4° Domingo do Tempo Comum, Ano A 3
Roteiro Homilético 3: Vida Pastoral
As bem-aventuranças: ilustrações
de como viver centrado em Deus
I. Introdução geral
A primeira e a segunda leitura
deste domingo nos falam da eleição de Deus. Deus escolhe os pequeninos (fracos)
para confundir os poderosos deste mundo. O evangelho, na mesma direção,
apresenta o programa do discipulado de Jesus. Somente os pobres em espírito
(pequeninos, fracos) poderão trilhar os caminhos do Senhor. As bem-aventuranças
são o itinerário dos que seguem a Jesus de Nazaré. Felizes são aqueles que
encontram apoio somente no Pai. Eles são felizes porque buscam o bem para
todos. A sua felicidade está na prática do bem (amor). Na contramão da cultura
atual, em que a felicidade se reduz a “bem-estar” individual, a felicidade de
que nos fala Jesus encontra-se somente em Deus e, portanto, só seremos
verdadeiramente felizes quando construirmos um mundo humano para todos! Quando,
imitando a felicidade da Trindade, construirmos comunhão!
II. Comentários dos textos
bíblicos
Evangelho: Mt 5,1-12a
As bem-aventuranças consistem no
programa de seguimento de Jesus. São oito ou nove ilustrações de como viver
centrado em Deus. O(a) discípulo(a) encontra a sua felicidade somente
centralizado(a) em Deus. Sua recompensa vem da bondade divina.
Em Mt 5,1-12, Jesus apresenta as
bem-aventuranças ilustradas, e Mt 25,31-46, as bem-aventuranças consumadas. Os
bem-aventurados de Mt 5,1-12 correspondem aos benditos do meu Pai de Mt
25,31-46.
O convite de Jesus aos seus
discípulos significa isto: descentralizai-vos de vós mesmos, não busqueis vossa
felicidade segundo os vossos interesses. Centralizai-vos em Deus e sejais
felizes construindo um mundo no qual todos possam ser felizes. Ninguém é feliz
sozinho. Só de Deus vem a verdadeira felicidade, e ele é Pai de todos.
As bem-aventuranças
“Felizes os pobres no espírito,
porque deles é o Reino de Deus” (v. 3). Os pobres no espírito – correspondentes
ao conceito de pequeninos em Lucas — são aqueles que não possuem nenhum apego
aos bens deste mundo. Eles são capazes de repartir os bens com os outros. São
felizes porque sabem que os critérios de felicidade de Deus são diferentes dos
critérios humanos. Não possuem nenhum bem mundano! O coração deles não tem
amarras. Estão livres para voltar-se para Deus. Por isso mesmo, sua recompensa
só pode ser o Reinado de Deus. Descentralizados de si, tudo repartem, pois seu
tesouro é um só: Deus. Onde há partilha, há lugar para todos: todos são
inclusos!
“Felizes os que choram, porque serão
consolados” (v. 4). Os que choram são aqueles que padecem a injustiça de uma
sociedade excludente. Os marginalizados, os que não contam para um sistema
econômico cuja base se assenta no consumo. São “os estranhos” porque não
participam do mercado de consumo. As sobras da sociedade, que se deixam
escravizar para poder sobreviver. Os renegados, vítimas de preconceitos
bestiais. Enfim, todos os sofridos cujos sofrimentos são impostos pelo próprio
ser humano. Eles são consolados porque Deus “sofre onde sofre o amor” (Jürgen
Moltmann). Deus sempre se põe ao lado do fraco e indefeso. Dos últimos, Deus
faz os primeiros para que nem mesmo os que se fazem primeiros escapem de seu
amor misericordioso.
“Felizes os mansos, porque
receberão a terra por herança” (v. 5). Essa bem-aventurança nos remete à
primeira. Enquanto aquela se refere à pessoa, esta trata da relação com o
próximo. Mansos são todos aqueles que estabelecem relações alicerçadas na não
violência. Diante do outro, os mansos apresentam-se desarmados, sem
preconceitos, sem defesas. Eles acolhem o outro. Centralizam-se no próximo. Por
isso, a herança deles é a terra, ou seja, o reinado de Deus!
“Felizes os que têm fome e sede
de justiça, porque serão saciados” (v. 6). Os famintos e sedentos de justiça são
aqueles que procuram ser justos e realizar a vontade de Deus. Aqueles que
constroem um mundo mais humano, no qual todos possam viver com dignidade.
Estes, que querem um mundo mais justo para todos, serão saciados com o Reinado
de Deus!
“Felizes os misericordiosos,
porque alcançarão misericórdia” (v. 7). Os misericordiosos são aqueles que se
deixam mover pela compaixão: neles, o amor está sempre em ato, os põe para
fora, em comunhão com o próximo. Destes o Senhor não se esquecerá no juízo
final: “estive nu e me vestistes, faminto e me destes de comer, doente e fostes
me visitar”, idoso e não me desprezastes, no mundo das drogas e me acolhestes.
Os misericordiosos colocam-se no
lugar do outro. O amor misericordioso os descentraliza. O outro é o seu centro.
Por isso eles bendizem a Deus, ou seja, falam bem do Deus misericordioso. A
fala deles é gestual, operativa! A misericórdia é amor sempre em ato, nunca
abstrato!
“Felizes os puros no coração,
porque verão a Deus” (v. 8). Os puros no coração são todos aqueles que não se
deixam corromper por outros deuses: dinheiro, poder, consumo… Eles são puros no
seu ser mais profundo. Por isso, eles entram em comunhão com Deus: “Verão a
face divina”.
