, eles não estão fora do caminho da
salvação! Hoje, Jesus nos convida à tolerância e ao amor a esses irmãos.
Isto não significa de modo algum dizer
que está tudo bem, que tanto faz ser católico como não ser, que o importante é
a fé em Jesus e pronto. Não! É preciso recordar que a divisão na Igreja é um
pecado grave e contraria o desejo de unidade que o Senhor deixou como
testamento: “Pai, não rogo somente por eles, mas pelos que, por meio de sua
palavra, crerão em mim: a fim de que sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu
em ti, que eles estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste” (Jo
17,20s). É também absolutamente falso afirmar que as questões de doutrina não
são importantes. O Novo Testamento está repleto de advertências contra os que
ensinam doutrinas erradas e contrárias à fé dos apóstolos e são Paulo mesmo
exorta a separar da Comunidade quem pregar um evangelho diferente do dele (cf.
Gl 1,6-9). A busca de recompor a unidade visível da Igreja em torno de Cristo,
com os mesmos pastores, os mesmos sacramentos e a mesma doutrina é dever de
todos os cristãos! Mas, também é necessário deixar claro o dever que todos nós
temos da tolerância respeitosa e amorosa para com os irmãos separados. Se nos
entristece ouvi-los falar mal da Igreja – às vezes até caluniando-a e mentindo
contra ela -, deve alegrar-nos ouvi-los falar bem de Cristo e pregar o
Evangelho. Ainda mais: até para com os não-cristãos, como os espíritas,
muçulmanos, budistas, adeptos da seicho-no-iê… temos o dever do respeito e da
tolerância. Deles, o Senhor afirma no evangelho de hoje: “Quem vos der a beber
um copo da água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua
recompensa”. Então, que fique bem claro o dever da tolerância que nós,
discípulos de Cristo, temos para com os demais.
Mas, a Palavra de Deus também fala hoje
de radicalidade. Tolerância para com os outros; radicalidade para conosco, no
nosso ser cristãos! Vejamos: (1) Radicalidade no respeito pela debilidade dos
pequeninos e fracos na fé: “Se alguém escandalizar um destes pequeninos que
crêem, melhor seria que fosse jogado no mar com uma pedra de moinho amarrada ao
pescoço”. Deus nos livre de escandalizar, Deus nos livre de, por nossas
atitudes, ser causa de tropeço para os irmãos mais fracos na fé! (2)
Radicalidade para cortar o que em nós é escândalo, isto é, o que em nós leva ao
pecado e ao afastamento de Cristo: “Se tua mão te leva a pecar, corta-a… Se teu
pé te leva a pecar, corta-o… Se teu olho te leva a pecar, arranca-o!” Hoje, a
tendência é arrancar o Evangelho para não termos que arrancar nada em nós, para
não termos que nos incomodar nem mudar de vida! Jesus é claro: não entrará na
vida quem sinceramente não combater aquilo que o faz tropeçar no caminho
cristão. (3) Finalmente, a radicalidade de apoiar-se somente no Senhor e não
nas nossas posses espirituais e materiais: espiritualmente, nunca pensar que
somos proprietários do Senhor e da salvação e, materialmente, recordar que
nossas riquezas apodrecem e nosso outro enferruja. São Tiago nos adverte
duramente na segunda leitura de hoje: triste de quem é rico para si,
desprezando os outros, mas não é rico para Deus!
Que o Senhor, pela sua graça, nos dê
toda tolerância e toda intolerância. Toda tolerância com os irmãos e toda
intolerância com o nosso pecado e as nossas manhas,! Que o Senhor nos converta,
ele que é bendito para sempre. Amém.
Roteiro
Homilético 5 - Liturgia: Dom Total
SER DISCÍPULO SEM RIVALIDADE
1ª leitura: (Nm 11,25-29) A profecia só
depende da eleição; rejeição do falso zelo – A missão libertadora de Moisés
apoiava-se no Espírito recebido de Deus (cf. Is 63,11). Também seus setenta
assistentes (os “anciãos”) recebem este Espírito, mas não de modo permanente,
“não continuaram” (11,25). Ora, havia dois eleitos para receber o Espírito, que
não foram à Tenda do Encontro. Mesmo assim, receberam o Espírito, no próprio
acampamento. Moisés, recusando o falso zelo dos que denunciam este fato,
reconhece neles o dom de Deus e faz votos que todo o povo possa receber assim o
Espírito. – Conforme Jl 3,1-2, tal efusão geral do Espírito é marca do tempo
escatológico; At 2 a vê realizada no Pentecostes. * 11,25 cf. Nm 11,17; Dt
34,10; 1Sm 10,9-13; 19,20-24 * 11,28 cf. Mc 9,38-39 * 11,29 cf. Jl 3,1-2; At
2,4.16-18.
2ª leitura: (Tg 5,1-6): A riqueza dos
ricos está podre – Ameaça aos ricos, que não querem repartir sua abundância com
os necessitados, e isso, na proximidade dos “últimos dias” (a primeira Igreja
acreditava firmemente na iminência da Parusia). São cegos: não enxergam a
miséria dos pobres, nem os sinais do tempo! Também hoje, muitos cristãos
amontoam dinheiro sem escrúpulos, deixando para mais tarde o momento de acertar
seu débito com Deus... Deus julga sobre a caridade testemunhada ao mais pobre,
aqui e agora (cf. Mt 25,31-46). * 5,1-3 cf. Lc
6,24-25; Mt 6,19-20; Eclo 29,13[10]; Pr 11,4.28 * 5,4-6 cf. Am 8,4-8; Dt
24,14-15; Eclo 34,25-26[21-22]; Lv 19,13; Ml 3,5.
Evangelho: (Mc 9,38-43.45.47-48) “Quem
não é contra nós, é por nós” – (Continuação das instruções comunitárias: cf.
dom. passado) – 9,40: quando se trata de publicar o nome de Jesus, qualquer ajuda
é bem-vinda (cf. Fl 1,15) (não confundir esta palavra com a de Mt 12,30 = Lc
11,23, de outra tradição e situada num contexto bem diferente: quando se trata
do poder do maligno, então sim, quem não está de nosso lado, está com o
Maligno). Hoje atualizamos Mc 9,40 assim: o bem se pode fazer também fora da
Igreja. Cf. 9,41: não se pergunta se os que dão um copo d’água aos que são do
Cristo são cristãos eles mesmos; de qualquer modo, serão recompensados. – Em
9,42-50 continuam as instruções comunitárias: os “pequenos” não devem ser
perturbados na sua simples fé, menos ainda ser seduzidos para o mal. * 9,38-40 cf. Lc 9,49-50; Nm 11,28; 1Cor 12,3 * 9,41
cf. Mt 10,42; 1Cor 3,23 * 9,42-48 cf. Mt 18,6-9; Lc 17,1-2 * 9,48 cf. Is 66,24.
***
*** ***
Antes, Mc falou em acolher pequenos “em
nome de Jesus”. Encadeando outras sentenças no mesmo item, passa agora ao
assunto do exorcizar “em nome de Jesus” (associação verbal, muito comum na
tradição oral dos primeiros cristãos) (evangelho). Logo nos albores da comunidade
cristã, milagreiros e exorcistas não cristãos, notando a força do “nome de
Jesus” (cf. At 3,6.16; 4.10), tentavam usar esse nome em seus “trabalhos”. Mas
os cristãos exigiam direitos autorais. Como resposta, Mc traz uma sentença de
Jesus: “Quem não é contra nós, é por nós”. Resposta de bom senso e desapego
evangélico, pois o importante é que o nome de Jesus seja honrado. Mas quem
considera o grupo mais importante que o nome de Jesus fica indisposto. Não
aceita que os dons cristãos floresçam fora da Igreja.
