Ano B - 29º Domingo do Tempo Comum

29º Domingo do Tempo Comum/Ano B

Roteiro Homilético cnbbleste2.org.br
1ª LEITURA - Is 53,10-11
Estes dois versículos pertencem ao quarto canto do Servo do Senhor (Is 52,13-53,12; os outros três cantos são: Is 42,1-9; 49,1-9a; 50,4-9). O assunto do quarto canto é o sofrimento, a morte e a vitória do Servo como vítima de injustiça. A impressão geral é que o Servo está totalmente abandonado até mesmo por Deus. Mais ainda parece que é Deus que o castiga para através do sofrimento ele consiga a remissão dos pecados do povo.

Apesar da clareza do primeiro versículo de hoje, sabemos pelo conjunto da Sagrada Escritura que “Deus não quer a morte do pecador, mas que ele viva”. E o Servo nem pecador era. Na verdade, Deus não se alegra com o sofrimento do justo. Seu sofrimento provém do pecado do mundo, da sociedade injusta, da opressão dos poderosos. Mas Deus pode servir-se do sofrimento do justo para fazer triunfar a sua causa; seu sofrimento não é consequência de seus próprios pecados, mas dos pecados dos outros. O importante, então, para o justo era oferecer a vida como sacrifício pelos pecados dos outros e fazê-lo de modo consciente como o fez o Servo do Senhor. Ele sofre como se fora culpado para a salvação dos culpados. Qual é o resultado do sacrifício do Servo?

a) “Ele há de ver seus descendentes e prolongará sua existência”. Isto significa a vitória da justiça, o triunfo da geração dos humilhados.

 b) “E por ele a bom termo chegará o projeto do Senhor”, apesar da aparente vitória do pecado, da injustiça e da morte. Deus está do lado dos fracos, marginalizados e oprimidos - os servos sofredores.

  c) O justo e com ele todos os justificados verão a luz e ficarão satisfeitos, ou seja, contemplarão a luz da vitória de Deus, seu clarão de glória.

 d) Ele justificará a multidão, quer dizer, ele será o portador da salvação de Deus para todos. A essa altura parece inútil perguntar a quem se refere essa profecia do Servo sofredor, principalmente, quando se sabe que ao narrar a paixão de Jesus, os Evangelhos retomam, quase literalmente, o quarto canto do Servo.


2ª  LEITURA - Hb 4,14-16
Aqui está o cerne da carta aos Hebreus: Jesus Cristo Sumo e eterno Sacerdote é o único mediador entre Deus e os homens. É nesta fé que a comunidade cristã precisa permanecer firme. Era costume em Israel o sumo sacerdote entrar uma vez por ano na parte central e mais Sagrada do Templo de Jerusalém que se chamava “Santo dos Santos”. Ali estava a Arca da Aliança. Era, através de ritos purificatórios e através do sacrifício de um animal, que o sumo sacerdote se tornava mediador entre Deus e o seu povo, alcançando para o povo a misericórdia de Deus. Jesus, o Filho de Deus, entrou no céu uma vez por todas, através do sacrifício de sua própria vida. De fato, ele se imolou por nós e Deus o ressuscitou, colocando-o à sua direita. Ele é agora o único mediador entre Deus e os homens. Com o sacrifício redentor de Cristo todos os antigos sacrifícios foram abolidos e com eles qualquer mediação. Agora, o único mediador é Jesus. E tem mais, Jesus nos compreende; ele é capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pois ele é igual a nós em tudo, com exceção do pecado. Ele padeceu toda a sorte de sofrimentos. Carregou sobre si todas as dores do povo como o Servo do Senhor (1ª Leitura). Diante de toda essa solidariedade do Filho de Deus, que se assentou no trono da graça junto do Pai, a comunidade cristã sofrida, perseguida, vivendo situações difíceis, deve ter duas atitudes: permanecer firme na fé e aproximar-se com total confiança diante de Deus através de Jesus. Ele veio ao mundo, tornou-se sacerdote e único mediador exatamente, para através dele, alcançarmos do Pai misericórdia e graça.



EVANGELHO - Mc 10,35-45
Em Mc 10,32-34 temos o terceiro anúncio da paixão no evangelho de Marcos. Os outros dois estão em Marcos 8,31-32 e 9,10.31. Logo após o terceiro anúncio da paixão temos o texto de hoje. Os discípulos não entendem o ensinamento de Jesus sobre o seu messianismo e sobre o que é ser cristão.

Os discípulos querem poder e glória
Quem encarna essa ambição política são os dois filhos de Zebedeu: Tiago e João querem se sentar ao lado de Jesus no governo de Israel, querem postos de honra e glória. Mal sabem eles que nestas posições, no trono da cruz de Jesus, estavam dois marginalizados! Jesus quer ensinar que só alcançará a glória quem passar pela cruz do serviço, da doação de si mesmo. É, justamente, a busca de poder e de glória que massacra os servidores do Reino. Jesus declara a ignorância dos discípulos e pergunta se eles podem beber o cálice do seu sofrimento ou sofrer o batismo da sua morte na cruz. Eles dizem que sim. Este sim deve ser uma consciência adquirida depois do martírio dos primeiros seguidores de Jesus. Jesus confirma os futuros mártires, mas esclarece que o lugar de glória é dado pelo Pai. Os outros dez se aborrecem com este pedido imbecil, mas também eles se alimentam dessas esperanças políticas triunfantes.

Jesus ensina o serviço e a humildade.
Os discípulos não sabem o que estão pedindo, mas sabem da opressão, do abuso dos grandes sobre os pequenos, dos que têm poder sobre os que não têm. A comunidade de Jesus é diferente das sociedades políticas. Quem busca poder e glória, provoca sempre aborrecimentos, marginalização, violência. Jesus quer formar uma nova comunidade, onde não há diferenças, onde não há distinção entre os grandes que são servidos e os pequenos que são servidores. Jesus quer nivelar sem marginalizar, quer nivelar dignificando a todos a partir do serviço. São todos grandes na comunidade de Jesus, pois todos são servidores: “Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve e quem quiser ser o primeiro entre vós seja o escravo de todos”. E para isso Jesus deixa seu exemplo, ele “veio para servir e dar a sua vida como resgate de muitos”. “Resgate era a soma paga para libertar escravos”. Jesus serviu com um serviço total. Assim ele libertou a todos da servidão que oprime, e convida a todos para um serviço que liberta.


Roteiro Homilético 1 - Liturgia: Mensagem franciscanos.org

Jesus veio para servir e dar sua vida
Podemos gostar de crucifixos de marfim, com gotas de sangue em rubis, como era a moda nas mansões coloniais do século XVIII. Mas não gostamos de um homem diminuído, quebrado, mutilado, ofensa à humanidade. Ora, Deus gosta – não por sadismo (como se precisasse de castigar alguém), mas por verdadeiro amor, que é comunhão, pois se reconhece no justo que foi esmagado por causa da justiça. Num só justo assim, Deus mesmo assume a dívida de muitos, de todos. Os judeus aprenderam isso no exílio babilônico. Não se sabe quem foi o justo torturado pelos ímpios, do qual fala Is 52,13-53,12 (1ª leitura), mas sabemos o que Israel dele aprendeu: enquanto diante dele cobriam o rosto, aprenderam que ele carregou os pecados do povo e morreu por eles.
Como é possível isso? “Chorarão sobre aquele que traspassaram” (Zc 12,10). Parece que a humanidade precisa ver em alguém o resultado de sua malícia, para dela se arrepender. As reivindicações sociais só são concedidas depois de algumas (ou muitas) mortes. Os movimentos de emancipação só vencem quando há mártires. Infeliz humanidade, que só aprende de suas vítimas. Por isso é que Deus ama os que são vitimados. Não porque goste de vingança e sangue, mas porque eles são os seus melhores profetas, seus porta-vozes. Ele se identifica com eles, exalta-os, inclusive, na própria veneração do povo, que, venerando-os, se arrepende de suas faltas e por eles é perdoado e verdadeiramente libertado. Deus ama duplamente o justo sacrificado: a primeira vez, por ser justo e testemunhar a justiça; a segunda, porque seu sangue leva os outros à justiça.
O justo padecente é o modelo conforme o qual Jesus concebe sua missão (evangelho). Entretanto, os seus melhores discípulos pretendem reservar-se os lugares de honra no Reino (Mt 19,16ss abranda a situação, dizendo que foi a mãe deles que o pediu … ). Jesus então lhes ensina que tais pretensões cabem aos poderosos deste mundo, mas não têm vez no Reino de Deus. No Reino de Deus se deve beber o cálice de Jesus, receber o batismo que ele recebe – e os discípulos, sem entender o que Jesus quer dizer, confirmam que eles farão isso. Como, de fato, o fizeram, depois que o exemplo de Jesus lhes ensinara o que estas figuras significavam.
O “poder” no Reino de Deus consiste no servir. O amor só tem poder enquanto ele é doado e se coloca a serviço. Para atingir o coração (e a Deus interessa só isso) é preciso penetrar até o nível da liberdade da pessoa. Ninguém ama por constrangimento. A liberdade surge quando alguém pode tomar ou não tomar determinada decisão. Diante da força que se impõe, não há liberdade. Diante do serviço de alguém que se toma submisso a mim, posso decidir alguma coisa. Por isso, Jesus quer estar a serviço, para que se possa livremente decidir que “reino” se prefere.
Servir é ser pequeno. Ministro (servo) tem a ver com mínimo. Frente ao pequeno, o homem revela o que tem no seu coração: bondade ou sede de poder. Jesus quis ser pequeno, para que os corações se revelassem, não tanto a ele e Deus, que os conhece, mas a si mesmos, pois o maior desconhecido para mim é meu próprio coração. Assumindo o caminho do paciente testemunho da verdade, divergente das conveniências da sociedade dominante, Jesus se tomou servo e fraco, sempre exposto e sem defesa. Tornou-se cordeiro (cf. Is 53,7). O resultado só podia ser o que de fato aconteceu. Foi eliminado, e até seus discípulos tiveram vergonha dele. Mas, muito mais do que no caso do justo de Is 53, Jesus tomou-se “pedra de toque” dos corações e da sociedade toda, com suas estruturas e tudo.
Esta é a mensagem que Mc nos deixa entrever a partir do 3° anúncio da Paixão (Mc 10,32-34; estes versículos poderiam ser incluídos na leitura, para mostrar melhor que as palavras sobre o servir não são apenas uma crítica aos filhos de Zebedeu, mas uma interpretação do caminho do Cristo).
A 2ª leitura cabe bem neste contexto litúrgico. Embora a figura do sacerdote não seja exatamente a do Servo, entendemos perfeitamente que é o Cristo-Servo que, pela fidelidade à sua missão, se torna o verdadeiro “santificador”. Hb acentua que exatamente a participação de Jesus nos mais profundos abismos da condição humana – exceto o pecado – o qualifica para ser o melhor sacerdote imaginável. Um sacerdote que não está do outro lado da barra, mas que participa conosco. E, num seguinte passo, dirá ainda que este sacerdote não precisa de sacrifícios alheios à nossa condição humana (portanto, meramente simbólicos), mas torna sua própria vida instrumento de salvação.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes


A grande ambição: servir e dar a vida
O evangelho de hoje é provocador. Os melhores alunos de Jesus solicitam uma coisa totalmente contrária ao que ele tentou ensinar. Pedem para sentar nos lugares de honra no seu reino, à sua direita e à sua esquerda. Não compreenderam nem a pessoa, nem o modo de agir de Jesus. Seu pedido era tão vergonhoso que o evangelista
Mateus, quando contou mais tarde a mesma história, disse que foi a mãe deles que pediu (MT 20,20).
Devemos situar esse episódio no seu contexto. Mc 8,31-10,45 é a grande instrução de Jesus a caminho, balizada pelos três anúncios da Paixão. O evangelho de hoje é a continuação do 3° anúncio da Paixão: estamos no fim da instrução, e parece que até os melhores alunos ainda não aprenderam nada. De fato, só aprenderão depois da morte e ressurreição de Jesus. Por enquanto, em contraste com a incompreensão dos alunos, eleva-se a grandeza da lição final: o dom da própria vida.
A 1ª leitura prepara-nos para compreender melhor o evangelho. É o 4° cântico do Servo Sofredor. No seu sofrimento ele assumiu a culpa de muitos. Por isso, Deus o ama duplamente: porque ele é justo e porque seu sangue leva os outros a serem justos. Infelizmente, a humanidade precisa de vítimas da injustiça para reencontrar o caminho da justiça. A recente história da América Latina está cheia disso: os mártires que com seu sangue testemunharam o caminho da fraternidade. E ao lado desses mártires de sangue temos ainda os mártires do dia-a-dia, que não são poucos: pessoas que sacrificam sua juventude para cuidar de pais idosos, que sacrificam carreira lucrativa para se dedicar à educação dos pobres … São estes que santificam nosso mundo cruel.
O justo que dá sua vida pelos outros é chamado “servo”, porque serve. Ele é o antipoder. O povo diz: “Quem pode mais, chora menos”. O Servo diria: “Quem pode mais, serve menos”. Jesus diria: “Quem ama mais, sofre mais”. Jesus é a plena realização do “servo”. Aos apóstolos ambiciosos que desejam ter os primeiros lugares no Reino ele opõe seu próprio exemplo: “Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro entre vós seja o escravo de todos. O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10,45).
Casualmente, este evangelho coincide com o trecho de Hb lido na 2ª leitura. Aí o servo de Deus é chamado de sacerdote. Não no sentido do Antigo Testamento – pois aí os sacerdotes eram muitos e deviam ser descendentes de Aarão, o que Jesus não era. Mas no sentido de oferecer a Deus, por todos nós, a própria vida. Aliás, ele é o único sacerdote conforme o Novo Testamento. Aqueles a quem chamamos de sacerdotes são na realidade “ministros”, servos do sacrifício exercido por Jesus. Eles ministram no altar o sacrifício de Jesus, exercendo o sacerdócio ministerial. E os fiéis unem-se ao dom da vida Jesus exercendo na vida cotidiana o sacerdócio batismal do povo de Deus.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan Konings, SJ, Editora Vozes



Roteiro Homilético 2 - Liturgia: Dehonianos de Portugal

Tema do 29º Domingo do Tempo Comum

A liturgia do 29º Domingo do Tempo Comum lembra-nos, mais uma vez, que a lógica de Deus é diferente da lógica do mundo. Convida-nos a prescindir dos nossos projectos pessoais de poder e de grandeza e a fazer da nossa vida um serviço aos irmãos. É no amor e na entrega de quem serve humildemente os irmãos que Deus oferece aos homens a vida eterna e verdadeira.
A primeira leitura apresenta-nos a figura de um “Servo de Deus”, insignificante e desprezado pelos homens, mas através do qual se revela a vida e a salvação de Deus. Lembra-nos que uma vida vivida na simplicidade, na humildade, no sacrifício, na entrega e no dom de si mesmo não é, aos olhos de Deus, uma vida maldita, perdida, fracassada; mas é uma vida fecunda e plenamente realizada, que trará libertação e esperança ao mundo e aos homens.
No Evangelho, Jesus convida os discípulos a não se deixarem manipular por sonhos pessoais de ambição, de grandeza, de poder e de domínio, mas a fazerem da sua vida um dom de amor e de serviço. Chamados a seguir o Filho do Homem “que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida”, os discípulos devem dar testemunho de uma nova ordem e propor, com o seu exemplo, um mundo livre do poder que escraviza.
Na segunda leitura, o autor da Carta aos Hebreus fala-nos de um Deus que ama o homem com um amor sem limites e que, por isso, está disposto a assumir a fragilidade dos homens, a descer ao seu nível, a partilhar a sua condição. Ele não Se esconde atrás do seu poder e da sua omnipotência, mas aceita descer ao encontro homens para lhes oferecer o seu amor.


LEITURA I – Is 53,10-11

Leitura do Livro de Isaías

Aprouve ao Senhor esmagar o seu Servo pelo sofrimento.
Mas, se oferecer a sua vida como vítima de expiação,
terá uma descendência duradoira, viverá longos dias,
e a obra do Senhor prosperará em suas mãos.
Terminados os sofrimentos,
verá a luz e ficará saciado.
Pela sua sabedoria, o Justo, meu Servo, justificará a muitos
e tomará sobre si as suas iniquidades.

AMBIENTE

O nosso texto pertence ao “Livro da Consolação” do Deutero-Isaías (cf. Is 40-55). “Deutero-Isaías” é um nome convencional com que os biblistas designam um profeta anónimo da escola de Isaías, que cumpriu a sua missão profética na Babilónia, entre os exilados judeus. Estamos na fase final do Exílio, entre 550 e 539 a.C..
A missão do Deutero-Isaías é consolar os exilados judeus. Nesse sentido, ele começa por anunciar a iminência da libertação e por comparar a saída da Babilónia ao antigo êxodo, quando Deus libertou o seu Povo da escravidão do Egipto (cf. Is 40-48); depois, anuncia a reconstrução de Jerusalém, essa cidade que a guerra reduziu a cinzas, mas à qual Deus vai fazer regressar a alegria e a paz sem fim (cf. Is 49-55).
No meio desta proposta “consoladora” aparecem, contudo, quatro textos (cf. Is 42,1-9; 49,1-13; 50,4-11; 52,13-53,12) que fogem um tanto a esta temática. São cânticos que falam de uma personagem misteriosa e enigmática, que os biblistas designam como o “Servo de Jahwéh”: ele é um predilecto de Jahwéh, a quem Deus chamou, a quem confiou uma missão profética e a quem enviou aos homens de todo o mundo; a sua missão cumpre-se no sofrimento e numa entrega incondicional à Palavra; o sofrimento do profeta tem, contudo, um valor expiatório e redentor, pois dele resulta o perdão para o pecado do Povo; Deus aprecia o sacrifício deste “Servo” e recompensá-lo-á, fazendo-o triunfar diante dos seus detractores e adversários.
Quem é este profeta? É Jeremias, o paradigma do profeta que sofre por causa da Palavra? É o próprio Deutero-Isaías, chamado a dar testemunho da Palavra no ambiente hostil do Exílio? É um profeta desconhecido? É uma figura colectiva, que representa o Povo exilado, humilhado, esmagado, mas que continua a dar testemunho de Deus no meio das outras nações? É uma figura representativa, que une a recordação de personagens históricas (patriarcas, Moisés, David, profetas) com figuras míticas, de forma a representar o Povo de Deus na sua totalidade? Não sabemos; no entanto, a figura apresentada nesses poemas vai receber uma outra iluminação à luz de Jesus Cristo, da sua vida, do seu destino.
O texto que nos é proposto é parte do quarto cântico do “servo de Jahwéh”. Nele, porém, o “Servo” não fala; quem proclama este “cântico” parece ser um coro, que percebeu, no aparente sem sentido da vida do “Servo”, um profundo significado à luz da lógica de Deus.

