4° Domingo do Tempo Comum, Ano A 5
Roteiro Homilético 5: Franciscanos.org
Bem-aventurados
os pobres
Os caminhos de
Deus são diferentes dos nossos. Nós sempre achamos que o grande e forte há de
vencer. Deus não. Ele prefere trabalhar com um povo pequeno e humilhado. Pois
os poderosos são autossuficientes e não querem entender o que Deus deseja. Deus
os atrapalha. Com o pobre resto de Israel, depois das deportações, ele consegue
mais do que com o povo próspero que pactuava com os egípcios e os assírios, até
eles o engolirem. Pois a atuação de Deus situa-se num outro nível: concerne à
retidão do coração, e aí, o poder não tem força. Por isso, os pobres de Deus
serão felizes. Esta é a mensagem da 1ª leitura de hoje (Sf2 e 3). Deus não se
deixa pressionar pelo poder do mais forte. Se os outros não o fazem, ele cuida
dos pobres e dos fracos e lhes faz justiça (salmo responsorial: Sl 146[l45]).
Quando Jesus
inicia sua pregação, realiza-se plenamente essa manifestação de Deus que o
Antigo Testamento já intuiu. Deus se dirige aos pobres e oprimidos, para lhes
fazer justiça e para, com eles, realizar o reinado de sua vontade, cheia de
amor e misericórdia. É esse o sentido das “bem-aventuranças” (evangelho) com as
quais Jesus entoa sua pregação. Hoje ouvimos as bem-aventuranças na versão de
Mt. Proclamam a felicidade, finalmente realizada, destes “pobres de Deus”. E
também daqueles que choram, dos não-violentos etc. Mas, em comparação com a
versão que Lc nos ensina (1), Mt não apenas proclama, mas também interpreta e
exorta. Coloca os conceitos de pobreza, fome, sede nos seus devidos parâmetros,
pois neles todos os pobres são pobres de Deus!
Todos nós
conhecemos os donos de favela que exploram seus semelhantes mais infelizes do
que eles… Em Mt, a primeira bem-aventurança se dirige aos que, no modo hebraico
de falar, são “curvados no seu alento”, pobres até a alma, como a Bíblia diz
dos “pobres de Deus”. A bem-aventurança não se dirige ao pobre com mania de
rico, mas às pessoas que assumem sua pobreza, sabendo que Deus tem outros
critérios de felicidade do que nós. E quando se trata dos que têm fome e sede,
que tenham, antes de tudo, fome e sede da justiça de Deus, incomparável com a
justiça humana. Pois só essa justiça fará com que tudo seja radicalmente bom.
Assim, o estado de espírito dos que são aqui felicitados torna-se um programa
de vida para todos os que querem ser do Reino.
Nosso contexto
oferece bastante ensejo para uma meditação atualizada das bem-aventuranças.
Podemos felicitar os muitos que sofrem por causa da sua sede pela justiça de
Deus; podemos felicitar os que, em nome do ideal do amor cristão, entram em
conflito, em questões de salário, terra, família etc. Mas, para sermos
completamente fiéis ao espírito com o qual Mt formula esta mensagem, devemos
também insistir no programa de vida que as bem-aventuranças significam, mesmo para
aqueles que talvez não sejam pobres materialmente, mas que, de toda maneira,
são chamados a se tomarem distribuidores de misericórdia (Mt 5,7), artesãos de
paz (5,9) etc. Dom e tarefa: este é o sentido das bem-aventuranças. E,
acreditando em sua mensagem, realizaremos já, um pouco, a utopia da justiça de
Deus.
A 2ª leitura
continua com a 1Cor. Casualmente, confirma o ensinamento das duas outras
leituras, mostrando que Deus não escolhe o que é forte, neste mundo, mas o que
é fraco – como, de fato, muitos dos primeiros cristãos eram. Paulo explica as
razões teológicas disso: ninguém deve gloriar-se diante de Deus; se alguém
quiser gloriar-se, torne-se pequeno, para se gloriar naquilo que Deus realiza,
conforme a sua justiça.