Jesus presta pouca atenção a esse tipo
de objeções. Os que por ele foram reunidos não devem pensar que eles são os
únicos em quem possa operar seu espírito. Ser reunido por Cristo é uma graça,
mas não um monopólio. Pelo contrário, devemos desejar que seus benefícios sejam
espalhados o mais amplamente possível. Já Moisés deu aos hebreus uma lição
neste sentido. No momento da assembleia dos setenta anciãos que receberam “algo
do espírito de Moisés”, dois tinham ficado no acampamento; porém, receberam também
o espírito profético. Josué quer impedi-los, mas Moisés retruca: “Oxalá o povo
todo recebesse assim o espírito” (1ª leitura).
Estas ideias escandalizam aqueles para
quem o grupo é tudo. Ora, não a Igreja em si, mas Cristo e seu espírito são o
mais importante. (Não se alegue o velho adágio: “Extra Ecclesiam nulla salus”,
pronunciado contra os que abandonavam a Igreja.) Mas escandalizam-se também os
que só conhecem aquela outra sentença de Jesus: “Quem não é comigo, é contra
mim” (Mt 12,30 = Lc 11,23), pronunciada num contexto de inimizade (os escribas
acusam Jesus de expulsar demônios pela força de Beelzebu); pois em tal
contexto, é preciso escolher: quem não se coloca do lado de Jesus se coloca do
outro. Mas isso nada tem a ver com o caso de alguém que recebe os dons do
Cristo fora da Igreja.
Sempre no item do “nome”, Jesus promete
recompensa pelo mínimo benefício feito a alguém “em nome de ser do Cristo”
(9,41). E já que se estava falando também de “pequenos” (cf. v. 37), cabe dizer
algo sobre o escândalo dado aos pequenos (9,42). E, continuando com o item
“escândalo”: a gente tem que erradicar de sua vida as raízes do escândalo, as
causas das fraquezas na fé, assim como se amputa uma mão quando ela põe o corpo
em perigo (ou como se extrai um dente quando causa enxaqueca) (9,43-48).
O evangelho trata, portanto, de assuntos
diversos. Ora, o conjunto da liturgia acentua o tema da ação de Deus fora da
assembleia “oficial”. Este ponto deve reter a atenção da catequese litúrgica, e
é muito importante em nosso ambiente, onde macumbeiros e espíritas fazem
“trabalhos” em nome de Jesus (e com sucesso). Existe uma mentalidade de
combater o sincretismo religioso. Talvez, seria mais evangélico ponderar – sem
esconder os problemas – o bem que eventualmente façam e reconhecer que lá
também Deus pode levar alguém a colocar em obra o seu amor. Tal atitude
mostrará a face compreensiva da Igreja, procurando reconhecer em tudo o bem – e
levaria menos pessoas a procurar a umbanda por não encontrar resposta humana
num catolicismo formalizado e ríspido.
PENSAMENTO INCLUSIVO
A cristandade tradicional
caracterizava-se por atitudes exclusivistas. Só a Igreja católica estava
certa... Dizia-se que quem morre fora da Igreja católica vai ao inferno.
(Deveria ser mandado ao inferno quem fala assim...).
O evangelho conta um episódio que nos
ensina o contrário. Os discípulos ficam nervosos porque alguém anda expulsando
demônios no nome de Jesus, sem fazer parte do grupo deles. Naquele tempo, todo
tipo de tratamento sugestivo estava na moda, como hoje. Visto que Jesus era o
sucesso do momento, alguns que não eram de seu grupo usavam seu nome para
expulsar uns demoniozinhos. Que mal havia nisso? Nenhum, mas os discípulos
queriam direitos autorais!
A liturgia ilustra o problema com outro
episódio. O povo de Israel andando pelo deserto, o Espírito desce sobre a
assembleia dos anciãos. Mas dois não foram à assembleia e receberam o Espírito
assim mesmo. Os outros reclamam. Então Moisés responde: “Oxalá todo o povo de
Deus profetizasse e Deus infundisse a todos o seu espírito” (1ª leitura).
Nem todos os cristãos são tão mesquinhos
assim que pretendem reservar para a própria agremiação os dons de Deus. Desde o
Humanismo, bem antes do Concílio Vaticano II, os educadores cristãos ensinavam
que os pagãos Platão e Virgílio eram profetas, pois anunciaram coisas que,
depois, se verificaram em Jesus. Houve até quem chamasse Karl Marx de profeta
(com menos mérito, pois viveu bem depois de Jesus e repetiu muito coisa que
Jesus e a Bíblia disseram antes dele...). As coisas boas que esses pagãos
falaram não deixaram de ser um testemunho a favor de Jesus.
“Quem não é contra nós está em nosso
favor” (Mc 9,40). Esta é a lição. (Jesus disse também: “Quem não está comigo é
contra mim”, Mt 12,30, mas isso, em caso de conflito e perseguição.)
O nome de Jesus representa o Reino do
Pai. O nome de Jesus se liga a uma realidade nova, a vontade de Deus. “Ninguém
que faz milagres em meu nome poderá logo depois sair falando mal de mim” (Mc
9,39). Por tudo aquilo que ele disse e fez, pelo dom da própria vida, Jesus ligou
a seu nome a nova realidade que se chama o “Reino de Deus”. Quem consegue usar
o nome de Jesus como força positiva certamente colabora de alguma maneira com o
Reino.
Não é preciso ser católico batizado para
colaborar com os valores do evangelho. Os primeiros missionários no Brasil
ficaram cheios de admiração porque os índios pagãos pareciam ter mais valores
evangélicos que os colonos portugueses escravocratas. O testemunho do evangelho
pode existir fora da comunidade cristã, e nós devemos alegrar-nos por causa
disso.
Então, em vez de dizer que fora da
Igreja não há salvação, vamos dizer: tudo o que salva expande o que estamos
fazendo na Igreja. Pensamento inclusivo!
O
Roteiro Homilético é elaborado pelo Pe. Johan Konings SJ – Teólogo, doutor em
exegese bíblica, Professor da FAJE. Autor do livro "Liturgia
Dominical", Vozes, Petrópolis, 2003. Entre outras obras, coordenou a
tradução da "Bíblia Ecumênica" – TEB e a tradução da "Bíblia
Sagrada" – CNBB. Konings é Colunista do Dom Total. A produção do Roteiro Homilético
é de responsabilidade direta do Pe. Jaldemir Vitório SJ, Reitor e Professor da
FAJE.)
Roteiro
Homilético 6 - Liturgia: Pe. Françoá Costa
Ocasiões de pecado
Se alguém ou alguma coisa “for para ti
ocasião de queda, arranca-o” (Mc 9,47). Talvez hoje em dia se fale pouco das
ocasiões de pecado e, contudo, elas não faltam nos nossos tempos. Às vezes até
temos a impressão de que elas aumentaram. As circunstâncias externas, com
efeito, às vezes incitam as pessoas ao pecado quer por causa das fraquezas
morais quer porque elas despertam a concupiscência. As ocasiões, sem serem
pecados, constituem momentos imediatos de tentações. Ao olhar para o nosso
mundo, será fácil ver que as possibilidades de ser imoderado na comida e na
bebida se encontram por todas as partes, a internet facilitou uma série de coisas
que antes eram praticamente inacessíveis à maior parte das pessoas honestas, as
roupas encurtaram-se ou apertaram-se visivelmente… Ocasiões de pecado? Sim. No
entanto, dependendo da nossa educação e da nossa sensibilidade, elas poderiam
ser ou ocasiões próximas de pecado ou ocasiões remotas.