MENSAGEM

A primeira parte do nosso texto (vers. 2-3) apresenta-nos o “Servo de Jahwéh”. Não se diz quem é ele, quais são os seus pais, qual é a sua terra. É uma figura anónima, sem história, obscura, ignorada, insignificante à luz dos critérios humanos. Recorrendo à imagem vegetal, o profeta compara-o a uma raiz crescida no deserto, marcada pela aridez do ambiente circundante, sem beleza e sem características que atraiam o olhar ou a atenção dos homens (vers. 2). Mais: é uma figura desprezada e abandonada pelos homens, que vêem o seu sofrimento como um castigo de Deus e que tapam o rosto diante dele para não se contaminarem (vers. 3). Numa época em que o sofrimento é sempre visto como castigo pelo pecado, o notório sofrimento desse “Servo” devia aparecer, aos olhos dos seus concidadãos, como o castigo de Deus para faltas particularmente graves…
À luz dos critérios de avaliação usados pelos homens, o “Servo” é um fracassado, um vencido, um ser trágico, abandonado por Deus e desprezado pelos homens. Seguramente, ele nunca será contado entre os grandes, os vencedores, aqueles que têm um papel preponderante na construção do mundo e da história.
À luz da lógica de Deus, porém, a existência do “Servo” não é uma existência insignificante, perdida, sem sentido… O sofrimento que o atingiu ao longo de toda a existência não é num castigo de Deus por causa dos seus pecados pessoais, mas um sacrifício de reparação que justificará os pecados de muitos. A palavra “reparação” aqui utilizada pelo Deutero-Isaías é um termo cúltico por excelência. Refere-se a um ritual sacrificial através do qual o crente vétero-testamentário oferecia um animal em sacrifício e, por essa oferta, alcançava de Deus o perdão para os seus pecados. Ao dizer que o sofrimento do “Servo” é um sacrifício de reparação, o profeta está a dizer que esse sofrimento não é, nem um castigo, nem uma inutilidade; mas é um sofrimento que servirá para eliminar o pecado e para gerar vida nova para toda a comunidade do Povo de Deus (os muitos de que fala o texto). Ao abençoar o seu “Servo”, ao dar-lhe “uma posteridade duradoura”, uma “vida longa” (vers. 10) e a possibilidade de “ver a luz” (vers. 11), Deus garante a verdade e a autenticidade da vida do “Servo”.
Dito por outras palavras: o autor deste texto está convencido de que uma vida vivida na simplicidade, na humildade, no sacrifício, na entrega e no dom de si mesmo não é, aos olhos de Deus, uma vida maldita, perdida, fracassada; mas é uma vida fecunda e plenamente realizada, que trará libertação, verdade, esperança e amor ao mundo e aos homens.
Os primeiros cristãos, impressionados pela beleza e pela profundidade deste texto, utilizaram-no frequentemente para procurar compreender a figura de Jesus, que “morreu pela salvação do povo”. Em Jesus, esta enigmática figura do “Servo de Jahwéh” alcançou o seu pleno significado.

ACTUALIZAÇÃO

• O nosso texto mostra, uma vez mais, como os valores de Deus e os valores dos homens são diferentes. Na lógica dos homens, os vencedores são aqueles que tomam o mundo de assalto com o seu poder, com o seu dinheiro, com a sua ânsia de triunfo e de domínio, com a sua capacidade de impor as suas ideias ou a sua visão do mundo; são aqueles impressionam pela forma como vestem, pela sua beleza, pela sua inteligência, pelas suas brilhantes qualidades humanas… Na lógica de Deus, os vencedores são aqueles que, embora vivendo no esquecimento, na humildade, na simplicidade, sabem fazer da própria vida um dom de amor aos irmãos; são aqueles que, com as suas atitudes de serviço e de entrega, trazem ao mundo uma mais valia de vida, de libertação e de esperança. Qual destes dois modelos faz mais sentido para mim? Quando, no dia a dia, tenho de estabelecer as minhas prioridades e de fazer as minhas escolhas, deixo-me conduzir pela lógica de Deus ou pela lógica dos homens? Quem são as pessoas que eu admiro, que eu tenho como modelos, que me impressionam?

• Onde está Deus? Onde podemos encontrar o seu rosto, as suas propostas, os seus apelos e desafios? Apresentando-nos a figura desse “Servo” insignificante e desprezado pelos homens, mas através do qual se revela a vida e a salvação de Deus, o nosso texto lembra-nos que Deus, seguindo a sua lógica muito própria vem, tantas vezes, ao nosso encontro na pobreza, na pequenez, na simplicidade, na fragilidade, na debilidade… Conscientes desta realidade, poderemos perceber a presença de Deus a nosso lado nos pequenos gestos que todos os dias testemunhamos e que nos dão esperança, nas coisas simples e banais que nos enchem o coração de paz, nas pessoas humildes que o mundo despreza e marginaliza, mas que são capazes de gestos impressionantes de serviço, de partilha, de doação, de entrega… Não nos deixemos enganar: Deus não está naquilo que é brilhante, sedutor, majestoso, espampanante; Deus está na simplicidade do amor que se faz dom, serviço, entrega humilde aos irmãos.

• Qual o sentido do sofrimento? Porque é que há tantas pessoas boas, honestas, justas, generosas, que atravessam a vida mergulhadas na dor e no sofrimento? Trata-se de uma pergunta que fazemos frequentemente e que o autor do quarto cântico do “Servo” também punha a si próprio. A resposta que ele encontra é a seguinte: o sofrimento do justo não se perde; através dele, os pecados da comunidade são expiados e Deus dará vida e salvação ao seu Povo. Trata-se, sem dúvida, de uma resposta incompleta, parcial, não totalmente satisfatória; mas encontra-se já nesta resposta a convicção de que, nos misteriosos caminhos de Deus, o sofrimento pode ser uma dinâmica geradora de vida nova. Jesus Cristo demonstrará, com a sua paixão, morte e ressurreição, a verdade desta afirmação.


SALMO RESPONSORIAL – Salmo 32 (33)

Refrão: Desça sobre nós a vossa misericórdia,
 porque em Vós esperamos, Senhor.

A palavra do Senhor é recta,
da fidelidade nascem as suas obras.
Ele ama a justiça e a rectidão:
a terra está cheia da bondade do senhor.

Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem,
para os que esperam na sua bondade,
para libertar da morte as suas almas
e os alimentar no tempo da fome.

A nossa alma espera o Senhor:
Ele é o nosso amparo e protector.
Venha sobre nós a vossa bondade,
porque em Vós esperamos, Senhor.


LEITURA II – Heb 4,14-16

Leitura da Epístola aos Hebreus

Irmãos:
Tendo nós um sumo sacerdote que penetrou os Céus,
Jesus, Filho de Deus,
permaneçamos firmes na profissão da nossa fé.
Na verdade, nós não temos um sumo sacerdote
incapaz de se compadecer das nossas fraquezas.
Pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo,
à nossa semelhança, excepto no pecado.
Vamos, portanto, cheios de confiança ao trono da graça,
a fim de alcançarmos misericórdia
e obtermos a graça de um auxílio oportuno.

AMBIENTE

Já vimos, nos domingos precedentes, que a Carta aos Hebreus se destina a comunidades cristãs em situação difícil, expostas a tribulações várias e que, por isso mesmo, estão fragilizadas, cansadas e desalentadas. Os crentes que compõem essas comunidades necessitam urgentemente de redescobrir o seu entusiasmo inicial, de revitalizar o seu compromisso com Cristo e de apostar numa fé mais coerente e mais empenhada.
Nesse sentido, o autor da “carta” apresenta-lhes o mistério de Cristo, o sacerdote por excelência, cuja missão é pôr os crentes em relação com o Pai e inseri-los nesse Povo sacerdotal que é a comunidade cristã. Uma vez comprometidos com Cristo, os crentes devem fazer da sua vida um contínuo sacrifício de louvor, de entrega e de amor. Desta forma, o autor oferece aos cristãos um aprofundamento e uma ampliação da fé primitiva, capaz de revitalizar a sua experiência de fé, enfraquecida pela hostilidade do ambiente, pela acomodação, pela monotonia e pelo arrefecimento do entusiasmo inicial.
O texto que nos é proposto está incluído na segunda parte da Carta aos Hebreus (cf. Heb 3,1-5,10). Aí, o autor apresenta Jesus como o sacerdote fiel e misericordioso que o Pai enviou ao mundo para mudar os corações dos homens e para os aproximar de Deus. Aos crentes pede-se que “acreditem” em Jesus – isto é, que escutem atentamente as propostas que Cristo veio fazer, que as acolham no coração e que as transformem em gestos concretos de vida.

MENSAGEM

Jesus é, para todos os crentes, o grande sumo-sacerdote que “atravessou os céus” para alcançar misericórdia para todos os crentes (vers. 14). A expressão “atravessou os céus” refere-se, naturalmente, à realidade da incarnação: Jesus, o Filho de Deus, veio ao encontro dos homens como sumo-sacerdote, a fim de eliminar o pecado que impedia a comunhão entre os homens e Deus e levar os homens ao encontro de Deus. Aqui evoca-se o esforço de Deus, através do seu Filho, no sentido de refazer uma comunidade de vida com os homens e de os reconduzir ao encontro da vida eterna e verdadeira.
Diante dessa acção incrível de Deus, fruto do seu amor pelo homem, os crentes devem responder com a fé – isto é, com a aceitação incondicional da proposta de Jesus (“conservemos firme a fé que professamos”). Aderir à proposta de Jesus é reentrar na comunhão com Deus, assumir-se como família de Deus, receber de Deus vida em abundância.
Apesar de ser Filho de Deus, Jesus, o sumo-sacerdote, não é, no entanto, um ser celestial estranho, incapaz de perceber os crentes na sua dramática luta de todos os dias, na sua fragilidade face à perseguição, na sua dificuldade em vencer o confronto com o egoísmo, a acomodação, a preguiça, a monotonia… Ele próprio foi submetido à mesma prova, conheceu a mordedura das mesmas tentações, experimentou as mesmas dificuldades. No entanto, Ele soube sempre manter-Se fiel a Deus e aos seus projectos, mostrando-nos que também nós podemos viver na fidelidade a Deus e às suas propostas (vers. 15).
Nós, os seguidores de Jesus, não estamos numa situação desesperada, apesar das nossas falhas e incoerências. Podemos e devemos aceitar a proposta de Jesus e dirigir-nos a Deus, na certeza de que seremos acolhidos por Ele como filhos muito amados. Graças a Jesus, o sumo-sacerdote que veio ao nosso encontro, que experimentou e entendeu a nossa fragilidade, que restabeleceu a comunhão entre nós e Deus, que nos leva ao encontro de Deus e que nos garante a sua misericórdia, estamos agora numa nova situação de graça e de liberdade. Podemos, com tranquilidade e confiança, sem qualquer medo, aproximar-nos desse “trono da graça” de onde brota a vida eterna e verdadeira. Esta certeza deve ajudar-nos e dar-nos esperança nos momentos mais dramáticos da nossa caminhada pela história (vers. 16).

ACTUALIZAÇÃO

• Em total consonância com as outras leituras deste domingo, o autor da Carta aos Hebreus fala-nos de um Deus que ama o homem com um amor sem limites e que, por isso, está disposto a assumir a fragilidade dos homens, a descer ao seu nível, a partilhar a sua condição. Ele não se esconde atrás do seu poder, da sua autoridade, da sua importância, da sua omnipotência; Ele não tem medo de perder a sua dignidade ou as suas prerrogativas divinas quando assume a pobreza, a fragilidade, a debilidade dos homens… Na lógica de Deus, o que é mais importante não é aquele que protege a sua autoridade e a sua importância através de barreiras intransponíveis, mas é aquele que é capaz de descer ao encontro dos últimos, dos desclassificados, dos marginalizados, dos sofredores, para lhes oferecer o seu amor. É esta a lógica de Deus – lógica que somos chamados a compreender, a assumir e a testemunhar.

• Os seguidores de Cristo são, naturalmente, convidados, a assumir o seu exemplo… Assim como Cristo, por amor, vestiu a nossa fragilidade e veio ao nosso encontro, também nós devemos – despindo-nos do nosso egoísmo, da nossa acomodação, da nossa preguiça, da nossa indiferença – ir ao encontro dos nossos irmãos, vestir as suas dores e fragilidades, fazer-nos solidários com eles, partilhar os seus dramas, lágrimas, sofrimentos, alegrias e esperanças. Não podemos, do alto da nossa situação cómoda, limpa, arrumada, decidir que não temos nada a ver com o sofrimento do mundo ou com a carência que aflige a vida de um nosso irmão. Somos sempre responsáveis pelos irmãos que connosco partilham os caminhos deste mundo, mesmo quando não os conhecemos pessoalmente ou mesmo que deles estejamos separados por fronteiras geográficas, históricas, étnicas ou outras.

• Ao assegurar-nos que nada temos a temer pois Deus ama-nos, quer integrar-nos na sua família e oferecer-nos vida em abundância, o nosso texto convida-nos a encarar a vida e os seus caminhos com serenidade e confiança. Os cristãos são pessoas serenas e com o coração em paz. Estão conscientes de que as suas fragilidades e debilidades não os afastam, nunca, de Deus e do seu amor.


ALELUIA – Mc 10,45

Aleluia. Aleluia.

O Filho do homem veio para servir
e dar a vida pela redenção de todos.


EVANGELHO – Mc 10,35-45

Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Marcos

Naquele tempo,
Tiago e João, filhos de Zebedeu,
aproximaram-se de Jesus e disseram-Lhe:
«Mestre, nós queremos que nos faças o que Te vamos pedir».
Jesus respondeu-lhes:
«Que quereis que vos faça?»
Eles responderam:
«Concede-nos que, na tua glória,
nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda».
Disse-lhes Jesus:
«Não sabeis o que pedis.
Podeis beber o cálice que Eu vou beber
e receber o baptismo com que Eu vou ser baptizado?»
Eles responderam-Lhe: «Podemos».
Então Jesus disse-lhes:
«Bebereis o cálice que Eu vou beber
e sereis baptizados com o baptismo
com que Eu vou ser baptizado.
Mas sentar-se à minha direita ou à minha esquerda
não Me pertence a Mim concedê-lo;
é para aqueles a quem está reservado».
Os outros dez, ouvindo isto,
começaram a indignar-se contra Tiago e João.
Jesus chamou-os e disse-lhes:
«Sabeis que os que são considerados como chefes das nações
exercem domínio sobre elas
e os grandes fazem sentir sobre elas o seu poder.
Não deve ser assim entre vós:
Quem entre vós quiser tornar-se grande,
será vosso servo,
e quem quiser entre vós ser o primeiro,
será escravo de todos;
porque o Filho do homem não veio para ser servido,
mas para servir
e dar a vida pela redenção de todos».

AMBIENTE

Continuamos a percorrer, com Jesus e com os discípulos, o caminho para Jerusalém. Marcos observa que, nesta fase, Jesus vai à frente e os discípulos seguem-n’O “cheios de temor” (cf. Mc 10,32). Haverá aqui alguma má vontade dos discípulos, por causa das últimas polémicas e das exigências radicais de Jesus? Este “temor” resultará do facto de Jesus se aproximar do seu destino final, em Jerusalém, destino que o grupo não aprova? Seja como for, Jesus continua a sua catequese e, mais uma vez (é a terceira, no curto espaço de poucos dias), lembra aos discípulos que, em Jerusalém, vai ser entregue nas mãos dos líderes judaicos e vai cumprir o seu destino de cruz (cf. Mc 10,33-34). Desta vez, não há qualquer reacção dos discípulos.
Já observámos, no passado domingo, que o caminho percorrido por Jesus e pelos discípulos é, além de um caminho geográfico, também um caminho espiritual. Durante esse caminho, Jesus vai completando a sua catequese aos discípulos sobre as exigências do Reino e as condições para integrar a comunidade messiânica. A resposta dos discípulos às propostas que Jesus lhes vai fazendo nunca é demasiado entusiasta.
O texto que nos é proposto desta vez demonstra que os discípulos continuam sem perceber – ou sem querer perceber – a lógica do Reino. Eles ainda continuam a raciocinar em termos de poder, de autoridade, de grandeza e vêem na proposta do Reino apenas uma oportunidade de realizar os seus sonhos humanos.

MENSAGEM

Na primeira parte do nosso texto (vers. 35-40), apresenta-se a pretensão de Tiago e de João, os filhos de Zebedeu, no sentido de se sentarem, no Reino que vai ser instaurado, “um à direita e outro à esquerda” de Jesus. A questão nem sequer é apresentada como um pedido respeitoso; mas parece mais uma reivindicação de quem se sente com direito inquestionável a um privilégio. Certamente Tiago e João imaginam o Reino que Jesus veio propor de acordo com Dn 7,13-14 e querem assegurar nesse Reino poderoso e glorioso, desde logo, lugares de honra ao lado de Jesus. O facto mostra como Tiago e João, mesmo depois de toda a catequese que receberam durante o caminho para Jerusalém, ainda não entenderam nada da lógica do Reino e ainda continuam a reflectir e a sentir de acordo com a lógica do mundo. Para eles, o que é importante é a realização dos seus sonhos pessoais de autoridade, de poder e de grandeza.
Uma vez mais Jesus vê-se obrigado a esclarecer as coisas. Em primeiro lugar, Jesus avisa os discípulos de que, para se sentarem à mesa do Reino, devem estar dispostos a “beber o cálice” que Ele vai beber e a “receber o baptismo” que Ele vai receber. O “cálice” indica, no contexto bíblico, o destino de uma pessoa; ora, “beber o mesmo cálice” de Jesus significa partilhar esse destino de entrega e de dom da vida que Jesus vai cumprir. O “receber o mesmo baptismo” evoca a participação e imersão na paixão e morte de Jesus (cf. Rom 6,3-4; Col 2,12). Para fazer parte da comunidade do Reino é preciso, portanto, que os discípulos estejam dispostos a percorrer, com Jesus, o caminho do sofrimento, da entrega, do dom da vida até à morte. Apesar de Tiago e João manifestarem, com toda a sinceridade, a sua disponibilidade para percorrer o caminho do dom da vida, Jesus não lhes garante uma resposta positiva à sua pretensão… Jesus evita associar o cumprimento da missão e a recompensa, pois o discípulo não pode seguir determinado caminho ou embarcar em determinado projecto por cálculo ou por interesse; de acordo com a lógica do Reino, o discípulo é chamado a seguir Jesus com total gratuidade, sem esperar nada em troca, acolhendo sempre como graças não merecidas os dons de Deus.
Na segunda parte do nosso texto (vers. 41-45), temos a reacção dos discípulos à pretensão dos dois irmãos e uma catequese de Jesus sobre o serviço.
A reacção indignada dos outros discípulos ao pedido de Tiago e de João indica que todos eles tinham as mesmas pretensões. O pedido de Tiago e de João a Jesus aparece-lhes, portanto, como uma “jogada de antecipação” que ameaça as secretas ambições que todos eles guardavam no coração.
Jesus aproveita a circunstância para reiterar o seu ensinamento e para reafirmar a lógica do Reino. Começa por recordar-lhes o modelo dos “governantes das nações” e dos grandes do mundo (vers. 42): eles afirmam a sua autoridade absoluta, dominam os povos pela força e submetem-nos, exigem honras, privilégios e títulos, promovem-se à custa da comunidade, exercem o poder de uma forma arbitrária… Ora, este esquema não pode servir de modelo para a comunidade do Reino. A comunidade do Reino assenta sobre a lei do amor e do serviço. Os seus membros devem sentir-se “servos” dos irmãos, apostados em servir com humildade e simplicidade, sem qualquer pretensão de mandar ou de dominar. Mesmo aqueles que são designados para presidir à comunidade devem exercer a sua autoridade num verdadeiro espírito de serviço, sentindo-se servos de todos. Excluindo do seu universo qualquer ambição de poder e de domínio, os membros da comunidade do Reino darão testemunho de um mundo novo, regido por novos valores; e ensinarão os homens que com eles se cruzarem nos caminhos da vida a serem verdadeiramente livres e felizes.
Como modelo desta nova atitude, Jesus propõe-Se a Si próprio: Ele apresenta-Se como “o Filho do Homem que não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por todos” (vers. 45). De facto, toda a vida de Jesus pode ser entendida em chave de amor e serviço. Desde o primeiro instante da incarnação, até ao último momento da sua caminhada nesta terra, Ele pôs-se ao serviço do projecto do Pai e fez da sua vida um dom de amor aos homens. Ele nunca Se deixou seduzir por projectos pessoais de ambição, de poder, de domínio; mas apenas quis entregar toda a sua vida ao serviço dos homens, a fim de que os homens pudessem encontrar a vida plena e verdadeira.
O fruto da entrega de Jesus é o “resgate” (“lytron”) da humanidade. A palavra aqui usada indica o “preço” pago para resgatar um escravo ou um prisioneiro. Atendendo ao contexto, devemos pensar que o resgate diz respeito à situação de escravidão e de opressão a que a humanidade está submetida. Ao dar a sua vida (até à última gota de sangue) para propor um mundo livre da ambição, do egoísmo, do poder que escraviza, Jesus pagou o “preço” da nossa libertação. Com Ele e por Ele nasce, portanto, uma comunidade de “servos”, que são testemunhas no mundo de uma ordem nova – a ordem do Reino.

