Roteiro Homilético 2: Dehonianos de Portugal
(http://www.dehonianos.org/)
Tema do 26º
Domingo do Tempo Comum
A liturgia
deste domingo propõe-nos, de novo, a reflexão sobre a nossa relação com os bens
deste mundo… Convida-nos a vê-los, não como algo que nos pertence de forma
exclusiva, mas como dons que Deus colocou nas nossas mãos, para que os
administremos e partilhemos, com gratuidade e amor.
Na primeira
leitura, o profeta Amós denuncia violentamente uma classe dirigente ociosa, que
vive no luxo à custa da exploração dos pobres e que não se preocupa minimamente
com o sofrimento e a miséria dos humildes. O profeta anuncia que Deus não vai
pactuar com esta situação, pois este sistema de egoísmo e injustiça não tem
nada a ver com o projecto que Deus sonhou para os homens e para o mundo.
O Evangelho
apresenta-nos, através da parábola do rico e do pobre Lázaro, uma catequese
sobre a posse dos bens… Na perspectiva de Lucas, a riqueza é sempre um pecado,
pois supõe a apropriação, em benefício próprio, de dons de Deus que se destinam
a todos os homens… Por isso, o rico é condenado e Lázaro recompensado.
A segunda
leitura não apresenta uma relação directa com o tema deste domingo… Traça o
perfil do “homem de Deus”: deve ser alguém que ama os irmãos, que é paciente,
que é brando, que é justo e que transmite fielmente a proposta de Jesus.
Poderíamos, também, acrescentar que é alguém que não vive para si, mas que vive
para partilhar tudo o que é e que tem com os irmãos?
LEITURA I – Am
6,1a.4-7
Leitura da
Profecia de Amós
Eis o que diz
o Senhor omnipotente:
«Ai daqueles
que vivem comodamente em Sião
e dos que se
sentem tranquilos no monte da Samaria.
Deitados em
leitos de marfim,
estendidos nos
seus divãs,
comem os
cordeiros do rebanho
e os vitelos
do estábulo.
Improvisam ao
som da lira
e cantam como
David as suas próprias melodias.
Bebem o vinho
em grandes taças
e perfumam-se
com finos unguentos,
mas não os
aflige a ruína de José.
Por isso,
agora partirão para o exílio à frente dos deportados
e acabará esse
bando de voluptuosos».
AMBIENTE
Continuamos
com Amós, o profeta de Técua, de quem já falámos no passado domingo. Estamos em
meados do séc. VIII a.C. (por volta de 762 a .C.), no reino do Norte (Israel). As
conquistas de Jeroboão II criaram bem-estar, riqueza, prosperidade; no entanto,
a situação de desafogo não beneficia toda a nação, mas um grupo privilegiado
(no qual podemos incluir os nobres, os cortesãos, os militares, os grandes
latifundiários e os comerciantes sem escrúpulos). Nasce, assim, uma classe
dirigente poderosa, cada vez mais rica, que vive instalada no luxo, que explora
os pobres e que, apoiada por juízes corruptos, comete ilegalidades e
prepotências… Do outro lado, estão os pobres, vítimas inocentes e silenciosas
de um sistema que gera injustiça, miséria, sofrimento, opressão. É neste
contexto que o “profeta da justiça social” vai fazer ouvir a sua denúncia
profética.
O texto que
hoje nos é proposto pertence ao género literário dos “ais” (vers. 1). Começa
com uma interjeição (“hwy”) que é, habitualmente, usada em lamentações
fúnebres. A palavra corresponde ao grito com que as carpideiras acompanham o
cortejo fúnebre… É o terceiro “ai” de Amós; os outros dois aparecem em Am 5,7
(a propósito da justiça e dos tribunais) e em Am 5,18 (a propósito do culto).
Os profetas utilizam, normalmente, esta palavra como introdução a um oráculo
que anuncia o castigo: indica que certas pessoas ou grupos se encontram às
portas da morte por causa dos seus pecados.
MENSAGEM
Quem são os
destinatários da mensagem que Amós propõe neste texto? Quem são esses que se
encontram às portas da morte por causa dos seus pecados?
