18º Domingo do Tempo Comum - Ano B
Roteiro
Homilético cnbbleste2.org.br
1ª LEITURA – Ex 16,2-4.12-15
a) Atitude da Comunidade
Vemos o povo de Deus que saiu da
escravidão do Egito e caminha para a Terra Prometida. É Deus que os liberta
através de Moisés. O texto de hoje mostra a falta de consciência da comunidade
com relação a Deus e com relação à libertação. Eles fazem uma murmuração
pesada, porque pervertem o ideal de libertação do êxodo. Transformam o Deus
libertador num ídolo equiparado aos ídolos egípcios geradores de morte.
Preferem vender-se de novo como escravos em troca de fartura de pão e umas
panelas de carne, que certamente nunca existiram na situação de escravos que
levavam no Egito! Além de murmurarem, ainda se fundamentam em mentiras.
Chegaram a afirmar que Deus os conduziu para fazê-los morrer de fome no
deserto.
b) A atitude de Deus
Apesar de tudo isso, Deus investe alto
no seu povo. Ele não deixa seu povo retornar à escravidão em troca de pão.
Promete-lhes carne de codornizes ao anoitecer e pão do céu ao amanhecer. Isto
será uma prova de que Deus é Deus de vida e não ídolo de morte. Deus quer
conduzir o seu povo para fora dos regimes totalitários egípcios, quer
libertá-los das garras do faraó. Deus cumpriu o que prometeu. Alimentou o povo
com carne de tarde e maná de manhã. Os israelitas se admiram diante do
prodígio. Prodígios maiores fará Jesus, que nos alimentará da sua própria carne
e do seu próprio sangue.
Qual é hoje nossa atitude, como
comunidade, diante dos prodígios de Deus? Temos vontade de buscar uma falsa
liberdade sem Deus?
2ª LEITURA – Ef 4,17. 20-24
Primeiro, o autor apela para o
testemunho do Senhor. Parece que, em seguida, ele faz três exortações: não se
comportem mais como os pagãos, deixem de lado a conduta passada, a do velho
homem e, finalmente, revistam-se do novo homem, criado à imagem de Deus.
Como viviam os destinatários da carta?
Eles vieram do paganismo. Seus pensamentos eram vazios, suas preocupações eram
idolátricas, estavam na linha do ter, do poder e do prazer, viviam num esquema
alienante de vida, que conduz ao egoísmo e à morte. Era a vida do velho homem
corrompido por paixões enganadoras, uma vida de injustiça, exploração e pecado.
Qual deve ser o nosso comportamento?
Deve haver uma ruptura radical com o
velho homem. Devemos renovar nossa maneira de ser e de pensar. Devemos viver
conforme os ensinamentos catequéticos que recebemos sobre Jesus Cristo. Devemos
revestir-nos do homem novo. No gesto do batismo, o batizando troca de roupa
para simbolizar sua nova identidade de homem criado à imagem de Deus. Os
objetivos dessa vida renovada são justiça e santidade. Verdadeira justiça é compromisso
sério com o irmão e a comunidade. Santidade verdadeira é misturar-se com a vida
dos injustiçados como sal da terra e luz do mundo sem perder o sabor cristão,
nem tornar-se trevas. Santidade não é fugir para não se contaminar, mas
enfrentar os desafios, dando testemunho. O que é ser homem velho? O que é
revestir-se do homem novo?
EVANGELHO – Jo 6,24-35
O trecho de hoje é um discurso que se
apresenta em forma de diálogo entre Jesus e o povo.
O povo – “Rabi, quando chegaste aqui?”
Depois do milagre do pão o povo busca Jesus de todo jeito. É preciso
encontrá-lo, pois ele está resolvendo o problema do povo! É um falso
messianismo que invade a mente do povo, um messianismo que passa pelo estômago.
Não entenderam o sinal do pão como partilha, solidariedade, como força dos
pequenos. Querem a solução pronta vinda de cima. Quem só anda à procura de
milagres ainda está longe da fé, está longe do compromisso; está ainda dominado
pelo egoísmo.
Jesus – Jesus ensina que a saída
libertadora para o povo está em trabalhar pelo alimento que dura para a vida
eterna. Este alimento é o pão da partilha, é o próprio Jesus que entregará sua
vida pelo povo. Esta é a grande obra do Pai.
O povo – o povo então pergunta: “Que
devemos fazer para realizar as obras de Deus?”
Jesus – Jesus responde que as obras de
Deus, que o povo deve realizar, resumem-se em uma só: acreditar em Jesus.
O povo – Parece que o povo se esqueceu
do milagre que Jesus acabara de fazer e questiona Jesus sobre sinais e obras,
dizendo que Moisés deu o pão do céu para o povo. Será que Jesus é maior que
Moisés?
Jesus – Jesus esclarece que quem deu o
pão do céu não foi Moisés, mas é o Pai, que continua dando o verdadeiro pão do
céu, que é Jesus, que vai dar a vida ao mundo.
O povo – Parece que o povo se acalmou e
pede a Jesus este verdadeiro pão material, e Jesus continua esclarecendo que
ele é o pão da vida.
Jesus – Jesus afirma, por fim, que quem
acreditar nele não terá mais fome, não terá mais sede. Acreditar em Jesus é
aderir ao seu projeto de vida através da partilha e da solidariedade. Quando o
egoísmo for banido do coração do homem, o amor-partilha saciará a todos. Você
comunga o projeto de Deus, quando você recebe o corpo de Cristo na
Eucaristia?
Roteiro
Homilético 1 - Liturgia: Mensagem franciscanos.org
A vontade de Deus e o “Pão da Vida”
A liturgia de hoje é estruturada pela
oposição tipológica entre o maná, o “pão do céu” do A.T. (tipo), e Jesus, o
verdadeiro “pão do céu” do N.T. (antítipo), explicitação daquilo que significa
o “sinal do pão” (cf. dom pass.). Como maná do A.T., também o pão multiplicado
era apenas material, e quem o procura por seu valor material está perdendo o
mais importante: neste ponto começa o evangelho de hoje.
Depois da multiplicação dos pães, vendo
que o povo o entendera mal (6, 14-15) Jesus se tinha retirado para a montanha,
sozinho, enquanto os discípulos atravessaram o lago. O povo tinha observado
isso. Procuraram então Jesus perto do lugar onde tinha realizado o milagre,
mas, não o encontrando, voltaram a Cafarnaum, em outros barcos (6,22-24). E aí
encontraram Jesus (que tinha atravessado o lago andando sobre as ondas).
Admiram sua presença, mas com a mesma superficialidade que os levou a ver no
sinal do pão não um sinal, mas apenas a satisfação de sua fome: é o que Jesus
lhes repreende (6,26).
Inicia então um diálogo, em que o
pessoal de Cafarnaum aparece como preocupado com a Lei, mas obtuso quanto à
realidade de Deus. Perguntam o que devem fazer. Jesus lhes diz que a obra do
Pai é que acreditem no Filho (10 6,28)! Então, pedem um sinal como o de Moisés
(o maná). Jesus responde que o sinal não era de Moisés (relativização do
sistema mosaico, do qual eles são os árduos defensores contra os cristãos,
expulsos da sinagoga), mas de Deus. Este mesmo Deus dá agora mais do que um
sinal; oferece a plenitude de sua obra: seu enviado, Jesus Cristo, que faz o
homem viver verdadeiramente, por sua palavra.
A 1ª
leitura lembra o que é o maná: 1) um pão material e perecível (leia Ex
16,19-30, as regras de recolhimento diário e conservação do maná); 2) uma coisa
dada por intermédio de Moisés (conforme Jo 6,32, os judeus parecem ter
esquecido que Moisés fora apenas o intermediário); 3) algo que não se sabe o
que é, pois o nome que lhe deram, “maná”, significa “Que é isso?” A isso, o
evangelho opõe o pão do N.T.: 1) uma comida que não perece, mas que permanece
para a vida eterna (6,27); 2) uma obra de Deus mesmo (6,32); 3) uma realidade
bem determinada: é Jesus em pessoa, acolhido na fé (6,35).
Esse contraste é acentuado pelo salmo
responsorial, que evoca a maravilha do pão que Deus “fez chover do céu” (o
texto que os judeus citam para Jesus: Jo 6,31 = Sl 78[77],24), enquanto a
aclamação ao evangelho opõe a isso a realidade que se manifesta no N. T.; não
só de pão é que se vive, mas, antes de tudo, da “palavra” que vem da boca do
Altíssimo.
Entre os dois painéis dessa tipologia
antitética fica prensada a 2ª leitura. Fala também da oposição entre o antigo
e o novo. O antigo, aí, não é tanto o sistema da Lei judaica, mas o paganismo,
do qual provém boa parte dos cristãos de Éfeso. Os pagãos não procuravam “obras
de Deus” ultrapassadas, como os judeus. Simplesmente eram dirigidos por
concupiscências. Seja como for, tanto o judeu apegado ao sistema mosaico quanto
o pagão envolvido com ídolos falsos (e esse pagão vive no meio de nós) devem
abrir o ouvido para Cristo, a palavra da verdade que vem de Deus.
A audiência dada a Cristo é que faz
viver verdadeiramente: esta é a mensagem de hoje. Por isso, Jesus é chamado “o
Pão da Vida”. Concretamente, temos em nós o judeu de Cafarnaum e o pagão de
Éfeso; o homem que quer ficar em dia com mediante determinadas práticas
religiosas e o ateu prático, que decide na vida tudo conforme seu proveito
imediato. Nem uma nem outra coisa serve para realizar o sentido eterno de nossa
vida. Não devemos querer ter a última palavra, mas entregar-nos àquele que
traz o selo de garantia de Deus (10 6,27). Arriscar o caminho da vida que ele
nos mostra em sua própria pessoa. Pois ele não apenas ensina, ele é palavra,
fala por sua maneira de ser. Jesus não
ensina “coisas”, mas se apresenta a nós, e na medida em que temos comunhão com
ele, imbuindo-nos de seu modo de ser, de seu espírito, vivemos realmente. Isso
se manifestará na doação sem restrição, da qual ele nos deu o exemplo. A vida
verdadeira, que não perece, é a vida dada como ele a deu.
As coisas que passam e as que não passam
O evangelho de hoje é o início do
“sermão do Pão da Vida”, com o qual o evangelista João dá continuidade ao
“sinal” da multiplicação dos pães narrado domingo passado. Nos próximos
domingos, o tema continua.