O Catecismo Romano, precedente do atual
Catecismo da Igreja Católica, falava o seguinte sobre tais ocasiões: é preciso
ter “a precaução de evitar, para o futuro, tudo o que motivou qualquer pecado,
ou que possa dar ocasião de ofender a Deus Nosso Pai” (IV, XIV,22,2). Atenção:
fala-se da precaução, isto é, de cautela, de cuidado, de prudência para não
aproximarmo-nos de situações que nos coloquem à beira de ofender ao nosso
Pai-Deus.
Colocar-nos temerariamente, isto é, sem
nenhuma causa justa, em ocasião de pecar é um pecado. Caso se tratasse de uma
ocasião próxima de realizar uma ação gravemente pecaminosa, a ocasião mesma já
seria gravemente imoral. Quem assim fizesse estaria demonstrando pouco amor a
Deus, precário temor em ofendê-lo e certa vontade (talvez débil, porém real) de
praticar aquilo do qual se aproxima arriscadamente. Jesus pede de cada um de
nós uma decisão firme de estar com ele e de rejeitar tudo aquilo que dele nos
separa. Nesse sentido, o Senhor fala tão fortemente de cortar a mão, cortar o
pé e arrancar o olho (cf. Mc 9,43-47). Logicamente, não podemos cair no erro de
interpretar essas expressões ao pé da letra. Coitado de Orígenes, famoso
escritor da antiguidade, que entendeu mal essas passagens e se castrou! Mas
como a mutilação é pecado, o pobre Orígenes até hoje, apesar das grandes
virtudes que tinha, não pode ser canonizado. Outro motivo que veta o seu
processo de canonização é o fato de que podem ser lidas muitas coisas estranhas
à doutrina cristã nos textos de Orígenes. Nada de fundamentalismo bíblico! O
que o Senhor Jesus quer nos dizer ao descrever essas coisas de maneira tão
cruenta é que devemos evitar as ocasiões de pecado. Isto é, e de maneira
positiva, que mantenhamos uma decisão firme de servir tão somente o Senhor
nosso Deus.
Das situações remotas de pecado é
praticamente impossível afastar-nos. Isso se comprova rapidamente ao sairmos às
ruas das nossas cidades. Neste caso, o importante é que tenhamos a consciência
de que devemos viver neste mundo amando-o sem ser mundanos. Também é importante
que essas ocasiões sejam apenas remotas e nunca se transformem numa situação
próxima de pecado.
Mas poderia dar-se o caso no qual
tenhamos que colocar-nos numa situação próxima de pecado. É o caso de um
crítico de cinema, o qual teria que assistir aos filmes e emitir um juízo; o
crítico poderia colocar em uma situação próxima de ofender a Deus no campo da
moral, por exemplo. Também uma pessoa que se dedica a uma tarefa intelectual,
às vezes terá que ler alguns livros que vão claramente contra os seus
princípios humano-cristãos; talvez um determinado professor tenha que
colocar-se em perigo contra a fé. O que fazer?
A primeira coisa que há que dizer é que
não podemos colocar-nos, sem causa grave, em ocasião de ofender a Deus. Se
houver causa grave, será preciso então colocar todos os meios para que a
ocasião próxima se transforme numa ocasião remota. No caso do pesquisador, por
exemplo, ele terá que ler, ao mesmo tempo em que lê um livro contra fé, outro
de reta doutrina que lhe sirva contra antídoto.
Pe. Françoá Costa
Roteiro
Homilético 7 - Liturgia: Mons. José Maria Pereira
A Missão de Todos
O Evangelho (Mc 9,38-48) relata-nos que
João aproximou-se de Jesus para dizer-lhe que tinham visto uma pessoa que
expulsava os demônios em nome d’Ele. Como não era do grupo que acompanhava o
Mestre, tinham-no proibido de fazê-lo.Jesus respondeu-lhes:”Não o proibais,
pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. Estão com
ciúme! Jesus reprova a intransigência e a mentalidade exclusivista e estreita
dos discípulos, e abri-lhes o horizonte e o coração para um apostolado
universal, variado e diversificado.
Diz Jesus: “Quem não é contra nós é a
nosso favor.” E, para testemunhar que tudo aquilo que se faz em Seu nome tem
sempre algum merecimento, acrescenta: “Se alguém vos der a beber um copo de
água, porque sois de Cristo, não ficará sem receber a sua recompensa.” A mais
insignificante obra de misericórdia feita por amor a Cristo terá a recompensa,
ainda que seja feita por alguém que ainda não pertence à comunidade. E, se é
feita em favor dos irmãos ou de quem, na Igreja, é representante do Senhor, Ele
aceitará e recompensará como se fosse feita a Si mesmo (Mt 10, 40-42).
Nós, cristãos, não temos mentalidade de
partido único, de quem condena formas apostólicas diferentes daquelas que, por
formação e modo de ser, se sente chamado a realizar. A única condição -dentro
da grande variedade de modos de levar Cristo às almas – é a unidade no
essencial, naquilo que pertence ao núcleo fundamental da Igreja.
Quais os critérios para discernirmos se
uma determinada associação mantém a comunhão com a Igreja? Entre os critérios,
diz o Beato João Paulo II, encontra-se a primazia que se deve dar à vocação de
cada cristão para a santidade, que tem como fruto principal a plenitude de vida
cristã e a perfeição da caridade. Neste sentido, as associações de leigos estão
chamadas a ser instrumento de santidade na Igreja.
Outro critério apontado pelo Papa é o
apostolado, que deve antes de mais nada proclamar a verdade sobre Cristo, sobre
a Igreja e sobre o homem, em filial obediência ao Magistério da Igreja que a
interpreta autenticamente. Trata-se de uma participação no fim sobrenatural da
Igreja, que tem como objetivo a salvação de todos os homens. Todos os cristãos
participam desse único fim missionário…
Se somos cristãos verdadeiros, embora às
vezes sejamos muito diferentes uns dos outros, nos sentiremos comprometidos a
levar para Deus a sociedade em que vivemos e da qual fazemos parte. E nos será
fácil aceitar modos de ser e de atuar bem diferentes dos nossos. Como nos
alegramos de que o Senhor seja anunciado de formas tão diversas! Isto é o que
realmente importa: que Cristo seja conhecido e amado.
O Evangelho (Boa Nova) deve chegar a
todos os cantos da terra! E para o cumprimento desta tarefa, o Senhor conta com
a colaboração de todos: homens e mulheres, sacerdotes e leigos, jovens e
anciãos, solteiros e casados, religiosos… conforme tenham sido chamados por
Deus, com iniciativas que nascem da riqueza da inteligência humana e do impulso
sempre novo do Espírito Santo.
Todo cristão é chamado a dilatar o Reino
de Cristo, e qualquer circunstância é boa para levar a cabo essa tarefa. Diz o
Concílio Vaticano II: “onde quer que o Senhor abra uma porta à palavra para
proclamar o mistério de Cristo a todos os homens, anuncie-se com confiança e
sem cessar o Deus vivo e Jesus Cristo, enviado por Ele para a salvação de
todos” (Decreto Ad Gentes,13).
“Conservemos a doce e reconfortante
alegria de evangelizar, mesmo quando temos de semear entre lágrimas” (Papa
Paulo VI, Evangelii Nuntiandi).
