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Epístola (2Tm
3, 14-4,2)
(Padre
Ignácio, dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO:
Paulo roga a seu discípulo Timóteo a permanecer na tradição, pois é mestra da
Verdade, quando recebida das verdadeiras testemunhas da mesma; de modo especial
exige fidelidade às Escrituras que servem, como Verdade absoluta para múltiplas
aplicações na vida cristã com consequências éticas de valores imutáveis.
A TRADIÇÃO:
Porém tu permanece nas coisas que aprendeste e tendes sido assegurado, sabendo
de quem as aprendestes (14). Tu vero pérmane in iis quae didicísti et crédita
sunt tibi sciens a quo didíceris. PERMANECE em grego usa-se o verbo menö
[<3306>=permanere] permanecer, habitar, demorar, guardar, estar firme. É
neste sentido de não mudar de pensamento e intenções, que Paulo escreve a
Timóteo, para não se deixar enganar pelos falsos profetas, cujas doutrinas
rejeita desde o capítulo 2º desta carta. Como discípulo de Paulo, Timóteo deve
saber bem quem foi seu verdadeiro mestre: Paulo, que recebeu a doutrina
diretamente de Deus por inspiração do próprio Jesus (Gl 1,11-12); doutrina que
foi confirmada pelos apóstolos como conforme à tradição (Gl 2, 9). O versículo
é tão a favor da tradição que o comentário dos evangélicos tende a dizer que
aquela não está ao mesmo nível da Escritura. Porém no ano 67 parte das
Escrituras do NT ainda nem estava escrita e são as cartas de Paulo as que
entram nas Escrituras como base da Revelação. Parece melhor a interpretação
católica que diz ter a Escritura uma base que é a tradição. Estes versículos
apelam ao ensino para distinguir falsas de verdadeiras doutrinas e o ensino
depende do mestre não de um escrito, ou seja, entramos na transmissão ou
tradição do que foi dito e não na leitura do que foi escrito. É a tradição que
assegura [tendes sido assegurado]. Como foi Paulo assegurado pela tradição
apostólica, segundo o que ele conta em Gl 2, 2 quando expôs sua doutrina [seu
evangelho] aos que estavam em estima, para que de maneira alguma não corresse
ou não tivesse corrido em vão. Não é possível suster uma doutrina como a
evangélica da interpretação particular na escolha dos escritos e na leitura dos
mesmos, diante do que Paulo fez e nesta carta pede e exorta a Timóteo a
repetir. Sair da tradição é encontrar a falsidade do homem e não a verdade do
Cristo Jesus. Esta é a tradução RA do versículo, que confirma o que temos interpretado:
Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste, e de que foste inteirado, sabendo
de quem o tens aprendido. De donde deduzimos que há mestres e que essa sua
doutrina deve ser transmitida como verdade evangélica. O catecismo CIC diz nos
parágrafos seguintes: A Igreja, à qual está confiada a transmissão e a
interpretação da Revelação, não tira exclusivamente da Escritura a certeza de
todo o revelado. E assim, devem ser respeitados e recebidos [os ensinamentos]
com o mesmo espírito de devoção (81). Essa tradição provém dos apóstolos e
transmite o que estes receberam do ensino e do exemplo de Jesus e o que
aprenderam do Espírito santo. Com efeito, a primeira geração de cristãos não
tinha ainda um Novo Testamento escrito e o Novo Testamento mesmo testemunha o
processo da tradição viva (81).
FÉ E BÍBLIA: E
porque desde menino as Sagradas Escrituras conheceste, as que têm o poder de te
fazer sábio para (a) salvação através da fé, a em Cristo Jesus (15). Et quia ab
infántia sacras lítteras nosti, quae te possunt instrúere ad salútem, per fidem
quae est in Christo Iesu. DESDE MENINO [brefos<1025>=infantia] A palavra
grega indica um feto, um recém-nascido ou um infante, um bebê, brotinho, ou
seja, menor que dois anos de vida. Brefos foi a palavra que usou Isabel para
dizer que a criancinha [brefos] saltou no seu ventre (Lc 1, 41). Esse mesmo
nome recebe o nascido em Belém que achareis –diz o anjo-envolto em panos e
deitado numa manjedoura (Lc 2, 12). Eram os meninos que traziam a Jesus para
que lhes tocasse e que os impediam os discípulos (Lc 18, 15). Consequentemente
devemos traduzir desde a mais tenra infância [logicamente por meio da sua mãe,
única na família que era judia (At 16, 1)] conheceu as Sagradas Escrituras.