Trata-se da
classe dirigente, rica e indolente, que vive comodamente nos palácios da
capital, que esbanja em luxos, que vive numa eterna festa; trata-se desses
parasitas que se deitam “em leitos de marfim”, que comem alimentos
seleccionados, que bebem vinhos raros em excesso, que usam perfumes importados,
que se divertem ouvindo música e compondo canções. O mais grave (este texto não
o diz directamente, mas a ideia está sempre presente na denúncia de Amós) é que
todo este luxo e esbanjamento resultam da exploração dos mais pobres e das
rapinas e prepotências cometidas contra os fracos. De resto, esta classe rica e
indolente vive egoisticamente mergulhada no seu mundo cómodo e não se preocupa
minimamente com a miséria e o sofrimento que aflige os seus irmãos. Os pobres
trabalham duramente, numa existência cheia de dores, trabalhos e misérias, para
sustentarem a indolência e o luxo da classe dirigente. Deus pode aceitar que
esta situação se prolongue indefinidamente?
É evidente que
Deus não está disposto a pactuar com isto. A classe dominante da Samaria está a
infringir gravemente os mandamentos da “aliança” e Deus não aceita ser cúmplice
daqueles que mantêm um elevado nível de vida à custa do sangue e das lágrimas
dos pobres. Por isso, o castigo chegará em forma de exílio numa terra
estrangeira (o profeta refere-se à queda da Samaria nas mãos dos assírios de
Salamanasar V, em 721 a .C.,
e à partida da classe dirigente para o cativeiro na Assíria).
ACTUALIZAÇÃO
Para a
reflexão e partilha, considerar as seguintes questões:
• O quadro
pintado por Amós descreve, em pormenor, situações bem conhecidas de todos nós…
Pensemos nas festas do jet-set e nas quantias gastas em roupas, em jóias, em
perfumes, por aqueles que as frequentam; pensemos nas quantias gastas em noites
de jogatana por gente que paga miseravelmente aos seus operários; pensemos nos
governantes que malbaratam os dinheiros públicos e que nem sequer vão a
tribunal porque há sempre uma maneira de fazer com que o crime prescreva… E,
por contraste, pensemos nos operários que arriscam a vida em obras perigosas,
porque o patrão não quis gastar uns trocos com sistemas de segurança; pensemos
naqueles que ganham salários mínimos, trabalhando duramente para enriquecer um
patrão prepotente e sem escrúpulos, mas que ao fim do mês não têm dinheiro para
pagar o infantário dos filhos; pensemos nos trabalhadores clandestinos que não
recebem o salário ao fim do mês, porque o patrão desapareceu sem pagar;
pensemos naqueles que recebem pensões de miséria e que vivem em condições
infra-humanas porque a sua magra reforma mal dá para pagar os medicamentos… Um
cristão pode conformar-se com estes contrastes? Que podemos fazer? Como
reivindicar, com coragem profética, um mundo mais parecido com o projecto de
Deus?
• Convém,
também, aplicarmos o questionamento que a mensagem de Amós exige a nós
próprios… Muito provavelmente, não frequentamos as festas do jet-set, nem
usamos dinheiros públicos para pagar os nossos divertimentos e esbanjamentos…
Mas, numa escala muito menor, não teremos os mesmos vícios que Amós denuncia
nesta classe rica e ociosa? Não nos deixamos, às vezes, arrastar pelo desejo de
ter, comprando coisas supérfluas e impondo sacrifícios à família para pagar as
nossas manias de grandeza? Não gastamos, às vezes, de forma descontrolada, para
pagar os nossos pequenos vícios, sem pensar nas necessidades daqueles que
dependem de nós? E os religiosos e religiosas com voto de pobreza não gastam,
às vezes, de forma supérflua, esquecendo que vivem das ofertas generosas de
pessoas que têm menos do que eles?
SALMO
RESPONSORIAL – Salmo 145 (146)
Refrão 1: Ó
minha alma, louva o Senhor.
Refrão 2:
Aleluia.
O Senhor faz
justiça aos oprimidos,
dá pão aos que
têm fome
e a liberdade
aos cativos.
O Senhor
ilumina os olhos dos cegos,
o Senhor
levanta os abatidos,
o Senhor ama
os justos.
O Senhor
protege os peregrinos,
ampara o órfão
e a viúva
e entrava o
caminho aos pecadores.
O Senhor reina
eternamente.
O teu Deus, ó
Sião,
é Rei por
todas as gerações.