ACTUALIZAÇÃO

• No centro deste episódio está Jesus e o modelo que Ele propõe, com o exemplo da sua vida. A frase “o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por todos” (Mc 10,45) resume admiravelmente a existência humana de Jesus… Desde o primeiro instante, Ele recusou as tentações da ambição, do poder, da grandeza, dos aplausos das multidões; desde o primeiro instante, Ele fez da sua vida um serviço aos pobres, aos desclassificados, aos pecadores, aos marginalizados, aos últimos. O ponto culminante dessa vida de doação e de serviço foi a morte na cruz – expressão máxima e total do seu amor aos homens. É preciso que tenhamos a consciência de que este valor do serviço não é um elemento acidental ou acessório, mas um elemento essencial na vida e na proposta de Jesus… Ele veio ao mundo para servir e colocou o serviço simples e humilde no centro da sua vida e do seu projecto. Trata-se de algo que não pode ser ignorado e que tem de estar no centro da experiência cristã. Nós, seguidores de Jesus, devemos estar plenamente conscientes desta realidade.

• O episódio que nos é hoje proposto como Evangelho mostra, contudo, a dificuldade que os discípulos têm em entender e acolher a proposta de Jesus. Para Tiago, para João e para os outros discípulos, o que parece contar é a satisfação dos próprios sonhos pessoais de grandeza, de ambição, de poder, de domínio. Não os preocupa fazer da vida um serviço simples e humilde a Deus e aos irmãos; preocupa-os ocupar os primeiros lugares, os lugares de honra… Jesus, de forma simples e directa, avisa-os de que a comunidade do Reino não pode funcionar segundo os modelos do mundo. Aqui não há meio-termo: quem não for capaz de renunciar aos esquemas de egoísmo, de ambição, de domínio, para fazer da própria vida um serviço e um dom de amor, não pode ser discípulo desse Jesus que veio para servir e para dar a vida.

• Ao apresentar as coisas desta forma, o nosso texto convida-nos a repensar a nossa forma de nos situarmos, quer na família, quer na escola, quer no trabalho, quer na sociedade. A instrução de Jesus aos discípulos que o Evangelho deste domingo nos apresenta é uma denúncia dos jogos de poder, das tentativas de domínio sobre aqueles que vivem e caminham a nosso lado, dos sonhos de grandeza, das manobras patéticas para conquistar honras e privilégios, da ânsia de protagonismo, da busca desenfreada de títulos, da caça às posições de prestígio… O cristão tem, absolutamente, de dar testemunho de uma ordem nova no seu espaço familiar, colocando-se numa atitude de serviço e não numa atitude de imposição e de exigência; o cristão tem de dar testemunho de uma nova ordem no seu espaço laboral, evitando qualquer atitude de injustiça ou de prepotência sobre aqueles que dirige e coordena; o cristão tem sempre de encarar a autoridade que lhe é confiada como um serviço, cumprido na busca atenta e coerente do bem comum…

• Na comunidade cristã encontramos também, com muita frequência, a tentação de nos organizarmos de acordo com princípios de poder, de autoridade, de predomínio, à boa maneira do mundo. Sabemos, pela história, que sempre que a Igreja tentou esses caminhos, afastou-se da sua missão, deu um testemunho pouco credível e tornou-se escândalo para tantos homens e mulheres bem intencionados… Por outro lado, testemunhamos todos os dias, nas nossas comunidades cristãs, como os comportamentos prepotentes criam divisões, rancores, invejas, afastamentos… Que não restem dúvidas: a autoridade que não é amor e serviço é incompatível com a dinâmica do Reino. Nós, os seguidores de Jesus, não podemos, de forma alguma, pactuar com a lógica do mundo; e uma Igreja que se organiza e estrutura tendo em conta os esquemas do mundo não é a Igreja de Jesus.

• Na nossa sociedade, os primeiros são os que têm dinheiro, os que têm poder, os que frequentam as festas badaladas nas revistas da sociedade, os que vestem segundo as exigências da moda, os que têm sucesso profissional, os que sabem colar-se aos valores politicamente correctos… E na comunidade cristã? Quem são os primeiros? As palavras de Jesus não deixam qualquer dúvida: “quem quiser ser o primeiro, será o último de todos e o servo de todos”. Na comunidade cristã, a única grandeza é a grandeza de quem, com humildade e simplicidade, faz da própria vida um serviço aos irmãos. Na comunidade cristã não há donos, nem grupos privilegiados, nem pessoas mais importantes do que as outras, nem distinções baseadas no dinheiro, na beleza, na cultura, na posição social… Na comunidade cristã há irmãos iguais, a quem a comunidade confia serviços diversos em vista do bem de todos. Aquilo que nos deve mover é a vontade de servir, de partilhar com os irmãos os dons que Deus nos concedeu.

• A atitude de serviço que Jesus pede aos seus discípulos deve manifestar-se, de forma especial, no acolhimento dos pobres, dos débeis, dos humildes, dos marginalizados, dos sem direitos, daqueles que não nos trazem o reconhecimento público, daqueles que não podem retribuir-nos… Seremos capazes de acolher e de amar os que levam uma vida pouco exemplar, os marginalizados, os estrangeiros, os doentes incuráveis, os idosos, os difíceis, os que ninguém quer e ninguém ama?


ALGUMAS SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 29º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de “Signes d’aujourd’hui”)

1. A PALAVRA MEDITADA AO LONGO DA SEMANA.
Ao longo dos dias da semana anterior ao 29º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia, por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra: num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais, numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno a Palavra de Deus.

2. BILHETE DE EVANGELHO.
É normal que toda a pessoa procure ser reconhecida; a sua dignidade depende disso. Mas será necessário, para ser reconhecido, procurar passar à frente dos outros, sem qualquer escrúpulo? Que cada um tome o seu lugar, mas não reclame o primeiro. Jesus não vem dar conselhos, começa por oferecer o seu testemunho. Ele, que era de condição divina, tomou o lugar de escravo. Deus elevou-O e deu-Lhe um Nome que ultrapassa todo o nome. Jesus não prega o abaixamento pelo abaixamento. Quem escolhe o serviço é elevado por Deus ao lugar de “grande”, Deus dá o primeiro lugar a quem escolheu o último. É Deus que altera as situações que o homem, na sua liberdade, escolhe para ser verdadeiro cidadão do Reino de Deus.

3. À ESCUTA DA PALAVRA.
A tentação dos discípulos é recorrente: quem é o maior? Eles pedem a Jesus para se sentarem um à direita e outro à esquerda na sua glória! A glória de Jesus, para Tiago e João, só podia ser a glória temporal do Messias. Eles pedem-Lhe para lhes dar os melhores ministérios no futuro governo! Mas Jesus pensa noutra glória: o cálice da Paixão, depois de ter mergulhado no baptismo da sua morte. É evidente que os dois discípulos não podiam compreender isso. O trono de Jesus é a sua cruz. Na cruz raiará em supremo grau o amor do Pai por todos os homens. Na cruz, Jesus está rodeado por dois ladrões, um à direita e outro à esquerda. Eles simbolizam a humanidade, ao mesmo tempo mergulhada nas trevas e acolhedora da luz. É toda a humanidade que é chamada a entrar no Reino, a partilhar a glória do Rei: a parte da humanidade que reconhece Jesus e a parte que O rejeita. Deus quer que todos os homens se salvem. Jesus cumpriu perfeitamente a vontade do seu Pai: veio para servir e dar a vida pela humanidade! Cabe aos discípulos, a nós também seus discípulos, serem também servidores da salvação para todos os homens!

4. PARA A SEMANA QUE SE SEGUE…
Como servir? Este Dia Mundial das Missões recorda-nos a nossa vocação a sermos servidores do Evangelho… Concretamente, como fazer passar o Evangelho antes dos nossos próprios desejos? Fazer passar o respeito pelo outro antes da nossa própria vantagem? De que maneira vamos poder servir nesta semana? Ousaremos fazê-lo em nome de Cristo Servidor?
Como rezar? Isso diz respeito também à qualidade da nossa oração… A maior parte das vezes, somos como os filhos de Zebedeu: prontos a pedir. Mas se nos esforçamos por amar e servir como Cristo nos pede, então, melhor que pedir, poderemos oferecer-Lhe aquilo que, graças a Ele, faremos pelos nossos irmãos.


UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900 – F8758ax: 218540909



Roteiro Homilético 3 - Liturgia: Vida Pastoral

Por Celso Loraschi
 
A oferta da vida como ação sagrada

Introdução geral

Os textos bíblicos da liturgia deste domingo apresentam o “servo de Deus” que entrega livremente a sua vida como sacrifício expiatório. A etimologia da palavra “sacrifício” indica uma “ação sagrada”, relacionada, portanto, com a realização da vontade divina. O “servo de Deus”, para o profeta Isaías Segundo, é o povo de Israel exilado na Babilônia. No meio do sofrimento, esse “servo” descobre a missão divina de levar sobre si as dores e transgressões de muitos e não somente de suas próprias faltas. Por meio do seu povo sofredor, Deus realiza seu desígnio de salvação para muitos outros povos (I leitura). As comunidades cristãs veem nesses textos a prefiguração de Jesus, o “servo sofredor” que veio ao mundo “não para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”, como exprime o Evangelho de Marcos. Os discípulos devem tomar consciência de que seguem um Messias antitriunfalista e, por isso, devem renunciar a toda ambição de poder e tornar-se servos uns dos outros (evangelho). Pela entrega de sua vida como sacrifício expiatório, Jesus tornou-se o único e eterno sacerdote, capaz de compadecer-se de nossas fraquezas, pois se fez solidário conosco em tudo, menos no pecado (II leitura). Podemos nos aproximar dele com toda a confiança, pois é fonte de eterna misericórdia e de abundantes graças.

Comentário dos textos bíblicos

I leitura (Is 53,10-11): O sofrimento solidário
Esse pequeno texto de Isaías Segundo faz parte do quarto cântico do servo de Deus (52,13-53,12). Os autores elaboram nova teologia à luz da realidade dos exilados na Babilônia. Revelam o significado do sofrimento pelo qual passam os oprimidos. Deus os assumiu como o seu servo amado e deu-lhes uma missão muito especial. Todos vão testemunhar a incrível transformação pela qual Deus faz passar o seu “servo sofredor”. Até os opressores são obrigados a reconhecer. Eles diziam a respeito do servo: “Não tinha beleza nem esplendor que pudesse atrair o nosso olhar, nem formosura capaz de nos deleitar. Era desprezado e abandonado […], familiarizado com o sofrimento, como pessoa de quem todos escondem o rosto […]; não fazíamos caso nenhum dele. Nós o tínhamos como vítima do castigo, ferido por Deus e humilhado […]”. Porém, esses mesmos vão exclamar admirados: “No entanto, eram nossos sofrimentos que ele levava sobre si, eram nossas dores que ele carregava” (53,2-4).

A palavra profética ilumina o sentido que está por trás dos acontecimentos. Deus se revela de modo surpreendente em cada contexto histórico. Quem poderia imaginar que um punhado de gente desprezada e abandonada se transformaria em sujeitos de redenção para muitos, até mesmo para seus opressores que se convertem? É da vontade divina que os pequeninos se tornem veículos de sua graça para o mundo. Essa consciência que vai crescendo no meio dos exilados, com a animação da profecia, enche-os de coragem e esperança. O sofrimento passa a ser concebido já não como castigo divino, mas como desdobramento da atitude de fidelidade à vontade divina. A pessoa justa sofre porque segue os desígnios de Deus e, assim, se contrapõe aos planos dos dominantes. Em vez de fazer o jogo dos vingativos e violentos, assume sobre si as transgressões e dores do povo. Livre e conscientemente, oferece sua vida em resgate da justiça para todos.

A atitude de fidelidade a Deus com todas as consequências faz do “servo sofredor” um vitorioso sobre a maldade do mundo. Não só isso. Porque ele oferece a sua vida como sacrifício expiatório, garantirá o triunfo do plano de Deus, que é a vida em plenitude para todos.

Evangelho (Mc 10,35-45): Jesus, o servo sofredor
As comunidades cristãs primitivas enfrentaram, como acontece nas comunidades de hoje, diversos conflitos internos. Um deles referia-se à disputa de poder entre as lideranças. Competições, ciúme e inveja se manifestam também entre os cristãos. São manifestações que contradizem o ensinamento e a prática de Jesus. Por isso, um dos objetivos do Evangelho de Marcos é “voltar às fontes” originais da fé em Jesus Cristo. Seus autores procuram recuperar a memória de Jesus de Nazaré a fim de que os cristãos permaneçam fiéis ao seu projeto e não se deixem contaminar pela ideologia de poder. Já se passaram aproximadamente 40 anos após a morte e ressurreição de Jesus. A maioria das testemunhas oculares de Jesus histórico já morreu. A segunda geração de cristãos, diante dos novos desafios, necessita de orientações sólidas. Para isso, nada melhor do que ver e ouvir de novo o que Jesus fez e disse.

O Evangelho de Marcos concebe a viagem de Jesus com seus discípulos – da Galileia até Jerusalém (8,22-10,52) – como um caminho pedagógico. Nessa viagem, Jesus se preocupa, de maneira especial, em abrir os olhos dos discípulos para que compreendam que tipo de Messias ele é. Não basta confessar publicamente que Jesus é o Cristo, como fez Pedro em nome de todos (8,29). É necessário superar a ideia de que o Messias seria um líder poderoso prestes a manifestar domínio e glória. De fato, o episódio imediatamente anterior ao texto deste domingo revela que os discípulos carregam a pretensão de tirar proveito do poder que Jesus conquistaria ao entrar na capital. Tiago e João lhe pedem encarecidamente que sejam distinguidos dos demais e possam sentar um à direita e outro à esquerda de Jesus em sua glória. Os demais discípulos ficam indignados com os dois, numa demonstração de divisão interna pela disputa de poder. Jesus os chama e, com paciência e misericórdia, mostra as atitudes que devem ser renunciadas e as que devem ser praticadas pelos seus verdadeiros seguidores.

Há um jeito de ser que caracteriza os cristãos, totalmente diferente do adotado pelos grandes e importantes deste mundo: enquanto estes dominam as nações, os discípulos devem fazer o contrário: “Aquele que quiser ser grande seja o vosso servidor, e aquele que quiser ser o primeiro dentre vós seja o servo de todos”. Os critérios de Jesus subvertem os valores apregoados pela ideologia oficial. Seus critérios são os do reino de Deus. Somente pelo serviço abnegado de uns aos outros é que se estabelecem as relações sociais de justiça, paz e fraternidade.

Os discípulos ainda não conseguem captar o sentido das palavras de Jesus. Não conseguem imaginar um Messias sem honra e sem privilégios. Como poderiam seguir um sujeito que escolhe ser servo quando poderia ser rei? Jesus não desiste: nessa caminhada pedagógica, anuncia por três vezes que o Messias deverá sofrer e ser morto; adverte-os de que, para segui-lo, é necessário carregar a cruz. Seus ensinamentos são autenticados pelo testemunho concreto de sua vida: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”. Constata-se aqui íntima relação com o “servo sofredor” do profeta Isaías Segundo, conforme a primeira leitura da liturgia deste domingo. Jesus assume sua missão de fidelidade ao plano de salvação de Deus, entregando livremente sua vida. Abandonado e desprezado até pelos seus discípulos, doa-se por inteiro como vítima expiatória. Ele nos resgatou da morte para a vida.

As comunidades de Marcos e as comunidades de hoje são convidadas a analisar suas relações internas à luz do ensinamento e do testemunho de Jesus. Não há argumentos que possam justificar atitudes de superioridade de uns sobre os outros. As funções ou cargos necessários para dinamizar a evangelização não podem ser usados para benefícios e privilégios pessoais. No seguimento de Jesus não há lugar para “grandes”, e sim para “servidores”; não há lugar para “primeiros”, e sim para “servos de todos”.

II leitura (Hb 4,14-16): Jesus solidário com nossas fraquezas
O texto de Hebreus aprofunda o tema do sacerdócio de Jesus Cristo. Os interlocutores certamente conhecem o sistema sacerdotal do judaísmo, em que o sumo sacerdote exercia a função de mediador entre Deus e a comunidade, entrando uma vez por ano no Santo dos Santos (o lugar mais sagrado do templo de Jerusalém) para realizar o rito de purificação dos pecados em nome de todo o povo. Agora é Jesus o único mediador entre Deus e a humanidade. Já não há necessidade de ofertas e sacrifícios nem no Templo nem em qualquer outro lugar. Jesus mesmo se ofereceu em sacrifício, de uma vez por todas, como expiação por todos os nossos pecados. Ele veio inaugurar a nova e definitiva aliança.

Com sua ascensão, Jesus atravessou os céus e encontra-se junto de Deus Pai, onde exerce o seu sacerdócio eterno em favor de toda a humanidade. Tendo assumido a condição humana, experimentou no próprio corpo os limites e fraquezas inerentes a cada pessoa. Em tudo se fez igual a nós, menos no pecado. Fez-se solidário com os nossos sofrimentos até a morte. Foi incompreendido, perseguido, maltratado, abandonado e condenado como um marginal desprezível. Como “servo sofredor”, carregou sobre si as dores da humanidade, garantindo a redenção a todos, também aos que o crucificaram. Ora, se Jesus foi tão radicalmente solidário com os seres humanos, cada um de nós pode aproximar-se dele sem nenhum receio, com total confiança. Ele nos compreende perfeitamente e sabe compadecer-se de nossas fraquezas. É a fonte de graças e pleno de misericórdia. Seu sacerdócio é permanente e eficaz.

Os autores da carta aos Hebreus transmitem às comunidades cristãs, formadas principalmente por judeus convertidos, a convicção de que estão vivendo novo tempo. Por isso, mesmo em situação de sofrimento, devem permanecer firmes na profissão de fé e aproximar-se de Jesus com toda a confiança para receber a ajuda oportuna. Os cristãos podem caminhar na certeza do amor sem limites de Deus, revelado no sacrifício (= ação sagrada) expiatório de Jesus.