Nós, que recebemos o dom da fé, sentimos
a necessidade de comunicá-la aos outros, fazendo-os participar do grande achado
da nossa vida. Esta missão como se vê na vida dos primeiros cristãos, não é da
competência exclusiva dos pastores de almas, mas tarefa de todos, de cada um
segundo as suas circunstâncias particulares e a chamada que recebeu do Senhor.
É nesta direção que o Doc. de Aparecida
nos aponta: “Conhecer a Jesus Cristo pela fé é nossa alegria; segui-Lo é uma
graça, e transmitir este tesouro aos demais é uma tarefa que o Senhor nos
confiou ao nos chamar e nos escolher” (A,18)
Celebramos hoje o DIA DA BÍBLIA.
A Palavra de Deus sempre nos oferece uma
luz para as mais diversas situações de nossa vida. “Por isso, como discípulos e
missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar o Evangelho, que é o
próprio Cristo. Os cristãos somos portadores de boas novas para a humanidade,
não profetas de desventuras” (Doc. de Aparecida,30).
Mons. José Maria Pereira
Roteiro
Homilético 8 - Liturgia: D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB presbíteros.org
Meus caros irmãos e irmãs,
No domingo passado refletimos sobre o texto do evangelho de São Marcos, onde os discípulos, após discutirem pelo caminho, sobre qual deles seria o maior, recebem, posteriormente, uma instrução especial de Jesus. Tomando uma criança e colocando-a no meio deles, Jesus mostra qual é a atitude verdadeira que seus discípulos devem ter na vida: Ocupar o último lugar e tornar-se servos uns dos outros (cf. Mc 9,30-37). O texto de hoje é a continuação deste episódio. No caminho, eles não apenas haviam discutido quem seria o maior, mas também tentaram impedir que alguém que não pertencia ao seu grupo realizasse boas ações em nome de Jesus. É João que, representando os demais apóstolos, confessa: “Mestre, vimos alguém que não nos segue, expulsando demônios em teu nome, e o impedimos porque não nos seguia” (Mc 9,38).
Dentro deste contexto, observa-se uma estreita unidade entre a primeira leitura (cf. Nm 11,25-29) com o texto do Evangelho. Moisés havia dedicado totalmente ao serviço do seu povo, mas nos últimos anos da sua vida, foi dominado por um certo desânimo, devido aos muitos problemas. Por isto, certa vez ele se queixou ao Senhor: “Porventura sou eu que concebi esse povo? Eu sozinho não posso suportar a carga de um povo tão numeroso e indisciplinado” ( Nm 11,10-15). O Senhor então respondeu a Moisés: “Escolhe 70 homens que estejam em condições de colaborar contigo, sobre eles farei descer o mesmo Espírito que se encontrava em ti” (Nm 11,16-18). No dia marcado os 70 homens se reuniram na tenda, aonde Deus descia para falar com Moisés, receberam o Espírito e começaram a profetizar; isto é, foram tomados por um estado de exaltação coletiva e falavam em nome de Deus (v. 25). Dois anciãos do povo, Eldad e Medad, muito embora não tivessem participado da cerimônia, receberam também o Espírito e se tornaram profetas, exatamente como os outros 70. Diante disto, Josué se indignou e pediu a Moisés para que interviesse a fim de impedi-los de profetizar. Moisés, cheio de sabedoria e de grande misericórdia, corrigiu a atitude de Josué.
No Evangelho temos algo semelhante, quando João afirma que havia proibido um homem de expulsar demônios em nome de Jesus, ao que o próprio Jesus responde: “Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. Quem não é contra nós é a nosso favor” (Mc 9,39). João, assim como Josué, está preocupado com aqueles que profetizam ou realizam boas obras fora do grupo dos escolhidos. Moisés e Jesus, no entanto, expressam a sua liberdade com relação a isso.
Jesus assumiu uma atitude de extrema tolerância em relação ao exorcista anônimo e não aprovou a proibição que lhe fora imposta. Se o indivíduo, de fato, foi capaz de realizar um milagre, invocando o nome de Jesus, é porque, de alguma forma, estava em comunhão com ele. Seria impensável que, logo em seguida, se pusesse a falar mal do Mestre e desmerecer sua obra. Portanto, podia continuar livremente a fazer o bem em nome dele.
Jesus recrimina os discípulos, como Moisés faz com Josué, que quer impedir a profecia não autorizada. O dom do Espírito de Deus, a profecia e o poder do Espírito que age devem ser reconhecidos pelos discípulos. O episódio da incapacidade dos discípulos de curar um homem possuído pelo demônio (cf. Mc 9,17s), narrado no mesmo capítulo, mostra que não é a pertença ao círculo dos discípulos que habilita “expulsar demônios”, mas o dom de Deus e as disposições adequadas para acolher esse dom.
Essa é mais uma atitude que revela o grau de imaturidade em que se encontram os discípulos de Jesus. Eles também já haviam sido enviados pelo Mestre para pregar o Evangelho e “expulsar muitos demônios e curar muitos enfermos” (Mc 6,12). Numerosas pessoas foram beneficiadas. Certamente sentiram-se privilegiados por serem escolhidos por Jesus e enviados por ele para tão grande missão. O que eles não esperavam é que outras pessoas, além deles, pudessem realizar as mesmas obras. Ficaram aborrecidos e enciumados, como aconteceu com Josué, conforme nos revela a primeira leitura.
Todas as pessoas recebem dons para alegria e felicidade de todos, independentemente da instituição ou da tradição religiosa a que pertencem. Portanto, não tem sentido o ciúme ou a competição. O que importa é que todos os dons sejam aplicados verdadeiramente para o projeto de “vida em abundância” para todos.
As palavras de Jesus: “Quem não é contra nós é por nós” (v. 40), sublinham o espírito de abertura e de acolhida da resposta de Jesus em relação à atitude anterior dos discípulos. Sem Jesus, os discípulos não podem fazer nada, mas o poder de Deus manifestado em Jesus não é posse exclusiva dos discípulos.
No texto do evangelho deste domingo temos ainda uma série de ensinamentos de Jesus a seus discípulos. Um outro tema abordado está no escândalo: “Ai daquele que fizer cair no pecado a um destes pequeninos…” (v. 42). A palavra “escândalo”, na linguagem bíblica, tem dois significados fundamentais: o de “tropeço” e o de “obstáculo”. Na primeira referência indica algo que é causa de queda, que leva para fora do caminho, que conduz ao pecado e à “geena”, que em muitas traduções traz também a palavra inferno. A segunda expressão: “obstáculo”, indica algo que barra e impede o acesso; ou seja, aquilo que se opõe à fé e à entrada no reino de Deus.
Geena é o nome de um vale que fica a oeste de Jerusalém, onde crianças eram oferecidas em sacrifício a Moloc (cf. 2Rs 23,10; Jr 7,31; 19,5s). Um local desconsagrado por Josias e que foi em seguida usado como lugar de queima do lixo. Um constante fogo queimava o lixo da cidade e uma fumaça mal cheirosa mantinha as pessoas afastadas. Era um lugar desagradável, símbolo da ruína e da destruição para a qual caminha quem se entrega ao pecado. Tornou-se assim o sinônimo do lugar de castigo. A expressão “ir para geena”, em contraste com “entrar na vida”, significa a ruína espiritual, a destruição. O local onde o fogo nunca se apaga.