SAGRADAS
ESCRITURAS [iera<2413> grammata <1121>=sacras litteras] O PODER
[dynamena<1410>quae possunt] do verbo dynamai, ser capaz de, poder
realizar, ter o poder de. Em hebraico Escrituras eram TaNaK, acróstico de Torah
[Lei], Neviim [profetas] e Ketubim[escritos]. No início do século II constituía
um conjunto de 24 livros que os cristãos chamavam de Antigo Testamento. O texto
hebraico, ampliado com a tradução e os comentários em aramaico [os Targumim]
era a leitura corrente nas sinagogas da atual Palestina; Mas na Diáspora, o
texto era o da tradução feita ao grego dois séculos antes da nossa Era, na
cidade de Alexandria. Os evangelhos, as cartas paulinas e os escritos
primitivos os cristãos usam, como texto inspirado, essa tradução grega que é
chamada de Septuaginta ou dos Setenta. E há textos unicamente escritos em
grego, como o livro da Sabedoria e os livros dos Macabeus. Na Bíblia grega,
temos unicamente dois volumes no lugar dos três da hebraica [TaNaK], que são
Lei e Profetas [‘o nomos kai ‘oi profëtai] (Mt 7, 12). Tendo algumas variantes
e novos livros, o texto grego é considerado como texto autêntico e,
logicamente, o texto inspirado, segundo o canon da Igreja Católica. O texto da
Setenta é, pois, a palavra de Deus, máxime que o texto receptus hebraico, o
canon judeu, foi manipulado, rejeitando tudo o que fosse influxo grego, ou
favorável à causa dos cristãos. Para se ter um exemplo, o livro do
Eclesiástico, muito usado pelos cristãos, foi rejeitado como parte do Canon
hebraico, que por outra parte é posterior ao uso da Escritura pela Igreja primitiva
cristã. Pelo que respeita a Timóteo, grego de pai, embora sua mãe fosse judia,
ele não teve outra Escritura que a grega dos Setenta, a única leitura feita na
sinagoga de Listra, de onde ele era originário. Com esta recomendação, Paulo
não unicamente recomenda a Escritura a Timóteo como as declara Sagradas
[‘iera<2413>=sacra] ou Consagradas, que pertencem a Deus. E o que na
continuação explicita é que têm como base que elas fornecem a autoridade da
Verdade absoluta que unicamente a palavra de Deus pode emprestar. Esta
qualidade é a da SABEDORIA, que, segundo o texto, é a de se tornar sábio
[sofisai <4679>=instruere] com respeito à SALVAÇÃO
[söteria<4991>=salus] POR MEIO DA FÉ em Jesus Cristo. Que quer dizer
Paulo? Sem dúvida que nas Escrituras do AT encontramos suficientes razões para
ver em Jesus, o Cristo, o Messias da fé. (At 2, 36).
De fato, os
evangelistas, especialmente Mateus, frequentemente citam o AT para ver em Jesus
cumpridas as palavras dos profetas (332 profecias). De modo que o AT foi inspirado
para levar os homens para a fé em Jesus. É Jesus o centro da atuação divina no
Universo: É o Jesus Cristo o mesmo ontem, e hoje e eternamente (Hb 13,8) de
modo que lhe deu um nome sobre todo nome (Fp 2, 9) para ter a supremacia sobre
todo principado e potestade e e potência e senhorio e todo nome que seja
nomeado não só neste século mas também no vindouro (Ef 2, 48).
INSPIRADA POR
DEUS: Toda Escritura (é) inspirada por Deus, e útil para ensino, para
demonstração, para correção, para instrução em justiça(16). Omnis Scriptúra
divínitus inspiráta útilis est ad docéndum, ad arguéndum, ad corripiéndum, ad
erudiéndum in iustítia. INSPIRADA POR DEUS [theopneustos <2315>=divinitus
inspirata] o é não forma parte do texto mas é implicitamente deduzido na frase
para ele ter uma compreensão lógica. Podemos também traduzir por toda Escritura
inspirada por Deus também é útil, etc. De todas as formas, Paulo admite que as
palavras escritas e admitidas como canon pelos doutores, são palavras que têm
origem na inspiração divina. É o Rema de Jahveh, ou devar Jahveh. Literalmente,
Theopneutos significa respirada por Deus e indica a procedência e as qualidades
de Verdade e Confiabilidade nela intrínsecas e adjacentes. Mas quais são as
matérias em que a Bíblia deve ser tomada literalmente e não analógica ou
circunstancialmente? Porque em matéria de ciência e história sabemos que
refletem ideias e opiniões próprias da época e que delas se servem como
exemplos ou midrashes para uma conclusão ética e moral? Sabemos que assim como
usam uma língua hoje praticamente morta, têm um conceito do mundo que hoje a
ciência superou como infantil e errôneo. Em 2005 os bispos da Inglaterra
claramente interpretaram a norma de que em matéria de História e de ciência não
podemos usá-la como documento infalível. A Bíblia reflete opiniões populares e
contém o que eles chamam de traços históricos. Falando da História, temos os
seguintes gêneros literários: a parábola sem verdade histórica; o epos
histórico [história épica ou poética de uma epopeia] com só um núcleo
verdadeiro; a história religiosa, própria para promover a edificação; a