LEITURA II – 1
Tim 6,11-16
Leitura da
Primeira Epístola do apóstolo São Paulo a Timóteo
Caríssimo:
Tu, homem de
Deus, pratica a justiça e a piedade,
a fé e a
caridade, a perseverança e a mansidão.
Combate o bom
combate da fé,
conquista a
vida eterna, para a qual foste chamado
e sobre a qual
fizeste tão bela profissão de fé
perante
numerosas testemunhas.
Ordeno-te na
presença de Deus,
que dá a vida
a todas as coisas,
e de Cristo
Jesus,
que deu
testemunho da verdade diante de Pôncio Pilatos:
guarda este
mandamento sem mancha
e acima de
toda a censura,
até à aparição
de Nosso Senhor Jesus Cristo,
a qual
manifestará a seu tempo
o venturoso e
único soberano,
Rei dos reis e
Senhor dos senhores,
o único que
possui a imortalidade e habita uma luz inacessível,
que nenhum
homem viu nem pode ver.
A Ele a honra
e o poder eterno. Amen.
AMBIENTE
Continuamos a
reflectir a Primeira Carta a Timóteo. Timóteo é esse cristão natural de Listra,
filho de pai grego e de mãe judeo-cristã que acompanhou algumas das viagens
missionárias de Paulo, a quem Paulo confiou a coordenação pastoral das igrejas
da Ásia e que, segundo a tradição, foi o primeiro bispo da Igreja de Éfeso. O
autor (que se apresenta como Paulo, embora a atribuição desta carta ao apóstolo
seja – como já vimos nos domingos anteriores – bastante problemática) traça,
para edificação de Timóteo, o retrato do “homem de Deus”.
O contexto das
“cartas pastorais” coloca-nos, presumivelmente, nos inícios do séc. II d.C.,
numa altura em que as heresias – nomeadamente de tipo gnóstico – começam a
incomodar os cristãos. Embora continue a discutir-se o “ambiente” em que as
cartas pastorais aparecem, o certo é que se trata de uma época em que a
comunidade cristã começa a sofrer a influência de “falsos mestres”, que
difundem doutrinas estranhas (o autor da carta traça o quadro dos “falsos
mestres”: são orgulhosos, ignorantes, discutem questões sem importância,
fomentam a inveja, a discórdia, os insultos, as suspeitas injustas, as invejas
e ciúmes e estão preocupados com as questões do lucro – cf. 1 Tim 6,4-6)… Neste
“ambiente”, é importante sublinhar as características do verdadeiro discípulo,
através de quem a verdadeira fé é transmitida.
MENSAGEM
Como deve ser,
então, na perspectiva do autor deste texto, o “homem de Deus”?
O verdadeiro
“homem de Deus” (que Timóteo deve representar) tem de distinguir-se por uma
vida santa, enraizada na fé e no amor aos irmãos. Em concreto, o “homem de
Deus” deve cultivar a justiça, a piedade, a fé, o amor, a perseverança, a
doçura. Tem de ser paciente e manso, diante das dificuldades que o serviço
apostólico levanta. Deve guardar “o mandamento do Senhor” – isto é, a verdade
da fé que lhe foi transmitida pela tradição apostólica. No que diz respeito ao
perfil do “homem de Deus”, tudo se resume no amor para com os irmãos, no
entusiasmo pelo ministério e na capacidade de transmitir a verdadeira doutrina,
herdada dos apóstolos.
O texto
termina com um hino litúrgico, que apresenta Deus como o Senhor dos senhores, o
único soberano, aquele que possui a imortalidade, a glória e o poder universal…
Trata-se de uma solene doxologia que provém, sem dúvida, do repertório das
orações usadas nas sinagogas judaicas do mundo grego e que apresenta Deus em
contraste com os falsos deuses e com os títulos humanos atribuídos a reis e
imperadores.
ACTUALIZAÇÃO
Para a
reflexão e a partilha, ter em conta os seguintes dados:
• O retrato
aqui esboçado do “homem de Deus” define os traços do verdadeiro crente: ele é
alguém que vive com entusiasmo a sua fé, que ama os irmãos (que trata todos com
doçura, com paciência, com mansidão) e que dá testemunho da verdadeira doutrina
de Jesus, sem se deixar seduzir e desviar pelas modas ou pelos interesses
próprios. Identificamo-nos com este modelo?
