Este texto,
com dois comentários de Jesus acerca de dois princípios da Lei, é a continuação
do Domingo passado.
«Olho por
olho, dente por dente» faz referência à lei mais ampla de Ex 21,23-25: «vida
por vida, olho por olho, dente por dente, mão por mão, pé por pé, queimadura
por queimadura, ferida por ferida, contusão por contusão». Este princípio, que
já se encontra no velho código de Hammurabi do séc. XVIII a.C., conhecido como
«lei de talião», apesar de parecer uma lei dura, estabelece a proporcionalidade
da justiça em relação ao direito lesado, para limitar e controlar a vingança.
O princípio
alternativo, formulado por Jesus, tem um valor programático: «Não vos oponhais
ao mal». A exemplificação que se segue não é exaustiva, mas puramente
indicativa, elencando algumas situações de injustiça e de afronta, típicas do
ambiente palestinense antigo.
O primeiro é o
caso de insulto. A bofetada com as costas da mão na face direita era
considerada particularmente injuriosa, estando prevista uma pena pecuniária
mais grave do que para um murro ou uma simples bofetada. A atitude sugerida
neste caso inspira-se no modelo do Servo de Yahweh de Is 50,6: «Não ocultei o
rosto às injúrias e aos escarros».
O segundo
exemplo adquire a sua eficácia paradoxal sobre o fundo da norma bíblica a
propósito dos penhores: Se tomares como penhor o manto do teu próximo,
restitui-o ao pôr do sol, porque é a sua única coberta..» (Ex 22,25-26). No
caso de processo por hipoteca sobre as vestes do devedor, o princípio
evangélico contra a represália propõe uma conduta que vai além dos direitos
essenciais tutelados pela lei bíblica: «Deixa-lhe tembém o manto».
A terceira
forma de injustiça ou abuso de poder é o da requisição para uma corveia, isto
é, para um trabalho gratuito obrigatório, por parte da autoridade militar ou
dos funcionários públicos, que implique uma caminhada. É o caso do Cireneu,
obrigado a ajudar Jesus a levar a cruz (Mt 27,32). Jesus aconselha a duplicar o
tamanho do percurso, quase a dizer: Não és tu que me obrigas, sou eu que quero
ajudar por minha vontade».
A ideia
fundamental subjacente a este princípio não é apenas estabelecer princípio da
não-violência mas evitar o recurso à legítima defesa, à reivindicação cega dos
direitos pessoais, o que seria uma forma velada de uso da lei de talião.
Ainda num
contexto jurídico se coloca o último exemplo, o do empréstimo, para o qual a
lei bíblica recomenda a gratuidade sobretudo se é destinado a um indigente (Ex
21,24). Neste caso, trata-se da renúncia espontânea do direito próprio a favor
daquele que se encontra em estado de necessidade.
«Amarás o teu próximo
e odiarás o teu inimigo». Este princípio, que surge como lei, não está escrito
em parte alguma mas é a formulação duma prática antiga. O amor do próximo
estava bem estabelecido entre o povo hebreu pela lei de Lv 19,18 mas era
limitado apenas aos membros do povo, traduzindo-se numa hostilidade para com os
estrangeiros e os inimigos religiosos, como lemos expressamente no Salmo
139,21-22: «Não hei-de eu, Senhor, odiar os que te odeiam? Não hei-de aborrecer
os que se voltam contra ti? Odeio-os com toda a minha alma. Considero-os como
meus inimigos».
A esta
mentalidade contrapõe-se nitidamente o imperativo evangélico que estende o
princípio do amor aos inimigos. A motivação e a fonte deste modo de agir apenas
se pode encontrar no estilo do Pai Celeste que ama e beneficia, de modo
desinteressado, justos e injustos. O amor para com os inimigos sem
descriminações religiosas e morais é também a verificação e realização daquele
estatuto de filhos de Deus que foi prometido aos discípulos na proclamação das
bem aventuranças. Outra forma de agir torna dos discípulos de Jesus iguais a
todos os outros, inclusive àqueles que eles mesmos criticam pelo seu estilo de
vida.
Para o
judaísmo em geral, a perfeição estava na escrupulosa observância dum código de
leis. Os discípulos são chamados a ser perfeitos, imitando os traços
característicos do amor benigno e misericordioso de Deus. A perfeição está na
dedicação total a Deus, realizada por meio daquele amor activo e universal que
é revelado e tornado possível no encontro com Jesus, o Cristo.
P. Franclim
Pacheco