história antiga, segundo a opinião do povo e de uma fonte não segura como é a
tradição popular, em que o mito e a lenda entram; e finalmente a narração
livre, em que o autor escolhe um fato como edificante. A opinião evangélica é
que quando a Bíblia fala como História, os fatos são historicamente
verdadeiros; e quando fala em profecia, é profeticamente verdadeira, embora não
se entenda qual é a verdade em profecia, pois teríamos no Apocalipse animais
monstruosos evidentemente imaginários e não reais. É em matéria de fé e
costumes que devemos encontrar a verdade divina revelada. O CIC assinala três
critérios de interpretação das Escrituras: 1) Prestar uma grande atenção ao
conteúdo e à unidade de toda a Escritura. 2) ler a Escritura na Tradição de
toda a Igreja. 3) Estar atentos à analogia da fé (112-114). Não podemos
esquecer que o centro da revelação é Cristo e que Ele unifica o AT e o NT. Esta
é a revelação fundamental. Como exemplo temos 332 profecias com respeito ao
Messias, que se cumprem perfeitamente em Jesus (nascimento em Belém, fuga ao
Egito, curas, morte na cruz, etc). A combinação dessas circunstâncias num só
homem é absolutamente impressionante. É uma entre 10 elevado a 157
probabilidades. Pedro teve, junto com os dois filhos do Zebedeu, uma revelação
do messiado de Jesus e não obstante ele afirma: Temos a palavra profética que
nos torna mais seguros a qual fareis bem em seguir como a uma luz que alumia em
lugar escuro (2Pd 1,19). ÚTIL [öfelimos<5624>=utilis] Os evangélicos
traduzem öfelimos por eficaz. Porém o grego tem o significado de vantajoso,
útil mais do que eficaz como querem traduzir os evangélicos (vide RA). A
Vulgata realmente traduz de forma correta o termo, útil que também é o termo
preferido pelas diversas versões católicas e que encontramos também na TEB. O
inglês profitable é um termo duvidoso entre útil e eficaz. Tenhamos em conta
que a Escritura é para um evangélico a única fonte de revelação. Para um
católico ela é imprescindível, mas a sua interpretação depende da Tradição. Ou
seja, esta é a base de quais os livros e como ler os mesmos, para não confundir
Verdade com opinião pessoal. Daí que Igreja católica só existe uma e igrejas
cristãs ou evangélicas tantas como diversas opiniões suscitaram a leitura da
palavra. ENSINO [didaskalia <1319>=ad docendum] ensino, doutrina,
instrução, palavra usada por Mateus em 15, 9: este povo em vão me adora
ensinando doutrinas que são preceitos dos homens. Pelo que Paulo também diz que
as proibições não toques, não proves, não manuseies, de coisas que perecem pelo
uso, são preceitos e doutrinas dos homens (Cl 2, 21-22). De onde deduzimos que
o ensino é particularmente aquele que distingue entre o humano e o divino.
DEMONSTRAÇÃO
[elegchos <1650>=arguendum] prova, evidência, argumento, refutação.
Segundo o que lemos em Hb 11, 1 que a fé é a prova das coisas que se não veem,
a Escritura serve para provar as afirmações da fé evangélica. CORREÇÃO
[epanörthosis<1882>=ad corripiendum] o grego significa restauração do
estado perdido, correção, e é apax no NT, ou seja, para retificar, caso o
caminho não seja o verdadeiro.
INSTRUÇÃO
[paideia<3809>=ad erudiendum], em crianças, é o método de educar tanto o
corpo como o espírito e em adultos, o cultivo do espírito, especialmente pelo
domínio das paixões e que podemos definir como educação. E tudo, tendo como
base fundamental, a JUSTIÇA [dikaiosynë<1343>=iustitia],ou seja, a
retidão e honradez de costumes e que chamamos de moral cristã. Além da fé, ou
verdades reveladas, ocultas à razão humana, a Igreja sempre falou da ética ou
costumes necessários para os que professam a fé num Deus Pai, que transforma os
homens em irmãos. É, pois, nesse sentido que devemos usar a palavra das
Escrituras como última e definitiva. O Concílio Vaticano I definiu solenemente
que a inspiração da Escritura e implicitamente a inerrância e infalibilidade,
se estende às matérias de fé e de costumes e às partes, ao menos, de maior
importância.
A PERFEIÇÃO
HUMANA: Para que seja perfeito o homem de (o) Deus, para toda obra boa
exercitado (17). Ut perféctus sit homo Dei ad omne opus bonum instrúctus.
PERFEITO [artios<739>=perfectus] adaptado, ajustado, instalado, completo,
perfeito. Talvez seja melhor falar de adaptado para toda obra boa. EXERCITADO
[exërtismenos<1822>=instructus] particípio perfeito do verbo exartizö,
cujo significado é completar, acabar, finalizar, cumprir, realizar. Uma outra
vez aparece este vocábulo em At 21, 5 que fala de havendo completado ali
aqueles dias,seguimos nosso caminho. É o homem perfeito de quem Paulo fala em
Cl 1, 28 ensinando a todo homem em toda a sabedoria para que apresentemos todo
homem perfeito, em Jesus Cristo.