III. Pistas para reflexão

– Somos servos e servas de Deus. O povo de Israel, no exílio da Babilônia, animado pela ação profética, descobre sua vocação de ser “servo de Deus”. O sofrimento em que se encontra já não é motivo de desânimo ou tristeza. Assumido livremente numa nova dimensão de fé, torna-se o meio pelo qual o povo percebe a presença amorosa de Deus, que lhe oferece uma missão especial: carregar as dores e as transgressões do mundo. Por meio do seu “servo sofredor”, Deus irradia sua misericórdia e manifesta sua salvação a toda a humanidade. Com base nessa “teologia do servo sofredor”, podemos refletir sobre como Deus se revela hoje por meio das pessoas excluídas.

– Seguir Jesus com sinceridade. O evangelho de hoje chama a atenção para as influências que as ideologias de poder podem exercer sobre nós. Seguir Jesus é renunciar à busca de fama e de prestígio e tornar-se servidor. Rompendo com toda forma de poder e assumindo a condição de servo, Jesus nos resgatou para a vida e abriu o caminho para a sociedade justa e fraterna. Nossa prática cotidiana corresponde ao testemunho de Jesus?

– Jesus fez-se solidário conosco. Ele conhece nossas fraquezas. Podemos contar sempre com sua misericórdia. Ele é o único e eterno sacerdote que se oferece para que tenhamos vida em plenitude. A carta aos Hebreus nos alerta: “Permaneçamos firmes na profissão de fé”. Podemos caminhar com segurança nos passos de Jesus, oferecendo a nossa vida, com liberdade e consciência, na prática do amor e da justiça.

Celso Loraschi
Mestre em Teologia Dogmática com Concentração em Estudos Bíblicos pela Faculdade de Teologia Nossa Senhora da Assunção, São Paulo, professor de Evangelhos Sinóticos e Atos dos Apóstolos na Faculdade Católica de Santa Catarina (Facasc) e assessor do Cebi, SC. E-mail: loraschi@facasc.edu.br




Roteiro Homilético 4 - Liturgia: Dom Total

JESUS VEIO PARA SERVIR E DAR SUA VIDA
 1ª leitura: (Is 53,10-11) 4º Canto do Servo de Javé: vítima de expiação – Deus não segue a lógica dos homens. O justo esmagado é que assume e resgata as faltas dos “muitos” (cf. evangelho). Por isso, Deus o exalta. * Figura de Cristo (cf. evangelho).

2ª leitura: (Hb 4,14-16) Jesus, nosso Sumo Sacerdote – Temos um pontífice que por nós entrou no Santuário (cf. ritual do AT), mas também é capaz de compadecer-se de nossas fraquezas, conhecendo a carência humana. Jesus leva nossa condição humana à santidade de Deus. Exortação: 1) fidelidade na confissão da fé (4,14); 2) confiança na misericórdia divina (4,16). * 4,16 cf. Hb 7,25; 10,19; Rm 5,2; Cl 1,22.

Evangelho: (Mc 10,35-45 ou 10,42-45) Não se deixar servir, mas servir – Mostra-se de modo flagrante a necessidade de instrução dos discípulos: pedem para ocupar os primeiros lugares no Reino. Jesus rejeita o pedido e pede seguimento (“beber seu cálice e ser batizado com seu batismo”); sem compreender, eles o prometem. Então, Jesus ensina: em vez de ambição, serviço; o serviço de Jesus vai até à morte “em resgate dos muitos” (cf. Servo de Javé, 1ª leitura). * 10,35-40 cf. Mt 20,20-23; Jo 18,11; Lc 12,50 * 10,41-45 cf. Mt 20,24-28; Lc 22,24-27; Is 53,10-12; Rm 3,23-25; Mc 14,24.

***   ***   ***

 Podemos gostar de crucifixos de marfim, com gotas de sangue em rubis, como era a moda nas mansões coloniais do século XVIII. Mas não gostamos de um homem diminuído, quebrado, mutilado, ofensa à humanidade. Ora, Deus gosta – não por sadismo (como se tivesse necessidade de castigar alguém), mas por verdadeiro amor, que é comunhão, pois se reconhece no justo que foi esmagado por causa da justiça. Num só justo assim, Deus mesmo assume a dívida de muitos, de todos. Os judeus aprenderam isso no exílio babilônico. Não se sabe quem foi o justo torturado pelos ímpios, do qual fala Is 52,13–53,12 (1ª leitura), mas sabemos o que Israel dele aprendeu: enquanto diante dele cobriam o rosto, aprenderam que ele carregou os pecados do povo e morreu por eles.

Como é possível isso? “Chorarão sobre aquele que traspassaram” (Zc 12,10). Parece que a humanidade precisa ver em alguém o resultado de sua malícia, para dela se arrepender. As reivindicações sociais só são concedidas depois de algumas (ou muitas) mortes. Os movimentos de emancipação só vencem quando há mártires. Infeliz humanidade, que só aprende de suas vítimas. Por isso é que Deus ama os que são vitimados. Não porque goste de vingança e sangue, mas porque eles são os seus melhores profetas, seus porta-vozes. Ele se identifica com eles, exalta-os, inclusive, na própria veneração do povo, que, venerando-os, se arrepende de suas faltas e por eles é perdoado e verdadeiramente libertado. Deus ama duplamente o justo sacrificado: a primeira vez, por ser justo e testemunhar a justiça; a segunda, porque seu sangue leva os outros à justiça.

O justo padecente é o modelo conforme o qual Jesus concebe sua missão (evangelho). Entretanto, os seus melhores discípulos pretendem reservar para si os lugares de honra no Reino (Mt 19,16ss abranda a situação, dizendo que foi a mãe deles que o pediu...). Jesus então lhes ensina que tais pretensões cabem aos poderosos deste mundo, mas não têm vez no Reino de Deus. No Reino de Deus se deve beber o cálice de Jesus, receber o batismo que ele recebe – e os discípulos, sem entender o que Jesus quer dizer, confirmam que eles farão isso. Como, de fato, o fizeram, depois que o exemplo de Jesus lhes ensinara o que estas figuras significavam.

O “poder” no Reino de Deus consiste no servir. O amor só tem poder enquanto ele é doado e se coloca a serviço. Para atingir o coração (e a Deus interessa só isso) é preciso penetrar até o nível da liberdade da pessoa. Ninguém ama por constrangimento. A liberdade surge quando alguém pode tomar ou não tomar determinada decisão. Diante da força que se impõe, não há liberdade. Diante do serviço de alguém que se torna submisso a mim, posso decidir alguma coisa. Por isso, Jesus quer estar a serviço, para que se possa livremente decidir que “reino” se prefere.

Servir é ser pequeno. Ministro (servo) tem a ver com mínimo. Em face ao pequeno, o homem revela o que tem no seu coração: bondade ou sede de poder. Jesus quis ser pequeno, para que os corações se revelassem, não tanto a ele e Deus, que os conhece, mas a si mesmos, pois o maior desconhecido para mim é meu próprio coração. Assumindo o caminho do paciente testemunho da verdade, divergente das conveniências da sociedade dominante, Jesus se tornou servo e fraco, sempre exposto e sem defesa. Tornou-se cordeiro (cf. Is 53,7). O resultado só podia ser o que de fato aconteceu. Foi eliminado, e até seus discípulos tiveram vergonha dele. Mas, muito mais do que no caso do justo de Is 53, Jesus tornou-se “pedra de toque” dos corações e da sociedade toda, com suas estruturas e tudo.

Esta é a mensagem que Mc nos deixa entrever a partir do 3ª anúncio da Paixão (Mc 10,32-34; estes versículos poderiam ser incluídos na leitura, para mostrar melhor que as palavras sobre o servir não são apenas uma crítica aos filhos de Zebedeu, mas uma interpretação do caminho do Cristo).

A 2ª leitura cabe bem neste contexto litúrgico. Embora a figura do sacerdote não seja exatamente a do Servo, entendemos perfeitamente que é o Cristo-Servo que, pela fidelidade a sua missão, se torna o verdadeiro “santificador”. Hb acentua que exatamente a participação de Jesus nos mais profundos abismos da condição humana – exceto o pecado – o qualifica para ser o melhor sacerdote imaginável. Um sacerdote que não está do outro lado da barra, mas que participa conosco. E, num seguinte passo, dirá ainda que este sacerdote não precisa de sacrifícios alheios à nossa condição humana (portanto, meramente simbólicos), mas torna sua própria vida instrumento de salvação.

 A GRANDE AMBIÇÃO: SERVIR E DAR A VIDA

 O evangelho de hoje é provocador. Os melhores alunos de Jesus solicitam uma coisa totalmente contrária ao que ele tentou ensinar. Pedem para sentar nos lugares de honra no seu reino, à sua direita e à sua esquerda. Não compreenderam nem a pessoa, nem o modo de agir de Jesus. Seu pedido era tão vergonhoso que o evangelista Mateus, quando contou mais tarde a mesma história, disse que foi a mãe deles que pediu... (Mt 20,20).

Devemos situar esse episódio no seu contexto. Mc 8,31–10,45 é a grande instrução de Jesus a caminho, balizada pelos três anúncios da Paixão. O evangelho de hoje é a continuação do 3ª anúncio da Paixão: estamos no fim da instrução, e parece que até os melhores alunos ainda não aprenderam nada. De fato, só aprenderão depois da morte e ressurreição de Jesus. Por enquanto, em contraste com a incompreensão dos alunos, eleva-se a grandeza da lição final: o dom da própria vida.

A 1ª leitura prepara-nos para compreender melhor o evangelho. É o 4º cântico do Servo Sofredor. No seu sofrimento ele assumiu a culpa de muitos. Por isso, Deus o ama duplamente: porque ele é justo e porque seu sangue leva os outros a serem justos. Infelizmente a humanidade precisa de vítimas da injustiça para reencontrar o caminho da justiça. A recente história da América Latina está cheia disso: os mártires que com seu sangue testemunharam o caminho da fraternidade. E ao lado desses mártires de sangue temos ainda os mártires do dia-a-dia, que não são poucos: pessoas que sacrificam sua juventude para cuidar de pais idosos, que sacrificam carreira lucrativa para se dedicar à educação dos pobres... São estes que santificam nosso mundo cruel.

O justo que dá sua vida pelos outros é chamado “servo”, porque serve. Ele é o antipoder. O povo diz: “Quem pode mais, chora menos”. O Servo diria: “Quem pode mais, serve menos”. Jesus diria: “Quem ama mais, sofre mais”. Jesus é a plena realização do “servo”. Aos apóstolos ambiciosos que desejam ter os primeiros lugares no Reino ele opõe seu próprio exemplo: “Quem quiser ser o maior entre vós seja aquele que vos serve, e quem quiser ser o primeiro entre vós seja o escravo de todos. O Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida em resgate por muitos” (Mc 10,45).

Casualmente, este evangelho coincide com o trecho de Hb lido na 2ª leitura. Aí o servo de Deus é chamado de sacerdote. Não no sentido do Antigo Testamento – pois aí os sacerdotes eram muitos e deveriam ser descendentes de Aarão, o que Jesus não era. Mas no sentido de oferecer a Deus, por todos nós, a própria vida. Aliás, ele é o único sacerdote conforme o Novo Testamento. Aqueles a quem chamamos de sacerdotes são na realidade “ministros”, servos do sacrifício exercido por Jesus. Eles ministram no altar o sacrifício de Jesus, exercendo o sacerdócio ministerial. E os fiéis unem-se ao dom da vida Jesus exercendo na vida cotidiana o sacerdócio batismal do povo de Deus.

 (O Roteiro Homilético é elaborado pelo Pe. Johan Konings SJ – Teólogo, doutor em exegese bíblica, Professor da FAJE. Autor do livro "Liturgia Dominical", Vozes, Petrópolis, 2003. Entre outras obras, coordenou a tradução da "Bíblia Ecumênica" – TEB e a tradução da "Bíblia Sagrada" – CNBB. Konings é Colunista do Dom Total. A produção do Roteiro Homilético é de responsabilidade direta do Pe. Jaldemir Vitório SJ, Reitor e Professor da FAJE.)


Roteiro Homilético 5 - Liturgia: Dom Henrique

Comecemos observando o evangelho. Notemos como os dois irmãos, Tiago e João, se dirigem a Jesus: “Queremos que faças o que vamos pedir”. Isto não é modo de pedir nada ao Senhor, isto não é modo de rezar! Aqui não há humildade, não há abertura para procurar a vontade do Senhor a nosso respeito, mas somente o interesse cego de realizar nossa vontade! Quanta loucura e presunção! Muitas vezes, é assim também que rezamos, com esse tom, com essa atitude! Recordemos a palavra do Apóstolo: “Não sabemos o que pedir como convém” (Rm 8,26). Somos tão frágeis, tão incapazes de compreender os desígnios de Deus, que nossos pedidos muitas e muitas vezes não são segundo o coração do Senhor e, portanto, não são para o nosso bem!

Como, então, pedir de acordo com a vontade do Senhor? Escutemos ainda São Paulo: “O Espírito socorre a nossa fraqueza. O próprio Espírito intercede por nós com gemidos inefáveis” (Rm 8,26). Eis! É somente quando nos deixamos guiar pelo Santo Espírito do Cristo, que compreendemos as coisas de Deus e pediremos segundo Deus! Nunca compreenderá o desígnio de Deus, quem não pede segundo Deus… e nunca pedirá segundo Deus, quem não se deixa guiar pelo Espírito de Deus! Aqueles dois não pediam segundo Deus, não suplicavam segundo o Reino, mas segundo seus interesses: queriam glória, queriam honra, queriam os primeiros lugares, queriam seus interesses, de acordo com sua lógica e modo de pensar!

A resposta de Jesus demonstra o seu desgosto: “Vós não sabeis o que pedis!” E o Senhor completa com um desafio – que é para os dois irmãos e para todos nós, caros irmãos e irmãs: “Podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?” De que cálice, de que batismo Jesus está falando? Do seu sofrimento, do seu caminho de dor e humilhação, pelo qual ele entrará no Reino e o Reino virá a nós: “O Senhor quis macerá-lo com sofrimentos. Oferecendo sua vida em expiação, ele terá descendência duradoura e fará cumprir com êxito a vontade do Senhor. Por esta vida de sofrimento, alcançará a luz e uma ciência perfeita. Meu Servo, o justo, fará justos inúmeros homens, carregando sobre si suas culpas”. Este é o caminho de Jesus: fazer-se servo humilde e causa de nossa salvação. Isso os discípulos não compreendiam… nem nós compreendemos! Também a nós o Senhor convida a participar do seu batismo e do seu cálice. Escutemos mais uma vez, são Paulo: “Não sabeis que todos os que fomos batizados em Cristo Jesus, é na sua morte que fomos batizados? Pelo batismo nós fomos sepultados com ele na morte para que, como Cristo foi ressuscitado dentre os mortos pela glória do Pai, assim também nós vivamos vida nova. Porque se nos tornamos uma só coisa com ele por uma morte semelhante à sua, seremos uma coisa só com ele também por uma ressurreição semelhante à sua” (Rm 6,3-5). Podeis ser batizados no meu batismo? Estais dispostos a mergulhar vossa vida no meu caminho de morte e ressurreição, morrendo para vós mesmos e buscando a vontade do Pai de todo o coração? Eis o que é ser batizado em Cristo! E nós o fomos! O desafio agora é viver o batismo no qual fomos batizados, tornando-nos, em Cristo, criaturas novas, abertas para a vontade do Pai, como Jesus. E, não somente ser batizado no batismo de Jesus, mas também beber o cálice de Jesus: “Todas as vezes que comeis desse pão e bebeis desse cálice, anunciais a morte do Senhor até que ele venha” (1Cor 11,26); “O cálice de bênção que abençoamos não é comunhão com o sangue de Cristo?” (1Cor 10,16). Vejam só: comungar na eucaristia é aprofundar aquilo que já começamos a viver no batismo: fazer da vida uma vida em comunhão com o Senhor na sua morte e ressurreição! Não se pode nem sonhar em ser cristão pensando num caminho diferente, num modo diverso de viver! Tiago e João não tinham compreendido isso; os Doze também não compreenderam; nós, tampouco, compreendemos!

Observem ainda como os dois irmãos são presunçosos: quando Jesus pergunta: “Podeis beber o cálice? Podeis ser batizados?” Eles respondem: “Podemos!” Na ânsia pelos primeiros lugares, no desejo de obterem o que pedem, prometem aquilo que somente com a graça de Deus seriam capazes de prometer! A mesma lógica nossa, nosso mesmo procedimento, tantas vezes! Como Pedro, que, mais tarde dirá: “Darei a minha vida por ti” (Jo 13,37); e de modo tão presunçoso quanto o dos dois irmãos, exclamará: “Ainda que todos se escandalizem, eu não o farei!” (Mc 14,29). Pobre Pedro, pobres Tiago e João, pobres de nós! Sem a graça de Deus em Cristo, que poderemos? Vamos nos escandalizar, vamos fugir da cruz, vamos descrer no Senhor, vamos abandonar o caminho! Como não compreendemos a estrada de Jesus! Tudo é graça. Por isso Jesus diz que, ainda que eles bebam o seu cálice e sejam mergulhados no seu batismo, ainda assim, será graça de Deus conceder os primeiros lugares… Não podemos cobrar nada de Deus: “É para aqueles a quem foi reservado!”

Finalmente, a atitude dos outros Doze, que também buscavam o primeiro lugar e se revoltam contra os dois irmãos! E Jesus chama os Doze e nos chama também a nós, e fala-nos do mundo, com seus jogos de poder, sua ganância, sua hipocrisia e sua mentira… e nos diz: “Entre vós, não deverá ser assim: quem quiser ser grande, seja vosso servo; quem quiser ser o primeiro, seja o escravo de todos. Porque o Filho do Homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida como resgate para muitos”. Aqui está o modelo do caminho cristão: o Cristo, totalmente abandonado à vontade do Pai, totalmente disponível, totalmente pobre… Ele é o modelo de como devemos viver entre nós e em relação ao Pai: no serviço mútuo, na disponibilidade, na confiança no Pai, no abandono ao seu desígnio a nosso respeito. Somente Jesus poderia rezar com toda a liberdade: “Pai, não o que eu quero, mas o que tu queres!” (Mc 14,36).

Olhando nossa fraqueza, nossa pouca disponibilidade, olhando quanto na vida buscamos nossos interesses e nossas vantagens, não desanimemos! Sigamos o conselho do Autor da Carta aos Hebreus: “Temos um Sumo-sacerdote eminente, que entrou no céu, Jesus, o Filho de Deus. Por isso, permaneçamos firmes na fé que professamos! Temos um Sumo-sacerdote capaz de se compadecer de nossas fraquezas, pis ele mesmo foi provado em tudo como nós!” Confiemos no Senhor e supliquemos que ele converta o nosso coração, dando-nos seus sentimentos, suas atitudes de doação, serviço e humildade, sua confiança no Pai e, finalmente, a graça de participar daquela glória que no céu ele tem com o Pai e o Espírito Santo. Amém.



D. Henrique Soares da Costa


Roteiro Homilético 6 - Liturgia: Pe. Françoá Costa

Fraquezas, Conversão e Missão.



A Palavra de Deus deste Domingo (Mc 10,35-45) volta ao mistério da salvação que passa pela cruz. Um contraste!… Enquanto Jesus anunciava, pela terceira vez, a sua paixão, os filhos de Zebedeu pedem: “Concede-nos que, na Tua glória, nos sentemos, um à Tua direita e outro à Tua esquerda”. O homem procura sempre fugir ao sofrimento e garantir, por outro lado, as honras; Jesus, porém, desengana-o: quem quiser tomar parte na Sua glória, terá que beber com Ele o cálice amargo do sofrimento: “podeis beber o cálice que Eu vou beber?”