Depois da multiplicação dos pães, Jesus
volta a Cafarnaum (Jo 6, 24). Os conterrâneos querem saber como de repente ele
está de volta, se não embarcou com os discípulos na noite anterior. Jesus lhes
faz sentir que, apesar de terem presenciado o milagre do pão, não enxergaram aí
um sinal daquilo que ele significa: a realidade de Deus oferecida ao mundo.
Apenas se saciaram de pão. Não entenderam que a refeição era um sinal. Eram
como um motorista que pensa que sinal vermelho é apenas enfeite…
Os judeus de Cafarnaum então perguntaram
que esforço Deus espera deles – pois querem se esforçar para que Deus se veja
obrigado a dar-lhes a salvação! Mas Jesus diz que o esforço que Deus espera
deles é que acreditem naquele que ele enviou (6,29).
Percebem que Jesus está falando de si
mesmo. Para acreditarem nele querem ver suas credenciais. No tempo de Moisés,
seus antepassados comeram o maná, no deserto, como está escrito: “Deu-lhes pão
do céu a comer” (6,31; cf. Sl 78 [77], 24). Responde Jesus que não foi Moisés
quem deu o pão do céu, no passado, mas que agora o Pai está dando o verdadeiro
pão do céu: aquele que desce do céu e que dá vida ao mundo. Ininteligentes como
o motorista que pensa que sinal vermelho
é enfeite, ficam raciocinando no trilho do pão material, pensando no problema
do sustento: “Dá-nos sempre esse pão”. Então Jesus diz abertamente o que
significa a sua palavra ambígua e o sinal que ele realizou no dia anterior: “Eu
sou o pão da vida. Quem vem a mim não
terá mais fome e quem crê em mim não terá mais sede”(6,35).
Quem conhece as Escrituras reconhece
nestas palavras a proclamação registrada em Isaías, no tempo do exílio
babilônico. Em meio à idolatria da Babilônia, o profeta orienta o coração dos
exilados para o único Senhor, muito mais valioso que o sistema babilônico com
seus deuses e ilusões. O que se consegue com os babilônios não vale nada, é
mero engodo comercial, pão que não alimenta! Mas quem escuta a voz do Senhor
recebe a sabedoria da vida, a Aliança duradoura com Deus, o cumprimento de suas
promessas (Is 55,1-3). Assim, quem se alimenta com a palavra de Jesus recebe o
“pão da vida”, quem se dirige a ele sofre nem fome nem sede.
Mas não interpretemos isso com falso
materialismo, dizendo que as coisas materiais passam e as espirituais,
permanecem. Depende do que se entende por esses termos! Se “espiritual”
significa apenas erudição e brilho intelectual ou divagação etérea em doutrinas
sublimes, então isso é o que passa! E se “material” significa dedicar-se ao pão
dos pobres, isto é o que permanece! Pois é a vontade do Pai.
Do livro “Liturgia Dominical”, de Johan
Konings, SJ, Editora Vozes
Roteiro
Homilético 2 - Liturgia: Dehonianos de Portugal
Tema do 18º Domingo do Tempo Comum
A liturgia do 18º Domingo do Tempo Comum
repete, no essencial, a mensagem das leituras do passado domingo. Assegura-nos
que Deus está empenhado em oferecer ao seu Povo o alimento que dá a vida eterna
e definitiva.
A primeira leitura dá-nos conta da
preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com solicitude e amor, o alimento
que dá vida. A acção de Deus não vai, apenas, no sentido de satisfazer a fome
física do seu Povo; mas pretende também (e principalmente) ajudar o Povo a
crescer, a amadurecer, a superar mentalidades estreitas e egoístas, a sair do
seu fechamento e a tomar consciência de outros valores.
No Evangelho, Jesus apresenta-Se como o
“pão” da vida que desceu do céu para dar vida ao mundo. Aos que O seguem, Jesus
pede que aceitem esse “pão” – isto é, que escutem as palavras que Ele diz, que
as acolham no seu coração, que aceitem os seus valores, que adiram à sua
proposta.
A segunda leitura diz-nos que a adesão a
Jesus implica o deixar de ser homem velho e o passar a ser homem novo. Aquele
que aceita Jesus como o “pão” que dá vida e adere a Ele, passa a ser uma outra
pessoa. O encontro com Cristo deve significar, para qualquer homem, uma mudança
radical, um jeito completamente diferente de se situar face a Deus, face aos
irmãos, face a si próprio e face ao mundo.
LEITURA I – Ex 16,2-4.12-15
Leitura do Livro do Êxodo
Naqueles dias,
toda a comunidade dos filhos de Israel
começou a murmurar no deserto contra
Moisés e Aarão.
Disseram-lhes os filhos de Israel:
«Antes tivéssemos morrido às mãos do
Senhor na terra do Egipto,
quando estávamos sentados ao pé das
panelas de carne
e comíamos pão até nos saciarmos.
Trouxestes-nos a este deserto,
para deixar morrer à fome toda esta
multidão».
Então o Senhor disse a Moisés:
«Vou fazer que chova para vós pão do
céu.
O povo sairá para apanhar a quantidade
necessária para cada dia.
Vou assim pô-lo à prova,
para ver se segue ou não a minha lei.
Eu ouvi as murmurações dos filhos de
Israel.
Vai dizer-lhes:
‘Ao cair da noite comereis carne
e de manhã saciar-vos-eis de pão.
Então reconhecereis que Eu sou o Senhor,
vosso Deus’».
Nessa tarde apareceram codornizes,
que cobriram o acampamento,
e na manhã seguinte havia uma camada de
orvalho
em volta do acampamento.
Quando essa camada de orvalho se
evaporou,
apareceu à superfície do deserto uma
substância granulosa,
fina como a geada sobre a terra.
Quando a viram, os filhos de Israel
perguntaram uns aos outros:
«Man-hu?», quer dizer: «Que é isto?»,
pois não sabiam o que era.
Disse-lhes então Moisés:
«É o pão que o Senhor vos dá em
alimento».
AMBIENTE
A secção de Ex 15,22-18,27 desenvolve um
dos grandes temas do Pentateuco: a marcha pelo deserto. Aqui estamos, ainda, na
primeira etapa dessa marcha – a que vai desde a passagem do mar, até ao Sinai.
Três dos episódios apresentados nesta
secção tratam o tema da murmuração do Povo (cf. Ex 15,22-27; 16,1-21; 17,1-7).
O esquema é simples e é sempre o mesmo: o Povo desconfia e murmura diante das
dificuldades, subleva-se contra Moisés e chega a acusar Deus pelos desconfortos
da caminhada; quando estão prestes a sofrer o castigo pela sua revolta, Moisés
intercede diante do Jahwéh e o Senhor perdoa o pecado do Povo; finalmente,
apesar do pecado, Jahwéh concede ao Povo os bens de que este sente necessidade.
Os relatos apresentam-se sempre de uma forma dramática, com um crescendo de
intensidade até ao desfecho final, que se apresenta sempre na forma de uma
intervenção prodigiosa de Deus, em benefício do seu Povo.
Provavelmente, estes relatos têm por
base elementos de carácter histórico (dificuldades reais sentidas pelos hebreus
que saíram do Egipto com Moisés, no seu caminho para a Terra Prometida, através
do deserto do Sinai) e que ficaram na memória colectiva; no entanto, os
catequistas bíblicos estão mais interessados em fazer catequese, do que em
apresentar uma reportagem jornalística da viagem (o episódio mistura uma
catequese “jahwista”, do séc. X a.C. com uma catequese “sacerdotal”, do séc. VI
a.C). A catequese apresentada pretende sempre avisar o Povo contra a tentação
de procurar refúgio e segurança fora de Jahwéh… Aqui, Israel fala em regressar
ao Egipto, onde eram escravos, mas tinham pão e carne em abundância: o Egipto
representa a tentação que o Povo sentiu, em tantas situações da sua história,
de voltar atrás, de abandonar os valores e a vida de Deus, de se instalar
comodamente em esquemas à margem de Deus. O catequista jahwista garante ao seu
Povo que Deus o acompanha sempre ao longo da sua caminhada e que só ele oferece
a Israel vida em abundância.
O episódio que hoje nos é proposto – o
episódio das codornizes e do maná – é situado no deserto de Sin, “que está
entre Elim e o Sinai, no décimo quinto dia do segundo mês após a saída da terra
do Egipto” (Ex 16,1). O deserto de Sin estende-se de Kadesh-Barnea para
ocidente.
A história das codornizes tem por base
um fenómeno que se observa, por vezes, na Península do Sinai: a migração em
massa de codornizes que, depois de atravessar o mar, chegam ao Sinai muito
cansadas da viagem, pousam junto das tendas dos beduínos e deixam-se apanhar
com facilidade. A história do maná deve ter por base uma pequena árvore (“tamarix
mannifera”) existente em certas zonas do Sinai que, após ser picada por um
insecto, segrega uma substância resinosa e espessa que logo se coagula; os
beduínos recolhem, ainda hoje, essa substância (que chamam “man”), derretem-na
ao calor do sol e passam-na sobre o pão.
Vai ser com estes elementos – elementos
que o Povo conheceu e que o impressionaram, ao longo da marcha pelo deserto –
que os catequistas bíblicos vão “amassar” a catequese que nos transmitem no
texto que nos é proposto.
MENSAGEM
1. O episódio começa com a murmuração do
Povo “contra Moisés e contra Aarão” (vers. 2). Por estranho que pareça, Israel
sente saudades do tempo em que passou no Egipto pois, apesar da escravidão,
estava sentado “ao pé de panelas de carne” e comia “pão com fartura” (vers. 3).
Ao longo da caminhada, vêm ao de cima as limitações e as deficiências de um
grupo humano ainda com mentalidade de escravo, demasiado “verde” e sem
maturidade, agarrado à mesquinhez, ao egoísmo, ao comodismo, que prefere a
escravidão à liberdade. Por outro lado, é um Povo que ainda não aprendeu a
confiar no seu Deus, a segui-lo de olhos fechados, a responder sem hesitações
às suas propostas, a segui-l’O incondicionalmente no caminho da fé.