PAULO
TESTEMUNHA: Testemunho diante de (o) Deus e de Cristo Jesus o qual virá a
julgar vivos e mortos e a sua epifania e o seu reino (1). Testíficor coram Deo
et Iesu Christo, qui iudicatúrus est vivos et mórtuos, per advéntum ipsíus et
regnum eius. TESTEMUNHO [diamartysomai<1263>=testificor] era a palavra usada
para atestar uma verdade no tribunal da justiça. É uma afirmação diante das
duas pessoas que eram a representação da Verdade suprema: Deus, nos céus e
Cristo, na terra. JULGAR [krineiv<2919>iudicaturus] o verbo está
precedido de mellontos <3195> particípio de presente do verbo mellö com o
significado de estar a ponto de, por causa de intenção, dever, necessidade,
probabilidade, e que pode ser traduzido por um futuro próximo também como a
Vulgata traduz: iudicaturus. VIVOS [zöntas<2198>=vivos] é particípio de
presente do verbo Zaö que significa viver, ou melhor, respirar, ter alento,
estar em vigor. Ao acrescentar MORTOS [vekrous<3498>=mortuos] Paulo
reafirma sua declaração na carta aos tessalonicenses 1, 4, 16-17: Dizemos,
pois, isto pela palavra do Senhor que nós, os que ficarmos vivos para a vinda
do Senhor não precederemos os que dormem…. Os que morreram em Cristo
ressuscitarão primeiro, depois nós, os que ficamos vivos, seremos arrebatados,
juntamente com eles nas nuvens, ao encontrar o Senhor nos ares, e assim
estaremos sempre com o Senhor. Escrita a carta 30 anos após o início de sua
primeira missão, Paulo ainda acreditava na iminente vinda de Cristo. É uma
afirmação indireta e implícita que apela à palavra do Senhor Jesus (1 Ts 4, 15)
como juiz final e universal. Os autores modernos falam de uma revelação
especial dentre as muitas que Paulo teve (Gl 1, 12 ou 1Cor 15, 51). Da
diferença entre os vivos, no meio dos quais Paulo acredita encontrar-se nesse
dia, e os mortos é a ressurreição destes últimos e êxtases dos primeiros,
arrebatados ao encontro com Cristo. Como no sermão escatológico, estas palavras
devem ser tomadas da forma apocalíptica em que é difícil distinguir os símbolos
da realidade concreta.
EPIFANIA
[epifaneia<2015>=adventum]. Os símbolos do arcanjo, da trombeta, que
Paulo usa como epifania na parousia, são comuns a todas as teofanias bíblicas,
como Êx 19, 16, ou Mt 24, 31; e Paulo os emprega também em 1Cor 15, 24 para
aparecer finalmente em Ap 5, 2 e 19, 17, sem que sejam realidades objetivas;
mas uma demonstração de que o poder divino estará presente e será óbvia essa
sua presença pelos fatos visíveis a todos os presentes, como uma possante e
inusitada e em certo sentido, misteriosa intervenção de Deus, expressada com
três fórmulas apocalípticas que em todas as descrições ressaltam: a voz divina,
a voz do arcanjo e o som do shofar para a reunião da multidão. Ao incluir-se
Paulo entre os vivos no momento dessa intervenção, não implica um fato
cronológicamente seguro, pois ele afirma que ninguém sabe o tempo nem a hora
(Mt 24, 36), mas se coloca na categoria dos vivos, assim como em 1Cor 6, 14 se
coloca na categoria dos mortos. No discurso escatológico de Mateus (cap
24,3-31) dentro dos sinais da destruição de Jerusalém e do final dos tempos,
vemos como Jesus usa um estilo e umas imagens tomadas do AT com afirmações
universais que admitem uma explicação mais restrita e moderada, especialmente
pelo que se refere a sinais astronômicos e catástrofes terrestres. Por outra
parte, é geralmente admitido que todo o episódio e a profecia tiveram lugar na
destruição de Jerusalém, e unicamente Mateus liga a mesma com o fim do mundo
[melhor de uma era] (vede comentário de Manuel de Tuya O.P.). Finalmente, dirá
nosso comentador, a parousia do Filho do Homem não exige uma presença física e
sensível de Jesus Cristo…mas uma presença moral do mesmo no castigo de
Jerusalém donde se verá seu poder;pois o anúncio feito se cumpriu. Os judeus, e
Paulo era um deles, viram na destruição de Jerusalém o final de um mundo que
confundiram logicamente com o final dos tempos, quando só era o final de um
tempo. Nisto, como em todas as dificuldades da Escritura, devemos ter como guia
o catecismo CIC. À pergunta de quando ressuscitarão os mortos, o catecismo diz
no último dia, no fim dos tempos e que essa ressurreição está intimamente unida
à parusia de Cristo. A ressurreição de todos os mortos “dos justos e pecadores”
(At 24, 15) precederá ao Juízo final. Cristo virá em sua glória, acompanhado de
todos os seus anjos. Como sempre, em toda profecia de futuros eventos os fatos
são conhecidos e o profeta vê os mesmos como presentes e não distingue o tempo,
que para ele é sempre próximo e atual.
DIFUNDE A
PALAVRA: Anuncia a palavra, sede firme, oportuna e inoportunamente, corrige,
censura, exorta em toda perseverança e doutrina (2). Praédica verbum, insta
opportúne, importúne, árgue, óbsecra, íncrepa in omni patiéntia et doctrína. O
versículo anterior é como a razão de porquê a insistência paulina a Timóteo de
que deve ser diligente no anúncio do Evangelho que ele qualifica como um dever
de anunciar, refutar e exortar e que vamos na continuação a explicar.
ANUNCIA
[këryxon<2784>=praedica] overbo kërissö tem o significado de anunciar
como o faz um arauto ou mensageiro no sentido de proclamar ou publicar muito
mais do que a tradução vernácula de pregar, que hoje tem o sentido restritivo
do predicarespanhol.
SEDE FIRME
[epistëthi<2186>=insta] o verbo efistëmi significa colocar sobre, estar
presente, aparecer na frente de alguém. Do sentido de estar presente, obtemos o
sentido de estar firme, presente com a palavra, sem que essa firmeza seja
abalada por causas externas.