É admirável a humildade dos Apóstolos que não dissimularam os seus momentos anteriores de fraqueza e de miséria, mas as cantaram com sinceridade aos primeiros cristãos. Deus quis também que no Evangelho ficasse notícia histórica daquelas primeiras fraquezas dos que seriam colunas da Igreja. São as maravilhas que a graça de Deus opera nas almas! Nunca devemos ser pessimistas ao considerar as nossas próprias misérias: “Tudo posso naquele que me dá força” (Fl 4, 13).

Quando pedimos algo na oração devemos estar dispostos a aceitar, acima de tudo, a vontade de Deus, ainda que não coincida com os nossos desejos: “Sua Majestade sabe melhor o que nos convém; não temos que aconselhá-Lo- sobre o que nos há de dar, pois pode com razão dizer-nos que não sabemos o que pedimos” (Moradas, II, 8).

Como o discípulo diante do mestre, como o menino junto da sua mãe, assim deve estar o cristão em todas as suas ocupações diante de Cristo. O filho aprende a falar ouvindo a sua mãe, esforçando-se por copiar as suas palavras; da mesma forma, vendo Jesus fazer e agir, aprendemos a conduzir-nos como Ele. A vida cristã consiste na imitação da Vida do Mestre, pois Ele se encarnou “deixando-vos o exemplo, para sigais os seus passos” (1 Pd 2,21). São Paulo exortava os primeiros cristãos a imitarem o Senhor com estas palavras: “Haja entre vós o mesmo sentir e pensar que no Cristo Jesus” (Fl 2,5). Somos chamados à comunhão com Cristo, à santidade!

A nossa santidade não consiste tanto numa imitação externa de Jesus, mas em permitir que o nosso ser mais profundo se vá configurando com Cristo. “Despojai-vos do homem velho com todas as suas obras e revesti-vos do homem novo…” (Cl 3,9), recomendava São Paulo aos Colossenses.

Esta renovação diária significa purificar constantemente os nossos costumes, corrigir-se dos defeitos humanos e morais, suprimir o que não combina com a vida de Cristo…

Mas significa sobretudo procurar que os nossos sentimentos sobre as pessoas, sobre as realidade criadas, sobre a tribulação,  se pareçam cada dia mais com os que teve Jesus em circunstâncias semelhantes, de tal maneira que a nossa vida seja, em certo sentido, um prolongamento da sua, pois Deus nos predestinou para sermos conformes com  a imagem do seu Filho (Rm 8, 29).

Hoje é o Dia Mundial das Missões. Neste ano de 2015,  tem como pano de fundo o Ano da Vida Consagrada, que serve de estímulo para a sua oração e reflexão. Na verdade, entre a vida consagrada e a missão subsiste uma forte ligação, porque, se todo o baptizado é chamado a dar testemunho do Senhor Jesus, anunciando a fé que recebeu em dom, isto vale de modo particular para a pessoa consagrada. O seguimento de Jesus, que motivou a aparição da vida consagrada na Igreja, é reposta à chamada para se tomar a cruz e segui-Lo, imitar a sua dedicação ao Pai e os seus gestos de serviço e amor, perder a vida a fim de a reencontrar. E, dado que toda a vida de Cristo tem carácter missionário, os homens e mulheres que O seguem mais de perto assumem plenamente este mesmo carácter.

A dimensão missionária, que pertence à própria natureza da Igreja, é intrínseca também a cada forma de vida consagrada, e não pode ser transcurada sem deixar um vazio que desfigura o carisma. A missão não é proselitismo, nem mera estratégia; a missão faz parte da «gramática» da fé, é algo de imprescindível para quem se coloca à escuta da voz do Espírito, que sussurra «vem» e «vai». Quem segue Cristo não pode deixar de tornar-se missionário, e sabe que Jesus «caminha com ele, fala com ele, respira com ele, trabalha com ele. Sente Jesus vivo com ele, no meio da tarefa missionária» (Exort. ap. Evangelii gaudium, 266).

A missão é uma paixão por Jesus Cristo e, ao mesmo tempo, uma paixão pelas pessoas. Quando nos detemos em oração diante de Jesus crucificado, reconhecemos a grandeza do seu amor, que nos dignifica e sustenta e, simultaneamente, apercebemo-nos de que aquele amor, saído do seu coração trespassado, estende-se a todo o povo de Deus e à humanidade inteira; e, precisamente deste modo, sentimos também que Ele quer servir-Se de nós para chegar cada vez mais perto do seu povo amado (cf. Ibid., 268) e de todos aqueles que O procuram de coração sincero. Na ordem de Jesus – «Ide» –, estão contidos os cenários e os desafios sempre novos da missão evangelizadora da Igreja. Nesta, todos são chamados a anunciar o Evangelho pelo testemunho da vida; e, de forma especial aos consagrados, é pedido para ouvirem a voz do Espírito que os chama a partir para as grandes periferias da missão, entre os povos onde ainda não chegou o Evangelho.

Hoje, a missão enfrenta o desafio de respeitar a necessidade que todos os povos têm de recomeçar das próprias raízes e salvaguardar os valores das respectivas culturas. Trata-se de conhecer e respeitar outras tradições e sistemas filosóficos e reconhecer a cada povo e cultura o direito de fazer-se ajudar pela própria tradição na compreensão do mistério de Deus e no acolhimento do Evangelho de Jesus, que é luz para as culturas e força transformadora das mesmas.

Para viver o testemunho cristão e os sinais do amor do Pai entre os humildes e os pobres, os consagrados são chamados a promover, no serviço da missão, a presença dos fiéis leigos. Como já afirmava o Concílio Ecuménico Vaticano II, «os leigos colaboram na obra de evangelização da Igreja e participam da sua missão salvífica, ao mesmo tempo como testemunhas e como instrumentos vivos» (Ad gentes, 41). É necessário que os consagrados missionários se abram, cada vez mais corajosamente, àqueles que estão dispostos a cooperar com eles, mesmo durante um tempo limitado numa experiência ao vivo. São irmãos e irmãs que desejam partilhar a vocação missionária inscrita no Baptismo. As casas e as estruturas das missões são lugares naturais para o seu acolhimento e apoio humano, espiritual e apostólico.

As Instituições e as Obras Missionárias da Igreja estão postas totalmente ao serviço daqueles que não conhecem o Evangelho de Jesus. Para realizar eficazmente este objectivo, aquelas precisam dos carismas e do compromisso missionário dos consagrados, mas também os consagrados precisam duma estrutura de serviço, expressão da solicitude do Bispo de Roma para garantir de tal modo a koinonia que a colaboração e a sinergia façam parte integrante do testemunho missionário. Jesus colocou a unidade dos discípulos como condição para que o mundo creia (cf. Jo 17, 21). A referida convergência não equivale a uma submissão jurídico-organizativa a organismos institucionais, nem a uma mortificação da fantasia do Espírito que suscita a diversidade, mas significa conferir maior eficácia à mensagem evangélica e promover aquela unidade de intentos que é fruto também do Espírito.

Queridos irmãos e irmãs, a paixão do missionário é o Evangelho. São Paulo podia afirmar: «Ai de mim, se eu não evangelizar!» (1 Cor 9, 16). O Evangelho é fonte de alegria, liberdade e salvação para cada homem. Ciente deste dom, a Igreja não se cansa de anunciar, incessantemente, a todos «O que existia desde o princípio, O que ouvimos, O que vimos com os nossos olhos» (1 Jo 1, 1). A missão dos servidores da Palavra – bispos, sacerdotes, religiosos e leigos – é colocar a todos, sem excluir ninguém, em relação pessoal com Cristo. No campo imenso da actividade missionária da Igreja, cada baptizado é chamado a viver o melhor possível o seu compromisso, segundo a sua situação pessoal. Uma resposta generosa a esta vocação universal pode ser oferecida pelos consagrados e consagradas através duma vida intensa de oração e união com o Senhor e com o seu sacrifício redentor.

Ao mesmo tempo que confio a Maria, Mãe da Igreja e modelo de missionariedade, todos aqueles que, ad gentes ou no próprio território, em todos os estados de vida, cooperam no anúncio do Evangelho, de coração concedo a cada um a Bênção Apostólica.

Vaticano, 24 de Maio – Solenidade de Pentecostes – de 2015.

FRANCISCO

Mons. José Maria Pereira


Roteiro Homilético 7 - Liturgia: Mons. José Maria Pereira




Roteiro Homilético 8 - Liturgia: D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB presbíteros.org
Quem quiser ser o primeiro, seja o servo de todos

Mc 10,35-45


Meus caros irmãos e irmãs,

Através do Evangelho deste domingo, somos convidados a fazer da nossa vida um serviço aos irmãos e a não nos deixarmos manipular por sonhos pessoais de ambição, de grandeza, de poder e de domínio, mas a fazer da nossa vida um dom de amor aos outros.

Continuamos a percorrer, com Jesus e com os discípulos, o caminho para Jerusalém. O Evangelista São Marcos observa que, nesta fase, Jesus vai à frente e os discípulos o seguem (cf. Mc 10,32). Jesus continua a sua catequese e, mais uma vez, lembra a eles que, em Jerusalém, será entregue nas mãos dos líderes judaicos e se cumprirá o seu destino de cruz (cf. Mc 10,33-34). Durante esse caminho, Jesus vai completando a sua catequese sobre as condições necessárias para integrar a comunidade messiânica. O texto que nos é proposto demonstra que os discípulos continuam a raciocinar em termos de poder, de autoridade, de grandeza e vêem na proposta do Reino Messiânico a ser instaurado por Jesus a oportunidade de realizar os seus sonhos humanos.

Logo no início do texto é ressaltada a pretensão de Tiago e de João, filhos de Zebedeu, de sentarem no Reino que vai ser instaurado, um à direita e outro à esquerda de Jesus. A questão parece ser apresentada como uma reivindicação de quem se sente com direito inquestionável a um privilégio.  Os dois irmãos, Tiago e João, se apresentam a Jesus e, ousadamente, na frente de todos, sem qualquer recato, dizem: “Mestre, queremos que faças por nós o que vamos pedir” (v. 35).  Não pedem nem mesmo “por favor”, mas exigem: “queremos”.

Certamente Tiago e João imaginam que o Reino proposto por Jesus seria algo poderoso e glorioso e, por isto, almejam, desde logo, lugares de honra ao lado dele. O fato mostra como Tiago e João, mesmo depois de toda a catequese que receberam durante o caminho para Jerusalém, ainda não entenderam lógica do Reino de Deus e ainda continuam a refletir e a sentir de acordo com a lógica do mundo.

Diante desta manifestação de ambição e honrarias, de privilégios, de primeiros lugares, Jesus não se mostra de forma alguma condescendente, porque toda ambição contraria os fundamentos da sua proposta.  Em relação a João e Tiago Jesus é severo: “Vós não sabeis o que pedis. Por acaso podeis beber o cálice que eu vou beber? Podeis ser batizados com o batismo com que vou ser batizado?” (v. 38).  E para ajudá-los a superar a própria incompreensão, serve-se de duas figuras: a do cálice e a do batismo.

O cálice é uma referência aos sofrimentos pelos quais Jesus teria que passar.  Na agonia de Jesus na cruz, teria ele dito: “Pai, se for possível, afasta de mim este cálice” (Lc 22,42).  Esta imagem do cálice aparece ainda com freqüência na Sagrada Escritura.  O cálice indica o destino, favorável ou não de uma pessoa.  Jesus está ciente que o aguarda um cálice de sofrimentos, um cálice do qual gostaria de ser poupado.

Já o batismo, de acordo com o texto, é uma referência ao mar de sofrimentos em que Jesus será mergulhado.  A imagem do batismo tem o mesmo sentido: indica a passagem através das águas da morte.  Os sofrimentos e as aflições que o justo deve suportar são freqüentemente comparados pela Bíblia a uma imersão em águas profundas ou à agitação de águas impetuosas (cf. Sl 69,2-3; 42,8).  Evoca a participação e imersão na paixão e morte de Jesus (cf. Rm 6,3-4).

Para fazer parte da comunidade do Reino é preciso, portanto, que os discípulos estejam dispostos a percorrer, com Jesus, o caminho do sofrimento, da entrega, do dom da vida até à morte. Apesar de Tiago e João manifestarem, com toda a sinceridade, a sua disponibilidade para percorrer o caminho do dom da vida, Jesus não lhes garante uma resposta positiva a esta pretensão.

Na segunda parte do nosso texto (vv. 41-45), temos a reação dos discípulos à pretensão dos dois irmãos e uma catequese de Jesus sobre o serviço. A reação indignada dos outros discípulos ao pedido de Tiago e de João indica que todos eles tinham as mesmas pretensões e revela que estavam eles longe de ter assimilado o pensamento do Mestre.  Novamente Jesus toma a palavra e outra vez lhes ensina. Foi preciso que Jesus mostrasse qual deve ser a atitude dos seus discípulos, tendo a si mesmo como referência: “O Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos” (v. 45).  Esta frase resume de forma admirável a existência humana de Jesus.  Jesus se apresenta como o modelo a ser seguido.  Sua vida sempre foi pautada como um serviço aos pobres, aos desclassificados, aos pecadores, aos desprezados, aos últimos. O ponto culminante dessa vida de doação e de serviço foi a morte na cruz, expressão máxima e total do seu amor.

E Jesus aproveita a circunstância para reiterar a sua instrução. Inicia recordando a eles o modelo dos governantes das nações e dos grandes do mundo (v. 42). Eles afirmam sua autoridade absoluta, dominam os povos pela força e submetem-nos, exigem honras, privilégios e títulos, promovem-se à custa da comunidade, exercem o poder de uma forma arbitrária.  Ora, este esquema não pode servir de modelo para os seus discípulos. Eles devem ter como referência a lei do amor e do serviço. Os seus membros devem sentir-se “servos” dos irmãos, dedicados em servir com humildade e simplicidade, sem qualquer pretensão de mandar ou de dominar.

Jesus ainda enfatiza: “Quem quiser ser o primeiro, será o último de todos e o servo de todos” (v. 44). Na comunidade cristã, a única grandeza é a grandeza de quem, com humildade e simplicidade, faz da própria vida um serviço aos irmãos.  Jesus nos convida a servir e partilhar com os irmãos os dons que Deus nos concedeu.

Chama a nossa atenção que, quando por ocasião da redação do Evangelho de São Marcos, um dos dois irmãos, Tiago, já teria dado a sua vida por Cristo, morrendo como mártir em Jerusalém (cf. At 12,2) e o outro, João, estaria pregando o evangelho, dando, assim, prova de que compreenderam o ensinamento do Mestre.

A mensagem que o Evangelho deste domingo nos deixa está no sentido do serviço e aponta para a porta que leva à grandeza evangélica: estar a serviço do próximo.  É o caminho que o próprio Cristo percorreu até à cruz: um itinerário de doação e de amor. Muitos santos deixaram se guiar por esta lógica.   Podemos citar São Vicente de Paulo e a Beata Madre Teresa de Calcutá.  Com coragem heróica eles assumiram, na consagração total a Deus, o serviço generoso aos irmãos mais necessitados.

Jesus também disse certa vez: “Sempre que fizestes isto a um destes meus irmãos mais pequeninos, a Mim mesmo o fizestes” (Mt 25, 40). É uma verdade fundamental para compreender o sentido do serviço que devemos realizar em prol dos mais pobres.  Esta é a base para a vivência do Evangelho de Jesus.  Os santos tiveram consciência de que, ao tocar os corpos enfraquecidos dos pobres, tocavam o corpo de Cristo. O seu serviço destinava-se ao próprio Jesus, escondido sob as vestes angustiantes dos mais humildes. O que realça o significado mais profundo do serviço é  um gesto de amor feito aos famintos, aos sequiosos, aos estrangeiros, a quem está sem as vestes, a quem está doente ou na prisão, pois neles está o próprio Cristo (cf. Mt 25, 34ss).

Peçamos hoje ao Senhor que nos faça ser mensageiros do amor. Que ele possa fazer de nós autênticos servidores da paz e da alegria, levando a todos, sobretudo aos mais necessitados, o conforto e a esperança. Assim seja.

D. Anselmo Chagas de Paiva, OSB


Roteiro Homilético 9 - Liturgia: Roteiro presbíteros.org
RITOS INICIAIS



Sl 16, 6.8.9

ANTÍFONA DE ENTRADA: Respondei-me, Senhor, quando Vos invoco, ouvi a minha voz, escutai as minhas palavras. Guardai-me dos meus inimigos, Senhor. Protegei-me à sombra das vossas asas.



Introdução ao espírito da Celebração



É o dia do Senhor. Vamos celebrar a Santa Missa, memorial da Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.

Jesus deu a vida por todos. Mas nem todos têm conhecimento desta boa Nova. Hoje, Dia Mundial das Missões, somos convidados a lembrar os nossos irmãos que ainda não conhecem Jesus Cristo, único Salvador.

Todos havemos de tomar parte na cruzada gigantesca de aumentar a cristandade, fazendo crescer o corpo místico de Cristo, estendendo os limites do Reino de Deus a toda a redondeza da terra.



ORAÇÃO COLECTA: Deus eterno e omnipotente, dai-nos a graça de consagrarmos sempre ao vosso serviço a dedicação da nossa vontade e a sinceridade do nosso coração. Por Nosso Senhor…





LITURGIA DA PALAVRA



Primeira Leitura



Monição: Há algo de bom no sofrimento. Também a dor se pode conciliar com o amor de Deus. O sofrimento foi e continua a ser instrumento de salvação.



Isaías 53, 10-11

10Aprouve ao Senhor esmagar o seu Servo pelo sofrimento. Mas, se oferecer a sua vida como vítima de expiação, terá uma descendência duradoira, viverá longos dias, e a obra do Senhor prosperará em suas mãos. 11Terminados os sofrimentos, verá a luz e ficará saciado. Pela sua sabedoria, o Justo, meu Servo, justificará a muitos e tomará sobre si as suas iniquidades.



Temos apenas 2 versículos do IV canto dos Poemas do Servo de Yahwéh (Is 52, 13 – 53, 12); de todos os quatro é o mais impressionante, o mais comentado e o mais meditado no cristianismo. Surpreende vivamente o leitor o facto de se apresentar o triunfo e glorificação do servo sofredor, precisamente por meio do seu sofrimento e humilhação; mais ainda, ele assume as nossas dores e misérias com o fim de as curar, a chamada «expiação vicária», uma concepção teológica deveras original. As tentativas de identificação deste «servo» passaram por várias fases. O judaísmo alexandrino viu nele o povo de Israel sofrendo as tribulações da diáspora, mas alentado pela esperança da sua exaltação, ao passo que o judaísmo palestino via na sua glorificação o futuro messias, mas os sofrimentos eram referidos ao castigo dos gentios; em Qumrã o texto era aplicado ao Mestre da Justiça, o provável fundador da seita. A interpretação cristã é unânime em reconhecer neste servo de Yahwéh a Jesus na sua dolorosa Paixão, Morte e Ressurreição pela salvação de todos. O texto é-nos proposto neste Domingo em função do Evangelho: «o Filho do Homem veio para servir e dar a vida pela salvação de todos» (Mc 10, 45).



Salmo Responsorial

Sl 32 (33), 4-5.18-19.20.21 (R. 22)



Monição: Façamos deste salmo a nossa oração de confiança no Senhor.



Refrão:         DESÇA SOBRE NÓS A VOSSA MISERICÓRDIA,

                      PORQUE EM VÓS ESPERAMOS, SENHOR.