• A proposta
que aqui é feita a Timóteo deve, sobretudo, caracterizar a vida daqueles que
têm responsabilidades na animação das comunidades cristãs. Os animadores das
nossas comunidades são, efectivamente, pessoas cheias de amor, de mansidão, de
paciência, de capacidade de doar a vida e de servir os irmãos? São pessoas que
transmitem, com fidelidade e coerência, o projecto de Jesus, ou são pessoas que
transmitem doutrinas próprias, condicionadas pelos seus interesses? Na vida e
no testemunho dos animadores das nossas comunidades, nota-se a vontade de dar
um verdadeiro testemunho de Jesus e da sua proposta de salvação, ou nota-se a
busca de privilégios, de títulos e de honras sociais?
ALELUIA – 2
Cor 8,9
Aleluia.
Aleluia.
Jesus Cristo,
sendo rico, fez-Se pobre,
para nos
enriquecer na sua pobreza.
EVANGELHO – Lc
16,19-31
Evangelho de
Nosso Senhor Jesus Cristo segundo São Lucas
Naquele tempo,
disse Jesus
aos fariseus:
«Havia um
homem rico,
que se vestia
de púrpura e linho fino
e se
banqueteava esplendidamente todos os dias.
Um pobre,
chamado Lázaro,
jazia junto do
seu portão, coberto de chagas.
Bem desejava
saciar-se do que caía da mesa do rico,
mas até os
cães vinham lamber-lhe as chagas.
Ora sucedeu
que o pobre morreu
e foi colocado
pelos Anjos ao lado de Abraão.
Morreu também
o rico e foi sepultado.
Na mansão dos
mortos, estando em tormentos,
levantou os
olhos e viu Abraão com Lázaro a seu lado.
Então ergueu a
voz e disse:
‘Pai Abraão,
tem compaixão de mim.
Envia Lázaro,
para que molhe em água a ponta do dedo
e me refresque
a língua,
porque estou
atormentado nestas chamas’.
Abraão
respondeu-lhe:
‘Filho,
lembra-te que recebeste os teus bens em vida
e Lázaro
apenas os males.
Por isso,
agora ele encontra-se aqui consolado,
enquanto tu és
atormentado.
Além disso, há
entre nós e vós um grande abismo,
de modo que se
alguém quisesse passar daqui para junto de vós,
ou daí para
junto de nós,
não poderia
fazê-lo’.
O rico
insistiu:
‘Então
peço-te, ó pai,
que mandes
Lázaro à minha casa paterna
– pois tenho
cinco irmãos –
para que os
previna,
a fim de que
não venham também para este lugar de tormento’.
Disse-lhe
Abraão:
‘Eles têm
Moisés e os Profetas.
Que os oiçam’.
Mas ele
insistiu:
‘Não, pai
Abraão. Se algum dos mortos for ter com eles,
arrepender-se-ão’.
Abraão
respondeu-lhe:
‘Se não dão
ouvidos a Moisés nem aos Profetas,
mesmo que
alguém ressuscite dos mortos,
não se
convencerão’.
AMBIENTE
A leitura que
hoje nos é proposta apresenta mais uma etapa do “caminho de Jerusalém”. A
história do rico e do pobre Lázaro é um texto exclusivo de Lucas. Não é
possível dizer se se trata de uma parábola procedente de uma fonte
desconhecida, ou se é uma criação do próprio Lucas… De qualquer forma, trata-se
de uma catequese (desenvolvida ao longo de todo o capítulo 16 do Evangelho
segundo Lucas) em que se aborda o problema da relação entre o homem e os bens
deste mundo. Jesus dirige-Se, aqui, aos fariseus (cf. Lc 16,14), como
representantes de todos aqueles que amam o dinheiro e vivem em função dele.
MENSAGEM
A parábola tem
duas partes.
Na primeira
(vers. 19-26), Lucas apresenta os dois personagens fundamentais da história,
segundo um cliché literário muito comum na literatura bíblica: um rico que vive
luxuosamente e que celebra grandes festas e um pobre, que tem fome, vive
miseravelmente e está doente. No entanto, a morte dos dois muda radicalmente a
situação. O que é que, verdadeiramente, está aqui em causa?