2. A resposta de Deus é “fazer chover
pão do céu” (vers. 4) e dar ao Povo carne em abundância (vers. 12). O objectivo
de Deus é, não só satisfazer as necessidades materiais do Povo, mas também
revelar-Se como o Deus da bondade e do amor, que cuida do seu Povo, que está
sempre ao seu lado ao longo da caminhada, que milagrosamente entrega de bandeja
a Israel a possibilidade de satisfazer as suas necessidades mais básicas e de
vencer as forças da morte que se ocultam nas areias do deserto. Dessa forma, o
Povo pode fazer uma experiência de encontro e de comunhão com Deus, que se
traduzirá em confiança, em amor, em entrega. O cuidado, a solicitude e o amor
de Deus experimentados nesta “crise”, não só ajudarão o Povo a sobreviver, mas
irão permitir-lhe, também, superar mentalidades estreitas e egoístas, fazendo-o
ver mais além, alargar os horizontes, tornar-se mais adulto, mais consciente,
mais responsável e mais santo. Israel aprende, assim, a confiar em Deus, a
entregar-se nas suas mãos, a não duvidar do seu amor e fidelidade… Israel
aprende, neste percurso, que Jahwéh é a rocha segura em quem se pode confiar
nas crises e dramas da vida.
3. O facto de se dizer que Deus apenas
dava ao Povo a quantidade de maná necessária “para cada dia” (vers. vers. 4) é
uma bonita lição sobre desprendimento e confiança em Deus. Ensina o Povo a não
acumular bens, a não viver para o “ter”, a libertar o coração da ganância e do
desejo de possuir sempre mais, a não viver angustiado com o futuro e com o dia
de amanhã; ensina, também, a confiar em Deus, a entregar-se serenamente nas suas
mãos, a vê-l’O como verdadeira fonte de vida.
ACTUALIZAÇÃO
• Mais uma vez, a Palavra de Deus que
nos é proposta dá-nos conta da preocupação de Deus em oferecer ao seu Povo, com
solicitude e amor, o alimento que dá vida. A acção de Deus não vai, apenas, no
sentido de satisfazer a fome física do seu Povo; mas pretende também (e
principalmente) ajudar o Povo a crescer, a amadurecer, a superar mentalidades
estreitas e egoístas, a sair do seu fechamento e a tomar consciência de outros
valores. Para Deus, “alimentar” o Povo é ajudá-lo a descobrir os caminhos que
conduzem à felicidade e à vida verdadeira. O Deus em quem nós acreditamos é o
mesmo Deus que, no deserto, ofereceu a Israel a possibilidade de libertar-se de
uma mentalidade de escravo e de descobrir o caminho para a vida nova da
liberdade e da felicidade… Ele vai connosco ao longo da nossa caminhada pelo
deserto da vida, vê as nossas necessidades, conhece os nossos limites, percebe
a nossa tendência para o egoísmo e o comodismo e, em cada dia, aponta-nos
caminhos novos, convida-nos a ir mais além, mostra-nos como podemos chegar à
terra da liberdade e da vida verdadeira. Este texto fala-nos da solicitude e do
amor com que Deus acompanha a nossa caminhada de todos os dias; convida-nos,
também, a escutar esse Deus, a aceitar as propostas de vida que Ele faz e a
confiar incondicionalmente n’Ele.
• As “saudades” que os israelitas sentem
do Egipto, onde estavam “sentados junto de panelas de carne” e tinham “pão com
fartura”, revelam a realidade de um Povo acomodado à escravidão, instalado
tranquilamente numa vida sem perspectivas e sem saída, incapaz de arriscar, de
enfrentar a novidade, de querer mais, de aceitar a liberdade que se constrói na
luta e no risco. Esta mentalidade de escravidão continua, bem viva, no nosso
mundo… É a mentalidade daqueles que vivem obcecados pelo “ter” e que são capazes
de renunciar à sua dignidade para acumular bens materiais; é a mentalidade
daqueles que trocam valores importantes pelos “cinco minutos de fama” e de
exposição mediática; é a mentalidade daqueles que têm como único objectivo na
vida a satisfação das suas necessidades mais básicas; é a mentalidade daqueles
que se instalam comodamente nos seus esquemas cómodos, nos seus preconceitos e
se recusam a ir mais além, a deixarem-se interpelar pela novidade e pelos
desafios de Deus; é a mentalidade daqueles que vivem voltados para o passado,
que idealizam o passado, recusando-se a enfrentar os desafios da história e a
descobrir o que há de positivo e de desafiante nos novos tempos; é a
mentalidade daqueles que se resignam à mediocridade e que não fazem nenhum
esforço para que a sua vida faça sentido… A Palavra de Deus que nos é proposta
diz-nos: o nosso Deus não Se conforma com a resignação, o comodismo, a
instalação, a mediocridade que fazem de nós escravos e que nos impedem de
chegar à vida verdadeira, plenamente vivida e assumida; Ele vem ao nosso
encontro, desafia-nos a ir mais além, aponta-nos caminhos, convida-nos a
crescer e a dar passos firmes e seguros em direcção à liberdade e à vida nova…
E, durante o caminho, nunca estaremos sozinhos, pois Ele vai ao nosso lado.
• A ideia de que Deus dá ao seu Povo,
dia a dia, o pão necessário para a subsistência (proibindo “juntar” mais do que
o necessário para cada dia) pretende ajudar o Povo a libertar-se da tentação do
“ter”, da ganância, da ambição desmedida. É um convite, também a nós, a não nos
deixarmos dominar pelo desejo descontrolado de posse dos bens, a libertarmos o
nosso coração da ganância que nos torna escravos das coisas materiais, a não
vivermos obcecados e angustiados com o futuro, a não colocarmos na conta
bancária a nossa segurança e a nossa esperança. Só Deus é a nossa segurança, só
n’Ele devemos confiar, pois só Ele (e não os bens materiais) nos liberta e nos
leva ao encontro da vida definitiva.
SALMO RESPONSORIAL – Salmo 77 (78)
Refrão: O Senhor deu-lhes o pão do céu.
Nós ouvimos e aprendemos,
os nossos pais nos contaram
os louvores do Senhor e o seu poder
e as maravilhas que Ele realizou.
Deus ordens às nuvens do alto
e abriu as portas do céu;
para alimento fez chover o maná,
deu-lhes o pão do céu.
O homem comeu o pão dos fortes!
Mandou-lhes comida com abundância
e introduziu-os na sua terra santa,
na montanha que a sua direita
conquistou.
LEITURA II – Ef 4,17.20-24
Leitura da Epístola do apóstolo São
Paulo aos Efésios
Irmãos:
Eis o que vos digo e aconselho em nome
do Senhor:
Não torneis a proceder como os pagãos,
que vivem na futilidade dos seus
pensamentos.
Não foi assim que aprendestes a conhecer
a Cristo,
se é que d’Ele ouvistes pregar e sobre
Ele fostes instruídos,
conforme a verdade que está em Jesus.
É necessário abandonar a vida de outrora
e pôr de parte o homem velho,
corrompido por desejos enganadores.
Renovai-vos pela transformação
espiritual da vossa inteligência
e revesti-vos do homem novo, criado á
imagem de Deus
na justiça e santidade verdadeiras.
AMBIENTE
Continuamos a ler a Carta aos Efésios,
essa “carta circular” que Paulo escreve enquanto está na prisão (em Roma,
durante os anos 61-63?) e que envia a várias comunidades cristãs da parte
ocidental da Ásia Menor. É uma carta (já o dissemos atrás) onde Paulo
apresenta, de forma extremamente serena e reflectida, uma teologia amadurecida,
completa, bem elaborada, sobre as exigências da vida nova em Cristo.
A secção da Carta aos Efésios que vai de
4,1 a 6,20 (já o dissemos também no passado domingo) é um texto parenético, que
tem por objectivo principal exortar os cristãos a viverem de forma coerente com
o seu Baptismo e com o seu compromisso com Cristo. Depois de convidar os
crentes a viverem na unidade do amor (cf. Ef 4,1-6) e de lhes apresentar uma
reflexão sobre a comunidade, Corpo de Cristo formado por muitos membros (cf. Ef
4,7-13), Paulo exorta os cristãos a viverem de acordo com a sua condição de
Homens Novos em Cristo (cf. 4,14-5,14). O texto que nos é hoje proposto como
segunda leitura é parte dessa exortação.
MENSAGEM
O nosso texto é, fundamentalmente, um
convite – feito com a veemência que Paulo usava sempre nas suas exortações – a
deixar a vida antiga e os esquemas do passado, para abraçar definitivamente a
vida nova que Cristo veio propor.
Paulo usa duas expressões opostas para
definir a realidade do homem antes do encontro com Cristo e depois do encontro
com Cristo. O homem que ainda não aderiu a Cristo é, para Paulo, o homem velho,
cuja vida é marcada pela mediocridade, pela futilidade (vers. 17), pela
corrupção, pela escravidão aos “desejos enganadores” (vers. 22). O homem que já
encontrou Cristo e que aderiu à sua proposta é o homem novo, que vive na
verdade (vers. 21), na justiça e na santidade verdadeiras (vers. 24).
O Baptismo – o momento da adesão a
Cristo – é o momento decisivo da transformação do homem velho em homem novo. O
próprio rito do Baptismo (o imergir na água significa o morrer para a vida
antiga de pecado; o emergir da água significa o nascimento de um outro homem,
purificado do egoísmo, do orgulho, da auto-suficiência, do pecado) sugere a
transformação e a ressurreição do homem para uma vida nova – a vida em Cristo.
A partir daí, o homem devia adoptar uma nova maneira de pensar e de agir,
consequência do seu compromisso com Cristo e com a proposta de vida que Cristo
veio apresentar.
Contudo, mesmo depois de ter optado por
Cristo, o homem continua marcado pela sua condição de debilidade e de
fragilidade… Essa condição faz com que, por vezes, sinta a tentação de
regressar ao homem velho do egoísmo, do orgulho, do pecado… O crente, animado
pelo Espírito é, portanto, chamado a renovar cada dia a sua adesão a Cristo e a
construir a sua existência de forma coerente com os compromissos que assumiu no
dia do seu Baptismo. O homem novo não é uma realidade adquirida de uma vez por
todas, no dia em que se optou por Cristo; mas é uma realidade continuamente a
fazer-se, que exige um trabalho contínuo e uma constante renovação.
ACTUALIZAÇÃO
• O cristão é, antes de mais, alguém que
encontrou Cristo, que escutou o seu chamamento, que aderiu à sua proposta. A
consequência dessa adesão é passar a viver de uma forma diferente, de acordo
com valores diferentes, e com uma outra mentalidade. O encontro com Cristo deve
significar, para qualquer homem, uma mudança radical, um jeito completamente
diferente de se situar face a Deus, face aos irmãos, face a si próprio e face
ao mundo. Antes de mais devemos tomar consciência de que também nós encontrámos
Cristo, fomos chamados por Ele, aderimos à sua proposta e assumimos com Ele um
compromisso. O momento do nosso Baptismo não foi um momento de folclore
religioso ou uma ocasião para cumprir um rito cultural qualquer; mas foi um
verdadeiro momento de encontro com Cristo, de compromisso com Ele e o início de
uma caminhada que Deus nos chama a percorrer, com coerência, pela vida fora,
até chegarmos ao homem novo.
