Roteiro Homilético 4: Dom Henrique
2Rs 5,14-17
Sl 97
2Tm 2,8-13
Lc 17,11-19
Salta aos
olhos a mensagem da Palavra de Deus neste Domingo: a gratidão, o reconhecimento
cheio de amor pela ação benéfica de Deus na nossa vida. Gratidão e ingratidão –
eis o que aparece nas leituras de hoje. Primeiro, a gratidão de Naamã, um
pagão, inimigo de Israel, que, no entanto, sabe ser agradecido a Deus. Curado
de sua lepra, voltou para agradecer ao profeta Eliseu e, como sinal de
conversão ao Deus verdadeiro, levou terra de Israel para Damasco, sua cidade,
para, sobre essa terra, adorar a Deus. O reocnhecimento pelo benefício de Deus
fez desse pagão um amigo do Senhor e salvou a sua existência de um caminho sem
sentido. Também a gratidão de outro pagão, o leproso samaritano que soube,
reconhecido, voltar a Jesus “para dar glória a Deus”. Mas também, hoje, aparece
a ingratidão. Nove leprosos, filhos do povo de Israel, que curados, não
retornam para agradecer o dom… Dez foram curados, somente um foi salvo, o
leproso pagão e estrangeiro:“Levanta-te e vai! Tua fé te salvou!”
Estejamos
atentos! Hoje, temos tudo… Chegamos a um alto grau de desenvolvimento
tecnológico e científico, compreendemos tantos dos processos e dinamismos da
natureza e, num mundo ativista e auto-suficiente, temos a sensação ilusória que
nos bastamos, que tudo é nosso, que tudo é fruto de nossos esforços, que tudo
foi conquista nossa, simplesmente. Vamos nos tornando cegos para a presença
cuidadosa, providencial e cheia de amor de um Deus que sempre vela por nós.
Vamos nos tornando gravemente insensíveis para perceber a vida como dom, como
graça, como presente. É impressionante como o mundo nos vai tornando dormentes,
insensíveis mesmo, para Deus! Se avida já não mais é percebida como um dom,
também do nosso coração já não mais brota a ação de graças. Mas, uma vida assim
é ela mesma, sem graça, ela mesma uma “des-graça”! Somente quando abrimos o
coração e os olhos da fé, podemos perceber que tudo é graça, imenso dom de um
Amor sem fim e, então, seremos realmente curados de uma vida sem sentido e
libertos para correr livres nos caminhos da existência. Poderemos ouvir a
palavra de Jesus: “Levanta-te e vai! A tua fé te salvou! Salvou-te de uma vida
mesquinha, fechada, incapaz de olhar as estrelas, incapaz de comunhão com o Pai
do céu, incapaz de dizer “Pai nosso” e
de reconhecer nos outros teus irmãos…” Mas, para isso – nunca esqueçamos – é
necessário um coração de pobre, um coração humilde, que reconheça que tudo
quanto possuímos foi recebido de Deus.
Vale, então,
para nós, no corre-corre da vida, a advertência de São Paulo, na segunda
leitura de hoje: “Lembra-te de Jesus Cristo, ressuscitado de entre os mortos!”
Lembrar-se de Cristo é tê-lo como palavra última e total de amor que o Pai nos pronunciou.
Lembrar-se de Jesus é nunca esquecer que Deus está conosco, amando-nos,
perdoando-nos e acolhendo-nos como Deus providente e misericordioso. Lembrar-se
de Jesus morto e ressuscitado é nunca duvidar da misericórdia de Deus e de seu
compromisso na nossa existência e na existência do mundo. “Lembra-te de Jesus
Cristo ressuscitado! Merece fé esta palavra: se com ele morremos, com ele
viveremos. Se com ele ficamos firmes, com ele reinaremos. Se nós o renegarmos,
também ele nos negará. Se lhe formos infiéis, ele permanece fiel, pois não pode
negar-se a si mesmo!” Aqui está o motivo último e irrevogável de toda a nossa
gratidão a Deus: Jesus Cristo, dado-nos como carinho e fidelidade do Pai! É de
tal modo este dom, tão irrevogável, tão absoluto, que vale a pena morrer com
ele para, nele, viver uma vida nova; vale a pena sofrer com ele para, nele,
reinarmos. É interessante como o Apóstolo sublinha a fidelidade amorosa de Deus
em Jesus: “Se lhe somos infiéis, ele permanece fiel!” Eis um Deus que não se escandaliza
com nossas debilidades, mas é sempre disposto a recomeçar conosco. “Se nós o
negamos, também ele nos negará”… Esta é a única atitude que nos faz perdê-lo
para sempre: a ingratidão de negá-lo em nossa vida, de fechar-se de tal modo
para ele, que já não mais o reconheçamos, que já não mais deixemos que ele seja
o Senhor de nossa existência, que já não mais percebamos que tudo é graça, tudo
é presente de amor.
Cuidemos,
então do modo como estamos construindo a nossa existência: como um fechar-se
sobre nós mesmos, na auto-suficiência, ou como uma abertura livre e filial,
pronta a acolher e viver a vida como um dom do Senhor. Como cantam os
focolares: “Se um dia perguntares quem sou, não direi o meu nome. Direi:
‘Obrigado’, por tudo e pra sempre, ‘obrigado, obrigado’”!
Dom Henrique
Soares da Costa