CORRIGE
[elegxon<1651>=argue] como verbo, o vemos tendo um maravilhoso
significado de honrar, premiar ou também reprovar e desaprovar, como é o caso
de censurar que vemos em Mt 16, 22 quando Pedro se opôs a Jesus e reprovou a
predição de sua paixão.
REPREENDE
[epitimëson<2008>=obsecra] de epitimaö, com duplo significado: honrar ou
repreender. Aqui, seguindo o contexto em que todos os términos são negativos,
escolheremos o significado de repreender.
CENSURA:
[EXORTA [parakaleson<3870>=increpa] intimar, exigir, admoestar,
encorajar, convencer, aconselhar, exortar; como nos conceitos anteriores temos
a base negativa de reprimir, agora optamos pela palavra positiva em sua acepção
de exortar, pois as duas palavras que indicam o objeto da atividade são do
gênero positivo, como PERSEVERANÇA [makrothymia<3225>=patientia] que é a
virtude de suportar adversidades e DOUTRINA [didachë < 1322> = doctrina]
doutrina, ou o que é ensinado. Evidentemente, esta doutrina é o Evangelho na
sua acepção paulina, ou seja, pregado aos gentios.
Evangelho (Lc
18, 1-8)
(Pe Ignácio,
dos padres escolápios)
INTRODUÇÃO: O
trecho de hoje é ocupado por uma parábola que o próprio Jesus explica, tendo um
final um tanto fora do contexto, ao que parece. No tempo em que foi escrito o
3º evangelho, sem dúvida antes do ano 70, os cristãos estavam padecendo
perseguição. Primeiramente pelos judeus, a começar pela perseguição do ano 34
[quatro anos após a condena de Jesus no ano 30] com a morte de Estêvão. Logo em
44, no reinado de Herodes Antipas, este manda decapitar Tiago e mete Pedro no
cárcere. Paulo foi preso em Jerusalém no ano 58 para ser enviado a Roma no ano
60 onde foi declarado inculpado, após uma prisão domiciliar. Mas a perseguição
romana começou com a expulsão dos judeus [entre os quais se encontravam
cristãos, sem dúvida] feita sob as ordens de Cláudio (45 dC). Será no tempo de
Nero que os cristãos, acusados injustamente de incendiar a urbe, encontrarão
como inimiga a justiça romana. Calculam-se mil mártires nesta primeira
perseguição. Estas primeiras perseguições eram circunstanciais e não atingiram
todo o Império. Após a morte de Nero houve um período de paz de 25anos até o
império de Domiciano (81-96). Esta segunda perseguição parece ter sido
generalizada. Domiciano mandou matar a todos os descendentes da casa de Davi,
parentes do Senhor, como afirma Hegésipo. Durante as perseguições, o clamor dos
fiéis pode ser visto pelas palavras do Apocalipse (6, 9): Até quando, -clamarão
os imolados por causa da palavra de Deus- ó Senhor, santo e verdadeiro,
tardarás a fazer justiça, vingando nosso sangue contra os habitantes da terra?
O último versículo, quando vier o filho do homem achará por ventura, fé na
terra? Indica que o texto foi escrito antes do ano setenta, tempo da segunda
vinda de Jesus. Mas, voltando à parábola, o começo da mesma assinala a moral da
mesma, contrariamente ao que é costumeiro nas outras parábolas de Jesus. A
lição é clara: se um juiz irresponsável, que não se importa com a justiça que
ele deve respeitar, acaba por fazer justiça porque a viúva era persistente,
quanto mais um Deus, justo e santo, atenderá os rogos constantes de seus
filhos! A oração, quando autêntica, brota de uma fé viva, a expressa e a
alimenta. E a palavra de Jesus alimenta essa confiança na proteção de Deus, que
não despreza, melhor, admite, considera e atende nossas preces: Pedi, e vos
será dado (Mt 7,7). Sendo a oração tema especial de Lucas, vemos no final um
ex-abrupto, que nos introduz através da fé, na vinda segunda de Cristo. O
versículo 8 conecta bem com 17, 37, fim do discurso sobre o dia do Filho do
Homem. Possivelmente podemos unir ambos os trechos, e considerar que os
clamores dos cristãos perseguidos serão ouvidos plenamente por quem não é um
juiz prevaricador, mas um Pai que protege seus filhos.
A PARÁBOLA:
Dizia-lhes, pois, também uma parábola por ser necessário sempre orar e não
esmorecer(1). Dicebat autem et parabolam ad illos quoniam oportet semper orare
et non deficere. Como foi dito no parágrafo anterior, a oração é para obter do
Pai a proteção e a justiça contra os inimigos do cristianismo que atuavam
contra a propagação e o livre exercício do mesmo, como vemos, se iniciou nos
tempos de S. Estêvão (ano 34) e que foi uma constante na pregação do apóstolo
Paulo (do ano 46 em diante). Aos cristãos ou discípulos do Caminho, nome
primitivo da Cristandade, não restava outra alternativa a não ser a oração. E
esta parecia demorar em obter seus frutos. Daí a conveniência da parábola que
chamamos do juiz iníquo, mas que propriamente deveria ter o título da viúva
perseverante. Porque foram essas orações para que chegasse a hora da ira e o
momento de dar a recompensa a teus servos e profetas aos santos que veneram teu
nome, pequenos e grandes, e de exterminar os que destruíam a terra (Ap 11, 8).