• Paulo convida insistentemente os
crentes a deixar a vida do homem velho… O homem velho é o homem dominado pelo
egoísmo, pelo orgulho, que vive de coração fechado a Deus e aos irmãos, que
vive instalado em esquemas de opressão e de injustiça, que gasta a vida a
correr atrás dos deuses errados (o dinheiro, o poder, o êxito, a moda…), que se
deixa dominar pela cobiça, pela corrupção, pela concupiscência, pela ira, pela
maldade e se recusa a escutar a proposta libertadora que Deus lhe apresenta.
Provavelmente, não nos revemos na totalidade deste quadro; mas não teremos
momentos em que construímos a nossa vida à margem das propostas de Deus e em
que negligenciamos os valores de Deus para abraçar outros valores que nos
escravizam?
• Paulo apela a que os crentes vivam a
vida do homem novo. O homem novo é o homem continuamente atento às propostas de
Deus, que aceita integrar a família de Deus, que não se conforma com a maldade,
a injustiça, a exploração, a opressão, que procura viver na verdade, no amor,
na justiça, na partilha, no serviço, que pratica obras de bondade, de
misericórdia, de humildade, que dia a dia dá testemunho, com alegria e
simplicidade, dos valores de Deus. É este o meu “projecto” de vida? Os meus
gestos e atitudes de cada dia manifestam a realidade de um homem novo, que vive
em comunhão com Deus e no amor aos irmãos?
• Todos nós, no dia do nosso Baptismo,
optámos pelo homem novo… É preciso, no entanto, termos consciência que a
construção do homem novo nunca é um processo acabado… A monotonia, o cansaço,
os problemas da vida, as influências do mundo, a nossa preguiça e o nosso
comodismo levam-nos, muitas vezes, a instalarmo-nos na mediocridade, nas “meias
tintas”, na não exigência, na acomodação; então, o homem velho espreita-nos a
cada esquina e toma conta de nós… Precisamos de ter consciência de que em cada
minuto que passa tudo começa outra vez; precisamos de renovar continuamente as
nossas opções e o nosso compromisso, numa atenção constante ao chamamento de
Deus. O cristão não cruza os braços considerando que já atingiu um nível
satisfatório de perfeição; mas está sempre numa atitude de vigilância e de
conversão, para poder responder adequadamente, em cada instante, aos desafios
sempre novos de Deus.
ALELUIA – Mt 4,4b
Aleluia. Aleluia.
Nem só de pão vive o homem,
mas de toda a palavra que sai da boca de
Deus.
EVANGELHO – Jo 6,24-35
Evangelho de Nosso Senhor Jesus Cristo
segundo São João
Naquele tempo,
quando a multidão viu
que nem Jesus nem os seus discípulos
estavam à beira do lago,
subiram todos para as barcas
e foram para Cafarnaum, à procura de
Jesus.
Ao encontrá-l’O no outro lado do mar,
disseram-Lhe:
«Mestre, quando chegaste aqui?»
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
vós procurais-Me, não porque vistes
milagres,
mas porque comestes dos pães e ficastes
saciados.
Trabalhai, não tanto pela comida que se
perde,
mas pelo alimento que dura até à vida
eterna
e que o Filho do homem vos dará.
A Ele é que o Pai, o próprio Deus,
marcou com o seu selo».
Disseram-Lhe então:
«Que devemos nós fazer para praticar as
obras de Deus?»
Respondeu-lhes Jesus:
«A obra de Deus
consiste em acreditar n’Aquele que Ele
enviou».
Disseram-Lhe eles:
«Que milagres fazes Tu,
para que nós vejamos e acreditemos em
Ti?
Que obra realizas?
No deserto os nossos pais comeram o
maná,
conforme está escrito:
‘Deu-lhes a comer um pão que veio do
céu’».
Jesus respondeu-lhes:
«Em verdade, em verdade vos digo:
Não foi Moisés que vos deu o pão do Céu;
meu Pai é que vos dá o verdadeiro pão do
Céu.
O pão de Deus é o que desce do Céu
para dar a vida ao mundo».
Disseram-Lhe eles:
«Senhor, dá-nos sempre desse pão».
Jesus respondeu-lhes:
«Eu sou o pão da vida:
quem vem a Mim nunca mais terá fome,
quem acredita em Mim nunca mais terá
sede».
AMBIENTE
No passado domingo, João contou-nos como
Jesus alimentou a multidão com cinco pães e dois peixes, na “outra” margem do
Lago de Tiberíades (cf. Jo 6,1-15). Ao “cair da tarde” desse dia, Jesus e os
discípulos voltaram a Cafarnaum (cf. Jo 6,16-21).
O episódio que o Evangelho de hoje nos
apresenta situa-nos em Cafarnaum, no “dia seguinte” ao episódio da
multiplicação dos pães e dos peixes. Nessa manhã, a multidão que tinha sido
alimentada pelos pães e pelos peixes multiplicados e que ainda estava do “outro
lado” do lago apercebeu-se de que Jesus tinha regressado a Cafarnaum e
dirigiu-se ao seu encontro.
A multidão encontra Jesus na sinagoga de
Cafarnaum – uma cidade situada na margem ocidental do Lago e à volta da qual se
desenrola uma parte significativa da actividade de Jesus na Galileia.
Confrontado com a multidão, Jesus profere um discurso (cf. Jo 6,22-59) que
explica o sentido do gesto precedente (a multiplicação dos pães e dos peixes).
MENSAGEM
A cena inicial (vers. 24) parece
sugerir, à primeira vista, que a pregação de Jesus alcançou um êxito total: a
multidão está entusiasmada, procura Jesus com afã e segue-O para todo o lado.
Aparentemente, a missão de Jesus não podia correr melhor.
Contudo, Jesus percebe facilmente que a
multidão está equivocada e que O procura pelas razões erradas. Na verdade, a
multiplicação dos pães e dos peixes pretendeu ser, por parte de Jesus, uma
lição sobre amor, partilha e serviço; mas a multidão não foi sensível ao
significado profundo do gesto, ficou-se pelas aparências e só percebeu que
Jesus podia oferecer-lhe, de forma gratuita, pão em abundância. Assim, o facto
de a multidão procurar Jesus e Se dirigir ao seu encontro não significa que
tenha aderido à sua proposta; significa, apenas, que viu em Jesus um modo fácil
e barato de resolver os seus problemas materiais.
Na verdade, o gesto de repartir pela
multidão os pães e os peixes gerou um perigoso equívoco. Jesus está consciente
de que é preciso desfazer, quanto antes, esse mal-entendido. Por isso, nem
sequer responde à pergunta inicial que Lhe põem (“Mestre, quando chegaste
aqui?” – vers. 25); mas, mal se encontra diante da multidão, procura esclarecer
coisas bem mais importantes do que a hora da sua chegada a Cafarnaum… As
palavras que Jesus dirige àqueles que O rodeiam põem o problema da seguinte
forma: eles não procuram Jesus, mas procuram a resolução dos seus problemas
materiais (vers. 26). Trata-se de uma procura interesseira e egoísta, que é
absolutamente contrária à mensagem que Jesus procurou passar-lhes. Depois de identificar
o problema, Jesus deixa-lhes um aviso: é preciso esforçar-se por conseguir, não
só o alimento que mata a fome física, mas sobretudo o alimento que sacia a fome
de vida que todo o homem tem. A multidão, ao preocupar-se apenas com a procura
do alimento material, está a esquecer o essencial – o alimento que dá vida
definitiva. Esse alimento que dá a vida eterna é o próprio Jesus que o traz
(vers. 27).
O que é preciso fazer para receber esse
pão? – pergunta-se a multidão (vers. 28). A resposta de Jesus é clara: é
preciso aderir a Jesus e ao seu projecto (vers. 28). Na cena da multiplicação
dos pães, a multidão não aderiu ao projecto de Jesus (que falava de amor, de
partilha, de serviço); apenas correu atrás do profeta milagreiro que distribuía
pão e peixes gratuitamente e em abundância… Mas, para receber o alimento que dá
vida eterna e definitiva, é preciso, que a multidão acolha as propostas de
Jesus e aceite viver no amor que se faz dom, na partilha daquilo que se tem com
os irmãos, no serviço simples e humilde aos outros homens. É acolhendo e
interiorizando esse “pão” que se adquire a vida que não acaba.
Os interlocutores de Jesus não estão, no
entanto, convencidos de que esse “pão” garanta a vida definitiva. Custa-lhes a
aceitar que a vida eterna resulte do amor, do serviço, da partilha. O que é que
garante, perguntam eles, que esse seja um caminho verdadeiro para a vida
definitiva (vers. 30)? Qual a prova de que a realização plena do homem passe
pelo dom da própria vida aos demais? Porque é que Jesus não realiza um gesto
espectacular – como Moisés, que fez chover do céu o maná, não apenas para cinco
mil pessoas, mas para todo o Povo e de forma continuada – para provar que a
proposta que Ele faz é verdadeiramente uma proposta geradora de vida (vers. 31)?
Jesus responde pondo a questão da
seguinte forma: o maná foi um dom de Deus para saciar a fome material do seu
Povo; mas o maná não é esse “pão” que sacia a fome de vida eterna do homem. Só
Deus dá aos homens, de forma contínua, a vida eterna; e esse dom do Pai não
veio ao encontro dos homens através de Moisés, mas através de Jesus (vers.
32-33). Portanto, o importante não é testemunhar gestos espectaculares, que
deslumbram e impressionam mas não mudam nada; mas é acolher a proposta que
Jesus faz e vivê-la nos gestos simples de todos os dias.
A última frase do nosso texto identifica
o próprio Jesus, já não com o “portador” do pão, mas como o próprio pão que
Deus quer oferecer ao seu Povo para lhe saciar a fome e a sede de vida (vers.
35). “Comê-lo” será escutar a sua Palavra, acolher a sua proposta, assimilar os
seus valores, interiorizar o seu jeito de viver, fazer da vida (como Jesus fez)
um dom total de amor aos irmãos. Seguindo Jesus, acolhendo a sua proposta no
coração e deixando que ela se transforme em gestos concretos de amor, de
partilha, de serviço, o homem encontrará essa “qualidade” de vida que o leva à
sua realização plena, à vida eterna.
