4° Domingo do Tempo Comum, Ano A 11

4° Domingo do Tempo Comum, Ano A 11



Roteiro Homilético 11: Pe. Franclim Pacheco Diocese de Aveiro
Antes do texto de hoje, Mateus mostra-nos Jesus a percorrer a Galileia pregando nas sinagogas a conversão e a fé na Boa Nova. Agora, pela primeira vez, ele enfrenta as multidões, compostas não apenas por galileus, mas também por pagãos vindos da zona da Síria, da Decápole, de Jerusalém, dos arredores de Tiro e Sídon e até da Idumeia, zona a sul da Judeia. Vinham ter com Jesus sobretudo por causa da sua fama de curandeiro e escutavam-no como homem de Deus.
À vista da multidão, Jesus sobe ao monte e, como um mestre rodeado pelos seus discípulos, senta-se. O termo «discípulo» é muito vago: é todo aquele que quer aprender. A cena tem o seu eixo em Jesus e alarga-se em círculos concêntricos abraçando progressivamente os discípulos e a multidão.
Folheando as páginas do evangelho de Mateus, vê-se que, para ele, o monte é mais que um lugar geográfico: é espaço de manifestação e revelação de Jesus. Neste texto Mateus está a fazer um paralelo entre Moisés e Jesus, entre a Lei do monte Sinai e a Lei de Jesus. Este fala com uma autoridade própria, dando a sua Lei, sendo superior a Moisés que recebe a Lei de Deus para a entregar ao povo.

Felizes os pobres de espírito e os mansos
A primeira bem-aventurança dirige-se àquela categoria de pessoas que, com uma expressão de sabor bíblico, são designadas como «pobres em espírito». O seu significado fundamental é o duma humilde e confiante submissão a Deus, contraposta à arrogância e prepotência dos que têm «o coração fechado e endurecido». Este modo de pensar corresponde ao ideal religioso e espiritual de Mateus, que recomenda aos discípulos a conversão à humildade e simplicidade dos pequenos e contesta a vaidade dos mestres judaicos.
Nesta linha vai a 2ª bem-aventurança de Mateus, dirigida aos «mansos». Na tradição bíblica e judaica, «pobres» (humildes) e «mansos» são associados muitas vezes para indicar a atitude espiritual daqueles a quem se dirige a atenção e o interesse salvífico de Deus. O evangelho de Mateus, por seu lado, põe em relevo esta qualidade espiritual que se revela particularmente no estilo de Jesus, o mestre «manso e humilde de coração», o messias «pacífico e manso».

Felizes os aflitos
A terceira bem-aventurança é uma paráfrase da promessa de Is 61,2: «Enviou-me a levar uma boa nova aos pobres… a consolar todos os aflitos». Mateus relê este anúncio em chave de promessa a favor dos que esperam a «consolação» salvífica. Eles não são simplesmente aflitos pelas desgraças humanas e tribulações históricas, mas por causa da maldade do momento presente que contradiz a sua espera espiritual. O próprio Deus – sujeito subentendido na expressão passiva – está empenhado em modificar a situação em que se encontram agora os aflitos.

Felizes os que têm fome e sede de justiça
Na continuação do sermão da montanha, os discípulos são convidados a seguir uma «justiça» superior à dos escribas e fariseus; devem procurar com prioridade absoluta o reino de Deus e a sua justiça, isto é, realizar de maneira íntegra e generosa a vontade divina, revelada na proclamação do reino por Jesus. As duas imagens dos «famintos» e «sedentos» de justiça transcrevem em termos metafóricos o intenso desejo e aspiração a procurar e realizar a vontade divina.
A expressão «serão saciados» (por Deus) anuncia o pleno cumprimento da «felicidade» salvífica a favor daqueles que aspiram ardentemente a praticar a justiça.

Felizes os misericordiosos
A primeira e essencial exigência do reino é a misericórdia activa, que tem a sua fonte e modelo no agir de Deus, definido na tradição bíblica e judaica como «o misericordioso».
O amor misericordioso e benigno de Deus revela-se sob um duplo aspecto: perdoa os pecados do seu povo, socorre e protege os necessitados. Por isso, o justo diante de Deus imita-o ao socorrer generosamente os indigentes.
Esta praxis de amor misericordioso assume duas dimensões: como perdão fraterno e generoso e ilimitado sob o modelo e com o dinamismo do perdão salvífico de Deus (18,22-35), e como exercício de misericórdia para com os necessitados (25,31-46). Esta é a condição para obter a misericórdia junto de Deus, isto é, o perdão dos próprios pecados e a salvação no juízo final.