O JUIZ:
Dizendo: Havia certo juiz numa cidade, não temente a Deus, nem respeitoso de
homem algum (2). Dicens iudex quidam erat in quadam civitate qui Deum non
timebat et hominem non verebatur. A palavra juiz é Shefat <08199>em
hebraico e em grego Kritës<2939>. Temos também a palavra grega dikaste
[daí dicastério] um termo que indica um magistrado, um oficial de justiça,
termo mais elaborado do que krites. Os rabinos louvavam junto a coroa da
realeza e a coroa do sacerdócio, a coroa da Lei que pode alcançar todo
israelita e confere sua força às outras duas coroas. Eram os rabinos que
determinavam a Lei e seus doutores – os escribas- tinham a capacidade de atar e
desatar, dando uma coisa por proibida e outra por permitida (Ver Mt 16, 19). Os
antigos israelitas, no Egito, tinham suas lideranças de tribo, os chamados
Anciãos, os que Moisés reuniu em nome de Javé (Êx 3, 16). No deserto, existiam
os príncipes das tribos (Nm 7,2) e na Palestina os famosos Juízes, que em nome
de Javé protegeram os israelitas até o profeta Samuel, como enviados pelo
Senhor (At 13, 20). No livro de Daniel temos dois anciãos que eram juízes a quem
a assembleia creu por serem anciãos do povo e juízes (13, 42). Nos tempos de
Jesus, existiam tribunais superiores ou sinédrios em cinco circunscrições da
Palestina. Entre eles o principal era o grande Sinédrio ou Sanedrim
[=assembleia] de Jerusalém constituído por 70 ou 72 membros dos quais alguns
eram permanentes por cargo executivo, os chamados grandes sacerdotes ou chefes
dos sacerdotes. O archiereus grego significa príncipe ou chefe de sacerdotes.
Além do Sumo sacerdote em ofício, neste grupo se incluíam os que já foram tais
e os chefes do templo, como eram o chefe da guarda, tesoureiros etc. Parece-me
que o archiereus está mal traduzido por Sumo Sacerdote, como vemos nas leituras
bíblicas da missa. Nos textos se fala que Jesus será julgado pelos chefes
sacerdotais [sic na bíblia de Jerusalém], os anciãos e os escribas (Lc 9, 22).
Porém parece que em cada cidade existiam os Dayan <01761>, termo que
indica um assessor de um tribunal rabínico ou pessoa encarregada de pronunciar
a sentença num julgamento. Enquanto o rabino geralmente decide sobre questões
de natureza religiosa, o dayan julga assuntos econômicos e resolve problemas de
Direito Civil. Só que em muitos povoados e aldeias ambos os ofícios recaiam
sobre a mesma pessoa, especialmente porque a lei civil não se distinguia, na
época, da lei religiosa ou Torah, minuciosamente explicada pelas normas da
tradição ou Mishná. Seria, pois um destes dayan que impedia que a justiça fosse
aplicada no caso da viúva. Mas era um homem que não temia a Deus e não respeitava
homem algum. Flávio Josefo ao falar do rei Joaquim, dirá que não respeitava a
Deus nem era atento com seus semelhantes. O nosso dayan era, pois, um juiz
corrupto de quem não se podia esperar maior justiça da que proporciona a
corrupção.
A VIÚVA : Havia,
porém, uma viúva naquela cidade e vinha a ele dizendo: Vinga-me de meu rival
(3). Vidua autem quaedam erat in civitate illa etveniebat ad eum dicens vindica
me de adversario meo. A palavra almanah<0490> em hebraico tinha o mesmo
significado que o grego chera <5503>, era logicamente a mulher que tinha
perdido por morte o marido. Sai o nome pela primeira vez em Gn 38, 11 quando
Tamar recebe o encargo de voltar à casa de seu pai, o dono após a morte do
primeiro dono, que era seu marido. Como Javé não faz acepção de pessoas e não
aceita suborno, ele é o que faz justiça ao órfão e à viúva e ama o estrangeiro,
dando-lhe pão e roupa (Dt 10, 18). Por isso ouve seu clamor mandando que não
sejam afligidos, pois caso sejam afligidos, ele escutará seu clamor (Ex 22,21).
Ele sustenta o órfão e a viúva e protege o estrangeiro (Sl 146, 9). Pai dos
órfãos e justiceiro das viúvas (Sl 68, 6). Deixa os teus órfãos eu os farei
viver e que as viúvas confiem em mim (Jr 49, 11). Por isso, no final do AT Javé
expressa a sua preocupação para com as viúvas. Eu serei uma testemunha rápida
contra os que oprimem o assalariado, a viúva, o órfão e que violam o direito do
estrangeiro (Ml 3, 5). Uma viúva tinha certos direitos restringidos, como não
poder casar com um sacerdote (Lv 21,14) para não profanar a descendência deste
último. A razão da proteção especial divina era porque as viúvas, geralmente
idosas, tinham poucos recursos, sendo fáceis presas de pessoas inescrupulosas.