Essas analogias eram conhecidas no tempo de Jesus e eram frequentemente usadas pelos rabinos para advertir e inculcar nas pessoas uma seriedade de vida mais profunda, para sacudir a consciência de quem descuidava dos próprios deveres em relação a Deus e ao próximo. E a temática do “escândalo aos pequeninos” é tão forte que Jesus diz que é melhor perder algo importante para si do que cair neste pecado. Evidentemente, esses versículos não podem ser entendidos literalmente. Não se trata de mutilar o próprio corpo para evitar o pecado. Trata-se, sim, de viver uma autêntica ascese, sabendo cuidar de si mesmo e retirando da vida aquilo que pode levar a romper a comunhão com Deus.
Contudo, o maior escândalo, por parte dos cristãos, consiste em não viver as exigências da fé e barrar o caminho a quem quer acolher Cristo em sua vida. Se somos cristãos e não damos o exemplo, se não vivemos as exigências da fé, podemos ser também motivo de escândalo para as outras pessoas. Se professamos seguir o Evangelho e depois, na vida, somos injustos com o próximo, alheios frente a necessidade e a dor do nosso irmão, impedimos que as pessoas levem a sério a palavra de Jesus, que se convertam e creiam nele. Há muitos que estão alheios, e mesmo combatem a fé, em função do mau testemunho que nós, cristãos, damos.
Que o Senhor Jesus nos faça amputar da nossa vida toda atitude arrogante, que causa o mal e a desordem na nossa própria vida e na vida do nosso próximo, sobretudo dos mais pequeninos. Que saibamos experimentar cada dia as palavras do Evangelho e façamos uma honesta análise do nosso comportamento, se estamos ou não sendo motivos de escândalo para os outros. Que saibamos extirpar tudo o que contradiz o Evangelho e causa dano aos que querem entender e praticar verdadeiramente os ensinamentos de Jesus. Assim seja.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
No domingo passado refletimos sobre o texto do evangelho de São Marcos, onde os discípulos, após discutirem pelo caminho, sobre qual deles seria o maior, recebem, posteriormente, uma instrução especial de Jesus. Tomando uma criança e colocando-a no meio deles, Jesus mostra qual é a atitude verdadeira que seus discípulos devem ter na vida: Ocupar o último lugar e tornar-se servos uns dos outros (cf. Mc 9,30-37). O texto de hoje é a continuação deste episódio. No caminho, eles não apenas haviam discutido quem seria o maior, mas também tentaram impedir que alguém que não pertencia ao seu grupo realizasse boas ações em nome de Jesus. É João que, representando os demais apóstolos, confessa: “Mestre, vimos alguém que não nos segue, expulsando demônios em teu nome, e o impedimos porque não nos seguia” (Mc 9,38).
Dentro deste contexto, observa-se uma estreita unidade entre a primeira leitura (cf. Nm 11,25-29) com o texto do Evangelho. Moisés havia dedicado totalmente ao serviço do seu povo, mas nos últimos anos da sua vida, foi dominado por um certo desânimo, devido aos muitos problemas. Por isto, certa vez ele se queixou ao Senhor: “Porventura sou eu que concebi esse povo? Eu sozinho não posso suportar a carga de um povo tão numeroso e indisciplinado” ( Nm 11,10-15). O Senhor então respondeu a Moisés: “Escolhe 70 homens que estejam em condições de colaborar contigo, sobre eles farei descer o mesmo Espírito que se encontrava em ti” (Nm 11,16-18). No dia marcado os 70 homens se reuniram na tenda, aonde Deus descia para falar com Moisés, receberam o Espírito e começaram a profetizar; isto é, foram tomados por um estado de exaltação coletiva e falavam em nome de Deus (v. 25). Dois anciãos do povo, Eldad e Medad, muito embora não tivessem participado da cerimônia, receberam também o Espírito e se tornaram profetas, exatamente como os outros 70. Diante disto, Josué se indignou e pediu a Moisés para que interviesse a fim de impedi-los de profetizar. Moisés, cheio de sabedoria e de grande misericórdia, corrigiu a atitude de Josué.
No Evangelho temos algo semelhante, quando João afirma que havia proibido um homem de expulsar demônios em nome de Jesus, ao que o próprio Jesus responde: “Não o proibais, pois ninguém faz milagres em meu nome para depois falar mal de mim. Quem não é contra nós é a nosso favor” (Mc 9,39). João, assim como Josué, está preocupado com aqueles que profetizam ou realizam boas obras fora do grupo dos escolhidos. Moisés e Jesus, no entanto, expressam a sua liberdade com relação a isso.
Jesus assumiu uma atitude de extrema tolerância em relação ao exorcista anônimo e não aprovou a proibição que lhe fora imposta. Se o indivíduo, de fato, foi capaz de realizar um milagre, invocando o nome de Jesus, é porque, de alguma forma, estava em comunhão com ele. Seria impensável que, logo em seguida, se pusesse a falar mal do Mestre e desmerecer sua obra. Portanto, podia continuar livremente a fazer o bem em nome dele.
Jesus recrimina os discípulos, como Moisés faz com Josué, que quer impedir a profecia não autorizada. O dom do Espírito de Deus, a profecia e o poder do Espírito que age devem ser reconhecidos pelos discípulos. O episódio da incapacidade dos discípulos de curar um homem possuído pelo demônio (cf. Mc 9,17s), narrado no mesmo capítulo, mostra que não é a pertença ao círculo dos discípulos que habilita “expulsar demônios”, mas o dom de Deus e as disposições adequadas para acolher esse dom.
Essa é mais uma atitude que revela o grau de imaturidade em que se encontram os discípulos de Jesus. Eles também já haviam sido enviados pelo Mestre para pregar o Evangelho e “expulsar muitos demônios e curar muitos enfermos” (Mc 6,12). Numerosas pessoas foram beneficiadas. Certamente sentiram-se privilegiados por serem escolhidos por Jesus e enviados por ele para tão grande missão. O que eles não esperavam é que outras pessoas, além deles, pudessem realizar as mesmas obras. Ficaram aborrecidos e enciumados, como aconteceu com Josué, conforme nos revela a primeira leitura.
Todas as pessoas recebem dons para alegria e felicidade de todos, independentemente da instituição ou da tradição religiosa a que pertencem. Portanto, não tem sentido o ciúme ou a competição. O que importa é que todos os dons sejam aplicados verdadeiramente para o projeto de “vida em abundância” para todos.
As palavras de Jesus: “Quem não é contra nós é por nós” (v. 40), sublinham o espírito de abertura e de acolhida da resposta de Jesus em relação à atitude anterior dos discípulos. Sem Jesus, os discípulos não podem fazer nada, mas o poder de Deus manifestado em Jesus não é posse exclusiva dos discípulos.
No texto do evangelho deste domingo temos ainda uma série de ensinamentos de Jesus a seus discípulos. Um outro tema abordado está no escândalo: “Ai daquele que fizer cair no pecado a um destes pequeninos…” (v. 42). A palavra “escândalo”, na linguagem bíblica, tem dois significados fundamentais: o de “tropeço” e o de “obstáculo”. Na primeira referência indica algo que é causa de queda, que leva para fora do caminho, que conduz ao pecado e à “geena”, que em muitas traduções traz também a palavra inferno. A segunda expressão: “obstáculo”, indica algo que barra e impede o acesso; ou seja, aquilo que se opõe à fé e à entrada no reino de Deus.