A pobreza,
quando assumida “de coração”, é a situação privilegiada para reconhecer a
justiça de Deus. Riqueza e poder tornam cego. Mas quem vive a situação de
pobreza como uma procura da justiça de Deus, esse tem chances de a encontrar.
Por isso, os pobres são o sacramento da justiça de Deus. O salmo responsorial
está nitidamente dentro do tema dos “pobres de Deus”. Também o canto da
comunhão (opção II). Escolhendo o prefácio dos domingos do tempo comum I,
pode-se acentuar a escolha que Deus faz, transformando-nos, por seu bom grado,
em povo santo e eleito.
Os “pobres no
espírito”
A insistente
pregação de Jesus e da Igreja em favor dos pobres incomoda certas pessoas. Nas
Bem-aventuranças segundo Mt (evangelho), Jesus felicita os “pobres no
espírito”. Por que “no espírito”? Talvez não sejam os materialmente pobres? É
possível ser pobre no espírito e rico materialmente?
Já no Antigo
Testamento (1ª leitura), Deus mostra que seu favor não depende de poder e
riqueza. Ele prefere os que praticam a justiça, ainda que pobres: os “pobres do
Senhor”. Isso era difícil entender para os antigos israelitas, que – como muita
gente hoje – viam na riqueza uma prova do favor de Deus.
Jesus, no
evangelho, anuncia o Reino de Deus, como dom e missão, aos que têm esse
espírito dos “pobres de Deus”: os que não pretendem dominar os outros pelo
poder e a riqueza, mas se dispõem a colaborar na construção do reino de amor,
justiça e paz, tornando-se pobres, colocando-se do lado dos pobres e confiando
antes de tudo no poder de Deus e no valor de sua “justiça”, que é a sua
vontade, seu plano de salvação. Os “pobres de Deus” assumem atitudes inspiradas
por Deus e seu reino: pobreza (não apenas forçosa, mas no espírito e no
coração), paciência (com firmeza), justiça (com garra), paz (na sinceridade)
etc. Aos que vivem assim, Jesus anuncia a felicidade (“bem-aventurança”) do
reino. Esses são os cidadãos do reino, os herdeiros da terra prometida. E, de
fato, o “manso”, o não-violento tem bem mais condições de usar a terra que o
grileiro. Os pobres solidários constroem uma sociedade melhor que os ricos
egoístas. Há quem diga que as Bem-aventuranças não visam os pobres
materialmente, porque esses não podem ser os “promotores da paz” aos quais se
refere a sétima bem-aventurança (Mt 5,9). Mas será que a verdadeira paz, fruto
da justiça, não é promovida pelos pobres e os que em solidariedade com eles
lutam pelo direito de todos?
O apóstolo
Paulo ensina que Deus escolheu os pobres e os simples para envergonhar os que
se acham importantes (2ª leitura). Deus é quem tem a última palavra. Demonstrou
isso em Jesus, morto e ressuscitado. Demonstrou isso também em Paulo, que
abandonou seu status de judeu e fariseu, para se tornar desprezado, seguidor de
Jesus. Não pela posição e pelo poder, mas pelo; despojamento radical é que
Paulo se tornou participante da obra de Cristo.
Devemos optar,
na vida, pelos valores do Reino e não pelo poder baseado na opressão, na
exploração…. Devemos optar pelos pobres e não pelos que os empobrecem! Para
isso precisamos de desprendimento, pobreza até no nosso íntimo (“no espírito”).
A bem-aventurança não vale para pobre com mania de rico! Os pobres no espírito
são os que não apenas “queriam”, mas efetivamente querem e optam por formar
“povo de Deus” com os oprimidos e empobrecidos, porque têm fome e sede do Reino
de Deus e sua justiça.
(1) Lc
(6,20-26) traz apenas quatro bem-aventuranças (em vez de nove, como Mt) e
também quatro maldições (aos ricos etc.), que não ocorrem em Mt. Além disso, em
Lc as Bem-Aventuranças são uma interpelação ao auditório de Jesus (“Bem-aventurados,
vós..”); em Mt, são sentenças gerais (“Bem-aventurados os…”).