Atentemos nos
dois personagens… Do rico diz-se, apenas, que se vestia de púrpura e linho
fino, e que dava esplêndidas festas. De resto, não se diz se ele era mau ou
bom, se frequentava ou não o templo, se explorava os pobres ou se era
insensível ao seu sofrimento (aparentemente, isso não é decisivo para o
desfecho); no entanto, quando morreu, foi para um lugar de tormentos. Do pobre
Lázaro diz-se, apenas, que jazia ao portão do rico, que estava coberto de
chagas, que desejava saciar-se das migalhas que caíam da mesa do rico e que os
cães vinham lamber-lhe as chagas; quando morreu, Lázaro foi “levado pelos anjos
ao seio de Abraão” (quer dizer, a um lugar de honra no festim presidido por
Abraão. Trata-se do “banquete do Reino”, onde os eleitos se juntarão – de
acordo com o imaginário judaico – com os patriarcas e os profetas); não se diz,
no entanto, se Lázaro levou na terra uma vida exemplar ou se cometeu más
acções, se foi um modelo de virtudes ou foi um homem carregado de defeitos, se
trabalhava duramente ou se foi um parasita que não quis fazer nada para mudar a
sua triste situação…
Nesta
história, não parecem ser as acções boas ou más cometidas neste mundo pelos
personagens (a história não faz qualquer referência a isso) que decidem a sorte
deles no outro mundo. Então, porque é que um está destinado aos tormentos e
outro ao “banquete do Reino”?
A resposta só
pode ser uma: o que determina a diferença de destinos é a riqueza e a pobreza.
O rico conhece os “tormentos” porque é rico; o pobre conhece o “banquete do
Reino” porque é pobre. Mas então, a riqueza será pecado? Aqueles que acumularam
riquezas sem defraudar ninguém serão culpados de alguma coisa? Ser rico
equivale a ser mau e, portanto, a estar destinado aos “tormentos”?
Na perspectiva
de Lucas, a riqueza – legítima ou ilegítima – é sempre culpada. Os bens não
pertencem a ninguém em particular (nem sequer àqueles que trabalharam duramente
para se apossar de uma fatia gorda dos bens que Deus colocou no mundo); mas são
dons de Deus, postos à disposição de todos os seus filhos, para serem
partilhados e para assegurarem uma vida digna a todos… Quem se apossa – ainda
que legitimamente – desses bens em benefício próprio, sem os partilhar, está a
defraudar o projecto de Deus. Quem usa os bens para ter uma vida luxuosa e sem
cuidados, esquecendo-se das necessidades dos outros homens, está a defraudar os
seus irmãos que vivem na miséria. Nesta história, Jesus ensina que não somos
donos dos bens que Deus colocou nas nossas mãos, ainda que os tenhamos
adquirido de forma legítima: somos apenas administradores, encarregados de
partilhar com os irmãos aquilo que pertence a todos. Esquecer isto é viver de
forma egoísta e, por isso, estar destinado aos “tormentos”.
Na segunda
parte do nosso texto (vers. 27-31), insiste-se em que a Escritura – na qual os
fariseus eram peritos – apresenta o caminho seguro para aprender e assumir a
atitude correcta em relação aos bens. O rico ficou surdo às interpelações da
Palavra de Deus (“Moisés e os Profetas”) e isso é que decidiu a sua sorte: ele
não quis escutar as interpelações da Palavra e não se deixou transformar por
ela. O versículo final (vers. 31) expressa perfeitamente a mensagem contida
nesta segunda parte: até mesmo os milagres mais espectaculares são inúteis,
quando o homem não acolheu no seu coração a Palavra de Deus. Só a Palavra de
Deus pode fazer com que o homem corrija as opções erradas, saia do seu egoísmo,
aprenda a amar e a partilhar.
A história que
nos é proposta é uma ilustração das bem-aventuranças e dos “ais” de Lc 6,20-26…
Anuncia-se, desta forma, que o projecto de Deus passa por um “Reino” de
fraternidade, de amor e de partilha. Quem recusa esse projecto e escolhe viver
fechado no seu egoísmo e auto-suficiência (os ricos), não pode fazer parte
desse mundo novo de fraternidade que Deus quer propor aos homens (a imagem dos
“tormentos”, contudo, não deve se levada demasiado a sério: faz parte do
folclore oriental e das imagens que os pregadores da época utilizavam para
impressionar as pessoas e levá-las a modificar radicalmente o seu
comportamento).