Geena é o nome de um vale que fica a oeste de Jerusalém, onde crianças eram oferecidas em sacrifício a Moloc (cf. 2Rs 23,10; Jr 7,31; 19,5s). Um local desconsagrado por Josias e que foi em seguida usado como lugar de queima do lixo. Um constante fogo queimava o lixo da cidade e uma fumaça mal cheirosa mantinha as pessoas afastadas. Era um lugar desagradável, símbolo da ruína e da destruição para a qual caminha quem se entrega ao pecado. Tornou-se assim o sinônimo do lugar de castigo. A expressão “ir para geena”, em contraste com “entrar na vida”, significa a ruína espiritual, a destruição. O local onde o fogo nunca se apaga.
Essas analogias eram conhecidas no tempo de Jesus e eram frequentemente usadas pelos rabinos para advertir e inculcar nas pessoas uma seriedade de vida mais profunda, para sacudir a consciência de quem descuidava dos próprios deveres em relação a Deus e ao próximo. E a temática do “escândalo aos pequeninos” é tão forte que Jesus diz que é melhor perder algo importante para si do que cair neste pecado. Evidentemente, esses versículos não podem ser entendidos literalmente. Não se trata de mutilar o próprio corpo para evitar o pecado. Trata-se, sim, de viver uma autêntica ascese, sabendo cuidar de si mesmo e retirando da vida aquilo que pode levar a romper a comunhão com Deus.
Contudo, o maior escândalo, por parte dos cristãos, consiste em não viver as exigências da fé e barrar o caminho a quem quer acolher Cristo em sua vida. Se somos cristãos e não damos o exemplo, se não vivemos as exigências da fé, podemos ser também motivo de escândalo para as outras pessoas. Se professamos seguir o Evangelho e depois, na vida, somos injustos com o próximo, alheios frente a necessidade e a dor do nosso irmão, impedimos que as pessoas levem a sério a palavra de Jesus, que se convertam e creiam nele. Há muitos que estão alheios, e mesmo combatem a fé, em função do mau testemunho que nós, cristãos, damos.
Que o Senhor Jesus nos faça amputar da nossa vida toda atitude arrogante, que causa o mal e a desordem na nossa própria vida e na vida do nosso próximo, sobretudo dos mais pequeninos. Que saibamos experimentar cada dia as palavras do Evangelho e façamos uma honesta análise do nosso comportamento, se estamos ou não sendo motivos de escândalo para os outros. Que saibamos extirpar tudo o que contradiz o Evangelho e causa dano aos que querem entender e praticar verdadeiramente os ensinamentos de Jesus. Assim seja.
D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB
Roteiro
Homilético 9 - Liturgia: Roteiro presbíteros.org
RITOS INICIAIS
Dan 3, 31.29.30.43.42
ANTÍFONA DE ENTRADA: Vós sois justo,
Senhor, em tudo o que fizestes. Pecámos contra Vós, não observámos os vossos
mandamentos. Mas para glória do vosso nome, mostrai-nos a vossa infinita
misericórdia.
Introdução ao espírito da Celebração
O Senhor convida-nos hoje a reflectir
sobre os que vivem em ambientes diversos dos nossos e que fazem todo o bem que
podem. Lembremo-nos que o Espírito sopra onde quer e não os invejemos, pois
isso seria fanatismo, talvez inconsciente. Por isso, deveremos estar abertos à
luz de Deus, a fim de que nos ajude a discernir e a agir em situações que por
vezes são difíceis ou delicadas.
Porque nem sempre temos julgado e
actuado criteriosamente, peçamos perdão ao Senhor.
ORAÇÃO COLECTA: Senhor, que dais a maior
prova do vosso poder quando perdoais e Vos compadeceis, infundi sobre nós a
vossa graça, para que, correndo prontamente para os bens prometidos, nos
tornemos um dia participantes da felicidade celeste. Por Nosso Senhor Jesus
Cristo, vosso Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
LITURGIA DA PALAVRA
Primeira Leitura
Monição: Deus actua livremente na
distribuição dos Seus dons, para bem da comunidade. Assim aconteceu com a
multiplicação do carisma profético na pessoa de setenta anciãos israelitas, no
tempo de Moisés.
Números 11, 25-29
Naqueles dias, 25o Senhor desceu na
nuvem e falou com Moisés. Tirou uma parte do Espírito que estava nele e fê-lo
poisar sobre setenta anciãos do povo. Logo que o Espírito poisou sobre eles,
começaram a profetizar; mas não continuaram a fazê-lo. 26Tinham ficado no
acampamento dois homens: um deles chamava-se Eldad e o outro Medad. O Espírito
poisou também sobre eles, pois contavam-se entre os inscritos, embora não
tivessem comparecido na tenda; 27e começaram a profetizar no acampamento. Um
jovem correu a dizê-lo a Moisés: «Eldad e Medad estão a profetizar no
acampamento». 28Então Josué, filho de Nun, que estava ao serviço de Moisés
desde a juventude, tomou a palavra e disse: «Moisés, meu senhor, proíbe-os».
29Moisés, porém, respondeu-lhe: «Estás com ciúmes por causa de mim? Quem dera que
todo o povo do Senhor fosse profeta e que o Senhor infundisse o seu Espírito
sobre eles!»
Este texto, extraído da 2ª parte de
Números, que trata da estância do povo em Cadés (10, 11 – 20, 21), foi
seleccionado em função do Evangelho (Mc 9, 38-40), pela semelhança entre a
atitude de Josué e a do Apóstolo João. A passagem deixa ver a grandeza de ânimo
e a prudência no governo de Moisés, ao fazer participante do seu carisma 70
anciãos, dito duma forma simbólica: «Deus tomou uma parte do espírito de Moisés».
E, quando Josué zela exageradamente a honra de Moisés, ao ver que Eldad e
Meldad não actuavam na dependência imediata do caudilho, este não se mostra
ciumento, resistindo à tentação de se tornar autoritário, absorvente e
exclusivista; pelo contrário, zela mais as vantagens do seu povo do que o seu
protagonismo e proeminência pessoal, por isso responde: «quem dera que todo o
povo do Senhor fosse profeta» (v. 9).
Salmo Responsorial
Sl 18 (19), 8.10.12-13.14
Monição: Este salmo exprime o
contentamento da comunidade cristã, ao contemplar a acção do Senhor em favor
dos Seus filhos. É um hino de louvor e de acção de graças a Deus que nos criou
e nos acompanha.
Refrão: OS PRECEITOS DO SENHOR ALEGRAM O CORAÇÃO.
A lei do Senhor é perfeita,
ela reconforta a alma.
As ordens do Senhor são firmes,
dão a sabedoria aos simples.
O temor do Senhor é puro
e permanece eternamente;
os juízos do Senhor são verdadeiros,
todos eles são rectos.
Embora o vosso servo se deixe guiar por
eles
e os observe com cuidado,
quem pode, entretanto, reconhecer os
seus erros?
Purificai-me dos que me são ocultos.
Preservai também do orgulho o vosso
servo,
para que não tenha poder algum sobre
mim:
então serei irrepreensível
e imune de culpa grave.
Segunda Leitura
Monição: S. Tiago censura severamente os
ricos assinalando duas situações: a dos que acumulam com sofreguidão as
riquezas, julgando encontrar nelas a felicidade e ficam desiludidos; e a dos
que se fazem ricos à custa dos outros por não lhes pagarem o que é justo. Aqui
a justiça divina intervém, atenta à voz dos que são privados daquilo que lhes é
devido.