A palavra do Senhor é recta,

da fidelidade nascem as suas obras.

Ele ama a justiça e a rectidão:

a terra está cheia da bondade do Senhor.



Os olhos do Senhor estão voltados para os que O temem,

para os que esperam na sua bondade,

para libertar da morte as suas almas

e os alimentar no tempo da fome.



A nossa alma espera o Senhor:

Ele é o nosso amparo e protector.

Venha sobre nós a vossa bondade,

porque em Vós esperamos, Senhor.



Segunda Leitura



Monição: Cristo é o Sumo Sacerdote capaz de se compadecer das nossas fraquezas. Por isso, a Ele havemos de recorrer, cheios de confiança.



Hebreus 4, 14-16

Irmãos: 14Tendo nós um sumo sacerdote que penetrou os Céus, Jesus, Filho de Deus, permaneçamos firmes na profissão da nossa fé. 15Na verdade, nós não temos um sumo sacerdote incapaz de se compadecer das nossas fraquezas. Pelo contrário, Ele mesmo foi provado em tudo, à nossa semelhança, excepto no pecado.15Vamos, portanto, cheios de confiança ao trono da graça, a fim de alcançarmos misericórdia e obtermos a graça de um auxílio oportuno.



O autor, depois de já ter proclamado a superioridade de Cristo sobre os Anjos (1, 5 – 2, 18) e sobre Moisés (3, 1 – 4, 11), começa agora a expor que Ele – Sumo Sacerdote da Nova Aliança – é superior aos sacerdotes da antiga. Já tinha apresentado este sumo sacerdote da nossa fé como sendo «digno de crédito» (3, 1.6), o que nos estimula a que «permaneçamos firmes na fé que professamos» (v. 14); agora passa a apresentar outra sua qualidade, «a misericórdia», que nos inspira a máxima confiança. Com efeito, Jesus, ao contrário do sumo sacerdote da Lei antiga, que era uma figura distante e separada dos pecadores (recordem-se as exigências do Levítico: Lv 21); Jesus é «capaz de se compadecer das nossas fraquezas», porque Ele mesmo «foi provado em tudo como nós, excepto no pecado» (cf. 1ª leitura do IV Canto do Servo de Yahwéh).

14 «Que penetrou os Céus». Jesus – o novo Josué (o nome hebraico é o mesmo: «Yehoxúa‘») segundo a referência do v. 8 – já penetrou no descanso da nova terra prometida, os Céus, tendo-nos deixado aberta a entrada, que atingiremos, se não formos infiéis como os antigos israelitas (daí o apelo a conservar a fé, com firmeza). Por outro lado, o texto sugere uma referência ao Yom-Kipur, ou Dia da Expiação, em que o sumo sacerdote penetrava no Santo dos Santos (imagem dos Céus) através dos dois véus do santuário, a fim de expiar os pecados do povo.

16 «Trono da graça». Esta expressão parece inspirada no «trono da glória» de que se fala no A. T. (1 Sam 2, 8; Is 22, 23; Jer 14, 21; 17, 12; Sir 47, 11), o que terá influenciado a variante de dois códices da Vulgata, que registam thronum gloriæ. É interessante notar que, segundo os rabinos, Deus tinha dois tronos: o da justiça e o da misericórdia. O trono de Jesus, de que se falou em 1, 8, já não aparece como o trono de justiça do Salmo 45, 7 ali citado, mas é o da misericórdia, o «trono da graça», a que podemos recorrer «cheios de confiança».



Aclamação ao Evangelho



Mc 10, 45



Monição: Cristo morreu e ressuscitou para nossa salvação. Aclamemo-I’O com alegria.



ALELUIA



O Filho do homem veio para servir e dar a vida pela redenção de todos.



 Evangelho *



Nota de rodapé

* O texto entre parêntesis pertence à forma longa e pode ser omitido.



*Forma longa: São Marcos 10, 35-45    Forma breve: São Marcos 10, 42-45

[Naquele tempo, 35Tiago e João, filhos de Zebedeu, aproximaram-se de Jesus e disseram-Lhe: «Mestre, nós queremos que nos faças o que Te vamos pedir». 36Jesus respondeu-lhes: «Que quereis que vos faça?» 37Eles responderam: «Concede-nos que, na tua glória, nos sentemos um à tua direita e outro à tua esquerda». 38Disse-lhes Jesus: «Não sabeis o que pedis. Podeis beber o cálice que Eu vou beber e receber o baptismo com que Eu vou ser baptizado?» 39Eles responderam-Lhe: «Podemos». Então Jesus disse-lhes: «Bebereis o cálice que Eu vou beber e sereis baptizados com o baptismo com que Eu vou ser baptizado. 40Mas sentar-se à minha direita ou à minha esquerda não Me pertence a Mim concedê-lo; é para aqueles a quem está reservado». 41Os outros dez, ouvindo isto, começaram a indignar-se contra Tiago e João.]

42  Jesus chamou-os e disse-lhes: «Sabeis que os que são considerados como chefes das nações exercem domínio sobre elas e os grandes fazem sentir sobre elas o seu poder. 43Não deve ser assim entre vós: quem entre vós quiser tornar-se grande, será vosso servo, 44e quem quiser entre vós ser o primeiro, será escravo de todos;45porque o Filho do homem não veio para ser servido, mas para servir e dar a vida pela redenção de todos».



Jesus vai a caminho de Jerusalém (cf. 10, 32-33). Apesar dos três anúncios da Paixão, os discípulos, embora com uma certa sensação de medo (ibid.), não deixam de pensar que muito em breve o anunciado reino de Deus se irá manifestar (cf. Lc 19, 11), pois todo o seu interesse se fixava nisto. Antes que alguém lhes passe à frente, os dois irmãos, Tiago e João (Mt fala da mãe), sem atenderem à figura ridícula que faziam e à tensão e inveja a provocar nos colegas (v. 41), atrevem-se a tentar que o Mestre se comprometa com eles, garantindo-lhes os primeiros postos no reino, que imaginam terreno. Isto vai dar lugar a que Jesus os corrija, mas sem os humilhar, e deixe um ensinamento muitíssimo importante para todos e para sempre (vv. 42-45); neste sentido ensina o Vaticano II, GS 3: «Nenhuma ambição terrena move a Igreja, mas unicamente este objectivo: continuar (…) a obra de Cristo que veio ao mundo para dar testemunho da verdade (…), para servir, e não para ser servido». Assim também fica reprovado o servir-se da Igreja, em vez de a servir. A grandeza do discípulo de Cristo é servir desinteressadamente, como fez o Mestre (cf. Jo 13, 14-17).

38-39 «Beber o cálice… receber o baptismo», neste contexto, são duas imagens do sofrimento e da morte (cf. Lc 12, 50; Is 51, 17-23; Mc 14, 36; Salm 42, 8; 69, 2-3.15-15). A generosidade e audácia dos dois agradou a Jesus, que lhes promete virem a participar do seu destino doloroso – «beber o cálice» –,mergulhados no mistério do seu sofrimento – «baptismo». De facto, Tiago foi martirizado em Jerusalém pelo ano 44 (Act 12, 2), por Herodes Agripa I; João foi preso e flagelado em Jerusalém (Act 4, 3; 5, 40-41), sofreu mais tarde o exílio na ilha de Patmos (cf. Apoc 1, 9), mas nada se sabe de seguro sobre o seu problemático martírio.

40 «Não me pertence a Mim concedê-lo». A expressão não implica inferioridade de Jesus, como pretendiam os arianos; não é que falte poder a Jesus; Ele é que, fazendo tudo o que faz o Pai e com o mesmo poder, nada faz com independência do Pai (cf. Jo 5, 17-30). Segundo a explicação habitual, os dois dirigiram-se a Jesus como o Messias ao instaurar o reino, e, enquanto tal, Ele não faz mais do que executar o projecto divino.



Sugestões para a homilia



Jesus, o missionário da Boa Nova

Missa e Missão

Evangelizar é obrigação e não privilégio

Jesus, o missionário da Boa Nova

Nas leituras que acabamos de ouvir, Cristo é-nos apresentado como o servo do Senhor, o justo servo (1.ª Leit.) que expia com as suas dores os nossos pecados. Sendo rico faz-se pobre por nossa causa (2.ª Leit.) para nos tornar ricos, quer dizer para nos reconciliar com o Pai. Veio para servir e dar a vida como resgate pela multidão (3.ª Leit.).

Cristo, o Verbo feito carne e enviado do Pai, vem ao mundo para nos trazer uma grande nova: o Pai ama-vos (Jo 16,27). É este o princípio e o fundamento de todo o Cristianismo. Deus quer fazer de nós seus filhos adoptivos, a família de Deus na terra.

Deus quer que todos os homens se salvem (1 Tim 2,4). Este desejo foi eficaz, porque se concretizou no primeiro missionário que Deus Pai enviou à primeira infidelidade, o Verbo Encarnado que veio reconduzir a humanidade aos seus destinos perdidos. E com que seriedade tomou Ele esta missão, digam-no os seus trabalhos em busca dos pecadores, a Eucaristia, a Cruz e a instituição da Igreja.

– Que é que mudou para melhor? Porque é que tantos ainda não conhecem Jesus Cristo, ou vivem como se não O conhecessem? Já lá vão dois milénios de Cristianismo e o mundo continua muito mal.

A missão ainda «vai no adro». A missão de Cristo Redentor confiada à Igreja está ainda bem longe do seu pleno cumprimento, advertiu João Paulo II (RM 1). E o Evangelho recorda-nos que a semente cristã tem um dinamismo tão silencioso como imparável (Mc 4, 26). Cresce sem que dêmos por isso. O seu crescimento é tão modesto como diminutos são os grãos da mostarda. Mas depois se torna a árvore frondosa. Empenhemo-nos com todas as forças no seu crescimento. E não esqueçamos que o Evangelho é proposto num mundo que não o deseja, porque anuncia a honestidade, a justiça, o serviço.

Missa e Missão

Estamos a celebrar a Missa no dia mundial das missões. Missa e Missão, duas palavras que têm a mesma raiz: missio – missão, envio. Na Missa, Jesus veio e vem, enviado do Pai – assim como o Pai me enviou (Jo 20, 21). Na Missão, Jesus envia e os missionários são os seus mensageiros – assim Eu vos envio a vós (Jo 20, 21).

Enviados a quem? Aos que nunca ouviram falar d’Ele? Ou às ovelhas perdidas da casa de Israel? A todos. Aos que nunca ouviram falar d’Ele: são milhões e milhões, a maior parte da humanidade. As ovelhas perdidas da casa de Israel, que serão aqueles que precisam de ser re-evangelizados: baptizados que perderam o sentido vivo da fé, já não se reconhecem como membros da Igreja e levam uma vida distante de Cristo e do Evangelho.

A Missa celebrou-a e celebra-a Cristo com o seu Corpo e Sangue. Na Missão, participamos todos, no corpo da Igreja de que fazemos parte, com o sangue das nossas veias, o sacrifício das nossas ofertas e a dedicação das nossas vidas.

No tempo da publicidade, da TV e dos computadores, nada substitui a voz que nos fala e a opção gostosa que temos de fazer e de renovar. Por isso, precisamos da Missa, da Missão, dos missionários, para que alguém, em nome de Alguém, nos mostre a verdade, nos faça olhar para ela, olhando também para nós mesmos. Convertendo-nos em primeira mão, ou reconvertendo-nos quando as crenças se diluem, ou a preguiça, ou a falta de seriedade as atraiçoam.

Evangelizar é obrigação e não privilégio

Ide e evangelizai, manda Jesus (Mc 16, 15). A ordem é para todos os seus discípulos e discípulos somo-lo pelo Baptismo. Todos: homens e mulheres, novos e idosos. Todos os cristãos são e devem ser missionários.

Muitos interrogar-se-ão: – E eu que posso fazer? Partir, eu? Estou noivo, tenho marido e filhos, o meu emprego, as minhas responsabilidades sociais…

Deus não nos pede que deixemos a família ou os trabalhos. Pede-nos, sim, que deixemos certo estilo de vida para estarmos disponíveis, para fazer apostolado, para ajudar as missões. Não é preciso ir para a praça pública fazer belos discursos. Basta o exemplo que damos por aquilo de que estamos convencidos. Podemos ser verdadeiros apóstolos, e da forma mais fecunda, também dentro das paredes do lar, no lugar de trabalho, na cama de hospital e na clausura dum convento, lembra o Santo Padre na sua mensagem para o dia de hoje.

A nossa missão será, por vezes, escutar e acolher aqueles que andam dispersos. Dar-lhes motivos para que regressem. Escutar os católicos não praticantes, ouvir as razões que os levaram a afastar-se da prática religiosa. Dar entusiasmo aos sem esperança. Emprestarmos os nossos braços, o nosso coração, para que eles possam ver um sentido em nossas vidas. Rezar e sacrificar-se pelas missões, como Teresa de Lisieux, declarada padroeira das missões e, agora, também Doutora da Igreja.



Fala o Santo Padre



MENSAGEM DO PAPA BENTO XVI

PARA O DIA MISSIONÁRIO MUNDIAL DE 2009

«As nações caminharão à sua luz» (Ap 21, 24)

Neste domingo dedicado às missões, me dirijo sobretudo a vós, Irmãos no ministério episcopal e sacerdotal, e também aos irmãos e irmãs do Povo de Deus, a fim de vos exortar a reavivar em si a consciência do mandato missionário de Cristo para que «todos os povos se tornem seus discípulos» (Mt 28, 19), seguindo as pegadas de São Paulo, o Apóstolo dos Gentios.

«As nações caminharão à sua luz» (Ap 21, 24). O objectivo da missão da Igreja é iluminar com a luz do Evangelho todos os povos em seu caminhar na história rumo a Deus, pois Nele encontramos a sua plena realização. Devemos sentir o anseio e a paixão de iluminar todos os povos, com a luz de Cristo, que resplandece no rosto da Igreja, para que todos se reúnam na única família humana, sob a amável paternidade de Deus.

É nesta perspectiva que os discípulos de Cristo espalhados pelo mundo trabalham, se dedicam, gemem sob o peso dos sofrimentos e doam a vida. Reitero com veemência o que muitas vezes foi dito pelos meus Predecessores: a Igreja não age para ampliar o seu poder ou reforçar o seu domínio, mas para levar a todos Cristo, salvação do mundo. Pedimos somente de nos colocar a serviço da humanidade, sobretudo da daquela sofredora e marginalizada, porque acreditamos que «o compromisso de anunciar o Evangelho aos homens de nosso tempo… é sem dúvida alguma um serviço prestado à comunidade cristã, mas também a toda a humanidade» (Evangelii nuntiandi, 1), que «apesar de conhecer realizações maravilhosas, parece ter perdido o sentido último das coisas e de sua própria existência» (Redemptoris missio, 2).

1. Todos os Povos são chamados à salvação

Na verdade, a humanidade inteira tem a vocação radical de voltar à sua origem, que é Deus, somente no Qual ela encontrará a sua plenitude por meio da restauração de todas as coisas em Cristo. A dispersão, a multiplicidade, o conflito, a inimizade serão repacificadas e reconciliadas através do sangue da Cruz e reconduzidas à unidade.

O novo início já começou com a ressurreição e a exaltação de Cristo, que atrai a si todas as coisas, as renova, as tornam participantes da eterna glória de Deus. O futuro da nova criação brilha já em nosso mundo e acende, mesmo se em meio a contradições e sofrimentos, a nossa esperança por uma vida nova. A missão da Igreja é «contagiar» de esperança todos os povos. Por isto, Cristo chama, justifica, santifica e envia os seus discípulos para anunciar o Reino de Deus, a fim de que todas as nações se tornem Povo de Deus. É somente nesta missão que se compreende e se confirma o verdadeiro caminho histórico da humanidade. A missão universal deve se tornar uma constante fundamental na vida da Igreja. Anunciar o Evangelho deve ser para nós, como já dizia o apóstolo Paulo, um compromisso impreterível e primário.

2. Igreja peregrina

A Igreja Universal, sem confim e sem fronteiras, se sente responsável por anunciar o Evangelho a todos os povos (cfr. Evangelii nuntiandi, 53). Ela, germe de esperança por vocação, deve continuar o serviço de Cristo no mundo. A sua missão e o seu serviço não se limitam às necessidades materiais ou mesmo espirituais que se exaurem no âmbito da existência temporal, mas na salvação transcendente que se realiza no Reino de Deus. (cfr. Evangelii nuntiandi, 27). Este Reino, mesmo sendo em sua essência escatológico e não deste mundo (cfr. Jo 18, 36), está também neste mundo e em sua história é força de justiça, paz, verdadeira liberdade e respeito pela dignidade de todo ser humano. A Igreja mira em transformar o mundo com a proclamação do Evangelho do amor, «que ilumina incessantemente um mundo às escuras e nos dá a coragem de viver e agir e… deste modo, fazer entrar a luz de Deus no mundo» (Deus caritas est, 39). Esta é a missão e o serviço que, também com esta Mensagem, chamo a participar todos os membros e instituições da Igreja.

3. Missio ad gentes

A missão da Igreja é chamar todos os povos à salvação realizada por Deus em seu Filho encarnado. É necessário, portanto, renovar o compromisso de anunciar o Evangelho, fermento de liberdade e progresso, fraternidade, união e paz (cfr. Ad gentes, 8). Desejo «novamente confirmar que a tarefa de evangelizar todos os homens constitui a missão essencial da Igreja» (Evangelii nuntiandi, 14), tarefa e missão que as vastas e profundas mudanças da sociedade actual tornam ainda mais urgentes. Está em questão a salvação eterna das pessoas, o fim e a plenitude da história humana e do universo. Animados e inspirados pelo Apóstolo dos Gentios, devemos estar conscientes de que Deus tem um povo numeroso em todas as cidades percorridas também pelos apóstolos de hoje (cfr. At 18, 10). De fato, «a promessa é em favor de todos aqueles que estão longe, todos aqueles que o Senhor nosso Deus chamar» (At 2,39).

Toda a Igreja deve se empenhar na missio ad gentes, enquanto a soberania salvífica de Cristo não está plenamente realizada: «Agora, porém, ainda não vemos que tudo lhe esteja submisso» (Hb 2,8).

4. Chamados a evangelizar também por meio do martírio

Neste dia dedicado às missões, recordo na oração aqueles que fizeram de suas vidas uma exclusiva consagração ao trabalho de evangelização. Menciono em particular as Igrejas locais, os missionários e missionárias que testemunham e propagam o Reino de Deus em situações de perseguição, com formas de opressão que vão desde a discriminação social até a prisão, a tortura e a morte. Não são poucos aqueles que actualmente são levados à morte por causa de seu «Nome». É ainda de grande actualidade o que escreveu o meu venerado Predecessor Papa João Paulo II: «A comemoração jubilar descerrou-nos um cenário surpreendente, mostrando o nosso tempo particularmente rico de testemunhas, que souberam, ora dum modo ora doutro, viver o Evangelho em situações de hostilidade e perseguição até darem muitas vezes a prova suprema do sangue» (Novo millennio ineunte, 41).

A participação na missão de Cristo, de fato, destaca também a vida dos anunciadores do Evangelho, aos quais é reservado o mesmo destino de seu Mestre. «Lembrem-vos do que eu disse: nenhum empregado é maior do que seu patrão. Se perseguiram a mim, vão perseguir a vós também» (Jo 15,20). A Igreja se coloca no mesmo caminho e passa por tudo aquilo que Cristo passou, porque não age baseando-se numa lógica humana ou com a força, mas seguindo o caminho da Cruz e se fazendo, em obediência filial ao Pai, testemunha e companheira de viagem desta humanidade.