A maneira de tratar as viúvas era um indicador da moralidade da época. Por
isso, Jó foi acusado por Elifaz de maltratar as viúvas, pois seus problemas só
podiam provir de uma conduta pecaminosa (Jó 22,9). A opressão das viúvas
tornou-se um exemplo comum de maldade entre os homens (Sl 94, 6). Por isso,
viúva era o símbolo de uma cidade abandonada e destruída pela guerra, como
resultado de um juízo divino contrário (Is 47, 8). Assim Jesus optou como
exemplo de desamparo e injustiça uma viúva, a quem os juízes da época, como
eram os legistas fariseus, tiravam os poucos bens (Mt 23, 14). Jesus, de modo
especial, já que sua mãe era viúva, tinha um carinho especial para com elas.
Uma viúva foi seu modelo de desprendimento (Mc 12, 42) e outra de compaixão, e,
sem ser rogado, ressuscitou o filho, para que a viúva de Naim tivesse alguém
que a sustentasse, (Lc 7, 12). Ficamos, pois com a ideia de que uma viúva era
facilmente maltratada pela justiça humana. Se a isso acrescentamos que o juiz
era sem escrúpulos, corrupto ou imoral, o pano está perfeito para a comparação.
Uma mulher, no AT, não tinha direitos legais. Seus direitos estavam na mão do
pai, ou do esposo, se casada. As viúvas careciam de proteção e de direitos. Daí
que os profetas invocassem o Senhor, como protetor das mesmas. Visitar os
órfãos e viúvas em suas necessidades é parte da verdadeira religião (Tg 1, 27).
VINGA-ME: É assim como devemos traduzir o grego ekdikeo. A justiça particular é
chamada vingança e a pública defesa. No tempo de Jesus, a vingança, o olho por
olho, era a razão da condena. A viúva pedia sem dúvida uma condena que
poderíamos chamar de vingança ou desforra. Geralmente pensamos em termos
monetários ou de bens, como sendo a justiça que a viúva pedia. Pessoalmente
creio que era mais questão de justiça penal. Por isso o juiz não estava
interessado, pois o dinheiro move os corações infelizmente e a compaixão não
entra nos tribunais. O adversário, antidikos grego, nada diz à respeito do
caso. Unicamente sabemos que era oponente dela.
O VEREDITO: E
não quis por um tempo; porém, entre estas coisas, disse para si mesmo: Se, pois
a Deus não temo e ao homem não respeito (4), porém, porque esta viúva me causa
desgosto, a vingarei para que, por fim, chegando não me afronte(5). Et nolebat
per multum tempus post haec autem dixit intra se et si Deum non timeo nec
hominem revereor tamen quia molesta est mihi haec vidua vindicabo illam ne in
novissimo veniens suggillet me. Durante muito tempo não quis fazer justiça, mas
depois pensou e disse para si : Não temo a Deus nem respeito a opinião dos
homens, mas esta viúva está me trazendo problemas insuportáveis; que não me
aconteça seja esbofeteado no final. A vulgata traduz ypönpiazö<5299>
bastante literalmente por suggillo que significa encher de golpes, como um
boxeador que recebe uma verdadeira saraivada de pancadas. Metaforicamente
significa encher a cara. Em linguagem vulgar, diríamos para que não me encha.
Por fim é o eis telos, o in novíssimo [no último] latino que podemos traduzir
por finalmente. Ou seja, o juiz a atende por sua importunidade que não o deixa
em paz.
CONCLUSÃO:
Disse pois o Senhor: Escutai o que o juiz da maldade diz (6). (o) Deus pois,
não fará a vingança dos seus escolhidos os que clamam a Ele dia e noite e que
têm sofrido pacientemente (os acontecimentos) sobre eles(7)? Ait autem Dominus
audite quid iudex iniquitatis dicit Deus autem non faciet vindictam electorum
suorum clamantium ad se die ac nocte et patientiam habebit in illis. A
observação do Senhor é para esta última reflexão do juiz irresponsável, a quem
chama de juiz da iniquidade. Esta é uma das poucas vezes em que Jesus de Nazaré
recebe o nome de Senhor, título que ele adquiriu após a ressurreição. A
tradução de Javé em grego pelos setenta é Kyrios nome dado a Jesus, o Cristo,
reconhecendo sem a menor dúvida uma indiscutível condição divina. No mesmo
sentido que o Deus do AT, Jesus é Senhor dos senhores, Senhor dos vivos e
mortos, Senhor da glória, Senhor do universo. E dirige sua atenção com um
argumento a fortiori ou a minori ad maius: Compara o juiz que deve fazer
justiça a uma viúva, com Deus que deve fazer justiça a seus escolhidos. Se ela
recorria frequentemente ao juiz, estes últimos clamavam dia e noite, ou seja,
sem interrupção, pelos acontecimentos que estavam sofrendo. Na realidade, o
grego tem uma sintaxe rara, difícil de interpretar. Terá, pois, Deus que
esperar muito para que essa justiça seja feita? A conclusão era que essa
justiça será feita em breve. Como indicávamos no início do comentário, a
perseguição, especialmente a originada pelos dirigentes judeus, era motivo de
aflição na primitiva Igreja e, daí o clamor para que a justiça divina
interviesse em seu favor. Isso é uma amostra da antiguidade do evangelho de
Lucas. Esperava-se a segunda vinda de Cristo como juiz para resolver a questão.
