7° Domingo do Tempo Comum, Ano A 11


Roteiro Homilético 11: Pe. Franclim Pacheco Diocese de Aveiro
Este texto, com dois comentários de Jesus acerca de dois princípios da Lei, é a continuação do Domingo passado.
«Olho por olho, dente por dente» faz referência à lei mais ampla de Ex 21,23-25: «vida por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura por queimadura, ferida por ferida, contusão por contusão». Este princípio, que já se encontra no velho código de Hammurabi do séc. XVIII a.C., conhecido como «lei de talião», apesar de parecer uma lei dura, estabelece a proporcionalidade da justiça em relação ao direito lesado, para limitar e controlar a vingança.
O princípio alternativo, formulado por Jesus, tem um valor programático: «Não vos oponhais ao mal». A exemplificação que se segue não é exaustiva, mas puramente indicativa, elencando algumas situações de injustiça e de afronta, típicas do ambiente palestinense antigo.
O primeiro é o caso de insulto. A bofetada com as costas da mão na face direita era considerada particularmente injuriosa, estando prevista uma pena pecuniária mais grave do que para um murro ou uma simples bofetada. A atitude sugerida neste caso inspira-se no modelo do Servo de Yahweh de Is 50,6: «Não ocultei o rosto às injúrias e aos escarros».
O segundo exemplo adquire a sua eficácia paradoxal sobre o fundo da norma bíblica a propósito dos penhores: Se tomares como penhor o manto do teu próximo, restitui-o ao pôr do sol, porque é a sua única coberta..» (Ex 22,25-26). No caso de processo por hipoteca sobre as vestes do devedor, o princípio evangélico contra a represália propõe uma conduta que vai além dos direitos essenciais tutelados pela lei bíblica: «Deixa-lhe tembém o manto».
A terceira forma de injustiça ou abuso de poder é o da requisição para uma corveia, isto é, para um trabalho gratuito obrigatório, por parte da autoridade militar ou dos funcionários públicos, que implique uma caminhada. É o caso do Cireneu, obrigado a ajudar Jesus a levar a cruz (Mt 27,32). Jesus aconselha a duplicar o tamanho do percurso, quase a dizer: Não és tu que me obrigas, sou eu que quero ajudar por minha vontade».
A ideia fundamental subjacente a este princípio não é apenas estabelecer princípio da não-violência mas evitar o recurso à legítima defesa, à reivindicação cega dos direitos pessoais, o que seria uma forma velada de uso da lei de talião.
Ainda num contexto jurídico se coloca o último exemplo, o do empréstimo, para o qual a lei bíblica recomenda a gratuidade sobretudo se é destinado a um indigente (Ex 21,24). Neste caso, trata-se da renúncia espontânea do direito próprio a favor daquele que se encontra em estado de necessidade.
«Amarás o teu próximo e odiarás o teu inimigo». Este princípio, que surge como lei, não está escrito em parte alguma mas é a formulação duma prática antiga. O amor do próximo estava bem estabelecido entre o povo hebreu pela lei de Lv 19,18 mas era limitado apenas aos membros do povo, traduzindo-se numa hostilidade para com os estrangeiros e os inimigos religiosos, como lemos expressamente no Salmo 139,21-22: «Não hei-de eu, Senhor, odiar os que te odeiam? Não hei-de aborrecer os que se voltam contra ti? Odeio-os com toda a minha alma. Considero-os como meus inimigos».
A esta mentalidade contrapõe-se nitidamente o imperativo evangélico que estende o princípio do amor aos inimigos. A motivação e a fonte deste modo de agir apenas se pode encontrar no estilo do Pai Celeste que ama e beneficia, de modo desinteressado, justos e injustos. O amor para com os inimigos sem descriminações religiosas e morais é também a verificação e realização daquele estatuto de filhos de Deus que foi prometido aos discípulos na proclamação das bem aventuranças. Outra forma de agir torna dos discípulos de Jesus iguais a todos os outros, inclusive àqueles que eles mesmos criticam pelo seu estilo de vida.
Para o judaísmo em geral, a perfeição estava na escrupulosa observância dum código de leis. Os discípulos são chamados a ser perfeitos, imitando os traços característicos do amor benigno e misericordioso de Deus. A perfeição está na dedicação total a Deus, realizada por meio daquele amor activo e universal que é revelado e tornado possível no encontro com Jesus, o Cristo.
P. Franclim Pacheco