Às Igrejas antigas como as de recente fundação, recordo que são colocadas pelo Senhor como sal da terra e luz do mundo, chamadas a irradiar Cristo, Luz do mundo, até os extremos confins da terra. A missio ad gentes deve ser a prioridade de seus planos pastorais.

Agradeço e encorajo as Pontifícias Obras Missionárias pelo indispensável trabalho a serviço da animação, formação missionária e ajuda económica às jovens Igrejas. Por meio destas instituições pontifícias, se realiza de forma admirável a comunhão entre as Igrejas, com a troca de dons, na solicitude recíproca e na comum projetualidade missionária.

5. Conclusão

O impulso missionário sempre foi sinal de vitalidade de nossas Igrejas (cfr. Redemptoris missio, 2). É preciso, todavia, reafirmar que a evangelização é obra do Espírito, e que antes mesmo de ser acção, é testemunho e irradiação da luz de Cristo (cfr. Redemptoris missio, 26) através da Igreja local, que envia os seus missionários e missionárias para além de suas fronteiras. Rogo a todos os católicos para que peçam ao Espírito Santo que aumente na Igreja a paixão pela missão de proclamar o Reino de Deus e ajudar os missionários, as missionárias e as comunidades cristãs empenhadas nesta missão, muitas vezes em ambientes hostis de perseguição.

Ao mesmo tempo, convido todos a darem um sinal crível da comunhão entre as Igrejas, com uma ajuda económica, especialmente neste período de crise que a humanidade está vivendo, a fim de colocar as jovens Igrejas em condições de iluminar as pessoas com o Evangelho da caridade.

Nos guie em nossa acção missionária a Virgem Maria, Estrela da Evangelização, que deu ao mundo Cristo, luz das nações, para que leve a salvação «até aos extremos da terra» (At 13,47).

A todos, a minha Bênção.

Cidade do Vaticano, 29 de Junho de 2009

BENEDICTUS PP. XVI



LITURGIA EUCARÍSTICA



ORAÇÃO SOBRE AS OBLATAS: Fazei, Senhor, que possamos servir ao vosso altar com plena liberdade de espírito, para que estes mistérios que celebramos nos purifiquem de todo o pecado. Por Nosso Senhor…



SANTO



Monição da Comunhão



Todas as vezes que comemos deste pão e bebemos deste cálice «não só anunciamos a morte do Redentor» (1 Cor 11, 26), mas proclamamos também a sua ressurreição, enquanto esperamos a sua vinda gloriosa (João Paulo II).



Sl 32, 18-19

ANTÍFONA DA COMUNHÃO: O Senhor vela sobre os seus fiéis, sobre aqueles que esperam na sua bondade, para libertar da morte as suas almas, para os alimentar no tempo da fome.

Ou:

Mc 10, 45

O Filho do homem veio ao mundo para dar a vida pela redenção dos homens.



ORAÇÃO DEPOIS DA COMUNHÃO: Concedei, Senhor, que a participação nos mistérios celestes nos faça progredir na santidade, nos obtenha as graças temporais e nos confirme nos bens eternos. Por Nosso Senhor…





RITOS FINAIS



Monição final



Jesus Cristo Eucaristia para o mundo nos envia. Este mote deve ser para todos nós programa de vida. Unidos a Cristo, devemos sentir-nos comprometidos com os homens nossos irmãos.



HOMILIAS FERIAIS



29ª SEMANA



2ª Feira, 22-X: O que é ser rico aos olhos de Deus?

Rom 4, 20-25 / Lc 12, 13-21

Assim sucede a quem acumula para si, em vez de se tornar rico aos olhos de Deus.

Abraão não pensou em si, quando Deus lhe pediu a imolação do filho: «convenceu-se plenamente de que Deus era capaz de fazer o que tinha prometido» (Leit).

Pelo contrário, o homem da parábola só pensou em enriquecer cada vez mais e em viver regaladamente (Ev). Jesus pede-nos que procuremos ser ricos aos olhos de Deus. São os pequenos sacrifícios que fazemos em honra de Deus, como Abraão; são os tempos dedicados à oração; é a preocupação pela alimentação da nossa alma, etc.



3ª Feira, 23-X: Vigilância e responsabilidade.

Rom 5, 12-15. 17-19. 20-21 / Lc 12, 35-38

Felizes estes servos, que o senhor, ao chegar, encontrar vigilantes.

É muito importante esta atitude de vigilância. Se ela falta, pode entrar o pecado. E, pela falta de um só muitos outros serão arrastados (Leit). É o que se poderia chamar a solidariedade no pecado.

Pelo contrário, se há vigilância, abunda a graça de Deus e muitos são igualmente beneficiados. É o equivalente à Comunhão dos santos. Sintamos esta responsabilidade à hora da nossa luta diária, para não cedermos com facilidade, pensando que não acontece nenhum mal no mundo.



4ª Feira, 24-X: Receber bem o Senhor.

Rom 6, 12-18 / Lc 12, 39-48

Estai vós também preparados, porque à hora em que menos pensais é que vem o Filho do homem.

Procuremos receber o Senhor com muito amor (Ev), quando Ele vem ter connosco na Comunhão, nos tempos de oração, quando nos traz a sua cruz para que a levemos um pouco, etc.

Para estarmos bem preparados, devemos empregar os nossos talentos ao serviço de Deus e não ao serviço do pecado (Leit). Não empreguemos mal o tempo como aquele servo que se dedicava a bater nos outros (Ev). Libertemo-nos de alguma escravidão: preguiça, sensualidade, comodismo, etc., para estarmos mais livres.



5ª Feira, 25-X: Da escravidão do pecado à escravidão de Deus.

Rom 6, 19-23 / Lc 12, 49-53

É que a paga do pecado é a morte, ao passo que o dom gratuito de Deus é a vida eterna.

Que diferença tão grande entre o fruto da escravidão do pecado, que é a morte, e o fruto da escravidão de Deus, que é a vida eterna! (Leit).

Para que haja esta libertação do pecado é necessário uma fonte de energia, que é o fogo do amor de Deus, que o Senhor veio trazer à terra (Ev). Ele desejava ardentemente sofrer a paixão e a morte para nos poder libertar. O fogo do amor de Deus prende mais facilmente na oração e os frutos da paixão são-nos aplicados na recepção do sacramento da Penitência.



6ª Feira, 26-X: Os sinais provenientes do nosso interior.

Rom 7, 18-25 / Lc 12, 54-59

Sabeis apreciar o aspecto da terra e do céu; mas este tempo, como é que não o apreciais?

O Senhor convida-nos a apreciar os sinais dos tempos (Ev), e poderíamos acrescentar saber apreciar os sinais que se apresentam dentro de nós. Por exemplo S. Paulo verifica nele tendências contraditórias: «O bem que eu quero, não o faço, mas o mal que não quero é que pratico» (Leit). Por isso, se sente infeliz.

Quem nos poderá libertar deste desconcerto? «Só Deus». O corpo reivindica os seus direitos, e a razão aponta outros caminhos mais elevados. Os sentimentos deixam-se levar pelo que é espontâneo e precisam ser igualmente conduzidos pela razão.



Sábado, 27-X: Como aumentar os frutos da nossa vida.

Rom 8, 1-11 / Lc 13, 1-9

Há já três anos que venho procurar fruto a esta figueira e não o encontro.

Deus procura igualmente frutos de santidade nas nossas vidas. Como poderemos dar mais frutos no futuro? (Ev).

Uma das possibilidades é que nos interessemos mais pelas coisas do espírito: «Os que vivem segundo a natureza decaída interessam-se pelas coisas dessa natureza: os que vivem segundo o espírito interessam-se pelas coisas do espírito» (Leit). A outra é deixar-nos guiar pelo Espírito Santo: «também dará vida aos vossos corpos mortais, por meio do seu Espírito, que habita em vós» (Leit).













Celebração e Homilia:          BARRETO MARQUES

Nota Exegética:                     GERALDO MORUJÃO

Homilias Feriais:                   NUNO ROMÃO

Sugestão Musical:                 DUARTE NUNO ROCHA

Roteiro Homilético 10 - Liturgia: comentário exegético presbíteros.org

EPÍSTOLA Hb 4, 14-16

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)



INTRODUÇÃO: O autor toma como base de seu argumento homilético a imagem de Cristo como Sumo Sacerdote. A diferença entre o antigo Sumo sacerdote e o Cristo da nova era está na natureza dos dois pontífices: o antigo era pecador e seu ato servia também para ele; a entrada era num templo material que representava, mas não constituía, a presença da divindade; sua função era anual e só podia ser exercitada durante uma vida humana, curta e temporal. O novo Pontífice entrava no verdadeiro templo, no santuário próprio da divindade. Sua entrada, única e atemporal, era uma presença sempre atual e sua intercessão era a máxima; pois, sendo sem pecado, era o justo que ofereceu sua vida em propiciação pelos homens. Seu sangue era o sangue do homem oferecido em preço pelas dívidas do pecado. E pelo que se refere aos homens, ele era o mais apropriado a se compadecer do homem caído, pois experimentou, como homem, todas as dificuldades e necessidades para poder apresentar as mesmas a Deus como um mendigo apresenta suas necessidades ao rico que o observa. Nele temos a confiança que a nossa fé aviva e proporciona.

SUMO SACERDOTE: Tendo, pois, um sumo sacerdote [archierea megan<749> <3173>=pontificem magnum] que atravessou [dielëluthota<1330>= penetravit] os céus, Jesus, o Filho de(o) Deus, seguremos [kratömen <2902> = teneamus] a confissão [omologias<3671>= confessionem] (14). Habentes ergo pontificem magnum qui penetraverit caelos Iesum Filium Dei teneamus confessionem. SUMO SACERDOTE: A palavra Archiereus <749> sai 123 vezes no NT. Em plural significa chefes sacerdotais [principes sacerdotum] e em singular chefe dos sacerdotes ou sumo sacerdote [princeps sacerdotum]. Os chefes sacerdotais eram além do Sumo Sacerdote ou Sumo Pontífice, todos os que tinham conseguido esse título que em tempos de Jesus não era vitalício, além dos chefes das principais famílias sacerdotais que tinham direito a estar no Supremo Tribunal, ou Sinédrio. Como exemplos do 1º significado temos Mt 26, 24 e do 2º significado temos Mt 26, 57, sendo que neste último caso se refere a Caifás. De modo especial em Hebreus a palavra archiereus sai 17 vezes das quais 15 em singular e sempre traduzidas por Pontifex na Vulgata e nas outras duas, em plural, por sacerdotes. Entre os romanos, Pontifex era o magistrado que presidia os ritos religiosos e os sacrifícios. O termo PONTIFEX literalmente significa construtor de pontes. Em Roma as pontes estavam sobre o rio Tibre [rio sacro, considerado uma deidade]. Por isso, unicamente as maiores autoridades estavam autorizadas a ir contra sua corrente ou vontade, não o atravessando a pé molhado; pelo contrário, interrompendo sua ação benéfica, como é a d’água no corpo. Assim, precisava-se de um sacerdote que aplacasse a ira do rio. Em Roma existia o Collegium Pontificum, ofício mais importante entre os sacerdotais, com o objeto de servir ao Rei como conselheiro em tudo o concernente à Religião [tempos de Numa]. O chefe do Colégio era o Pontifex Maximus de cargo vitalício. Antes de se fundar esta instituição todos os seus cargos e ofícios eram assumidos pelo rei. Durante a República os romanos criaram o Rex Sacrorum, para executar as tarefas religiosas que antigamente pertenciam ao rei. Mas este rei das coisas sacras não podia ter qualquer cargo político ou assento no senado. Este rei sacrorum foi logo subordinado ao Pontifex Maximus como garantia de que não pudesse optar à tirania. Durante a República, o Pontifex maximus escolhia os flamines [sacerdotes especiais vinculados a Júpiter, Marte e Quirino] e as Vestais [virgens que cuidavam do fogo sagrado da Diosa Vesta no foro romano]. O Pontífice Máximo residia na Domus Pública  perto da casa das Vestais. Não podia usar a toga praetexta [com borda púrpura] e era reconhecido pela secespita [faca do sacrifício] a patera [copa] e um manto que cobria a cabeça. Escolhido entre os Pontífices (de 5 a 15, segundo a época) o Pontífice Máximo recebia o cargo por toda vida. Júlio César e seu sobrinho César Augusto chegaram a ser Pontífices Máximos. No caso dos judeus, existiam na prática dois Sumos Pontífices: O escolhido pelo procurador romano [no caso de Jesus naquele ano, era Caifás]  e o escolhido pelo grêmio sacerdotal a quem davam o nome de Sagan. O Sagan era o chefe [ou princeps=principal, caudilho, chefe, cabeça, primeiro, príncipe] dos sacerdotes e politicamente mais influente que o Sumo sacerdote anual, pois este dependia dos governadores romanos e aquele era praticamente vitalício e dependendo do colégio sacerdotal. À parte do Sagan, o Sumo Sacerdote era auxiliado por diversos funcionários, todos provenientes das famílias mais importantes: o comandante do Templo, os chefes das 24 equipes semanais, os sete vigilantes, três tesoureiros. Além do sacerdote supremo, existiam cerca de 7 mil outros sacerdotes divididos em 24 equipes que se revezavam nos serviços do Templo. Em média, cada sacerdote atuava cinco vezes por ano. Recebiam salário, que provinha dos sacrifícios e do dízimo. A função sacerdotal era hereditária. Por isso Lucas fala de sob os sumos pontífices Anás e Caifás (TEB), [epi archiereös = sub principibus sacerdotum] (3, 2). O ministério especial do Sumo Sacerdote [Kohen Gadol=sacerdote grande (o hebraico não tem superlativo] consistia, de modo especial,  em celebrar os ritos do Yom Kipppur [dia da expiação]. Somente ele entrava uma vez cada ano no santo dos santos, oferecendo o sangue do macho cabrito como expiação dos pecados do povo. O grego do versículo [archierea megan] parece uma tradução literal do nosso Kohen Gadol, talvez indicando que a carta foi escrita em aramaico, ou por um judeu cuja língua materna era essa mesma. ATRAVESSOU OS CÉUS: Jesus, como Cristo, se tornou Sumo Pontífice [Kohen Gadol] e teve que realizar esse ato de entrar no Santo dos santos [Kodesh Hakodashim ] para expiar os pecados do povo. Só que Cristo foi constituído Sumo sacerdote segundo a ordem de Melquisedec (Hb 6, 9), ou seja, in aeternum e no lugar de entrar num templo feito por mãos humanas, entrou no templo que não foi desta criação (9, 11). Ofereceu-se a si mesmo, não para oferecer sangue alheio, mas seu próprio sangue (9, 25). E o fez uma só vez, não todos os anos (9, 11 e 25). Paulo dirá que Cristo foi proposto como propiciação [vítima expiatória] para obter por seu sangue o perdão dos pecados (Rm 3, 25). Neste versículo, o autor da carta explica qual foi o tabernáculo: os céus. E nesta entrada, junto ao trono de Deus, permanece eternamente nesse seu ofício de sacerdote,  intercedendo por seu povo (2, 17). SEGUREMOS A CONFISSÃO: O verbo grego Krateö<2902> significa ser forte, dominar, apanhar  ou agarrar, segurar, manter firme, que a Vulgata traduz por teneamus significando agarrar com a mão, distinto do habitual habeamus, que é um simples ter. Omologia<3671> é acordo, confissão, pacto, profissão de fé, crença. Poderíamos traduzir por mantenhamos firme nossa crença (nEle) ou talvez mantenhamos firme o Kerigma que a Igreja propunha como verdade revelada. A razão é que foi visto subir e os anjos deram testemunho de que ele estava no céu (At 1, 11)  e que essa subida é continuação do seu trabalho na terra, como veremos nos versículos seguintes.

SEMELHANTE A NÓS: Pois não temos um Sumo Sacerdote sem poder [dunamenon<1410>=qui non possit] compadecer-se [sumpathësai<4843>=compati] com nossas fragilidades [astheneiais <769> =infirmitatibus]; pois tentado foi [pepeiramenon<3987>=temptatum] em tudo segundo nossa semelhança [omoiotëta <3665> = similitudine], fora de pecado [amartias<266>=peccato] (15). Non enim habemus pontificem qui non possit a conpati infirmitatibus nostris temptatum autem per omnia pro similitudine absque peccato. A palavra  grega Astheneia<769> originariamente significa falta de força ou energia. De onde fraqueza, deficiência, debilidade. Tudo que tem limitações e imperfeições foi também suportado por esse Sumo Sacerdote nosso. Uma única exceção na semelhança: O pecado. Já Paulo o afirmava: Em condição semelhante à de um homem pecador… para condenar o pecado em sua mesma natureza humana (Rm 6, 3). Porque, despojado de sua existência como Deus, tomou a figura de um escravo, tornando-se semelhante a um homem e reconhecido em figura humana (Fp 2, 7). Fato ressaltado pelo autor em 2, 7: Convinha que em todas as coisas se tornasse semelhante aos irmãos para ser misericordioso e fiel sumo sacerdote nas coisas referentes a Deus e para fazer propiciação pelos pecados do povo. FORA DO PECADO: Paulo também fala a mesma linguagem quando diz: A  quem não conheceu o pecado Ele o identificou com o pecado por nós a fim de que por ele, nos tornemos justiça de Deus (2 Cor 5, 21).  E também: Deus enviando seu próprio Filho na condição da nossa carne de pecado, condenou o pecado na carne (Rm 8, 3). Sendo sem pecado, tomou como se fazia no AT, os pecados de todos e como bode expiatório o caper emissarius da Vulgata, bode emissário de Levítico 16, 8-10, ou bode expiatório, que recebe o nome de Azazel, palavra escura, que não aparece em nenhuma outra parte da Bíblia hebraica; este bode recebe os pecados do povo e é largado no deserto. O outro bode é morto em sacrifício e com o seu sangue, o sumo sacerdote entra no Santo dos Santos e faz aspersão sobre o propiciatório para o perdão dos pecados dele mesmo e do povo. É assim que Cristo entrou com seu próprio sangue no Santo dos Santos para se tornar propiciação pelos pecados do povo, obtendo uma libertação definitiva (Hb 9, 12).

COM CONFIANÇA: Portanto, aproximemo-nos com coragem [parrësias<3954>=fiducia] ao trono da mercê [charitos<5485=gratiae] para recebermos misericórdia [eleon<1656>=misericordiam], e graça [charin<5485>= gratiam] encontrarmos em favorável [eukarion<2121>=oportuno] auxílio [boëtheian <996>=auxilio] (16). Adeamus ergo cum fiducia ad thronum gratiae ut misericordiam consequamur et gratiam inveniamus in auxilio oportuno. CORAGEM: A parrësia<2121> grega que o latim traduz como fiducia, pode ser traduzido por sem medo, com atrevimento, com plena confiança. TRONO DA MERCÊ: Mercê é uma tradução do grego Charis <5485> que tem vários sentidos em grego. Neste caso, equivale ao dom de Deus, enquanto recebido pelo homem como amor, benevolência, misericórdia, fidelidade, favor, bênção, e, finalmente, salvação e vida eterna. Paulo diz em Rm 11, 6: Deus fêz-lo por pura generosidade [charis] e não por méritos humanos; pois se não fosse assim, não poderíamos falar da generosidade [charis] de Deus. Essa mercê é o perdão e por isso recebemos, em primeiro lugar misericórdia [eleos] e logo favores [charis]. AUXÍLIO FAVORÁVEL: Eukairos<2121> é um adjetivo que significa oportuno, favorável e boëtheia <996>  significa auxílio, ajuda, socorro. Que significa auxílio favorável? Pois que seja um auxílio necessário e conforme aos desígnios de Deus.