A ÚLTIMA
REFLEXÃO: Digo-vos que fará a vossa vingança em breve. Aliás, chegando o Filho
do Homem, acaso encontrará a fé sobre a terra?(8). Dico vobis quia cito faciet
vindictam illorum verumtamen Filius hominis veniens putas inveniet fidem in
terra. Mas quando vier o Filho do Homem, ainda encontrará fé na terra? A
expressão Filho do Homem designa em princípio um membro da comunidade humana,
especialmente enquanto ser mortal e fraco. Mas no livro de Daniel se transforma
numa figura simbólica que representa o povo dos santos de Deus (cap 7) em sua
glória final. Concentrada em seu chefe, a expressão Filho do Homem adquire um
valor estritamente individual, glorioso e transcendente. Nos evangelhos aparece
setenta vezes, sempre na boca de Jesus, pois sintetiza em sua pessoa, tanto a
humanidade pela sua paixão, como a divindade, esta última pela ressurreição e
seu poder de triunfo total, julgando seus inimigos. Algumas vezes está no lugar
do eu, como substituto em português da expressão a gente. Sem dúvida que aqui o
significado é o do Messias triunfante para o último julgamento, talvez em
termos locais, restringido a uma determinada etnia, num lugar e de um povo
especial: o povo hebreu. A palavra terra que aqui aparece está no lugar de
terra prometida, terra [eretz em hebraico e gës em grego] que Javé entregou a
seu povo escolhido como promessa dada aos patriarcas (Gn 12, 7). A Palestina
era “a Terra” para um judeu, que se considerava expatriado fora dela, como o é,
atualmente. A terra era a Eretz que constituía o templo em que Javé morava com seu
povo, templo não construído por mãos humanas, mas escolhido por Deus para que
seu povo o habitasse em paz, na prosperidade. Junto com o sábado e a Torá, era
o tripé sobre o qual se assentava a ordem social do povo escolhido. É, pois,
nesta terra especial que Jesus afirma ser duvidosa a fé dos moradores. Como
reconhecem os autores modernos, toda esta perícope está relacionada com a
parusia; uma parusia que não pode tardar porque os eleitos, os filhos do Reino,
estão pedindo justiça diante da repressão da parte de seus inimigos. Esta
parusia deu-se no ano 70 com a destruição do templo e a dispersão do povo de
Israel. A fé [pistis grega] tem além do significado de convicção profunda de
que Jesus tem o poder e a vontade de salvar, no sentido mais amplo possível, um
outro matiz: a da entrega incondicional do discípulo à pessoa de Jesus. Esta fé
constitui a base do discipulado. Portanto, a pergunta de Jesus pode ser
traduzida nestes termos: Será que eu ao vir para julgar a terra, dada por Deus
ao povo escolhido, encontrarei discípulos meus habitando nela? A resposta
histórica, centrada no ano 70, é não; pois os cristãos tinham fugido e
refugiaram-se na Transjordânia.
PISTAS: 1) A
interpretação da parábola pode ser localista: uma viúva, uma causa particular
de indivíduos que buscam uma solução para seus problemas íntimos. Como se cada
cristão escutasse a parábola como dita para sua própria edificação. A intenção
da parábola é toda tomada do primeiro versículo: A necessidade de orar sempre.
Tudo mais parece simples ornamentação ou explicação. Porém, não é esta a
interpretação mais admitida hoje.
2) A pergunta
que podemos fazer é por que Jesus toma como exemplo uma viúva, a mais indigente
dentro do poder do mundo antigo. É pura casualidade ou a escolha tanto da viúva
como do juiz iníquo são escolhas voluntariamente arranjadas para transformar
uma parábola em alegoria? Acreditamos que sim. A viúva representa a primitiva
comunidade cristã, indefesa e frágil, diante dos dois poderes que a perseguiam:
o judeu e o romano. Como temos narrado antes, o primeiro foi o iniciador da
perseguição. Imediatamente após a morte de Jesus, os discípulos foram
perseguidos. Quatro anos após a paixão, foi morto Estêvão. Saulo, o futuro
Paulo, perseguia os cristãos já nos anos seguintes. Estamos, pois, num clima em
que os gritos dos perseguidos clamavam justiça exatamente como descreverá o
Apocalipse durante a perseguição de Domiciano. (vide supra e Ap 6,9). A
resposta a este clamor intenso e perturbador é a da parábola: Deus demorará em fazer
justiça, fazendo ouvidos surdos ao clamor de seus eleitos?
3) Existem
porém algumas perguntas: por que Deus permite essa injustiça e essas
perseguições? Quando o bem derrotará definitivamente o mal? É uma luta demorada
e contínua? As respostas podem ser as que Jó encontrou dentro de sua inocência
e ignorância: *Só Deus pode dar a resposta. *Porém existem sempre algumas
pistas que podemos contemplar. Quando não existe contradição, o espírito humano
se relaxa na vida cômoda e perde a pureza das intenções. A perseguição é uma
purificação, uma volta ao primitivo espírito evangélico. Por isso é necessária
para manter viva a fé, purificar o amor e suscitar, sobretudo a esperança. O
mal já foi derrotado na cruz. Ele está vivendo a sua última agonia. Ele não subsistirá
como força atuante na outra vida para os que escolheram o bem, mas será a seiva
vital para os que o abraçarem como intenção de seu agir. Porém o abismo que
separará os bons dos maus impedirá que o mal atue sobre os que gozam da visão
divina. Já a luta na terra será contínua até o dia do Senhor, dia do triunfo,
da vitória final do bem com a condenação eterna do mal.