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O tema da
oração continua no trecho de hoje. Jesus mostra que não basta somente rezar,
pois muito depende das nossas atitudes enquanto rezamos. Por isso, ele nos
conta mais uma parábola que só Lucas relata: a do “Fariseu e do Publicano”.
Para entender
bem esta passagem, é imprescindível que nós entendamos o significado dos termos
“Fariseu” e “Publicano”. Os fariseus formavam um partido religioso-político,
nascido dos “fiéis observadores da Lei”, ou “Hasidim” dos tempos da revolução
dos Macabeus. Eles romperam com as ambições políticas dos Hasmoneus (dinastia
dos Macabeus) e formaram o seu grupo dos “separados”, que parece ser o sentido
da palavra “Fariseu”. Eles primaram pela observância rigorosa da Lei, embora
entre eles existissem diversas escolas de interpretação.
Na nossa
linguagem, a palavra “fariseu” normalmente significa “hipócrita”, uma injustiça
aos fariseus, que eram, na maioria absoluta, gente sincera de uma ascese
rigorosa em busca da fidelidade à Lei de Deus. Provavelmente estamos muito
influenciados pelo Capítulo 23 de Mateus, uma das páginas mais virulentas do
Novo Testamento, que reflete mais a situação de perseguição dos cristãos pelos
fariseus pelo ano 85, do que a situação no tempo de Jesus. A grande crítica de
Jesus contra este grupo não era por motivos de moral, mas porque, confiando na
observação externa da Lei como garantia de salvação, tiraram a gratuidade de Deus,
que nos salva “de graça”.
Enquanto os
fariseus gozavam de enorme prestígio diante do povo no tempo de Jesus, do outro
lado um dos grupos mais odiados e desprezados era o dos “cobradores de
impostos”, ou “publicanos” (assim chamados porque cobravam um imposto
denominado “publicum”). Esse ódio não nasceu simplesmente da resistência
natural do povo contra a cobrança de impostos e taxas, mas do fato que eles
trabalhavam pelo poder opressor, os Romanos, através dos seus lacaios, os
Herodianos. Os publicanos estavam entre os mais “impuros”, considerados
exploradores do seu próprio povo em favor dos opressores. Por isso, eles eram
contados entre os mais odiados e desprezados da sociedade judaica.
Como aconteceu
no início do capítulo 15, aqui também Lucas destaca o motivo da parábola: “Para
alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros, Jesus
contou esta parábola” (v. 9).
É interessante
verificar os dois tipos de oração! O Fariseu elenca todas as suas observâncias,
tudo o que ele faz, conforme manda o a Lei! Ele não mente, ele faz isso mesmo.
Só que ele confia absolutamente no poder da sua prática para garantir a
salvação. Assim dispensa a graça de Deus, pois se a Lei é capaz de salvar, não
precisamos da graça! Ainda se dá ao luxo de desprezar os que não viviam como
ele, ou porque não queriam, ou porque não conseguiam: “Ó Deus, eu te agradeço,
porque não sou como os outros homens, que são ladrões, desonestos, adúlteros,
nem como esse cobrador de impostos” (v. 11).
O publicano
também não mente quando reza! Longe do altar, nem se atrevia a levantar os
olhos para o céu, mas batia no peito em sinal de arrependimento e dizia: “Meu
Deus, tem piedade de mim que sou pecador” (v. 13). É importante notar
exatamente o que reza: ele não diz “eu pequei”, mas algo muito mais profundo,
“eu sou pecador”. “Pecar” é um ato, “ser pecador”é um estado de ser! E era a
verdade: ele era vigarista, ladrão opressor do seu povo, traidor da sua raça.
Mas ele tem consciência disso, e não só disso, mas do fato de que por si mesmo
ele é incapaz de mudar a sua situação moral. A sua única esperança é jogar-se
diante da misericórdia de Deus. Para o espanto dos seus ouvintes, Jesus afirma
que o desprezado publicano voltou para a casa “justificado” (= tornado justo)
por Deus, e não o outro; pois, é Deus que nos torna justos por pura gratuidade,
e não em recompensa por termos observado as minúcias de uma Lei.
Como entrou o
farisaísmo em cheio nas nossas tradições de espiritualidade! Como as nossas
pregações reduziam a fé e o seguimento de Jesus a uma observância externa de
uma lista de Leis! Como reduzimos Deus a um mero “banqueiro” que no fim da vida
faz as contas e nos dá o que nós “merecemos”, de acordo com uma teologia de
retribuição! Quem tem conta em haver com Ele, ganhará o céu, e quem estiver em
dívida, irá para o inferno! Onde fica a graça de Deus, e a cruz de Cristo?
Paulo mudou de vida quando descobriu que a Lei, por tão importante que fosse
como “pedagogo”, não era capaz de salvar, mas que é Deus que nos salva, sem mérito
algum nosso, através de Jesus Cristo! Com esta descoberta, se libertou!
Defendia este seu “evangelho”, conforme Gálatas 1, a ferro e fogo!
O texto de
hoje convida-nos para que examinemos até que ponto deixamos o farisaísmo entrar
na nossa vida; até que ponto confiamos em nós mesmos como agentes da nossa
salvação; até que ponto nos damos o direito de julgar os outros, conforme os
nossos critérios. Uma advertência saudável e oportuna que alerta contra uma
mentalidade “elitista” e “excludente”, que pode insinuar-se na nossa
espiritualidade, como fez na dos fariseus, sem que tomemos consciência disso!
Thomaz Hughes
Palavra para o
caminho
Conclui Jesus
de forma solene: «Eu vos digo: “este desceu justificado para sua casa; o outro
não”» (Lucas 18,14a). Na verdade, justificar significa transformar um pecador
em justo. Então, justificar é perdoar. E, neste profundo sentido bíblico,
justificar e perdoar são acções que só Deus pode fazer («quem pode perdoar os
pecados senão Deus somente?») (Lucas 5,21), dado que, transformar um pecador em
justo é igual a Criar ou Recriar um homem novo. E da acção de Criar também só
Deus é sujeito em toda a Escritura.