ACTUALIZAÇÃO
• O caminho que percorremos nesta terra
é sempre um caminho marcado pela procura da nossa realização, da nossa
felicidade, da vida plena e verdadeira. Temos fome de vida, de amor, de
felicidade, de justiça, de paz, de esperança, de transcendência e procuramos,
de mil formas, saciar essa fome; mas continuamos sempre insatisfeitos,
tropeçando na nossa finitude, em respostas parciais, em tentativas falhadas de
realização, em esquemas equívocos, em falsas miragens de felicidade e de
realização, em valores efémeros, em propostas que parecem sedutoras mas que só
geram escravidão e dependência… Na verdade, o dinheiro, o poder, a realização
profissional, o êxito, o reconhecimento social, os prazeres, os amigos são
valores efémeros que não chegam para “encher” totalmente a nossa vida e para
lhe dar um sentido pleno. Como podemos “encher” a nossa vida e dar-lhe pleno
significado? Onde encontrar o “pão” que mata a nossa fome de vida?
• Jesus de Nazaré é o “pão de Deus que
desce do céu para dar a vida ao mundo”. É esta a questão central que o
Evangelho deste domingo nos propõe. É em Jesus e através de Jesus que Deus
sacia a fome e a sede dos homens e lhes oferece a vida em plenitude. Isto
leva-nos às seguintes questões: que lugar é que Jesus ocupa na nossa vida? Ele
é, verdadeiramente, a coordenada fundamental à volta da qual construímos a
nossa existência? Para nós, Jesus é uma figura do passado (embora tenha sido um
homem excepcional) que a história absorveu e digeriu, ou é o Deus que continua
vivo e a caminhar ao nosso lado, oferecendo-nos vida em plenitude? Ele é “mais
uma” das nossas referências (ao lado de tantas outras) ou a nossa referência
fundamental? Ele é alguém a quem adoramos, com respeito e à distância, ou o
irmão que nos indica o caminho, que nos propõe valores, que condiciona a nossa
atitude face a Deus, face aos irmãos e face ao mundo?
• O que é preciso fazer para ter acesso
a esse “pão de Deus que desce do céu para dar a vida ao mundo”? De acordo com o
Evangelho deste domingo, a resposta é clara: é preciso aderir (“acreditar”) a
Jesus, o “pão” que o Pai enviou ao mundo para saciar a fome dos homens. Aderir
a Jesus é escutar o seu chamamento, acolher a sua Palavra, assumir e
interiorizar os seus valores, segui-l’O no caminho do amor, da partilha, do
serviço, da entrega da vida a Deus e aos irmãos. Trata-se de uma adesão que
deve ser consequente e traduzir-se em obras concretas. Não chegam declarações
de boas intenções, ou actos institucionais que nos fazem constar dos livros de
registo da nossa paróquia; aderir a Jesus é assumir o seu estilo de vida e
fazer da própria vida um dom de amor, até à morte.
• No Evangelho deste domingo, Jesus
mostra-Se profundamente incomodado quando constata que a multidão o procura
pelas razões erradas e, sem preâmbulos, apressa-Se em desfazer os equívocos.
Ele não quer, de forma nenhuma, que as pessoas O sigam por engano, ou iludidas.
Há, aqui, um convite implícito a repensarmos as razões porque nos envolvemos
com Cristo… É um equívoco procurar o Baptismo porque é uma tradição da nossa
cultura; é um equívoco celebrar o matrimónio na Igreja porque, assim, a
cerimónia é mais espectacular e proporciona fotografias mais bonitas; é um
equívoco assumir tarefas na comunidade cristã para nos auto-promovermos ou para
resolvermos os nossos problemas materiais; é um equívoco receber o sacramento
da Ordem porque o sacerdócio nos proporciona uma vida cómoda e tranquila; é um
equívoco praticarmos certos actos de piedade para que Jesus nos recompense, nos
livre de desgraças, nos pague resolvendo algumas das nossas necessidades
materiais… A nossa adesão a Jesus deve partir de uma profunda convicção de que
só Ele é o “pão” que nos dá vida.
• A recusa de Jesus em realizar gestos
espectaculares (como fazer o maná cair do céu), mostra que, normalmente, Deus
não vem ao encontro do homem para lhe oferecer a sua vida em gestos
portentosos, que deixam toda a gente espantada e que testemunham, de forma
inequívoca, a sua presença no mundo; mas Deus actua na vida do homem de forma
discreta, embora duradoura e permanente. Deus vem, todos os dias, ao encontro
do homem e, sem forçar nem se impor, convida-o a escutar a Palavra de Jesus,
propõe-lhe a adesão a Jesus e ao seu projecto, ensina-lhe os caminhos do amor,
da partilha, do serviço. Convém que nos familiarizemos com os métodos de Deus,
para o conseguirmos perceber e encontrar, no caminho da nossa vida.
UNIDOS PELA PALAVRA DE DEUS
PROPOSTA PARA
ESCUTAR, PARTILHAR, VIVER E ANUNCIAR A
PALAVRA NAS COMUNIDADES DEHONIANAS
Grupo Dinamizador:
P. Joaquim Garrido, P. Manuel Barbosa,
P. José Ornelas Carvalho
Província Portuguesa dos Sacerdotes do
Coração de Jesus (Dehonianos)
Rua Cidade de Tete, 10 – 1800-129 LISBOA
– Portugal
Tel. 218540900 – Fax: 218540909
Roteiro
Homilético 3 - Liturgia: Vida Pastoral
Deu-lhes a comer o pão do céu
I. Introdução geral
Continuando com o tema do sinal do pão,
a liturgia de hoje – e nos domingos seguintes – centra-se no discurso de Jesus
sobre o “pão da vida” ou “pão do céu”.
Por meio do maná (pela manhã) e das
codornizes (à tarde), Deus sustentava a vida do povo no deserto. Apesar da
benevolência divina, o povo não mudava de atitude, não parava de murmurar e de
preferir a antiga vida de escravidão à vida nova, com dignidade, dada por Deus.
É bem adequada a exortação da carta aos Efésios para que os cristãos não tornem
a proceder como antigamente, na futilidade de pensamentos: “foi bem outra coisa
o que aprendestes de Cristo” (Ef 4,20).
II. Comentário dos textos bíblicos
Evangelho (Jo 6,24-35): Eu sou o pão da
vida
A multidão está à procura de Jesus,
movida não pelo que o sinal do pão aponta, mas pelo interesse pessoal de saciar
a fome. Por isso, Jesus reprova a multidão, que não o busca por ele mesmo. Ele
chama a atenção para que a multidão se empenhe mais pelo alimento que
permanece, e não apenas pelo alimento perecível. Esse empenho deve ocupar a
vida do cristão em sua totalidade. O verdadeiro alimento é Jesus, que dá a vida
eterna àqueles que o buscam. Vida eterna significa uma existência reconciliada
com Deus. Por isso, essa vida inicia-se já aqui na história.
Movida pelo interesse pessoal, a
multidão pede a Jesus que realize a obra de Deus, mas não sabe a profundidade
do pedido que faz. A obra que Deus quer realizar é que o ser humano busque a
Jesus (v. 29), o caminho para Deus. E buscar a Deus significa abandonar-se
incondicionalmente ao seu amor e à sua vontade. Por isso a multidão não
compreende o alcance de seu pedido, já que se nega a fazer a vontade de Deus, que
é crer naquele que ele enviou.
O pedido do sinal também revela a
incapacidade de enxergar, porque viram o sinal, mas, como não têm fé, não viram
a ação de Deus. E os sinais que a multidão pede devem superar os milagres
realizados no antigo Israel, milagres que legitimam suas pretensões messiânicas.
Para isso recordam o prodígio do êxodo, quando Moisés alimentou o povo no
deserto com o maná. A isso Jesus responde, mostrando que o verdadeiro pão do
céu quem dá é o Pai. E o pão do céu é o próprio Jesus, que veio dar a vida
eterna. Esse sinal revela o messianismo de Jesus, a multidão não precisa então
de outro sinal.
Contudo, a multidão continua sem
compreender o sinal, porque pede a Jesus que lhe dê sempre desse pão. Não
entendem o verdadeiro alcance de suas palavras. A resposta de Jesus é semelhante
à que foi dada à samaritana (Jo 6,35): quem vai a Jesus nunca mais terá fome
nem sede.
No deserto, o povo foi alimentado com o
maná e teve a sede saciada com a água que saiu da rocha. Mas o povo morreu;
isso mostra que aquelas realidades antigas eram apenas uma prefiguração de
Jesus, o enviado de Deus, que oferece o verdadeiro alimento e sacia totalmente
a sede que a criatura tem de seu Criador.
I leitura (Ex 16,2-4.12-15): Farei
chover pão do céu para vós
A leitura afirma que “toda a comunidade
dos israelitas murmurava” (v. 2). Isso significa que todos estavam de acordo
sobre um ponto: era melhor ser escravo no Egito e ter o que comer do que ser
livre e passar fome. A comunidade formava uma multidão interesseira. O povo
rapidamente esqueceu que havia chorado sob os açoites dos feitores egípcios e
que clamou a Deus, pedindo que o libertasse. Após a libertação, os israelitas
lembravam-se do cheiro e do gosto dos temperos nos cozidos de carne, mas haviam
esquecido as chicotadas dos feitores e o trabalho forçado. A que preço,
anteriormente, comeram aquele alimento sem ter direito à vida e à dignidade,
correndo risco de morte a cada instante.
Nas reclamações dos israelitas há uma
acusação contra o Senhor: “Por que nos trouxe o Senhor a este deserto? Para
matar de fome toda esta gente?” (v. 3). Conforme essas palavras, não há
diferença entre Deus e o faraó, pois ambos armam ciladas para destruir o povo.
No entanto, na literatura judaica, o faraó e o Egito simbolizam a ausência de
respeito à vida e à dignidade humana, significam opressão e escravidão. Ambos
são a negação da vida e do reino de Deus.
O faraó é o contrário de Deus e de seu
projeto salvífico. O povo necessita mudar de mentalidade e de atitude. O Senhor
não intenta matar Israel no deserto. Na dureza da vida no deserto, o povo é
cuidado por Deus como os pais cuidam de seus bebês. Os israelitas foram levados
ao deserto para fazer a experiência de serem amados e cuidados por Deus, já que
no Egito tinham experimentado apenas o rigor da servidão. Os israelitas
conheciam apenas o faraó como senhor, agora necessitavam saber quem era Deus.
Eles foram alimentados e cuidados no deserto para que tivessem uma experiência
diferente: “Assim sabereis que eu sou o Senhor vosso Deus” (v. 12).