Tiago 5, 1-6
1Agora, vós, ó ricos, chorai e
lamentai-vos, por causa das desgraças que vão cair sobre vós. 2As vossas
riquezas estão apodrecidas e as vossas vestes estão comidas pela traça. 3O
vosso ouro e a vossa prata enferrujaram-se, e a sua ferrugem vai dar testemunho
contra vós e devorar a vossa carne como fogo. Acumulastes tesouros no fim dos
tempos. Privastes do salário os trabalhadores que ceifaram as vossas terras. 4O
seu salário clama; e os brados dos ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor do
Universo. 5Levastes na terra uma vida regalada e libertina, cevastes os vossos
corações para o dia da matança. 6Condenastes e matastes o justo e ele não vos
resiste.
Esta tremenda objurgação de S. Tiago aos
ricos vai provavelmente dirigida mesmo a alguns já convertidos ao cristianismo,
mas que não acabariam de entender e viver a doutrina de Cristo acerca das
riquezas (cf. Lc 6, 24.25; Mt 6, 20; 25, 14.16; Lc 12, 20-21; 16, 19-30).
4 «O seu salário clama; e brados dos
ceifeiros chegaram aos ouvidos do Senhor». Daqui vem a designação para certos
pecados que bradam ao Céu; não pagar o salário a quem trabalha é um dos 4
pecados que na Escritura se diz que bradam ao Céu, juntamente com o homicídio
voluntário, a sodomia e a opressão dos pobres, principalmente órfãos e viúvas
(cf. Gn 4, 10; 18, 20-21; Ex 22, 21-23). A linguagem utilizada parece-nos
demasiado violenta, mas seria o meio mais eficaz para sacudir almas
empedernidas no pecado, para as levar à conversão através do cumprimento dos
seus deveres de justiça.
5 O dia da matança, isto é, o dia do
castigo divino (cf. Jer 12, 3; Sof 1, 7-9); outros entendem a matança como uma
imagem da opressão dos explorados, como em Sir 34, 21-22.
6 Uma outra tradução possível, adoptada
por nós, é esta: «Condenastes e destes a morte ao inocente, e Deus não vai
opor-se?».
Aclamação ao Evangelho
Jo 17, 17b.a
Monição: O Senhor é a verdade e somente
n’Ele se pode encontrar. Se queremos realmente amar a Deus teremos de lutar
pela verdade.
ALELUIA
A vossa palavra, Senhor, é a verdade;
santificai-nos na verdade.
Evangelho
São Marcos 9, 38-48 (37-47 na Vulgata)
Naquele tempo, 38João disse a Jesus:
«Mestre, nós vimos um homem a expulsar os demónios em teu nome e procurámos
impedir-lho, porque ele não anda connosco». 39Jesus respondeu: «Não o proibais;
porque ninguém pode fazer um milagre em meu nome e depois dizer mal de Mim.
40Quem não é contra nós é por nós. 41Quem vos der a beber um copo de água, por
serdes de Cristo, em verdade vos digo que não perderá a sua recompensa. 42Se
alguém escandalizar algum destes pequeninos que crêem em Mim, melhor seria para
ele que lhe atassem ao pescoço uma dessas mós movidas por um jumento e o
lançassem ao mar. 43Se a tua mão é para ti ocasião de escândalo, corta-a;
porque é melhor entrar mutilado na vida do que ter as duas mãos e ir para a
Geena, para esse fogo que não se apaga. (44) 45E se o teu pé é para ti ocasião
de escândalo, corta-o; porque é melhor entrar coxo na vida do que ter os dois
pés e ser lançado na Geena. (46) 47E se um dos teus olhos é para ti ocasião de
escândalo, deita-o fora; porque é melhor entrar no reino de Deus só com um dos
olhos do que ter os dois olhos e ser lançado na Geena, 48onde o verme não morre
e o fogo não se apaga».
A leitura recolhe ensinamentos dispersos
de Jesus. No trabalho de formação dos discípulos, depois da confissão de fé de
Pedro (8, 29), é interessante notar como Jesus, na 2ª parte de Marcos, tem
vindo pacientemente a corrigir o espírito daqueles homens sinceros, mas rudes,
aproveitando todos os incidentes diários, em que estes falhavam (cf. 8, 33; 9,
12. 16-19.28-29.33-35). Desta vez, é também mais um dos do núcleo duro que tem
de ser advertido, João, que mostra estreiteza de vistas e um exclusivismo
incompatível com o espírito cristão; a lição de Jesus permanece para sempre
actual: o que é bem é bem, embora seja outro, que não eu, eu a fazê-lo. A
sentença «quem não é contra nós é por nós» não está em contradição com o que
Jesus afirma em Lc 11, 23 e Mt 12, 30: «quem não está comigo está contra Mim»,
pois são contextos diversos. No da primeira sentença, trata-se de alguém que
também trabalhava pela a causa de Deus e do bem, ao passo que o da segunda
frase é o da luta de vida ou morte entre Jesus e o demónio, em que não pode
haver meio termo: ou se está do lado de Jesus, ou do lado de Satanás (é que
acusavam Jesus de ter um pacto com o maligno para fazer os milagres!).
41 Este versículo não tem mais ligação
com o resto para além da ligação verbal: «em nome de» (que a tradução «por
serdes de» não permite ver); é bem sabido que as palavras de Jesus se
transmitiram agrupando-as muitas vezes de forma artificial (também estas
palavras são como as cerejas).
42-48 Os versículos que se seguem sobre
o escândalo constituem uma perícope diferente. A palavra «escândalo» designa um
tropeço para fazer cair, algo que leva a pecar; e os «pequeninos que crêem em
Mim» não parece que neste contexto sejam simplesmente os discípulos, como
acontece noutras vezes, pois Jesus aqui está a dirigir-se precisamente a eles;
serão os pequenos mais pequenos, «os pequeninos», isto é, os mais frágeis e
indefesos, os menores de idade. A especial gravidade que há em escandalizar as
crianças não provém apenas da sua inocência, mas sobretudo de elas se acharem
mais vulneráveis e indefesas contra o mal. As palavras de Jesus são
tremendamente sérias e de grande actualidade. Não nos parece que se deva fazer
uma tradução restritiva de «escandalizar» por «fazer perder a fé», como faz a
Sociedade Bíblica e Britânica («If anyone should cause one of these little ones
to lose faith in me…»), não assim a Portuguesa («fazer cair em pecado»).
43-48 «Corta… deita fora…» Este cortar e
deitar fora os membros do corpo tem que se entender em sentido figurado, mas
sem diminuir em nada a força e a importância da expressão: Jesus proclama
graficamente a grave obrigação de afastar e evitar a ocasião próxima de pecado,
pois o bem da alma é superior a todos os bens materiais, mesmo os mais
apreciados. «Geena», (em hebraico Ge-hinnon) é o vale a Sul e a Oeste de
Jerusalém, fora das muralhas, que a partir de Jer 19, 6-7, veio a designar o
lugar do castigo eterno (assim em 1 Henoc e 4 Esdras); no tempo de Jesus era
uma lixeira da cidade a que se chegava o lume e onde sempre havia fogo a
remoer; também Jesus usou frequentemente esta imagem para designar o Inferno,
«onde o verme não morre e o fogo não se apaga» (v. 48; cf. Mt 25, 41.46). A
expressão, para além de indicar a gravidade e a eternidade da pena, pouco pode
dizer da sua natureza.
Sugestões para a homilia
A indignação originada pela inveja
A actuação do Espírito de Deus
A ausência de compreensão e partilha é
escândalo
A indignação originada pela inveja
A primeira leitura lembra-nos os tempos
em que Israel atravessava dificilmente o deserto, a caminho da terra prometida.