Felizes os puros de coração
A fórmula «puros de coração» é modelada sobre o Sl 23/24 que elenca as condições para quem se apresenta no santuário de Deus: «quem subirá à montanha do Senhor, quem estará no seu lugar santo? O que tem as mãos inocentes e o coração puro, que não pratica a mentira, que não jura para dano do seu próximo».
O «coração» como símbolo de interioridade espiritual e moral designa a dimensão profunda e pessoal da relação religiosa com Deus. Por isso, o «coração puro» sublinha a dimensão profunda e interior da vida religiosa e ética em oposição à superficialidade e exterioridade das formas. Por outro lado, o coração como centro da personalidade designa também a integridade e a totalidade do empenho espiritual como requer o credo de Israel: «Amarás o Senhor teu Deus com todo o coração…» (Dt 6,5).      Aos que aderem a Deus com coração íntegro e realizam a sua vontade com total decisão é prometido o encontro salvífico mediante uma fórmula que representa o cumprimento duma profunda aspiração dos justos: «ver a Deus». Não se trata da contemplação nem do conhecimento místico, mas do encontro vital e da comunhão plena com Deus, de que a experiência festiva no templo era só uma prefiguração.

Felizes os que fazem a paz
No ambiente helenístico profano, o título de eirênopoioi (fazedores de paz) era dado aos chefes políticos e militares que eliminavam os conflitos com habilidade ou com a força das armas. No contexto bíblico uma tal paz seria uma contradição com o ideal do shalôm (paz) que implica a realização do bem-estar em todas as suas dimensões, incluindo a libertação e a justiça para os pobres.
A bem-aventurança de Mateus, que faz eco desta grande aspiração bíblica, ocupa-se da paz nas suas dimensões interpessoais. O primeiro evangelista privilegia a obra de pacificação e reconciliação entre as pessoas divididas, amigos, esposos e famílias. Ele está preocupado com a concórdia e a reposição das relações fraternas que tornam o culto aceite por Deus e eficaz a oração da comunidade.
Aos que fazem a paz é prometida a realização daquela relação de plena comunhão com Deus que é a aspiração dos membros da aliança: ser reconhecidos por Deus como seus filhos.

Felizes os perseguidos
Esta bem-aventurança assume duas formas que têm um papel decisivo na composição mateana. Uma forma breve fecha a série das oito bem-aventuranças, ligando-se, mediante o artifício literário da inclusão, à primeira: «porque deles é o reino dos céus».
A formulação breve é um duplicado da 9ª bem-aventurança, mais ampla, onde se dirige aos destinatários em segunda pessoa e nas formas verbais de futuro. Esta última bem-aventurança, que se encontra também no evangelho de Lucas como conclusão das três bem-aventuranças fundamentais, provavelmente vem duma fonte comum e reflecte um contexto espiritual diverso em relação às precedentes bem-aventuranças. A sua formulação ressente-se das experiências de perseguição que os cristãos devem enfrentar num ambiente hostil, quer judaico quer pagão.
A originalidade do discurso evangélico é constituída pelas motivações que devem qualificar o estilo da perseverança cristã na perseguição. Antes de mais, a hostilidade que gera ultraje e calúnia deriva da profissão de fé cristã: «por minha causa». Esta torna-se em assimilação interior ao destino de Cristo rejeitado e perseguido (10,24-25). Uma segunda motivação que qualifica a perseverança cristã nas hostilidades é típica de Mateus: «por causa da justiça». Não basta ser perseguidos para participar na bem-aventurança. A autenticidade da prova está na «justiça», isto é, na adesão íntegra e prática à vontade de Deus, concretizada no projecto de vida cristã.
A proclamação das bem-aventuranças na abertura do discurso do monte dá o tom espiritual ao estatuto dos discípulos. Eles são proclamados felizes já agora em vista da plena e definitiva felicidade que lhes está destinada por força da fidelidade de Deus.

P. Franclim Pacheco
Diocese de Aveiro