II leitura (Ef 4,17.20-24): Aquele que
desceu do céu
O apóstolo faz que os efésios se
recordem do que eram antes de se converterem, ou seja, da maneira como viviam e
de como os gentios ao redor deles ainda procedem. Na Bíblia, a vida é
frequentemente comparada a uma jornada, e por isso o apóstolo diz que os
cristãos não devem caminhar como antigamente o faziam e como ainda fazem os
seus conterrâneos.
Os gentios se comportam com “vaidade” de
mente, afirma o texto. A palavra “vaidade” nas Escrituras significa “vacuidade”
e denota um mal no âmbito da moral. Na Bíblia, comumente esse termo é aplicado
aos que adoram ídolos vãos, em contraposição a quem conhece o Deus vivo e
verdadeiro. Para religiões tão diferentes, os comportamentos humanos igualmente
devem ser muito diferentes; os efésios precisam saber disso e mudar de atitude.
O homem vão é aquele que caminha de
acordo com os próprios interesses, mas coisa muito diferente foi ensinada aos
cristãos. Cristo ensinou que a religião exige abandono total no curso da vida.
Com ironia sutil o texto diz: “se é que
ouvistes falar de Cristo e nele fostes instruídos” (v. 21). Quem escuta
atentamente as instruções de Cristo sabe qual é o verdadeiro propósito da
“religião” (relacionamento com Deus). A respeito da conduta anterior ou dos hábitos
de vida, os cristãos devem deixar de lado tudo o que pertence a uma natureza
egoísta.
O Filho de Deus, que desceu do céu para
conviver conosco, instrui-nos sobre o que agrada a Deus; ele nos deu essa
instrução com a sua própria vida. Jesus nos mostrou como vive um verdadeiro
filho de Deus. E isso não é algo que esteja além dos limites humanos. Mostrou
que é possível ao ser humano tirar do foco os próprios interesses e identificar
a própria vontade com a vontade de Deus.
III. Pistas para reflexão
Já que estamos iniciando o mês das
vocações, é bom ressaltar o seguinte:
– Há pessoas que fazem da religião uma
fonte de lucro ou de privilégios pessoais, usando-a para o conforto e
prosperidade pessoais.
– Os hebreus eram escravos no Egito e lá
recebiam apenas pão para a própria sobrevivência. Livres no deserto, queriam
continuar no mesmo esquema: Deus teria de alimentá-los. Mas Deus queria ter com
eles um relacionamento que não se baseasse na troca de favores.
– O Deus de Jesus Cristo é diferente do
faraó e dos deuses antigos dos efésios, ele liberta da escravidão do pecado e
do egoísmo. Deus é livre, não se deixa manipular em favor de interesses
egoístas. Deus cuida dos seres humanos porque ele é bom.
– Hoje cresce o número de pessoas que
buscam o sagrado porque querem ter um emprego, um companheiro, cursar uma
universidade etc. Não buscam a Deus, mas milagres e curas. Os santos, no
entanto, buscavam a Deus por ele mesmo, e não por causa do que lucrariam com a
religião. Eles entenderam a instrução de Jesus e trabalharam pelo pão que não
perece e que permanece até a vida eterna (Jo 6,27).
Aíla Luzia Pinheiro Andrade, nj
Graduada em Filosofia pela Universidade
Estadual do Ceará e em Teologia pela Faculdade Jesuíta de Filosofia e Teologia
(Faje – BH), onde também cursou mestrado e doutorado em Teologia Bíblica.
Atualmente, leciona na Faculdade Católica de Fortaleza. É autora do livro Eis
que faço novas todas as coisas – teologia apocalíptica (Paulinas). E-mail:
aylanj@gmail.com
Roteiro
Homilético 4 - Liturgia: Dom Henrique
Caríssimos em Cristo, no Domingo
passado, deixamos o Senhor Jesus orando a sós no monte, após ter multiplicado
os pães e despedido a multidão. Está no capítulo VI de São João: do monte,
Jesus atravessa o mar da Galileia, caminhando sobre as águas. Ao chegar do
outro lado, lá esta o povo a sua espera… Sigamos, as palavras do Senhor nesta
perícope, pois elas nos falam de vida, falam-nos do Cristo nosso Deus!
Primeiramente, Cristo censura duramente
o povo: procuram-no – como tantos hoje em dia – não porque viram o sinal que
ele realizou! Mas, que sinal? Fez o povo sentar-se na relva, como o Pastor do
Salmo 22 faz a ovelha descansar em verdes pastagens; prepara uma mesa para o
fiel, multiplicando-lhe os pães, como Moisés no deserto… Ante tudo isto, amados
em Cristo, o povo ainda pensou em Jesus como sendo o Profeta que Moisés
prometera (cf. Dt ); mas, infelizmente, não passou disso. Daí a repreensão do
Senhor: aqueles lá o procuravam simplesmente porque comeram pão, como hoje
tantos o procuram para ganhar benefícios – e, assim, são enganados pelos
charlatões de plantão! A prova de que o povo não compreendeu o sinal, é que
ainda vai perguntar no Evangelho de hoje: “Que sinal realizas? Que obra fazes?”
Como estes, lá com Jesus, se parecem conosco, tantas vezes cegos para os sinais
do Senhor na nossa vida!
Observai, irmão! Notai como os judeus
não conseguem compreender que o que Jesus quer deles é a fé na sua pessoa e na
sua missão! Vede como eles pensam que podem agradar ao Senhor simplesmente com
um fazer exterior, sem compromisso de amor que brota do coração: “Que devemos
fazer para realizar as obras de Deus?” Fazer! De nós, Jesus quer muito mais do
que um simples fazer! Eis a resposta do nosso Salvador: “A obra de Deus é que
acrediteis naquele que ele enviou!” Resposta admirável: tua obra, cristão, já
não é cumprir a Lei de Moisés; também não é fazer e fazer coisas, mas crer e
amar a Jesus! Daí sim, tudo decorre, e também tuas boas obras, feitas por amor
a Jesus e na fé em Jesus, serão aceitas pelo Senhor!
Diante da palavra do Cristo, os judeus
duros de compreender, pedem a Jesus outro sinal! Não compreenderam o que ele
fizera! E ainda citam Moisés, como que dizendo: Tu nos deste pão agora; Moisés
nos deu o maná por quarenta anos! Aí, o nosso Salvador faz três revelações
surpreendentes e consoladoras! Ei-las:
Primeiro: Aquele maná dado por Moisés
não é o pão que vem do céu. É pão terreno mesmo, dado por Deus; pão que mata a
fome do corpo, mas não enche de paz o coração; pão que alimenta esta vida, mas
não dá a Vida divina, a Vida que dura para sempre! Aquele maná do deserto era
apenas pálida imagem de um outro maná, de um outro pão que o Pai daria mais
tarde.
E aqui vem a segunda revelação,
surpreendente, consoladora: agora o Pai está dando o verdadeiro maná, o
verdadeiro Pão do céu, que dá a vida divina ao mundo: Moisés não deu (no
passado); meu Pai vos dá (agora, no presente)! Os judeus ficam perplexos,
admirados; e pedem: Dá-nos desse pão! Pão que alimenta a fome de vida, de paz,
de sentido, de eternidade!
Jesus faz, então, a terceira e
desconcertante revelação: “Eu sou o Pão da vida!” Pronto: o pão verdadeiro é
uma Pessoa, é ele mesmo! Os pães que ele multiplicara eram imagem dele mesmo,
que se nos dá, que nos alimenta, que nos enche de vida: “Eu sou o Pão da vida!
O Pão que desce do céu e dá a vida ao mundo! Quem vem a mim nunca mais terá
fome de vida e de sentido de existência; quem crê em mim nunca mais terá sede
no seu coração!”
Eis, meus caros! Corramos para Jesus!
Seja ele nosso alimento! E dele nos alimentando, sejamos nele, novas criaturas,
despojando-nos do homem velho, deixando o velho modo de pensar, que conduz não
à Vida, mas ao nada, como diz o Apóstolo na segunda leitura! Se nos alimentamos
de Cristo, se bebemos de sua santa palavra, como poderemos pensar como o mundo,
agir como o mundo, viver como o mundo? Como ainda poderíamos consentir nas
velhas paixões que nos escravizam?
Que alimentando-nos de Jesus, Pão
bendito de nossa vida, nós atravessemos o deserto desta vida não como o povo de
Israel, que murmurou e descreu, mas como verdadeiros cristãos, renovados pelo
Senhor, despojados da velhice do pecado e saciados de vida eterna, vida que é o
Cristo nosso Deus, bendito pelos séculos dos séculos. Amém.
Roteiro
Homilético 5 - Liturgia: Dom Total
A VONTADE DE DEUS E O “PÃO DA VIDA”
1ª`Leitura: (Ex 16,2-4.12-15) Deus sacia
o povo com o maná, no deserto – O caminho de Israel pelo deserto é ambíguo. O
povo é duro de cerviz e de coração, murmura contra o Senhor. No entanto, Deus é
generoso e atende à reclamação do povo com “o pão que desce do céu”, como diz
poeticamente o Sl 78[77] (salmo responsorial). Na realidade, o maná é um
produto natural (resina de tamareira), mas, no contexto do Êxodo, era um sinal
da incansável providência de Deus. * 16,2-4 cf. Ex 5,20-21; 14,11-12; 15,24;
17,2-3; Nm 11,4-9; Dt 8,3.16 * 16,15 cf. Sl 147,15-17[146,4-6]; Eclo 43,21[19].
2ª leitura: (Ef 4,17.20-24) Revestir-se
com Jesus Cristo, o homem novo – Cristo é o homem novo; nele se plenifica a
palavra de Gn 1,27: o homem é criado à imagem de Deus (Ef 4,24). Devemos
despir-nos do homem velho, inautêntico, e revestir-nos com o novo, que vive
para sempre a verdade e a santidade. * 4,17 cf. Rm 1,21 * 4,22-24 cf. Cl 2,6-7;
3,9-10; Gl 6,8; Ef 2,15; Fl 3,27; Rm 13,14.