“Felizes os que promovem a paz,
porque serão chamados filhos de Deus” (v. 9). Os promotores da paz são todos os
que constroem a paz, criam laços de fraternidade, estabelecem canais de
comunicação onde não há dialogo, restabelecem amizades rompidas pela
intolerância. Estes serão considerados filhos de Deus.
“Felizes os perseguidos por causa
da justiça, porque deles é o Reino de Deus” (v. 10). A vontade de Deus é que
haja justiça para todos. Seu reinado será de justiça e paz. Os perseguidos por
causa da justiça são aqueles que buscam realizar a vontade de Deus, a
instauração de seu Reino. Eles, perseguidos por causa da justiça, não revidam
com o mal. Perdoam (não revidam) seus perseguidores, por isso contribuem para
extinguir o pecado do mundo, tal como o “Cordeiro de Deus”. Deles é o Reinado
do Pai.
A última bem-aventurança refere-se
aos seguidores de Jesus. Jesus é a causa da perseguição de seus discípulos.
Essa bem-aventurança consiste num convite de alegria que Jesus faz aos seus
discípulos. Como os profetas foram perseguidos por causa do anúncio da
misericórdia divina e, portanto, por anunciar a vinda do Filho de Deus, assim
são os seguidores dele. Assim como o próprio Jesus foi rejeitado pelo poder
constituinte (político e religioso), os seus discípulos, de todos os tempos,
têm a mesma sorte.
Perderíamos toda a profundidade
desse programa de Jesus estendido a todos os seus discípulos se não víssemos
nas bem-aventuranças que somente Deus é garantia de felicidade para o ser
humano. Seguimos os passos de Jesus se o nosso coração não está apegado a
falsas seguranças; quando não nos consolamos com as coisas do mundo; quando nos
apresentamos completamente desarmados em face do nosso irmão; quando somos
famintos e sedentos da justiça divina; quando nos deixamos mover pela
misericórdia; quando em nosso coração só há lugar para o Pai; quando
construímos a paz; quando o nosso objetivo é a realização da vontade do Pai e
quando o mundo nos persegue porque trilhamos as pegadas de Jesus. Somente assim
seremos verdadeiramente felizes.
I leitura: Sf 2,3; 3,12-13
Sofonias apresenta-se como
profeta do pequeno resto de Israel! Israel confiou em si mesmo, mostrou-se
autossuficiente até cair nas mãos dos assírios. De Israel, Deus escolheu um
pequeno “povo humilhado e pobre” (pequeninos, fracos). Este não usa de
violência, mas “busca apoio no Senhor”. Somente os que não usam de violência,
que buscam a justiça, podem formar comunidade. Os que bastam a si mesmos, os
que confiam em seu poder não podem construir nada em comum, pois lhes falta
exatamente o princípio básico sobre o qual se assenta qualquer coisa em comum:
comunhão!
II leitura: 1Cor 1,26-31
“Deus escolhe aquilo que é nada
para mostrar a nulidade dos que são alguma coisa” (v. 28). Paulo apresenta as
razões para a escolha de Deus: “para que quem se gloria, glorie-se no Senhor”
(v. 31). Ora, a glória do Senhor é a cruz, tal como nos mostra João em seu
evangelho. Portanto, a glória do Senhor é o amor. Assim, só há verdadeira
glória para aqueles que praticam a caridade, pois estes se gloriam no Senhor,
uma vez que quem ama o seu irmão ama a Deus.
O teor desse trecho da carta de
Paulo aos cristãos de Corinto corresponde perfeitamente aos “pobres em
espírito” da primeira bem-aventurança do Evangelho de Mateus. Os pobres em
espírito são aqueles que buscam a glória de Deus, enquanto a glória dos que
“são alguma coisa” na realidade é uma vanglória.
III. Pistas para reflexão
O desejo da felicidade
caracteriza o ser humano. Assim como é próprio da razão a busca do
conhecimento, é próprio da vontade a busca da felicidade. Nenhum ser humano
pode deixar de buscá-la. A procura por ela é sempre individual. Eu e somente eu
posso buscar a minha felicidade. Os caminhos que eu persigo para buscá-la são
os meus caminhos. Mas embora a busca pela felicidade seja sempre individual, eu
jamais posso ser feliz sozinho. Sou feliz se os outros também forem.
Somente o bem pode nos fazer
felizes. O mal jamais pode propiciar felicidade. Ora, todas as pessoas, porque
buscam ser felizes, buscam o bem. No fundo, todos buscamos Deus. Somente
possuindo o bem soberano (Deus) seremos felizes. Como possuímos Deus? Na
prática do bem (amor). Com efeito, na realização do bem, sou feliz. A
felicidade, portanto, não se apresenta como algo que atingimos no final da
nossa busca. Ela encontra-se na própria busca! O bem que eu procuro, encontro-o
no bem que realizo!
Nossa vida é uma aventura! O
seguimento de Jesus é uma boa aventura! Minha vida está sendo uma aventura,
contento-me com alguns momentos de bem-estar, ou ela está sendo uma boa
aventura? Minha felicidade, eu a apoio em Deus, em mim mesmo, ou no consumo?
A vida da Igreja está sendo uma
boa aventura? Está sendo verdadeiramente “germe do Reino”? De fato, é dela o
“Reino de Deus”?
A prática da Igreja arrancará de
Jesus o convite: “Vinde, bendita do meu Pai”? A minha prática cristã me coloca
à direita do meu Senhor?
Pe. Ivonil Parraz