ACTUALIZAÇÃO
A reflexão e
partilha podem partir das seguintes questões:
• Talvez a
catequese que o Evangelho de hoje nos apresenta nos pareça, à partida,
demasiado radical: não temos o direito de ser ricos, de gozar os bens que
conquistámos honestamente? No entanto, convém termos consciência de que cerca
de um quarto da humanidade tem nas mãos cerca de 80% dos recursos disponíveis
do planeta; e que três quartos da humanidade têm de contentar-se com os outros
20% dos recursos. Isto é justo? É justo que várias dezenas de milhares de
crianças morram diariamente por causa da fome e de problemas relacionados com a
subnutrição, enquanto o primeiro mundo destrói as colheitas para que o excesso
de produção não obrigue a baixar os preços? É justo que se gastem em festas
sociais quantias que davam para construir uma dúzia de escolas ou meia dúzia de
hospitais num país do quarto mundo?
• O Vaticano
II afirma: “Deus destinou a terra com tudo o que ela contém para uso de todos
os homens e povos; de modo que os bens criados devem chegar equitativamente às
mãos de todos (…). Sejam quais forem as formas de propriedade, conforme as
legítimas instituições dos povos e segundo as diferentes e mutáveis
circunstâncias, deve-se sempre atender a este destino universal dos bens. Por
esta razão, quem usa desses bens, não deve considerar as coisas exteriores que
legitimamente possui só como próprias, mas também como comuns, no sentido de
que possam beneficiar não só a si, mas também aos outros. De resto, todos têm o
direito de ter uma parte de bens suficientes para si e suas famílias” (Gaudium
et Spes, 69).
• Como me
situo face aos bens? Vejo os bens que Deus me concedeu como “meus, muito meus,
só meus”, ou como dons que Deus depositou nas minhas mãos para eu administrar e
partilhar, mas que pertencem a todos os homens?
• Por muito
pobres que sejamos, devemos continuamente interrogar-nos para perceber se não
temos um “coração de rico” – isto é, para perceber se a nossa relação com os
bens não é uma relação egoísta, açambarcadora, exclusivista (há “pobres” cujo
sonho é, apenas, levar uma vida igual à dos ricos). E não esqueçamos: é a
Palavra de Deus que nos questiona continuamente e que nos permite a mudança de
um coração egoísta para um coração capaz de amar e de partilhar.
ALGUMAS
SUGESTÕES PRÁTICAS PARA O 26º DOMINGO DO TEMPO COMUM
(adaptadas de
“Signes d’aujourd’hui”)
Ao longo dos
dias da semana anterior ao 26º Domingo do Tempo Comum, procurar meditar a
Palavra de Deus deste domingo. Meditá-la pessoalmente, uma leitura em cada dia,
por exemplo… Escolher um dia da semana para a meditação comunitária da Palavra:
num grupo da paróquia, num grupo de padres, num grupo de movimentos eclesiais,
numa comunidade religiosa… Aproveitar, sobretudo, a semana para viver em pleno
a Palavra de Deus.
2. ORAÇÃO DOS
FIÉIS INSPIRADA NO SALMO.
Pode-se fazer
a oração dos fiéis inspirada no Salmo de hoje: “Senhor, faz justiça aos
oprimidos, aos famintos dá o pão, protege os estrangeiros…”.
3. ORAÇÃO NA
LECTIO DIVINA.
Na meditação
da Palavra de Deus (lectio divina), pode-se prolongar o acolhimento das
leituras com a oração.
No final da
primeira leitura:
“Bendito
sejas, Deus de justiça e Pai dos pobres, porque abres os olhos dos profetas aos
sinais dos tempos. Nos excessos da fortuna e do bem-estar, Tu fazes-nos ler os
anúncios de revoltas e de desordens.
Nós Te pedimos
pela nossa terra e pela nossa sociedade, cujas riquezas estão tão mal
distribuídas. Nós Te pedimos perdão pelos nossos próprios excessos”.
No final da
segunda leitura:
“Soberano
único e bem-aventurado, Rei dos reis e Senhor dos senhores, que possuis a
imortalidade, nós Te damos graças porque dás vida a todas as coisas e nós Te
bendizemos pelo teu Filho Jesus, que se manifestará no tempo fixado.
Nós Te
pedimos: guarda-nos irrepreensíveis e justos, na fé e no amor, na perseverança
e na doçura”.