EVANGELHO  (Mc 10, 35-45)

(lugar paralelo Mt 20, 20-28)

OS FILHOS DE ZEBEDEU

(Pe. Ignácio, dos padres escolápios)



O PROTAGONISTA: Em Mateus 20, 20-28, temos uma relação paralela com uma diferença: quem pede os postos de honra no novo Reino é a mãe dos dois apóstolos, Tiago e João, junto com seus dois filhos. O nome dela era Salomé [=perfeita], mulher do Zebedeu, forma grega de Zebadias ou Zabdiel [= Jahvé deu]. Zebedeu era um pescador da Galileia com bens suficientes para ter serventes ou jornaleiros a seu serviço (Mc 1, 20) e suficientemente rico, para um dos filhos, João, ser conhecido pelo Pontífice (Jo 18, 15), quem ao mesmo tempo podia, sem dificuldades, tomar em sua casa a mãe de Jesus (Jo 19, 27). Salomé era uma das mulheres que servia o colégio apostólico e que estava subindo com Jesus a Jerusalém (Mt 27, 55-56). O silêncio que os evangelistas guardam sobre o pai, Zebedeu, seria talvez devido à sua morte pouco depois do encontro com Jesus na Galileia quando este teria feito o chamado a seus dois filhos (Lc 5, 10). Os antigos pensavam que Salomé estava aparentada com Jesus através de Zacarias, o esposo de Isabel, esta por sua vez parenta de Maria (Lc 1,36). Se isso for verdade, explicaria algumas das coisas que veremos na continuação.

     O PEDIDO: Então aproximam-se dele Jacob [Iaköbos<2385>=Iacobus] e João [Iöannës <2491> Iohannes], os filhos de Zebedeu [Zebedaiou<2199>Zebedaei] dizendo: Mestre, queremos que faças por nós tudo o que vamos pedir (35). Et accedunt ad illum Iacobus et Iohannes filii Zebedaei dicentes magister volumus ut quodcumque petierimus facias nobis. Assim como a Pedro, Jesus mudou o nome do pai dos dois irmãos e deu a eles o sobrenome de filhos do Trovão, ou Boanerges, que correspondia a filhos da voz de Deus, ou seja, da sua vingança (1 Sm 2, 10). Pelo que respeita ao nome de Jacob este filho do Zebedeu é chamado de Jacobo, o maior, para distingui-lo do outro Jacobo, o menor, filho de Alfeu. Jacob é de origem hebraica  e de significado suplantador, como foi chamado o segundo filho de Rebeca e Isaac, gêmeo de Esau. Jacobo seria sua tradução direta ao espanhol; porém têm muitas variantes, como Giacomo, Jacme em provençal do qual se deriva James em inglês, Jaime em espanhol. Da pronúncia Santi Jacobi, no latim adulterado da Idade Média temos Santiago nome que deu origem a Tiago ou Diago e daí Diego. Iöannes: do hebraico Iochanan [Jahveh favoreceu] era o nome de um sacerdote durante o Pontificado de Joaquin, que voltou junto com Zorobabel. O nosso João era irmão menor de Tiago, e como este filho do Zebedeu e segundo a tradição, o autor do quarto Evangelho Segundo Mateus, foi precisamente a mãe, de nome Salomé (Mt 27, 56, comparado com Mc 15, 40) quem, no lugar de seus filhos, prostrou-se em reverência para o pedido (Mt 20, 20).

    JESUS PERGUNTA: Jesus, pois, disse-lhes: Que quereis que eu vos faça? (36). Eles então lhe disseram: dá-nos que um à direita e um à esquerda tua estejamos sentados [kathisömen <2523>=sedeamus] na tua glória [doxë <1391>=gloria] (37). At ille dixit eis quid vultis ut faciam vobis. Et dixerunt da nobis ut unus ad dexteram   tuam et alius ad sinistram tuam sedeamus in gloria tua. Segundo Mateus, é a mãe que pede para seus dois filhos e no lugar da glória [doxa] é o Reino. Quer seja diretamente, quer através e junto com a mãe, o que é mais natural, os dois pediram os postos de maior relevância no Reino que pensavam Jesus ia instaurar em Jerusalém, para onde se dirigiam. O seu modo de julgar, tanto da mãe como dos filhos, era totalmente humano, como se o novo reino fosse um Reino temporal e geográfico ao modo dos reinos que eles conheciam. Por isso dirá Jesus: “sabeis que os que são considerados príncipes dos gentios os dominam” (42). Sua maneira de pensar era a dos judeus da época que pretendiam um reino davídico de dominação, ao estilo romano. Se realmente Salomé fosse parenta indireta de Jesus, como dizem certos comentaristas, seu pedido e sua atuação não seriam tão inusitados e desmedidos. O parentesco, nos tempos de Jesus, era motivo e razão de prerrogativas especiais por parte dos que Jesus chama grandes da política e da sociedade (42). Objetar-se-á que Pedro tinha sido louvado e preferido como chefe da comunidade (Mt 16, 16). Porém em Marcos (8, 27-30) existe a confissão de Pedro mas não o prêmio pela mesma como em Mateus (16, 17-18), ou Lucas (9, 18-21). Somente Mateus parece incorrer em certa falta de lógica ao permitir que a mãe e filhos peçam um lugar que já foi destinado por Jesus como sendo de Pedro. Porém, a recusa de Jesus diante da tentação de Pedro, a quem chama de Satanás, no capítulo 16, parecia indicar que o primado de Pedro tinha sido rebaixado. A transfiguração, chamando os três discípulos, mostrava uma certa predileção sobre os dois irmãos até o ponto deles, os filhos do trovão (Boanerges em Mc 3, 17), pedirem ao Senhor licença para lançar sobre uma aldeia samaritana fogo do céu (Lc 9, 54) nessa última viagem a Jerusalém, como Elias em 2 Rs 1, 10-12. Tinham, pois, motivos aparentes e suficientes para o pedido que estavam fazendo a Jesus: Assentar-se um à direita e outro à esquerda do trono de Jesus quando este estivesse na sua glória, isto é, como Messias triunfante. A ele se dirigem como o novo rei de Israel que em Jerusalém vai iniciar o Reino. De Ciro, rei da Pérsia, se conta que preferia colocar seus hóspedes mais honrados à esquerda, pois era o lugar do coração. Não eram só privilégios (ver 1 Rs 2,19). Eram também verdadeiros ofícios em que o poder real era exercido através dos ministros. O Salmo 110, 1 fala do Messias como convidado por Jahvé, para se assentar à direita do trono divino. Isso significava participar do poder e da dignidade de quem o honrava. O Messias era assim solicitado para compartir do poder e da dignidade de Jahvé. Jesus utiliza o salmo davídico com interpretações messiânicas para confundir a ciência dos fariseus que não souberam responder por que Davi chama Senhor ao messias sendo que este era filho ou descendente dele e, portanto, inferior a ele próprio (Mc 12,35-37). Já o título de Boanerges, que Jesus deu aos dois irmãos indica que eram caracteres fortes, inclinados a comandar. Pediam, pois, o que naturalmente sentiam como vocação.

RESPOSTA DE JESUS: Jesus, então, lhes disse: Não conheceis que pedis. Podeis beber a copa [potërion <4221>=calicem] que eu bebo e o batismo [baptisma <908>=baptismum] (em) que eu sou batizado, ser batizados? (38). Iesus autem ait eis nescitis quid petatis potestis bibere calicem quem ego bibo aut baptismum quo ego baptizor baptizari. Jesus responde de maneira fina, sem indignar-se por um pedido aparentemente desmedido e imprudente. “Não sabeis o que estais pedindo”. E explica na continuação como ele deve adquirir isso que eles chamam de glória do Reino: um sacrifício de amargura e sangue. Um cálice que deve beber e um batismo em que deve ser submergido. O COPO: Poterion<4221>. Era o cálice da vingança divina frequentemente apresentado pelos profetas. O Senhor tem uma copa na mão. Nela derrama um vinho fermentado e bem misturado e obriga a bebê-lo a todos os malvados da terra até a última gota (Sl 75, 9-10). Em Is 51, 17 lemos: Desperta. Desperta, levanta-te ó Jerusalém que da mão do Senhor bebeste o cálice da sua ira, o cálice do atordoamento e o esgotaste. Em Jeremias 25, 15: Porque assim me disse o Senhor, o Deus de Israel: Toma de minha mão este cálice do vinho de meu furor e darás a beber dele a todas as nações às quais eu te enviar. Ou Ezequiel 23, 31-33: Seguiste (Jerusalém) o caminho de tua irmã (Samaria). Por isso entregarei o seu copo na tua mão… beberás o copo de tua irmã, copo fundo e largo.. copo de espanto e desolação. Era, pois, o cálice de vingança, cólera e indignação. Esse era o cálice que por três vezes Jesus rogou ao Pai para não bebê-lo (Mc 14, 36). Jesus sabia que ele seria tratado como inimigo pela ira do Pai. O BATISMO: Baptisma<908>. Só Marcos traz esta comparação. Era uma submersão ou imersão na água, ou no fogo do Espírito Santo (Mt 3, 11). Mas Jesus toma essa figura para designar o seu batismo de sangue, imerso no seu próprio sangue, como o guerreiro que vem de Edom (figura do país inimigo por excelência) com a veste manchada do sangue dos inimigos, como quem sai do lagar após pisar as uvas. Porque era o dia da vingança e chegava o ano dos meus redimidos (Is 63, 1-4). Só que esse sangue era o próprio de Jesus em que a justiça divina tinha determinado castigar o pecador e por isso ele, Jesus, dirá: tenho que ser batizado num batismo (de dores) e como me angustio até ser consumado (Lc 12, 50). E a Pedro: Mete a espada na bainha; não beberei porventura, o cálice que o Pai me deu?  (Jo 18, 11). Jesus convida, pois, os seus dois pedintes a se unirem a Ele na hora de sua paixão e morte. A morte de Jesus não era um ato de rancor e vingança dos dirigentes de Israel, nem provinha de uma decisão iníqua da justiça romana, nem demonstrava um triunfo do mal demoníaco, mas um ato de amor do Pai que mostrava sua misericórdia salvando o pecador e revelava sua justiça punindo o justo, para indicar a gravidade  do pecado e a necessidade da conversão.

PODEMOS: Eles, portanto, disseram-lhe: Podemos. Jesus, pois, disse-lhes: O copo que eu bebo, bebereis e o batismo o qual eu sou batizado sereis batizados (39). Mas o estar sentado à direita de mim ou à esquerda de mim não está a mim dar, mas para os que estão preparados(40). At illi dixerunt ei possumus Iesus autem ait eis calicem quidem quem ego bibo bibetis et baptismum quo ego baptizor baptizabimini. Sedere autem ad dexteram meam vel ad sinistram non est meum dare sed quibus paratum est. Literalmente, traduzimos o grego como o batismo o qual eu sou batizado que o latim corrige com uma preposição implícita quo correspondente a no qual, que significa a imersão total em sua paixão e morte. Diante da resposta positiva e animosa dos discípulos, Jesus promete que realmente assim sucederá, mas que se assentar à direita e à esquerda é uma questão de previdência divina, preparada pelo Pai como diz Mateus (20, 23). Cumpriu-se a profecia? No caso de Jacob ou Tiago de modo material e totalmente, pois foi morto no ano 44 por ordem de Agripa (At 12, 2). De João diz Tertuliano que foi martirizado ante portam latinam submergido em azeite fervente do qual saiu ileso, para morrer de velho em Patmos, a ilha do Egeu. A segunda parte de Jesus, não dispor dos lugares preferidos no Reino, porque já estão predestinados ao usar a passiva, indica que é desígnio de Deus, ou do Pai como frequentemente Jesus afirma, para coisas que não correspondem a sua humanidade, mas aos planos divinos, não a ele como Mestre de um colégio apostólico, mas que já está determinado pela suprema autoridade de Deus, Criador e Senhor do Universo. Nada tem a ver com o mistério trinitário, completamente desconhecido dos apóstolos nesse momento. O Pai que eles conheciam era o celestial, do qual deviam se tornar filhos (Mt 5, 45), Senhor do céu e da terra [de todo o Universo] (Mt 11, 25), que é quem decide quem deve entrar no Reino (Jo 6, 44), que, portanto, reservava os melhores postos no Reino (Mt 20, 23) e de cujos planos futuros nem os anjos nem o Filho podiam saber com determinação o dia e a hora (Mt 24, 36 e Mc 13, 32). Próprio do Filho era o julgamento final (Mt 25, 34), como correspondia a um triunfador sobre seus inimigos. A suprema ironia é que no momento em que Jesus recebe o Reino, na cruz, estavam com ele dois homens um à direita e outro à esquerda e não eram precisamente seus mais íntimos discípulos.

REAÇÃO DOS OUTROS: Por isso, os dez começaram a estar indignados por causa de Jacob e João (41). Et audientes decem coeperunt indignari de Iacobo et Iohanne. A ambição humana estava fortemente arraigada no ânimo dos discípulos de Jesus. Daí a sua indignação com os dois irmãos que pretendiam a melhor parte num futuro Reino, que todos estavam esperando com a entrada de Jesus em Jerusalém.

A LIÇÃO: Então Jesus, tendo os convocado, diz-lhes: Tendes conhecido que, os que aparecem dominar as nações as subjugam e os grandes deles, exercem autoridade neles (42).  Não será, portanto, assim entre vocês, mas quem quiser se tornar grande entre vocês será servidor de vocês (43). E se alguém entre vocês quiser se tornar primeiro, será de todos, escravo (44). Iesus autem vocans eos ait illis scitis quia hii qui videntur principari gentibus dominantur eis et principes eorum potestatem habent ipsorum. Non ita est autem in vobis sed quicumque voluerit fieri maior erit vester minister. Et quicumque voluerit in vobis primus esse erit omnium servus. Jesus opõe seu Reino aos reinos em prática dos povos pagãos vizinhos. Nestes últimos, os chefes dos mesmos tiranizam os povos e os grandes dos mesmos exercem um poder opressor sobre os súditos. Bastava ser um adulto na época, para ter sofrido os abusos e vexações, ao menos tributárias, de Herodes, de Arquelau e de Antipas para não falar dos venais procuradores romanos. No reino de Cristo, do Messias, cuja semente eram eles, não podia acontecer isso: o que aspira a ser grande tinha que ser servidor, e o que almeja ser o primeiro deve ser o escravo de todos. Não devem existir ambições nem pretensões nas lideranças do Reino, já que não são para proveito próprio, senão um ministério, uma diakonia, exatamente como aquele que serve de livre vontade ou é escravo. Assim entendidos, quem deseja ambicionar postos que unicamente ofereçam serviço e trabalho escravo?

O EXEMPLO PRÓPRIO: Assim, pois, o Filho do Homem não veio (para) ser servido, mas servir e dar sua vida (como) resgate [lytron <3083>=redemptionem]  por muitos (45). Nam et Filius hominis non venit ut ministraretur ei sed ut ministraret et daret animam suam redemptionem pro multis. As palavras entre parênteses não estão no grego original, mas foram acrescentadas para completar a sintaxe em português. FILHO DO HOMEM: O Filho do homem tem vários sentidos. Um deles é o substituto do eu, assim como a gente o faz em português. A frase seria traduzida: “Assim como eu …”. Jesus, Rei e Chefe principal do novo Reino, teve não um momento, mas uma vida dedicada ao bem dos súditos, dando inclusive sua vida como resgate por muitos. LYTRON: A palavra grega Lytron<3083>, traduzida ao latim por Redemptio merece ser estudada. Só sai no NT em ambos os casos paralelos, os de Marcos e Mateus, que aqui tratamos de estudar. Significa resgate, ou preço pago pela liberdade ou alforria de um escravo. Geralmente usa-se a palavra Apolytrosis, que aparece em Lucas e nas cartas de Paulo (10 vezes), com um significado mais teológico e restritivo de resgate, ou pagamento, ao preço do sangue de Cristo (Ef 1,7), e que geralmente é traduzida por redenção. Era o preço pago pela mudança de escravos a libertos [no caso dos cristãos a filhos], o preço da liberdade segundo o que vemos em Jo 8, 33. De escravos do pecado, que segundo Paulo tem personalidade própria (Rm 6, 6), à liberdade de filhos ( Jo 8, 36). O preço foi o sangue que Jesus derramou até a última gota (Jo 19, 34). E como no sangue estava a vida, por isso ele afirma que deu sua vida pelos que eram até então pecadores e, portanto, escravos do pecado, mas que agora nele crêem (Jo 8, 31-32) e se tornaram amigos (Jo 15, 15) e filhos. Dará sua vida em resgate por muitos, que diz Jesus no parágrafo final de hoje (45).

PISTAS: 1) Na história da Igreja temos repetido esta atuação dos filhos do Zebedeu. O poder real era outrora ambicionado pelos representantes do clero. Numerosos antipapas especialmente no século X, litígios entre bispos desde o século III, são uma amostra cabal. Hoje esse desejo de mando, se trasladou ao laicato, disfarçado pelo aspecto de democratização e igualdade, ou sob a falácia de discriminação do sexo. Será que a razão última destas demandas é querer servir, ou melhor, pretender dominar?

 2) Existe uma necessidade de vocações ao sacerdócio, à vida religiosa, à dedicação missionária, porque falta o verdadeiro espírito do reino, o que o distingue de seus homônimos terrestres: é o espírito de serviço que implica o último lugar. Que posso fazer eu por minha pátria? – foi o slogan de Kennedy. Que posso fazer eu pelo Reino de Cristo, deve ser a pergunta de um cristão à qual devemos responder com sinceridade e generosidade.

3) Não sabemos o que pedimos quando esperamos e rogamos por um triunfo pessoal. Este será o do cálice que optamos por beber e o batismo de dor e sofrimento que escolhemos para ser submergidos nele como o Senhor Jesus foi submergido. Sem dor não existe nova criatura assim como não pode existir triunfo verdadeiro.

4) É de se ressaltar que após 2 mil anos estamos submergidos na mesma ignorância que oprimia os filhos do Zebedeu. Ainda sonhamos em coroas temporais e com recompensas terrenas. Vemos simples clérigos desejar títulos de monsenhor ou cônego, como se isso fosse um degrau para melhor espalhar e engrandecer o Reino. Existem poucos crentes que como Isabel da Hungria deixam a coroa terrena no banco da igreja para colocar em sua cabeça a coroa de espinhos de Jesus crucificado que estava no crucifixo da igreja. É, pois, através de muitas tribulações que devemos entrar no reino dos céus (At 14, 22).

5) O pior não é que encontremos Tiago e João dentro da Igreja. O pior é que, como os outros restantes apóstolos, dificilmente haverá quem não os condene; porém não por outro motivo que não seja a inveja. Nada façais por partidarismos ou vanglória, mas por humildade, considerando cada um os outros superiores a si mesmo (Fp 2, 3). Bem-aventurado o homem que, com sinceridade, pode regozijar-se quando o outro é exaltado, embora ele mesmo seja esquecido e posto de lado! Escolhamos para fazer o bem, áreas nas quais outros não querem trabalhar, áreas – podemos assim chamá-las – de latrinas do Reino.