Evangelho: (Jo 6,23-35) “Eu sou o pão da
vida” – A pedagogia de Jesus, em Jo, é partir de uma realidade terrestre
ambígua, para revelar-se a si mesmo como o dom de Deus, assinalado por esta
realidade para quem quiser acreditar. A multidão viu no milagre do pão só
fartura material, em vez de um “sinal” (6,26). Jesus chama a atenção para o
alimento espiritual, que não perece (cf. a água que apaga a sede para sempre,
Jo 4,14). O acesso a esse alimento é a fé no Enviado de Deus (6,29). – Os
judeus pedem um sinal, como o de Moisés, que fez descer pão do céu. Resposta de
Jesus: Moisés não deu o pão do céu. O pão do céu é o que desce do Pai e dá vida
ao mundo. Os judeus, ainda pensando em termos materiais, pedem este pão que
dispensa de trabalhar (6,34). Então, Jesus revela-se como o dom que vem de Deus
para dar vida ao mundo. O cristão o reconhece como tal, pela fé. * 6,27 cf. Ex
15,20-21; Is 55,2-3; Mt 8,10; Jo 1,32-34 * 6,30-31 cf. Mt 12,38-39; 16,1-4; Sl
78[77],23-34; Sb 16,20-22; 1Cor 10,3-4 * 6,35 cf. Pr 9,5-6; Eclo
24,26-30[19-22]; Jo 4,10.14.
***
*** ***
A liturgia do hoje é estruturada pela
oposição tipológica entre o maná, o “pão do céu” do Antigo Testamento (tipo), e
Jesus, o verdadeiro “pão do céu” do Novo Testamento (antítipo), explicitação
daquilo que significa o “sinal do pão” (cf. domingo passado). Como o maná do
Antigo Testamento, também o pão multiplicado era apenas material, e quem o
procura por seu valor material está perdendo o mais importante: neste ponto
começa o evangelho de hoje.
Depois da multiplicação dos pães, vendo
que o povo o entendera mal (6,14-15) Jesus se tinha retirado para a montanha,
sozinho, enquanto os discípulos atravessaram o lago. O povo tinha observado
isso. Procuraram então Jesus perto do lugar onde tinha realizado o milagre,
mas, não o encontrando, voltaram a Cafarnaum, em outros barcos (6,22-24). E aí
encontraram Jesus (que tinha atravessado o lago andando sobre as ondas).
Admiram sua presença, mas com a mesma superficialidade que os levou a ver no
sinal do pão não um sinal, mas apenas a satisfação de sua fome: é o que Jesus
lhes repreende (6,26).
Inicia então um diálogo, em que o
pessoal de Cafarnaum aparece como preocupado com a Lei, mas obtuso quanto à
realidade de Deus. Perguntam o que devem fazer. Jesus lhes diz que a obra do
Pai é que acreditem no Filho (Jo 6,28)! Então, pedem um sinal como o de Moisés
(o maná). Jesus responde que o sinal não era de Moisés (relativização do
sistema mosaico, do qual eles são os árduos defensores contra os cristãos,
expulsos da sinagoga), mas de Deus. Este mesmo Deus dá agora mais do que um
sinal; oferece a plenitude de sua obra: seu enviado, Jesus Cristo, que faz o
homem viver verdadeiramente, por sua palavra.
A 1ª leitura lembra o que é o maná: 1)
um pão material e perecível (leia Ex 16,19-30, as regras de recolhimento diário
e conservação do maná); 2) uma coisa dada por intermédio de Moisés (conforme Jo
6,32, os judeus parecem ter esquecido que Moisés fora apenas o intermediário);
3) algo que não se sabe o que é, pois o nome que lhe deram, “maná”, significa
“Que é isso?” A isso, o evangelho opõe o pão do Novo Testamento: 1) uma comida
que não perece, mas que permanece para a vida eterna (6,27); 2) uma obra de
Deus mesmo (6,32); 3) uma realidade bem determinada: é Jesus em pessoa,
acolhido na fé (6,35).
Esse contraste é acentuado pelo salmo
responsorial, que evoca a maravilha do pão que Deus “fez chover do céu” (o
texto que os judeus citam para Jesus: Jo 6,31 = Sl 78[77],24), enquanto a
aclamação ao evangelho opõe a isso a realidade que se manifesta no Novo
Testamento; não só de pão é que se vive, mas, antes de tudo, da “palavra” que
vem da boca do Altíssimo.
Entre os dois painéis dessa tipologia
antitética, fica prensada a 2ª leitura. Fala também da oposição entre o antigo
e o novo. O antigo, aí, não é tanto o sistema da Lei judaica, mas o paganismo,
do qual provém boa parte dos cristãos de Éfeso. Os pagãos não procuravam “obras
de Deus” ultrapassadas, como os judeus. Simplesmente eram dirigidos por
concupiscências. Seja como for, tanto o judeu apegado ao sistema mosaico quanto
o pagão envolvido com ídolos falsos (e esse pagão vive no meio de nós) devem
abrir o ouvido para Cristo, a palavra da verdade que vem de Deus.
A audiência dada a Cristo é que faz
viver verdadeiramente: esta é a mensagem central de hoje. Por isso, Jesus é
chamado “o Pão da Vida”. Concretamente, temos em nós o judeu de Cafarnaum e o
pagão de Éfeso; o homem que quer ficar em dia com Deus mediante determinadas
práticas religiosas e o ateu prático, que decide na vida tudo conforme seu
proveito imediato. Nem uma nem outra coisa serve para realizar o sentido eterno
de nossa vida. Não devemos querer ter a última palavra, mas entregar-nos àquele
que traz o selo de garantia de Deus (Jo 6,27). Arriscar o caminho da vida que
ele nos mostra em sua própria pessoa. Pois ele não apenas ensina, ele é
palavra, fala por sua maneira de ser. Jesus não ensina “coisas”, mas se
apresenta a nós, e na medida em que temos comunhão com ele, nos imbuindo de seu
modo de ser, de seu espírito, vivemos realmente. Isso se manifestará na doação
sem restrição, da qual ele nos deu o exemplo. A vida verdadeira, que não
perece, é a vida dada como ele a deu.
AS COISAS QUE PASSAM E AS QUE NÃO PASSAM
O evangelho de hoje é o início do
“sermão do Pão da Vida”, com o qual o evangelista João dá continuidade ao
“sinal” da multiplicação dos pães narrado domingo passado. Nos próximos
domingos, o tema continua.
Depois da multiplicação dos pães, Jesus
volta a Cafarnaum (Jo 6,24). Os conterrâneos querem saber como de repente ele
está de volta, se não embarcou com os discípulos na noite anterior. Jesus lhes
faz sentir que, apesar de terem presenciado o milagre do pão, não enxergaram aí
um sinal daquilo que ele significa: a realidade de Deus oferecida ao mundo.
Apenas se saciaram de pão. Não entenderam que a refeição era um sinal. Eram
como um motorista que pensa que sinal vermelho é apenas enfeite...
Os judeus de Cafarnaum então perguntam
que esforço Deus espera deles – pois querem se esforçar para que Deus se veja
obrigado a dar-lhes a salvação! Mas Jesus diz que o esforço que Deus espera
deles é que acreditem naquele que ele enviou (6,29).
Percebem que Jesus está falando de si
mesmo. Para acreditarem nele querem ver suas credenciais. No tempo de Moisés,
seus antepassados comeram o maná, no deserto, como está escrito: “Deu-lhes pão
do céu a comer” (6,31; cf. Sl 78[77],24). Responde Jesus que não foi Moisés
quem deu o pão do céu, no passado, mas que agora o Pai está dando o verdadeiro
pão do céu: aquele que desce do céu e que dá vida ao mundo. Ininteligentes como
o motorista que pensa que sinal vermelho é enfeite, ficam raciocinando no
trilho do pão material, pensando no problema do sustento: “Dá-nos sempre esse
pão”. Então Jesus diz abertamente o que significam a sua palavra ambígua e o
sinal que ele realizou no dia anterior: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim
não terá mais fome e quem crê em mim não terá mais sede” (6,35).
Percebem que Jesus está falando de si
mesmo. Para acreditarem nele querem ver suas credenciais. No tempo de Moisés,
seus antepassados comeram o maná, no deserto, como está escrito: “Deu-lhes pão
do céu a comer” (6,31; cf. Sl 78[77],24). Responde Jesus que não foi Moisés
quem deu o pão do céu, no passado, mas que agora o Pai está dando o verdadeiro
pão do céu: aquele que desce do céu e que dá vida ao mundo. Ininteligentes como
o motorista que pensa que sinal vermelho é enfeite, ficam raciocinando no
trilho do pão material, pensando no problema do sustento: “Dá-nos sempre esse
pão”. Então Jesus diz abertamente o que significam a sua palavra ambígua e o
sinal que ele realizou no dia anterior: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim
não terá mais fome e quem crê em mim não terá mais sede” (6,35).
Percebem que Jesus está falando de si
mesmo. Para acreditarem nele querem ver suas credenciais. No tempo de Moisés,
seus antepassados comeram o maná, no deserto, como está escrito: “Deu-lhes pão
do céu a comer” (6,31; cf. Sl 78[77],24). Responde Jesus que não foi Moisés
quem deu o pão do céu, no passado, mas que agora o Pai está dando o verdadeiro
pão do céu: aquele que desce do céu e que dá vida ao mundo. Ininteligentes como
o motorista que pensa que sinal vermelho é enfeite, ficam raciocinando no
trilho do pão material, pensando no problema do sustento: “Dá-nos sempre esse
pão”. Então Jesus diz abertamente o que significam a sua palavra ambígua e o
sinal que ele realizou no dia anterior: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim
não terá mais fome e quem crê em mim não terá mais sede” (6,35).
Percebem que Jesus está falando de si
mesmo. Para acreditarem nele querem ver suas credenciais. No tempo de Moisés,
seus antepassados comeram o maná, no deserto, como está escrito: “Deu-lhes pão
do céu a comer” (6,31; cf. Sl 78[77],24). Responde Jesus que não foi Moisés
quem deu o pão do céu, no passado, mas que agora o Pai está dando o verdadeiro
pão do céu: aquele que desce do céu e que dá vida ao mundo. Ininteligentes como
o motorista que pensa que sinal vermelho é enfeite, ficam raciocinando no
trilho do pão material, pensando no problema do sustento: “Dá-nos sempre esse
pão”. Então Jesus diz abertamente o que significam a sua palavra ambígua e o
sinal que ele realizou no dia anterior: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim
não terá mais fome e quem crê em mim não terá mais sede” (6,35).
Quem conhece as Escrituras reconhece
nestas palavras a proclamação registrada em Isaías, no tempo do exílio
babilônico. Em meio à idolatria da Babilônia, o profeta orienta o coração dos
exilados para o único Senhor, muito mais valioso que o sistema babilônico com
seus deuses e ilusões. O que se consegue com os babilônios não vale nada, é
mero engodo comercial, pão que não alimenta! Mas quem escuta a voz do Senhor
recebe a sabedoria da vida, a Aliança duradoura com Deus, o cumprimento de suas
promessas (Is 55,1-3). Assim, quem se alimenta com a palavra de Jesus recebe o
“pão da vida”, quem se dirige a ele sofre nem fome nem sede.