No final do
Evangelho:
“Pai dos
pobres e defensor dos oprimidos, nós Te bendizemos pelos profetas que nos
envias, quando deixamos os caminhos da justiça, e pela glória que reservas
àqueles que os homens desprezam.
Presos nas
redes de uma sociedade que produz tantos pobres, nós Te pedimos: ilumina-nos
com o teu Espírito, conduz-nos nos caminhos da justiça”.
4. BILHETE DE
EVANGELHO.
Durante a sua
vida, o rico de quem ignoramos o nome conheceu uma certa felicidade, enquanto
que o pobre Lázaro conheceu a infelicidade. A felicidade nesta terra é efémera
pois está ligada às riquezas. A infelicidade é provisória porque a verdadeira
riqueza será dada. Então, é preciso que a morte intervenha para que cada um
encontre o seu verdadeiro lugar e a justiça seja feita: o pobre é elevado, ele
que tinha sido rebaixado, ele a quem os cães vinham lamber as chagas. Quanto ao
rico, é enterrado, ele que trazia vestes de luxo e fazia festins sumptuosos.
São os pobres que são exaltados porque esperam a consolação de Deus. São os
ricos que são enterrados, porque procuram a sua própria consolação.
5. À ESCUTA DA
PALAVRA.
Eis ainda uma
parábola sobre a má riqueza. Notemos, em primeiro lugar, que é a única parábola
em que Jesus dá um nome a um dos protagonistas da história que inventa. O pobre
chama-se Lázaro. Este nome, em hebraico, significa “Deus socorreu”. É bem isto
que Jesus fez pelo seu amigo. O rico, esse, é descrito com todo o fausto que o
rodeava: vestidos luxuosos, festins sumptuosos e quotidianos. Mas não tem nome.
Ele é “o rico”. Aos olhos de Deus, os que ocupam o primeiro lugar são os
pobres. Vamos mais longe. Uma frase é central no relato: “Lázaro bem desejava
saciar-se do que caía da mesa do rico, mas até os cães vinham lamber-lhe as
chagas”. Uma frase muito próxima da parábola do filho pródigo, quando o filho
mais novo lamenta não poder comer as bolotas dos porcos. O filho mais novo
simboliza, sem dúvida, o homem pecador fechado na sua solidão. O pobre Lázaro,
esse, é vítima do pecado do rico, mas o resultado é o mesmo: não são vistos por
ninguém. Ninguém lhes dá atenção. Só os cães vêm lamber as chagas do pobre.
Temos aí uma descrição muito realista do que são muitas vezes as nossas
relações. “O rico” é um nome anónimo. As nossas relações não são muitas vezes
anónimas? Mesmo com os nossos mais próximos, não acontece, por vezes, que não
os vemos verdadeiramente, a ponto de esquecer simplesmente de lhes dizer bom
dia, de estar atentos a eles. A indiferença é verdadeiramente um pecado que
pode matar. Nomeando o pobre Lázaro, Jesus recorda-nos, ao contrário, que, para
Ele e para o seu Pai, cada ser humano é olhado como único. Jesus veio compensar
o olhar vazio e anónimo do rico. Veio socorrer todos os pobres – é o sentido do
nome de Lázaro! Mais ainda que Moisés e os profetas, é Jesus que devemos
escutar, para agir como Ele.
6. ORAÇÃO
EUCARÍSTICA.
Pode-se
escolher a Oração Eucarística I, que faz alusão a Abraão (primeira leitura)…
7. PALAVRA
PARA O CAMINHO…
E nós hoje? As
palavras de Amós atingem sem compaixão aqueles que não se preocupam com o
desastre de Israel. Lucas põe em cena um homem rico fechado no luxo, que não
tem mesmo qualquer olhar para o pobre Lázaro que está à sua porta. E nós hoje?
Ricos ou não, diante de todos os desastres do mundo, temos um olhar diferente
para com todos os “Lázaros” da nossa sociedade ou ficamo-nos por um simples
relance no ecrã da televisão? Ouvimos os golpes discretos à nossa porta? Ou
serão somente cães a dar-lhes assistência?
UNIDOS PELA
PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR,
PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo
Dinamizador:
P. Joaquim
Garrido, P. Manuel Barbosa, P. José Ornelas Carvalho
Província
Portuguesa dos Sacerdotes do Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de
Tete, 10 – 1800-129 LISBOA – Portugal
Tel. 218540900
– Fax: 218540909
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