Moisés sente-se atormentado com o descontentamento do seu povo. Dá-se então a
multiplicação do carisma profético na pessoa dos setenta anciãos. Alguns, entre
os quais Josué – íntimo de Moisés –, ficam indignados por também profetizarem
aqueles que estão fora do círculo restrito dos que fazem parte da «estrutura».
Pedem a Moisés que os faça calar. Com grandeza de alma, ele afirma que até quereria
que Deus admitisse mais pessoas a esse dom.
Ainda hoje nas nossas comunidades
existem pessoas que, por vezes inconscientemente, assumem esta mesma atitude.
Querem fazer tudo sozinhas, entravam alguém que se insira nas suas
preferências, não aceitam ajuda, não querem repartir encargos. Por isso começam
a ficar esgotadas e, por fim, frustradas.
Tal atitude conduz ao fanatismo. Quem
assim actua acaba por atacar todos os que não pensam de igual modo ou não
pertencem ao mesmo grupo; esquecem o bem que os outros fazem ou podem fazer;
não partilham ideias e propósitos; não aceitam ajudas.
A actuação do Espírito de Deus
Mas onde brotar o bem, o amor, a paz e a
alegria, aí se manifesta a actuação de Deus.
Quem não aceita esta liberdade do
Espírito agir onde quer, é fanático e acaba por se agitar, disputando tudo e
todos.
O Evangelho narra a mesma situação: os
discípulos reagem, manifestando ao Mestre a sua desilusão e irritabilidade ao
verem que alguém não seguidor do grupo restrito de Jesus curava em Seu nome.
Querem que o Mestre impeça a acção dessa pessoa. O Senhor condena a
intransigência dos seus e define uma regra para todos os cristãos: quem quer
que actue em favor do homem é dos nossos.
Norteados por tal princípio, não podemos
aceitar o zelo mal entendido. Este, aparta pessoas e grupos. Devemos combater a
inveja que não reconhece as boas obras dos outros. Fiquemos alegres com o bem
que praticam; estimulemos todas as formas de bondade e rectidão que se
manifestam nos demais, ainda que não pertençam à nossa religião, ao nosso
grupo, à nossa comunidade.
A ausência de compreensão e partilha é
escândalo
A comunidade deve evitar o escândalo,
sobretudo aos mais pequenos, sendo que os mais pequenos são as pessoas mais
débeis na fé e escandaloso o que as inibe de se moverem como seguidores de
Cristo.
O escândalo pode vir de fora, por
exemplo: na rejeição daqueles que erram na vida; dos atingidos por alguma
doença que os faça envergonhar; da mãe solteira; daqueles que rotulamos de
corruptos; dos divorciados. A sua ausência da comunidade é originada muitas
vezes por se sentirem julgados, rejeitados e incompreendidos.
Há o escândalo que vem de dentro:
proveniente da própria mão, do próprio pé, dos próprios olhos. Jesus aponta-nos
comportamentos errados que, quando descobertos, temos o dever de corrigir fazendo
os cortes necessários: devemos evitar o dedo apontado em atitude altiva de quem
aplica a sua própria vontade; as mãos que arrancam a honra; os olhares
invejosos, de desconfiança, de malícia; os pés que cheios de ressentimento
levam à represália; os olhos que cheios de suspeição alimentam aversões e
entravam a partilha dentro da própria comunidade evitando que os irmãos se
falem.
A segunda leitura expressa o mesmo. Há
também, infelizmente, cristãos que, como diz S. Tiago, amontoam riquezas, não
repartem os seus bens com os pobres, exploram os seus servidores e se
transformam em ocasião de escândalo para os que notam a sua actuação nada
adequada à fé que dizem professar. Pior é quando não se mentalizam dessa
condição nada condizente com discípulos de Cristo.
Mais que impedir que os outros «façam
milagres», Jesus recorda-nos a necessidade de afastarmos o mal e de fazermos o
bem.
Lembremo-nos: O simples copo de água
dado em nome de Cristo terá a sua recompensa.
Fala o Santo Padre
«Cada pessoa é atraída pelo amor – que é
o próprio Deus –
mas muitas vezes erra nos modos
concretos de amar.»
No Evangelho deste domingo, Jesus
anuncia pela segunda vez aos discípulos a sua paixão, morte e ressurreição (cf.
Mc 9, 30-31). O evangelista Marcos põe em evidência o forte contraste entre a
sua mentalidade e a dos doze Apóstolos, que não só não compreendem as palavras
do Mestre e rejeitam categoricamente a ideia de que Ele vá ao encontro da morte
(cf. Mc 8, 32), mas discutem entre si sobre quem deve ser considerado «o maior»
(cf. Mc 9, 34). Jesus explica-lhes com paciência a sua lógica, a lógica do amor
que se faz serviço até à entrega de si mesmo: «Se alguém quiser ser o primeiro,
há-de ser o último de todos e o servo de todos» (Mc 9, 35).
Esta é a lógica do Cristianismo, que
corresponde à verdade do homem criado à imagem de Deus, mas ao mesmo tempo
contrasta com o seu egoísmo, consequência do pecado original. Cada pessoa
humana é atraída pelo amor que afinal é o próprio Deus mas muitas vezes erra
nos modos concretos de amar, e assim de uma tendência originalmente positiva
mas maculada pelo pecado, podem derivar intenções e acções más. É o que nos
recorda, na liturgia hodierna, também a Carta de São Tiago: «Onde há inveja e
espírito faccioso também há perturbação e todo o género de obras más. Mas a
sabedoria que vem do alto é, em primeiro lugar, pura; depois, é pacífica,
indulgente, dócil, cheia de misericórdia e de bons frutos, imparcial, sem
hipocrisia». E o Apóstolo conclui: «É com a paz que uma colheita de justiça é
semeada pelos obreiros da paz» (3, 16-18). (…)
Papa Bento XVI, Castel Gandolfo, 24 de
Setembro de 2006
LITURGIA EUCARÍSTICA
ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS: Deus de
misericórdia infinita, aceitai esta nossa oblação e fazei que por ela se abra
para nós a fonte de todas as bênçãos. Por Nosso Senhor Jesus Cristo, vosso
Filho, que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
SANTO
Monição da Comunhão
Que Deus nosso Pai aceite a nossa boa
vontade e nos ajude, através da comunhão do sagrado Corpo e Sangue do Senhor, a
ter a coragem de saber cortar com tudo aquilo que em nós, ou por nosso
intermédio, se possa tornar pedra de escândalo para os homens nossos irmãos.
Salmo 118, 9-5
ANTÍFONA DA COMUNHÃO: Senhor,
lembrai-Vos da palavra que destes ao vosso servo. A consolação da minha
amargura é a esperança na vossa promessa.
Ou
1 Jo 3, 16
Nisto conhecemos o amor de Deus: Ele deu
a vida por nós também nós devemos dar a vida pelos nossos irmãos.
ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO: Fazei,
Senhor, que este sacramento celeste renove a nossa alma e o nosso corpo, para
que, unidos a Cristo neste memorial da sua morte, possamos tomar parte na sua
herança gloriosa. Ele que é Deus convosco na unidade do Espírito Santo.
RITOS FINAIS
Monição final
Evitemos o dedo apontado em atitude
arrogante de quem impõe a própria vontade; as mãos que roubam e os dedos que
apontam; os olhares sobranceiros, invejosos ou maldosos que dividem e os pés
que nos conduzem por caminhos de vingança.
Roteiro
Homilético 10 - Liturgia: comentário exegético presbíteros.org