Mas não interpretemos isso com falso
materialismo, dizendo que as coisas materiais passam e as espirituais,
permanecem. Depende do que se entende por esses termos! Se “espiritual”
significa apenas erudição e brilho intelectual ou divagação etérea em doutrinas
sublimes, então isso é o que passa! E se “material” significa dedicar-se ao pão
dos pobres, isto é o que permanece! Pois é a vontade do Pai.
Mas não interpretemos isso com falso
materialismo, dizendo que as coisas materiais passam e as espirituais,
permanecem. Depende do que se entende por esses termos! Se “espiritual”
significa apenas erudição e brilho intelectual ou divagação etérea em doutrinas
sublimes, então isso é o que passa! E se “material” significa dedicar-se ao pão
dos pobres, isto é o que permanece! Pois é a vontade do Pai.
(O Roteiro Homilético é elaborado pelo
Pe. Johan Konings SJ – Teólogo, doutor em exegese bíblica, Professor da FAJE.
Autor do livro "Liturgia Dominical", Vozes, Petrópolis, 2003. Entre
outras obras, coordenou a tradução da "Bíblia Ecumênica" – TEB e a
tradução da "Bíblia Sagrada" – CNBB. Konings é Colunista do Dom
Total. A produção do Roteiro Homilético é de responsabilidade direta do Pe.
Jaldemir Vitório SJ, Reitor e Professor da FAJE.)
Roteiro
Homilético 6 - Liturgia: Pe. Françoá Costa
Presença
Que coisa desnorteadora quando sentimos
a presença da ausência de alguém que queremos bem. Jesus Cristo quis poupar-nos
desse sentimento tendo em conta o cumprimento da sua missão e as nossas reais
necessidades e capacidades. Um cristão já não precisa fazer a pergunta que nós
escutamos no Evangelho da Missa: “Mestre, quando chegaste aqui?” (Jo 6,25). Ao
contraio, avisará a todos, como o fez Maria à sua irmã Marta: “O Mestre está aí
e te chama” (Jo 11,28).
Vi certa vez um filme, um desenho
animado, no qual se perguntava a uma criança: “Qual é a diferença entre o
Crucifixo e a Eucaristia?” A criança respondeu então com muita sabedoria: “No
Crucifixo parece que Jesus está, mas não está; na Eucaristia parece que ele não
está, mas está”.
Parece que não está, mas está! A Igreja
sempre acreditou que após as palavras da consagração n a Missa, toda a
realidade do pão se muda, se converte no Corpo de Jesus Cristo; toda a
realidade do vinho se transforma no sangue do Senhor Jesus. Esta verdade de fé
é conhecida pelos católicos como transubstanciação. Neste sentido vale a pena
trazer a colação as vigorosas palavras do Papa Paulo VI no texto do “Credo do
Povo de Deus”, de 1968. Copio ao leitor as palavras do Papa que se referem à
Missa e à transubstanciação (n. 24-25):
“Cremos que a Missa, celebrada pelo
sacerdote, que representa a pessoa de Cristo, em virtude do poder recebido no
sacramento da Ordem, e oferecida por ele em nome de Cristo e dos membros do seu
Corpo Místico, é realmente o Sacrifício do Calvário, que se torna
sacramentalmente presente em nossos altares. Cremos que, como o Pão e o Vinho
consagrados pelo Senhor, na última ceia, se converteram no seu Corpo e Sangue,
que logo iam ser oferecidos por nós na Cruz; assim também o Pão e o Vinho
consagrados pelo sacerdote se convertem no Corpo e Sangue de Cristo que assiste
gloriosamente no céu. Cremos ainda que a misteriosa presença do Senhor, debaixo
daquelas espécies que continuam aparecendo aos nossos sentidos do mesmo modo
que antes, é uma presença verdadeira, real e substancial(cf. Concílio de
Trento, Sessão 13, Decreto sobre a Eucaristia).
“Neste sacramento, pois, Cristo não pode
estar presente de outra maneira a não ser pela mudança de toda a substância do
pão no seu Corpo, e pela mudança de toda a substância do vinho no seu Sangue,
permanecendo apenas inalteradas as propriedades do pão e do vinho, que
percebemos com os nossos sentidos. Esta mudança misteriosa é chamada pela
Igreja com toda a exatidão e conveniência transubstanciação. Assim, qualquer
interpretação de teólogos, buscando alguma inteligência deste mistério, para
que concorde com a fé católica, deve colocar bem a salvo que na própria
natureza das coisas, isto é, independentemente do nosso espírito, o pão e o
vinho deixaram de existir depois da consagração, de sorte que o Corpo adorável
e o Sangue do Senhor Jesus estão na verdade diante de nós, debaixo das espécies
sacramentais do pão e do vinho(cf. ibid.; Paulo VI, Encíclica Mysterium Fidei),
conforme o mesmo Senhor quis, para se dar a nós em alimento e para nos associar
pela unidade do seu Corpo Místico(cf. Suma Teológica III, q. 73, a. 3)”.
Trata-se da voz autorizada de um Papa no
encerramento do Ano da Fé de 1968. Bento XVI convocou a Igreja para um Ano da
Fé a começar em outubro de 2012. Sem dúvida, será essa uma maravilhosa ocasião
para que o Senhor renove a nossa fé e para que nós reafirmemos a nossa entrega
a Deus, a nossa adesão a ele e a todas as verdades que ele revelou a nós. No
dia de hoje, graças sejam dadas a Deus pela nossa fé no Santíssimo Sacramento
da Eucaristia, vida da Igreja!
Pe. Françoá Costa
Roteiro
Homilético 7 - Liturgia: Mons. José Maria Pereira
Pão da Vida Eterna
No Evangelho (Jo 6,24-35), depois do
milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, Jesus se apresenta como o “Pão
da Vida”.
Entusiasmado com o milagre, o povo
procura Jesus. Vê-se que o povo não entendeu o sentido daquele gesto. Quando
viram que não conseguiam encontrar nem a Jesus nem aos seus discípulos, subiram
às barcas e foram a Cafarnaum.
Quando o encontraram novamente, Jesus
disse-lhes: “Em verdade, em verdade, Eu vos digo: estais Me procurando não
porque vistes sinais, mas porque comestes pão e ficastes satisfeitos”(Jo 6,26).
Comenta Santo Agostinho: “Buscais-me por motivos da carne, não do espírito.
Quantos há que procuram Jesus, guiados unicamente pelos seus interesses
materiais! Só se pode procurar Jesus por Jesus”.
Com uma valentia admirável, com um amor
sem limites, Jesus expõe o dom inefável da Sagrada Eucaristia, em que se dá
como alimento. Pouco importa que, ao terminar a revelação, muitos dos que o
seguiram com fervor acabem por abandoná-Lo. O Senhor não recua: “Trabalhai não
pelo alimento que perece, mas pelo alimento que permanece até a vida eterna, e
que o Filho do Homem vos dará… Mas eles perguntaram: Que devemos fazer para
realizar as obras de Deus? Jesus respondeu-lhes: A obra de Deus é que
acrediteis naquele que Ele enviou” (Jo 6,27-29).
E, apesar de que muitos dos presentes
tinham visto com os seus próprios olhos o prodígio do dia anterior,
disseram-Lhe: “Que milagre fazes Tu, para que possamos ver e crer em Ti? Nossos
pais comeram o Maná no deserto, como está na Escritura: Deu-Lhes a comer o Pão
do Céu” (Jo 6, 30-31).
Jesus Cristo é o verdadeiro alimento que
nos transforma e nos dá forças para realizarmos a nossa vocação cristã. Exorta
vivamente o Beato João Paulo II: “Só mediante a Eucaristia é possível viver as
virtudes heroicas do cristianismo: a caridade até o perdão dos inimigos, até o
amor pelos que nos fazem sofrer, até a doação da própria vida pelo próximo; a
castidade em qualquer idade e situação de vida; a paciência, especialmente na
dor e quando estranhamos o silêncio de Deus nos dramas da história ou da nossa
existência. Por isso, sede sempre almas eucarísticas para poderdes ser cristãos
autênticos”.
A igreja vive da Eucaristia. O concílio
Vaticano II afirmou que o sacrifício eucarístico é “fonte e centro de toda a
vida cristã” (LG, 11). Com efeito, “na Santíssima Eucaristia, está contido todo
o tesouro espiritual da Igreja, isto é, o próprio Cristo, a nossa Páscoa e o
Pão vivo que dá aos homens a vida mediante a sua carne vivificada e
vivificadora pelo Espírito Santo” (PO, 5).
A Igreja vive de Jesus Eucarístico, por
Ele é nutrida, por Ele é iluminada. A Eucaristia é mistério de fé e, ao mesmo
tempo, mistério de luz. Sempre que a Igreja a celebra, os fiéis podem de certo
modo reviver a experiência dos dois discípulos de Emaús: “Abriram-se-lhes os
olhos e reconheceram-no” (Lc 24,31).
Referindo-se à Eucaristia, ensinava São
Josemaría Escrivá: “O maior louco que já houve e haverá é Ele (Jesus). É
possível maior loucura do que entregar-se como Ele se entrega, e àqueles a quem
se entrega?
Porque, na verdade, já teria sido
loucura ficar como um Menino indefeso; mas, nesse caso até mesmo muitos malvados
se enterneceriam, sem atrever-se a maltratá-Lo. Achou que era pouco: Quis
aniquilar-se mais e dar-se mais. E fez-se comida, fez-se Pão.
Divino Louco! Como é que te tratam os
homens?… E eu mesmo?” (Forja, 824).
Da Eucaristia brotam todas as graças e todos
os frutos de vida eterna – para cada alma e para a humanidade – porque neste
sacramento “está contido todo o bem espiritual da Igreja” (PO, 5).
Quando nos aproximamos da mesa da
Comunhão, podemos dizer: “Senhor, espero em Ti; adoro-Te, amo-Te, aumenta-me a
fé. Sê o apoio da minha debilidade, Tu, que ficaste na Eucaristia, inerme, para
remediar a fraqueza das criaturas” (Forja, 832).
Façamos nosso (no bom sentido) o pedido
do povo citado no Evangelho: “Senhor, dá-nos sempre desse pão” (Jo 6, 34).
O primeiro domingo de agosto é dedicado
à vocação Sacerdotal.
Rezemos pelos padres! Rezemos ao Senhor
para que continue enviando sacerdotes para a Igreja. Que Ele continue
abençoando e plenificando a vida de todos os sacerdotes.
Mons. José Maria Pereira